Acessibilidade / Reportar erro

Flora das cangas da Serra dos Carajás, Pará, Brasil: Polygonaceae

Flora of the canga of the Serra dos Carajás, Pará, Brazil: Polygonaceae

Resumo

É apresentado um tratamento florístico das espécies de Polygonaceae ocorrentes na Serra dos Carajás, Pará. Dois gêneros e cinco espécies foram registrados nas áreas de canga: Cocoloba coronata, C. mollis, C. parimensis, Polygonum acuminatum e P. hydropiperoides, e na floresta de terra firme ocorre Ruprechtia brachysepala Meisn. São incluídas descrições, ilustrações, chaves de identificação e comentários das espécies.

Palavras-chave:
Amazônia; Floresta Nacional de Carajás; florística; taxonomia

Abstract

This is the account of the species of Polygonaceae registered for the Serra dos Carajás, Pará state. Two genera and five species have been reported from the canga: Coccoloba coronata, C. mollis and C. parimensis, Polygonum acuminatum, and P. hydropiperoides, while, in the forest, Ruprechtia brachysepala Meisn. has been reported. Descriptions, illustrations, keys and comments are provided.

Key words:
Amazonia; Carajás National Forest; floristics; taxonomy

Polygonaceae

Polygonaceae Meisn. inclui 42 gêneros e cerca de 1100 espécies, distribuídas principalmente nas regiões temperadas do hemisfério Norte (Cialdella & Brandbyge 2001Cialdella AM & Brandbyge J (2001) Polygonaceae. : Spichiger R & Ramella L (eds.) Flora del Paraguay. Vol. 33. Conservatoire et Jardin Botaniques de La ville de Genève & Missouri Botanical Garden, Saint Louis. 107p.). Para a região Neotropical foram registrados 15 gêneros e cerca de 680 espécies (Maas & Westra 1998Maas PJM & Westra LY (1998) Familias de plantas neotropicales. A.R.G. Gantner Verlag, Alemanha. 315p.; BFG 2015BFG - The Brazil Flora Group (2015) Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113. 2015. DOI: 10.1590/2175-7860201566411
https://doi.org/10.1590/2175-78602015664...
). No Brasil, ocorrem sete gêneros nativos, sendo Polygonum L. e Rumex L. constituídos por plantas herbáceas e Coccoloba P. Browne ex L., Muehlenbeckia Meisn., Ruprechtia Meisn., Symmeria Meisn. e Triplaris Loefl. ex L. formados por plantas arbóreas, arbustivas ou lianas. Antigonum leptopus Hook & Arn. originária do México e América Central é uma trepadeira com belas flores rosas ou brancas, e no Brasil com o nome popular de "amor-agarradinho" é cultivada de Norte a Sul. A maioria das espécies de Polygonaceae cresce em solos úmidos ou encharcados, em matas de várzeas, igarapés, igapós, matas ciliares, margem de rios, lagoas e restingas (Melo 2004Melo E (2004) As espécies de Coccoloba P. Browne (Polygonaceae) da Amazônia brasileira. Acta Amazonica 34: 525-551. ), mas também pode ocorrer em regiões semiáridas, em caatingas, cerrados, matas estacionais e campos rupestres (Melo & França 2006Melo E & França F (2006) A família Polygonaceae no semiárido brasileiro. : Giulietti AM, Conceição AA & Queiroz LP (eds.) Diversidade e caracterização das fanerógamas do semiárido brasileiro. Associação Plantas do Nordeste, Recife. Pp. 437-488.). A família é reconhecida por apresentar ramos articulados, com nós e entrenós nitidamente marcados, folhas simples, alternas, inteiras, com estípulas concrescidas formando uma ócrea na base do pecíolo; inflorescências em tirsos terminais paniculados, racemosos ou fascículos axilares; flores pequenas, com perianto monoclamídeo ou raramente com pétalas vestigiais, bissexuadas ou unissexuadas; ovário súpero, 2-3 carpelar, unilocular, com um único óvulo basal e frutos com cálice persistente, formando um antocarpo, que pode ser crasso ou suculento (acrossarco), ou seco, com perianto frutífero não alado (diclésio) ou expandido em alas (pseudosâmara) (Spjut 1994Spjut RW (1994) A systematic treatment of fruit types. Memoirs of the New York Botanical Garden 70: 1-182. ).

