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Adaptação transcultural para o português da escala Adult Self-Report Scale para avaliação do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) em adultos

Transcultural adaptation of the Adult Self-Report Scale into portuguese for evaluation of adult attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD)

Resumos

Os critérios mais utilizados para o diagnóstico de transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) são aqueles listados pela quarta edição do Diagnostic and Statistical Manual (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria, baseados em estudos de campo com crianças e adolescentes. A Adult Self-Report Scale (ASRS, versão 1.1) foi desenvolvida para adaptar os sintomas listados no DSM-IV para o contexto da vida adulta. O presente estudo consistiu em uma adaptação transcultural do instrumento original em inglês para uma versão final para uso corrente no Brasil. Os resultados indicaram uma equivalência satisfatória entre as versões, tendo sido realizadas alterações após o debriefing, ressaltando a importância dessa etapa em estudos desta natureza.

Transtorno do déficit de atenção; questionários; adaptação transcultural; validação; ASRS


The criteria listed in the fourth edition of the Diagnostic and Statistical Manual (DSM-IV) from the American Psychiatric Association are the most used ones for the diagnosis of Attention-Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) being based on field studies with children and adolescents. The Adult Self-Report Scale (ASRS, version 1.1) was developed to adapt those symptoms to an adult life context. The present study consisted of a transcultural adaptation of the original instrument in English into a final version to be used in Brazil. Results indicated a satisfactory equivalence between versions, with some modifications being done after debriefing, supporting the importance of this step in studies like this.

Attention-deficit; questionnaires; transcultural adaptation; validation


ARTIGO ORIGINAL

Adaptação transcultural para o português da escala Adult Self-Report Scale para avaliação do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) em adultos

Transcultural adaptation of the Adult Self-Report Scale into portuguese for evaluation of adult attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD)

Paulo MattosI; Daniel SegenreichII; Eloísa SaboyaIII; Mário LouzãIV; Gabriela DiasV; Marcos RomanoVI

IProfessor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutor em psiquiatria, coordenador do Grupo de Estudos do Déficit de Atenção (GEDA) do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

IIMestrando em psiquiatria, médico pesquisador do GEDA do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

IIIDoutora em saúde mental, psicóloga pesquisadora do GEDA do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

IVDoutor em medicina pela Universidade de Würzburg, Alemanha, médico assistente e coordenador do Projeto Déficit de Atenção e Hiperatividade no adulto (PRODATH) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)

VMédica pesquisadora do GEDA do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

VIMédico do Ambulatório de Déficit de Atenção/Hiperatividade da Unidade de Estudos em Álcool e Drogas (UNIAD) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Paulo Mattos Rua Paulo Barreto, 91 22280-010 – Rio de Janeiro, RJ Fone: (21) 2295-3796 E-mail: paulomattos@mandic.com.br

RESUMO

Os critérios mais utilizados para o diagnóstico de transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) são aqueles listados pela quarta edição do Diagnostic and Statistical Manual (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria, baseados em estudos de campo com crianças e adolescentes. A Adult Self-Report Scale (ASRS, versão 1.1) foi desenvolvida para adaptar os sintomas listados no DSM-IV para o contexto da vida adulta. O presente estudo consistiu em uma adaptação transcultural do instrumento original em inglês para uma versão final para uso corrente no Brasil. Os resultados indicaram uma equivalência satisfatória entre as versões, tendo sido realizadas alterações após o debriefing, ressaltando a importância dessa etapa em estudos desta natureza.

Palavras-chave: Transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, questionários, adaptação transcultural, validação, ASRS.

ABSTRACT

The criteria listed in the fourth edition of the Diagnostic and Statistical Manual (DSM-IV) from the American Psychiatric Association are the most used ones for the diagnosis of Attention-Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) being based on field studies with children and adolescents. The Adult Self-Report Scale (ASRS, version 1.1) was developed to adapt those symptoms to an adult life context. The present study consisted of a transcultural adaptation of the original instrument in English into a final version to be used in Brazil. Results indicated a satisfactory equivalence between versions, with some modifications being done after debriefing, supporting the importance of this step in studies like this.

Key-words: Attention-deficit/hyperactivity disorder, questionnaires, transcultural adaptation, validation, ASRS.

Introdução

A existência de uma forma adulta do transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) – denominada à época de "tipo residual" – foi oficialmente reconhecida pela Associação Americana de Psiquiatria em 1980 por ocasião da publicação do DSM-III (Diagnostic and Statistical Manual, 3rd edition; American Psychiatric Association, 1980). O texto da edição atual, DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994), indica que, em alguns casos, o transtorno persiste até a vida adulta, denotando que a melhora da hiperatividade e da impulsividade ao final da adolescência poderia ser parcial, sem remissão completa do transtorno, ao contrário do que anteriormente se acreditava (Laufer e Denhoff, 1957).

