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Psicanálise e seu papel na plasticidade cerebral: muito mais que um simples blá, blá, blá

CARTA AO EDITOR

Psicanálise e seu papel na plasticidade cerebral: muito mais que um simples blá, blá, blá

Fulvio A. Scorza, Esper A. Cavalheiro

Disciplina de Neurologia Experimental, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

Prezado Editor,

Não é difícil entender por que a relação entre a psicanálise e a neurociência deveria nos interessar. Brevemente, a psicanálise é considerada a ciência da mente e certamente essa atividade mental está associada às estruturas cerebrais. As ideias de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, dominaram explicações de como a mente humana funciona. Do ponto de vista conceitual, sua proposição básica foi de que nossas motivações permanecem em grande parte escondidas no nosso inconsciente. O objetivo da psicoterapia, em seguida, foi levar sintomas neuróticos de volta as suas raízes inconscientes e expô-las ao amadurecimento, julgamento racional, deprimindo, desse modo, o poder compulsivo desses sintomas1. Muito interessante, o próprio Freud reconheceu que as deficiências na nossa descrição poderiam presumivelmente desaparecer se nós já estivéssemos em posição de substituir os termos psicológicos por fisiológicos e químicos1,2. Seguindo esse raciocínio, Freud estava totalmente certo. Desde 2001, importantes neurocientistas estão descobrindo provas para muitas teorias de Freud e testando os mecanismos por trás dos processos mentais descritos por ele1. Assim, uma interessante questão poderia ser avaliada: É possível a existência de plasticidade cerebral endógena? Sim, é possível. Em 1880, Freud já havia proposto que o cérebro tem habilidade para alterar sua própria estrutura. De fato, Freud primeiro propôs uma regra básica da neuroplasticidade, afirmando que os neurônios que disparam juntos conectam juntos e neurônios que disparam separados conectam separados3. A essa descoberta monumental, Freud chamou de lei da associação por simultaneidade. Brevemente, isso significa que quando duas coisas são postas juntas na consciência elas tornam-se associadas nas conexões neuronais do cérebro3. Atualmente, a plasticidade é a habilidade do cérebro adulto para mudar sua anatomia em resposta a estímulos externos ou internos, e os neurônios são as principais unidades na maioria das teorias da função cerebral4. Acrescentando mais neurônios em uma rede existente, deverá existir alto grau de plasticidade4.

De fato, a história não começou dessa maneira. A visão tradicional do cérebro de mamíferos é que não surgiam novos neurônios no cérebro maduro. Essa limitação foi proposta pelo neuroanatomista Santiago Ramon y Cajal que descreveu: nos centros adultos, as vias nervosas são fixas e imutáveis: tudo pode morrer, nada pode ser regenerado. Isto é para ser mudado pela ciência futura, se possível, este decreto5. Hoje em dia, esse cenário foi totalmente alterado desde que o processo de neurogênese na fase adulta tem sido encontrado na zona subventricular do ventrículo lateral (SVZ) e zona subgranular (SGZ) do giro dentado no hipocampo6,7.

De acordo com esse achado, a neurogênese hipocampal na fase adulta tem sido identificada em todas as espécies de mamíferos avaliados até a presente data, incluindo camundongos, ratos, musaranhos, saguis, macacos e humanos6,7. Nesse sentido, é importante notar que, embora vários fatores que afetam a divisão, a migração e a diferenciação das células precursoras neurais tenham sido isolados, isto é, muitos fatores intrínsecos e extrínsecos afetam a neurogênese hipocampal7, e o preciso mecanismo que controla o destino neuronal no sistema nervoso maduro continua desconhecido.

Olhando pelo prisma da psicanálise, embora muitas "escolas" psicanalíticas já tenham estabelecido conclusões dos seus benefícios e um modelo fisiológico dos seus efeitos na estrutura hipocampal e processos fisiológicos, ainda não existe muita investigação no assunto.

Seguindo essa linha de raciocínio, como o hipocampo é uma estrutura plástica e essa plasticidade é a base de como o cérebro se adapta a alterações ao longo do tempo e como a neurogênese hipocampal adulta tem criado uma nova dimensão para a pesquisa na plasticidade estrutural no hipocampo adulto8, abordaremos a seguinte questão: Quais são os efeitos da psicanálise na neurogênese hipocampal?

Sabe-se que o obstáculo enfrentado pela farmacoterapia nas síndromes neuropsiquiátricas está no fato de que muitos pacientes não conseguem se recuperar ao longo do tratamento9,10. Embora as razões para esses resultados clínicos frustrantes continuem desconhecidas, a psicanálise, muitas vezes, é um tratamento adjunto efetivo para essas síndromes. Nesse sentido, acreditamos que o uso da psicanálise nas síndromes neuropsiquiátricas também tem influência positiva direta na neurogênese hipocampal. Primeiro, se a psicanálise afeta o balanço entre a proliferação e a morte celular de maneira positiva, esses novos neurônios são capazes de sobreviver por longos períodos de tempo? Se esse for o caso, tem sido estabelecido que muitos novos neurônios podem sobreviver por longos períodos de tempo7 e as propriedades morfofuncionais dessas novas células têm sido extensivamente estudadas. Assim, essas novas células proliferam e migram continuamente dentro da camada de células granulares, desenvolvem morfologia típica de célula granular e parecem desenvolver propriedades eletrofisiológicas como outras células granulares11-13. A demonstração da integração funcional das novas células granulares na circuitaria hipocampal13,14 e o fato de que elas são capazes de mediar a potenciação de longa duração (LTP)15 levaram à hipótese de que a neurogênese adulta pode exercer importante papel no aprendizado e na memória16. Com base nesses fatos, é pertinente especular que a psicanálise é capaz de induzir a neurogênese hipocampal adulta (que significa, nesse caso, plasticidade hipocampal) e pode levar ao refinamento e à otimização desse processo.

Em conclusão, o hipocampo é uma estrutura cerebral plástica e vulnerável, passível de danos em muitas síndromes neuropsiquiátricas. Considerando isso, como a plasticidade é a base de como o cérebro se adapta às alterações ao longo do tempo e a neurogênese hipocampal adulta tem inserido uma nova dimensão para as pesquisas da plasticidade hipocampal, sugerimos neste artigo que a psicanálise (um estímulo terapêutico) poderia ser um mecanismo interessante na indução da neurogênese hipocampal. Finalmente, Ehrenreich e Sirén17 propuseram, como grande objetivo da pesquisa neurobiológica, aumentar a compreensão dos mecanismos endógenos de proteção, defesa e respostas a danos, adaptação e enfrentamento de novas situações. Dessa maneira, estamos de acordo com os autores anteriormente citados quando afirmam que a neurogênese hipocampal adulta poderia ser considerada um exemplo direto da neuroproteção endógena e a psicanálise poderia exercer ações celulares associadas ao ganho da função cerebral.

Referências

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      2013
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