Na Serra dos Carajás, nas áreas de canga e nos capões (florestas baixas que entremeiam as cangas, com solo ferruginoso) foram registrados os gêneros Coccoloba e Polygonun com cinco espécies, enquanto na floresta de terra firme ocorre uma espécie de Ruprechtia. Essas espécies parecem ser raras na área devido ao pequeno número de coletas, necessitando uma maior amostragem para entendimento da amplitude de variação morfológica resultando em melhor distinção das espécies, estabelecimento do período de floração e frutificação, bem como, da época de deciduidade da folhagem nas espécies arbóreas.

    Chave de identificação dos gêneros de Polygonaceae da Serra dos Carajás
  • 1...... Ervas ou subarbustos eretos; estigmas capitados; fruto diclésio, perianto frutífero não acrescente.............. ................................................................................................................................................... 2. Polygonum

  • 1'....... Árvores, arbustos escandentes ou lianas; estigmas lobados; fruto pseudosâmara ou acrossarco............... 2

    • 2. Fruto acrossarco; perianto frutífero suculento ou crasso, aderido ao pericarpo; sépalas não expandidas; pétalas ausentes ................................................................................................................. 1. Coccoloba

    • 2'. Fruto pseudosâmara; perianto frutífero membranáceo ou coriáceo, alado, não aderido ao pericarpo; sépalas expandidas formando alas, envolvendo a núcula; pétalas vestigiais presentes 3. Ruprechtia

1. Coccoloba P. Browne ex L.

O gênero apresenta cerca de 400 espécies distribuídas na região Neotropical (Howard 1960Howard RA (1960) Studies in the Genus Coccoloba, IX. A critique of the South American species. Journal Arnold Arboretum 41: 213-390. ). São árvores, arbustos escandentes ou lianas, com flores actinomorfas, monoclamídeas, perianto formado por 5 sépalas unidas na base, 8 estames adnatos à base do perianto, gineceu 3-carpelar e fruto acrossarco. As espécies do gênero têm morfologia floral homogênea, sendo o hábito, a morfologia das ócreas, brácteas e ocréolas, relação pecíolo-ócrea e caracteres do perianto frutífero e núculas, os caracteres taxonômicos mais relevantes para separação das espécies. No Brasil ocorrem 45 espécies de norte a sul do país, encontradas especialmente em matas sazonais, matas ciliares, mata atlântica, mata amazônica, campos rupestres, cerrados, caatingas, restingas e várzeas (BFG 2015). Apenas duas espécies são registradas para áreas de canga no estado de Minas Gerais: Coccoloba scandens Casar. e C. acrostichoides Cham. (Mourão &Stehmann 2007Mourão A & Stehmann JR (2007) Levantamento da flora do campo rupestre sobre canga hematítica couraçada remanescente na mina do Buruti, Barão de Cocais, Minas Gerais, Brasil. Rodriguésia 58: 775-786. ; Viana & Lombardi 2007Viana PL & Lombardi JA (2007) Florística e caracterização dos campos rupestres sobre canga na Serra da Calçada, Minas Gerais, Brasil. Rodriguésia 58: 159-177.; Jacobi & Carmo 2008Jacobi CM & Carmo FF (2008) Diversidade dos campos rupestres ferruginosos no Quadrilátero Ferrífero, MG. Megadiversidade 4: 25-33. ; Ataíde et al. 2011Ataíde ES, Castro PTA & Fernandes GW (2011) Florística e caracterização de uma área de campo ferruginoso no complexo minerário Alegria, Serra de Antônio Pereira, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Revista Árvore 35: 1265-1275.). Coccoloba latifolia citada por Silva et al. (1996)Silva MFF, Secco RS & Lobo MGA (1996) Aspectos ecológicos da vegetação rupestre da Serra dos Carajás, Estado do Pará, Brasil. Acta Amazônica 26: 17-44. sob no. "Silva et al. 2485" na primeira lista da cangas de Carajás, não foi localizada nos herbários examinados. Essa espécie tem distribuição na região amazônica e provavelmente foi coletada em área de floresta de terra firme. Para as cangas da Serra dos Carajás foram registradas três espécies.