Estudos longitudinais demonstraram que o TDAH persiste na vida adulta em torno de 60% a 70% dos casos (Barkley et al., 2002), sendo as diferenças encontradas nas taxas de remissão mais bem atribuídas às diferentes definições de TDAH ao longo do tempo do que ao curso do transtorno ao longo da vida (Biederman et al., 2000). Embora o diagnóstico de TDAH em adultos ainda seja motivo de embates (McCough e Barkley, 2004), considera-se que ele possa ser realizado de modo confiável quando são utilizados critérios bem definidos, tais como os empregados pelo sistema DSM (Spencer et al., 1994; 1998). Os sintomas listados no DSM-IV, entretanto, foram concebidos a partir de estudos de campo com crianças e adolescentes de 7 a 17 anos, tendo-se obtido como pontos de corte para o diagnóstico seis entre nove sintomas de desatenção e/ou seis entre nove sintomas de hiperatividade-impulsividade (critério A) (Lahey et al., 1994). Mesmo não tendo sido inicialmente pretendida para o diagnóstico em adultos, inúmeros estudos clínicos, farmacológicos, genéticos e de neuroimagem utilizaram o DSM-IV, adaptando os sintomas e os critérios ali indicados (Barkley e Gordon, 2002).

Uma revisão realizada por um grupo estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) havia concluído que tanto as escalas disponíveis para uso com adultos como as entrevistas semi-estruturadas, incluindo o MINI-Plus (Sheehan et al., 1998), ou não contemplavam a totalidade dos itens do DSM-IV, ou incluíam perguntas consideradas inadequadas para a investigação daqueles (Kessler et al., 2005a). Os sintomas listados no DSM-IV para o diagnóstico de crianças e adolescentes foram adaptados para adultos na escala Adult Self-Report Scale (ASRS, versão 1.1, disponível em http://www.hcp.med.harvard.edu/ncs/asrs.php), cuja calibração foi realizada durante o National Comorbidity Survey-Replication (Kessler et al., 2005b), um recente estudo epidemiológico norte-americano.

A escala ASRS possui 18 itens que contemplam os sintomas do critério A do DSM-IV modificados para o contexto da vida adulta, uma vez que vários itens dizem respeito a comportamentos próprios da infância ou da adolescência (por exemplo, "correr e escalar"). Algumas perguntas que endereçavam mais de um aspecto ou sintoma (double barrel, em inglês) foram transformadas (por exemplo, "não seguir instruções até o final e deixar suas tarefas sem terminar"). A ASRS oferece cinco opções de resposta de freqüência: nunca, raramente, algumas vezes, freqüentemente e muito freqüentemente.

Na validação na população estadunidense, para algumas perguntas (itens 3, 4, 5 e 9 da parte A e itens 2, 7 e 9 da parte B), foi considerada "positiva" a resposta envolvendo uma freqüência menor ("algumas vezes"), mas para a maioria dos itens são consideradas positivas apenas as respostas envolvendo as freqüências "freqüentemente" e "muito freqüentemente". A análise dos dados obtidos com amostras populacionais e subamostras com TDAH também ofereceram escores calculados de acordo com cada item, em que zero corresponde a "nunca" e quatro, a "muito freqüentemente".

No estudo de calibração da ASRS, os autores indicaram que pontuação total acima de 24 pontos era fortemente sugestiva de TDAH. Não há dados até o momento para a população brasileira, o que indica cautela em utilizar a pontuação dos itens ou mesmo considerar respostas "algumas vezes" como positivas até que haja dados disponíveis no País. A ASRS foi validada numa população adulta dos Estados Unidos no National Comorbidity Survey-Replication (Kessler et al. 2005a).

Há uma versão de rastreio (screening) consistindo de apenas seis itens da mesma escala (itens 4, 5, 6 e 9 da parte A e itens 1 e 5 da parte B) a ser empregada em estudos populacionais. No caso do rastreio de seis itens, é considerado "suspeito" o indivíduo com pelo menos quatro itens positivos. No caso de utilização da versão de 18 itens (partes A + B), segue-se o mesmo ponto de corte estabelecido no DSM-IV: são considerados como tendo diagnóstico possível aqueles indivíduos que apresentam, no mínimo, seis sintomas em pelo menos um dos domínios (desatenção – itens 1 a 9 da parte A – e hiperatividade-impulsividade – itens 1 a 9 da parte B) ou em ambos. A versão de rastreio em português foi disponibilizada somente após ter sido iniciado o presente estudo, em 2004. Nenhum dos autores deste estudo participou do processo de tradução da versão de rastreio, para a qual não há dados publicados.

Cumpre ressaltar que a ASRS serve para identificar sintomas do critério A, porém, para o diagnóstico de TDAH em adultos, é necessário que outros critérios sejam atendidos: idade precoce de início, antes dos 7 anos de idade (critério B), universalidade dos sintomas, isto é, manifestação em pelo menos dois ambientes diferentes (critério C), comprometimento funcional clinicamente significativo (critério D) e decisão clínica de os sintomas não serem mais bem atribuídos a outros transtornos (critério E), em especial transtornos do humor e ansiedade.