    Chave para identificação das espécies de Coccoloba das cangas da Serra dos Carajás
  • 1. Árvores a arbustos eretos; tirsos paniculados; ócreas pubescentes...... 1.2. Coccoloba mollis

  • 1'. Arbustos escandentes ou lianas; tirsos racemosos; ócreas glabras ou pubérulas.................... 2

    • 2. Pecíolo articulado à ócrea, inserido na base ou pouco acima da base; ocréolas com borda truncada ou subtruncada...................................................................................................................... 1.1. Coccoloba coronata

    • 2'. Pecíolo não articulado à ócrea, inserido abaixo da base da ócrea; ocréolas com borda bilobada ................................................................................................................... 1.3. Coccoloba parimensis

1.1. Coccoloba coronata Jacq., Enum. Pl. Carib. 19. 1760. Fig. 1a-e

Figura 1
a-e. Coccoloba coronata - a. hábito; b. detalhe da ócrea; c. bráctea e ocréola; d. perianto frutífero; e. núcula. f-i. Coccoloba mollis - f. detalhe da ócrea; g. bráctea e ocréola; h. pericarpo imaturo; i. núcula. j-l. Coccoloba parimensis - j. detalhe da ócrea; k. bráctea e ocréola; l. perianto frutífero. m-o. Polygonum acuminatum - m. detalhe da ócrea; n. perianto frutífero; o. núcula. p-r. Polygonum hydropiperoides - p. detalhe da ócrea; q. perianto frutífero; r. núcula. s-t. Ruprechtia brachysepala - s. perianto frutífero; t. núcula. (a-e. M.O. Pivani et al. 1697; f-i. C.R. Sperling et al. 63248; j-l. O.C. Nascimento & R.P. Bahia 1187; m-o. J.R. Trindade 226; p-r. N.F.O.Mota 1936; s-t. A.S.L. da Silva et al. 1977).
Figure 1
a-e. Coccoloba coronata - a. habit; b. ochreae in detail; c. bract and ochreola; d. fruiting perianth; e. nutlet. f-i. Coccoloba mollis - f. ochrea in detail; g. bract and ochreola; h. pericarp immature; i. nutlet. j-l. Coccoloba parimensis - j. ochreae in detail; k. bract and ochreola; l. fruiting perianth. m-o. Polygonum acuminatum - m. ochreae in detail; n. fruiting perianth; o. nutlet. p-r. Polygonum hydropiperoides - p. ochreae in detail; q. fruiting perianth; r. nutlet. s-t. Ruprechtia brachysepala - s. fruiting perianth; t. nutlet. (a-e. M.O. Pivani et al. 1697; f-i. C.R. Sperling et al. 63248; j-l. O.C. Nascimento & R.P. Bahia 1187; m-o. J.R. Trindade 226; p-r. N.F.O.Mota 1936; s-t. A.S.L. da Silva et al. 1977).

Arbustos escandentes, arvoretas ou árvores 2,5-4 m alt.; ramos glabros. Folhas com pecíolo 0,5-1 cm compr., pubescente, inserido na base da ócrea ou pouco acima, lâmina 5-12 × 2-8 cm; elíptica ou oboval ápice agudo a curto acuminado, base aguda, obtusa, truncada ou subtruncada, margem plana ou ondulada, membranácea, discolor, face adaxial glabra, face abaxial glabra ou pubérula, nervuras planas ou proemintes, 8-15 pares de nervuras laterais; glândulas inconspícuas; ócrea 1-1,5 cm compr., membranácea a subcoriácea, glabra ou pubérula, borda longo atenuada, decídua. Tirsos simples, racemosos 2,5-3,5 cm compr., sobre curtos braquiblastos; pedúnculos 1-2 mm compr., glabros, inclusos nas ocréolas; brácteas 1-2 mm compr., triangulares, coriáceas, glabras; ocréolas 1-2,5 mm compr., cilíndricas, membranáceas, borda truncada ou subtruncada. Flores bissexuadas; perianto glabro, 2-2,5 mm compr., infundibuliforme. Fruto 5-8 mm compr., ovoide, perianto frutífero glabro, ápice ligeiramente acrescente; núcula ovoide, ápice truncado enquanto imaturo; pedúnculos frutíferos 2-4 mm compr., glabros.

Material examinado: Canaã dos Carajás, Serra Sul, S11D, a direita da área da pilha de estéril, 6º27'11"S, 50º20'17"W, 10.XII.2012, fr., M.O. Pivari et al. 1697 (BHCB). Canaã dos Carajás, 06.I.2001, fr., L.C.B. Lobato et al. 2589 (HUEFS, MG).

A espécie ocorre mais frequentemente em áreas de florestas de terra firme, onde pode atingir mais de 10 metros de altura. É pouco amostrada na área de estudo, sendo recomendado maior número de coletas para a obtenção de parâmetros ecológicos mais precisos. É semelhante no hábito a Coccoloba parimensis, mas podem ser distintas porque C. coronata apresenta as folhas elípticas ou obovais, com a base truncada ou subtruncada, pecíolo articulado na base da ócrea ou pouco acima e pelas ocréolas cilíndricas com borda truncada ou subtruncada, enquanto C. parimensis apresenta folhas muito variáveis, mas nunca obovais, pecíolo inserido abaixo da ócrea, e não articulado, e ocréolas infundibuliformes, com borda bilobada.

Coccoloba coronata tem distribuição desde a América Central (Guatemala, Panamá e Granada) até a América do Sul incluindo Colômbia, Venezuela, Equador, Peru e Brasil, onde ocorre no Amazonas, Pará, Tocantins e Maranhão (BFG 2015). Na Serra dos Carajás foi registrada na Serra Sul: S11D, em borda de mata e capão, com frutos em dezembro.

1.2. Coccoloba mollis Casar., Nov. Stirp. bras.: 72. 1844. Fig. 1f-i

Arbustos, arvoretas ou árvores até 20m alt.; ramos pubescentes. Folhas com pecíolo 1,5-4 cm compr., pubescente, inserido acima da base da ócrea e articulado a ela; lâmina 9-16 × 6-14 cm; oval ou oblonga, ápice agudo, obtuso ou curto acuminado, base obtusa, cordada, subcordada, truncada ou subarredondada, margem plana, membranácea ou coriácea, face adaxial glabra, face abaxial glabra, pubérula ou pubescente, nervuras proeminentes, 8-16 pares de nervuras laterais, glândulas não observadas; ócrea 2-4 cm compr., coriácea, pubescente, marcescente, borda oblíquo-truncada ou atenuada, base persistente. Tirsos paniculados 10-30 cm compr.; pedúnculos ca. 1mm compr., pubescentes, inclusos nas ocréolas; brácteas 0,5-1 mm compr., triangulares, pubérulas ou pubescentes; ocréolas 1-2 mm compr., campanuladas, coriáceas, pubérulas, borda bilobada. Flores bissexuadas; perianto glabro, 2,5-3 mm compr., hipanto tubuloso ou campanulado. Fruto 0,5-1 cm compr., ovoide, globoso ou subgloboso, glabro, pubérulo ou pubescente, ápice mamilado, núcula ovoide, ápice obtuso; pedúnculos frutíferos 2-6 mm compr., glabros.

Material examinado: Parauapebas, Serra Norte, ca. 39 km E da AMZA, Camp N-5, 06º04'S 49º55'W, 150 m, 23.VI.1982, fr., C.R. Sperling et al. 6324 (HUEFS, BHCB, MG).

Apesar de ser muito bem amostrada nos herbários brasileiros, a espécie é pouco coletada na área. Em matas de terra firme pode atingir até 20 metros de altura e apresenta ampla variação morfológica nas folhas incluindo forma, dimensões e textura. Mesmo apresentando variação, a espécie é de fácil identificação, por apresentar pubescência geral nos ramos, ócreas e pedúnculos, além de ser a única com inflorescências em tirsos paniculados.

A espécie tem distribuição Neotropical, ocorrendo desde a América Central: Costa Rica e Panamá até a América do Sul: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Suriname e Venezuela. No Brasil ocorre nas regiões Norte: Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Rondônia; Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco e Piauí, Centro Oeste: Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; e Sudeste: Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Na Serra dos Carajás: Serra Norte: N5, em mata com palmeira babaçu.

1.3. Coccoloba parimensis Benth., J. Bot. 4: 626. 1845. Fig. 1j-l

Arbustos escandentes ou lianas; ramos glabros ou pubérulos. Folhas com pecíolo 0,5-2 cm compr., glabro, inserido abaixo da base da ócrea e não articulado; lâmina 5-8 × 2-5 cm; elíptica ou oblongo-lanceolada, ápice agudo, obtuso ou curto acuminado, base obtusa, aguda, arredondada ou subcordada, membranácea ou coriácea, face adaxial glabra, 5-16 pares de nervuras laterais, glândulas punctiformes presentes; ócrea 2-4,5 cm compr., membranácea, glabra ou pubérula, borda aguda ou atenuada, decídua. Tirsos simples, racemosos, 4-7 cm; pedúnculos 1-4mm compr., glabros, inclusos nas ocréolas; brácteas 0,3-0,5 mm compr., triangulares, escamiformes, coriáceas, pubérulas; ocréolas 2-4 mm compr., infundibuliformes, membranáceas, glabras ou pubérulas, borda bilobada. Flores bissexuadas, 1,5-2 mm compr., perianto, glabro ou pubérulo, hipanto infundibuliforme ou campanulado. Fruto 0,5-1 cm compr., ovoide ou globoso, perianto frutífero glabro, núcula ovoide ou subglobosa, pedúnculos frutíferos 3-6 mm compr., glabros.

Material examinado: Canaã dos Carajás, Serra Sul, S11C, 6º20'38"S, 50º25'22"W, 12.X.2008, fl., L.V. Costa et al. 591 (BHCB); estrada do Estéril Sul, proximidades da Barragem, 06.II.1985, fr., O.C. Nascimento & R.P. Bahia 1187 (MG).

Espécie bem amostrada nos herbários brasileiros, porém pouco coletada na área. Possui variação em relação às folhas, incluindo dimensões, formato e pilosidade, e nas inflorescências, pubescência dos ramos, pedúnculos e ócreas. A característica mais marcante da espécie é a presença de ócrea não articulada, ou seja, o pecíolo está inserido abaixo da inserção da ócrea. Após a queda da ócrea é possível observar uma cicatriz circular logo acima da inserção do pecíolo, ou a cicatriz do pecíolo.

Ocorre no Caribe em Trinidade e Tobago e na América do Sul: Venezuela, Peru e Brasil, onde ocorre nas regiões Norte: Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima; Nordeste: Alagoas, Bahia e Maranhão; Centro Oeste: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e Sudeste: Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo (Melo & França 2006Melo E & França F (2006) A família Polygonaceae no semiárido brasileiro. : Giulietti AM, Conceição AA & Queiroz LP (eds.) Diversidade e caracterização das fanerógamas do semiárido brasileiro. Associação Plantas do Nordeste, Recife. Pp. 437-488.). Na Serra dos Carajás foi registrada na Serra Sul: S11C.

2. Polygonum L.

Polygonum inclui cerca de 200 espécies, com distribuição cosmopolita, ocorrendo em áreas alagáveis, às margens de rios, lagoas e locais brejosos (Cialdella & Brandbyge 2001Cialdella AM & Brandbyge J (2001) Polygonaceae. : Spichiger R & Ramella L (eds.) Flora del Paraguay. Vol. 33. Conservatoire et Jardin Botaniques de La ville de Genève & Missouri Botanical Garden, Saint Louis. 107p.). As espécies são herbáceas, com nós radicantes, folhas com ócreas persistentes com pecíolo articulado e fruto diclésio. As principais características taxonômicas para identificação das espécies são a pilosidade geral dos ramos, ócreas e ocréolas, formato das folhas, ramificação das inflorescências e forma do perianto frutífero e das núculas e estigmas capitados. No Brasil ocorrem 16 espécies distribuídas em todos os estados (BFG 2015). Na Serra dos Carajás ocorrem duas espécies, ambas associadas a corpos aquíferos.

    Chave de identificação para as espécies de Polygonum das cangas da Serra dos Carajás
  • 1. Lâmina foliar sem glândulas punctiformes evidentes na face abaxial. Perianto frutífero acrescente, núculas lenticulares com faces convexas................................................................................... 2.1. Polygonum acuminatum

  • 1'. Lâmina foliar com glândulas punctiformes na face abaxial. Perianto frutífero não acrescente, núculas trigonais 2.2. Polygonum hydropiperoides

2.1. Polygonum acuminatum Kunth, Nov. Gen. et Sp. Pl. 2: 178. 1817. Fig. 1m-o

Ervas 0,4-1,5 m alt., ramos glabros, pubérulos ou pubescentes, estrigosos, frequentemente vináceos ou avermelhados. Folhas com pecíolo 0,5-1 cm compr., pubescente ou pubérulo; lâmina 10-20 × 1,5-3 cm; lanceolada, ápice agudo longo-atenuado, aguda, base obtusa ou arredondada, pubescente em ambas as faces, tomentosa ou estrigosa, glabrescente, raro glabra, margem inteira, sem glândulas punctiformes evidentes; ócrea 1-2,5 cm compr., pubescente, glabrescente, borda truncada, ciliada, com longos tricomas setosos. Tirsos racemosos, 2,5-4 cm compr.; pedúnculos bi- ou trifurcados, pubescentes tomentosos a glabrescentes, sem tricomas glandulares; ocréolas cônico-afuniladas, borda ciliada. Flores bissexuadas, 2-3 mm compr., brancas ou branco-esverdeadas, estames 7-8, gineceu 2-carpelar, 2 estiletes. Fruto 2-3 mm compr., perianto frutífero glabro, lobos ligeiramente acrescentes, sem glândulas punctiformes, núculas lenticulares, faces ovaladas, convexas, lisas, enegrecidas.

Material selecionado: Parauapebas, Serra Norte, N3, 22.VI.2015, fl. e fr., J.R. Trindade et al. 226 (MG).

Essa espécie se caracteriza por apresentar ramos, folhas, ócreas e inflorescências pubescentes a estrigosas, mas essa pilosidade é bastante variável, podendo ser perdida em plantas submersas, ócreas e ocréolas com borda ciliada, com longos tricomas setosos, e pedúnculos da inflorescência com tricomas simples. A única amostra examinada da área apresenta ramos e ócreas glabros, talvez pelo fato de estar parcialmente submersa no lago. O perianto frutífero pode ter lobos ligeiramente acrescentes, encobrindo completamente a núcula, que é lenticular, de faces convexas ovaladas, caracteres que a distingue de Polygonum hydropiperoides que apresenta núcula trígona, com faces lobadas.

Polygonum acuminatum tem distribuição na América Central e na América do Sul, onde ocorre na Argentina, Brasil e Paraguai. No Brasil ocorre nas Regiões Norte: Acre, Amapá, Amazonas ePará; Nordeste: Alagoas; Centro Oeste: Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; Sudeste: Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo; e Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (BFG 2015).

2.2. Polygonum hydropiperoides Michx., Fl. Bor-amer. 1: 239. 1803. Figs. 1p-r; 2

Figure 2
Polygonum hydropiperoides - inflorescência. Foto: Nara F.O. Mota
Figure 2
Polygonum hydropiperoides - infloresccence. Photo: Nara F.O. Mota

Ervas anuais ou perenes, 0,5-1 m alt.; ramos glabros, frequentemente avermelhados. Folhas com pecíolo 0,5-1,5 cm compr., glabro; lâmina 5-8 × 1-1,5 cm; lanceolada, ápice agudo, base aguda ou obtusa, atenuada, glabra ou com tricomas restritos às nervuras, margem ciliada; face abaxial com glândulas punctiformes opacas e esbranquiçadas; ócrea 1-1,5 cm compr., glabra ou pubérula, borda ciliada com longos tricomas setosos. Tirsos racemosos 3-5 cm compr.; pedúnculos bi- ou trifurcados, glabros; ocréolas cônicas, glabras, margem ciliada, sem glândulas. Flores bissexuadas, 2-3 mm compr., brancas, branco-esverdeadas, rosadas ou vináceas, estames 7-8, gineceu 2-3-carpelar, 2-3 estiletes. Fruto 1-2 mm compr., perianto frutífero glabro, lobos não acrescentes, sem glândulas punctiformes, núculas trigonais, faces lobadas, lisas e brilhantes.

Material examinado: Canaã dos Carajás, Serra do Rabo, 06º17'41"S, 49º54'53"W, 710 m, 17.XII.2010, fl. e fr., N.F.O. Mota et al. 1936 (BHCB).

Espécie muito similar no hábito e flores com Polygonum acuminatum e com P. punctatum que não ocorre na área. Porém, P. hydropiperoides apresenta ramos, folhas e ócreas glabras ou pubérulas, com tricomas restritos às nervuras, perianto frutífero com lobos não acrescentes e núculas trigonais, com faces lobadas, enquanto P. acuminatum normalmente apresenta ramos, folhas e ócreas pubescentes, perianto frutífero com lobos ligeiramente acrescentes e núculas lenticulares, com faces ovaladas (Figs. 1q-r; 2).

Espécie com distribuição Neotropical, ocorrendo na Américas Central e do Sul. No Brasil ocorre nas Regiões Norte: Pará; Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Sergipe; Centro Oeste: Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; Sudeste: Minas Gerais, Rio de Janeiro, e São Paulo; e Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (BFG 2015BFG - The Brazil Flora Group (2015) Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113. 2015. DOI: 10.1590/2175-7860201566411
https://doi.org/10.1590/2175-78602015664...
). Na Serra dos Carajás ocorre no Parque Nacional dos Campos Ferruginosos, na Serra do Rabo e foi coletada parcialmente submersa na margem do brejo.

3. Ruprechtia C.A. Mey.

Ruprechtia inclui 37 espécies, com distribuição do Sul do México, passando pela América Central e atingindo a América do Sul. O Brasil com 15 espécies apresenta a maior riqueza entre os países (Pendry 2004Pendry CA (2004) Monograph of Ruprechtia (Polygonaceae). Systematic Botany Monographs 67: 1-113.; BFG 2015BFG - The Brazil Flora Group (2015) Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113. 2015. DOI: 10.1590/2175-7860201566411
https://doi.org/10.1590/2175-78602015664...
). São árvores, arbustos ou lianas, dioicas, com folhas simples e grande variação na morfologia foliar, mesmo em um só indivíduo, o que dificulta a identificação das espécies. As flores são similares às de outras Polygonaceae, porém com pétalas vestigiais. Os frutos são pseudosâmaras, onde o perianto frutífero apresenta as três sépalas fundidas na base formando um pequeno tubo, onde as alas se desenvolvem. Na maturação adquirem coloração vinácea, vermelha, rosada ou amarelo-esverdeada. Na Serra dos Carajás foi coletada apenas uma espécie, em área de floresta.

3.1. Ruprechtia brachysepala Meisn., Mart., Fl. bras. 5(1): 57. 1855. Fig. 1r-t

Árvores ou arbustos escandentes, 2-6 m alt., copa desenvolvida; ramos glabros ou pubérulos, com medula sólida. Folhas com pecíolo 0,5-1 cm compr.; lâmina 4-8 × 2-4 cm; elíptica, oval ou oblonga, ápice agudo, obtuso, acuminado ou cuspidado, base obtusa ou cordada, raro atenuada, coriácea, glabra ou com tricomas esparsos sobre as nervuras, margem inteira, plana a levemente ondulada, glândulas punctiformes ausentes; ócrea ciliada, borda truncada, decídua, visível apenas no ápice dos ramos jovens. Tirsos racemosos, 2-5 cm compr., laxifloros; brácteas e ocréolas 1-2 mm compr., pubérulas, borda ciliada; pedicelos 1-2 mm compr., glabros ou pubérulos. Flores unissexuadas, branco-esverdeadas ou verde-amareladas. Flores estaminadas: sépalas ovais cuculadas, pétalas ovais, glabras, filetes 3-4 mm compr. Flores pistiladas: sépalas ovais, lacínios agudos, pétalas lineares ou elípticas, glabras a pubescentes, estaminódios inconspícuos, ovário 3-carpelar. Fruto 1-1,5 cm compr., perianto frutífero membranáceo ou coriáceo, com tubo reduzido, alas ovais, não aderidas ao perianto, coriáceas, glabras ou esparsamente pubescentes, livres desde a base; núcula 0,5-1 cm compr., ovoide, trilobada, lisa, glabra a esparsamente pubescente.

Material examinado: Parauapebas [Marabá], Serra dos Carajás, margem do rio Itacaiunas, mata de terra firme, com cipó, 24.III.1984, fr., A.S.L. Silva et al. 1977 (INPA, MG).

A espécie pode ser distinta de outras do gênero, por apresentar perianto frutífero alado, com tubo reduzido, alas ovais livres até a base, glabras, coriáceas e sem nervuras laterais evidentes.

A espécie tem distribuição na América do Sul, incluindo: Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Bolívia, Brasil, Paraguai e Argentina (Cocucci 1957Cocucci AE (1957) El género Ruprechtia (Polygonaceae) en Argentina, Paraguay y Uruguay. Vol. 2. Museo Botánico Córdoba, Córdoba. Pp. 559-571.; Pendry 2004Pendry CA (2004) Monograph of Ruprechtia (Polygonaceae). Systematic Botany Monographs 67: 1-113.). No Brasil ocorre nas Regiões Norte: Amapá, Amazonas, Pará e Roraima; Nordeste: Maranhão e Piauí e no Centro Oeste: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

  • Lista de exsicatas
    Costa LV 591(1.3). Lobato LCB 2589 (1.1). Mota NFO 1936 (2.2). Nascimento OC 1187 (1.3). Pivari MO 1697 (1.1). Silva ASL 1977 (3.1). Sperling CR 6324 (1.2). Trindade JR 226 (2.1); 234 (2.1).
  • Editora de área: Dra. Ana Giulietti

Agradecimentos

À Universidade Estadual de Feira de Santana, o apoio ao desenvolvimento desse trabalho. Aos curadores dos herbários consultados, o acesso aos materiais da coleção, através de empréstimos, doações e permuta de exsicatas. À Ana Maria Giulietti e Pedro Viana, o incentivo à produção deste trabalho. A Nara Mota, a fotografia de Polygonum hydropiperoides em campo. Ao Lucas Marinho, a finalização da prancha. Ao Instituto Tecnológico Vale (01205.000250/2014-10) e ao CNPq (processo 455505/2014-4), o financiamento do projeto.

Referências

  • Ataíde ES, Castro PTA & Fernandes GW (2011) Florística e caracterização de uma área de campo ferruginoso no complexo minerário Alegria, Serra de Antônio Pereira, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Revista Árvore 35: 1265-1275.
  • BFG - The Brazil Flora Group (2015) Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113. 2015. DOI: 10.1590/2175-7860201566411
    » https://doi.org/10.1590/2175-7860201566411
  • Cialdella AM & Brandbyge J (2001) Polygonaceae. : Spichiger R & Ramella L (eds.) Flora del Paraguay. Vol. 33. Conservatoire et Jardin Botaniques de La ville de Genève & Missouri Botanical Garden, Saint Louis. 107p.
  • Cocucci AE (1957) El género Ruprechtia (Polygonaceae) en Argentina, Paraguay y Uruguay. Vol. 2. Museo Botánico Córdoba, Córdoba. Pp. 559-571.
  • Howard RA (1960) Studies in the Genus Coccoloba, IX. A critique of the South American species. Journal Arnold Arboretum 41: 213-390.
  • Jacobi CM & Carmo FF (2008) Diversidade dos campos rupestres ferruginosos no Quadrilátero Ferrífero, MG. Megadiversidade 4: 25-33.
  • Maas PJM & Westra LY (1998) Familias de plantas neotropicales. A.R.G. Gantner Verlag, Alemanha. 315p.
  • Melo E (2004) As espécies de Coccoloba P. Browne (Polygonaceae) da Amazônia brasileira. Acta Amazonica 34: 525-551.
  • Melo E & França F (2006) A família Polygonaceae no semiárido brasileiro. : Giulietti AM, Conceição AA & Queiroz LP (eds.) Diversidade e caracterização das fanerógamas do semiárido brasileiro. Associação Plantas do Nordeste, Recife. Pp. 437-488.
  • Mourão A & Stehmann JR (2007) Levantamento da flora do campo rupestre sobre canga hematítica couraçada remanescente na mina do Buruti, Barão de Cocais, Minas Gerais, Brasil. Rodriguésia 58: 775-786.
  • Pendry CA (2004) Monograph of Ruprechtia (Polygonaceae). Systematic Botany Monographs 67: 1-113.
  • Silva MFF, Secco RS & Lobo MGA (1996) Aspectos ecológicos da vegetação rupestre da Serra dos Carajás, Estado do Pará, Brasil. Acta Amazônica 26: 17-44.
  • Spjut RW (1994) A systematic treatment of fruit types. Memoirs of the New York Botanical Garden 70: 1-182.
  • Viana PL & Lombardi JA (2007) Florística e caracterização dos campos rupestres sobre canga na Serra da Calçada, Minas Gerais, Brasil. Rodriguésia 58: 159-177.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2017
  • Aceito
    25 Nov 2017
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão, 915 - Jardim Botânico, 22460-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21)3204-2148, Fax: (55 21) 3204-2071 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rodriguesia@jbrj.gov.br