Estudos comparando o auto-relato de adultos com o relato de informantes tendem a mostrar o mesmo grau de discrepância observado quando se comparam o auto-relato de crianças e o relato de pais, com tendência a menor número de sintomas nos relatos dos próprios indivíduos (Jensen et al., 1999; Zucker et al., 2002). Um estudo com amostra não-clínica, entretanto, demonstrou concordância quanto ao número e à gravidade dos sintomas (Murphy e Schachar, 2000). A entrevista clínica não pode ser substituída pelo auto-relato, mesmo com o uso da ASRS (Spencer e Adler, 2004; Kessler et al., 2005b).

Em várias áreas da medicina em nosso meio, incluindo a psiquiatria (Jorge, 1998), tem-se optado pela tradução e adaptação transcultural de questionários e escalas já existentes, uma vez que tal procedimento é mais prático e operacional que a concepção de um instrumento novo, além de permitir a comparação entre países distintos (Massoubre e Lang, 2002; Hunt et al., 1991). Entretanto, confusões terminológicas freqüentes e pobreza de sistematização das adaptações transculturais têm sido apontadas na literatura como deficiências que podem comprometer a qualidade das informações colhidas, em especial nos estudos epidemiológicos (Herdman et al., 1998; Reichenheim et al., 2000).

Objetivo

Realização da adaptação transcultural da escala ASRS-18 (v.1.1) pela avaliação do instrumento original e de suas versões para o português, propondo uma versão final em língua portuguesa para uso corrente no Brasil.

Método

Utilizaram-se as diretrizes gerais do método proposto por Herdman et al. (1998). Foram realizadas cinco etapas consecutivas: 1) tradução do instrumento original; 2) retrotradução; 3) apreciação formal de equivalência; 4) debriefing com amostra de conveniência; e 5) crítica final por especialistas na área.

A etapa 1 consistiu em duas traduções do instrumento original em inglês para o português realizadas de forma independente: a primeira delas (T1) por um profissional formado em letras e com especialização em inglês, e a segunda (T2) por um psiquiatra com experiência na área e fluente no idioma inglês, capaz de identificar o conceito que sustenta cada um dos itens no instrumento original. Nesta etapa, respeitou-se a equivalência operacional, que objetiva manter características originais, auferindo maior confiabilidade e validade do instrumento, mantendo o mesmo número de itens (18), o mesmo enunciado e as mesmas cinco opções de respostas de freqüência.

A etapa 2 consistiu nas retrotraduções de T1 e T2 para o inglês, respectivamente, por outro profissional formado em letras e com especialização em inglês (R1) e um psiquiatra com experiência na área e fluente no idioma inglês (R2). As retrotraduções ocorreram de modo independente, além de cegas com relação ao perfil dos profissionais da primeira etapa.

A etapa 3 consistiu na apreciação formal de equivalência semântica com profissionais com o mesmo perfil das etapas 1 e 2. Para o julgamento da equivalência semântica, avaliaram-se os significados geral e referencial dos termos e das expressões de cada um dos 18 itens que compõem a escala (Herdman et al., 1998; Reichenheim et al., 2000). Os significados referenciais dizem respeito à correspondência literal entre as palavras no instrumento original e as retrotraduções. Os significados gerais representam as idéias (conceitos) a que uma única palavra ou um conjunto de palavras aludem, levando em conta aspectos mais sutis que a correspondência literal. Assim, na equivalência semântica, leva-se em consideração não apenas o significado das palavras entre dois idiomas diferentes, como também se procura atingir o mesmo efeito que os itens (perguntas) têm em culturas distintas. Para cada item, foi utilizado um formulário no qual os pares de traduções e retrotraduções (T1-R1) e (T2-R2) eram apresentados e os profissionais julgavam a equivalência entre pares em quatro níveis: inalterado, pouco alterado, muito alterado e completamente alterado. Após a avaliação e a discussão em conjunto, procedeu-se a uma versão-síntese com base no julgamento de cada um dos itens. Dois dos autores que não participaram das etapas anteriores (MR e ML), de duas instituições universitárias distintas, com ampla experiência na avaliação de TDAH em adultos, receberam esta versão-síntese e forneceram comentários e críticas com base em sua experiência. Uma nova versão-síntese foi então preparada contemplando essas contribuições após discussão com todos os envolvidos.

A etapa 4 consistiu na aplicação da versão-síntese em uma amostra de conveniência composta de 20 adultos portadores de TDAH diagnosticados segundo os critérios do DSM-IV e 10 adultos controles não-pareados de ambos os sexos no Grupo de Estudos do Déficit de Atenção (GEDA) do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesta etapa, solicitava-se ao entrevistado que desse um exemplo da vida diária correspondente ao item que acabara de responder; o entrevistador, então, julgava a compreensão com base na pertinência do exemplo, registrando seus comentários para cada um dos itens.

A etapa 5 consistiu na coleta dos comentários dos aplicadores das versões-sinteses e na análise pelos mesmos profissionais da etapa 3. A partir da discussão dos itens que apresentaram problemas de entendimento pela população avaliada, procedeu-se à versão final.

Resultados

A tabela 1 exemplifica os resultados das etapas 1, 2 e 3 para quatro questões da ASRS. As duas retrotraduções do instrumento obtiveram boas medidas de equivalência de significado referencial e geral em relação ao instrumento original. No primeiro caso, a concordância entre os pares variou de 80% a 100% para os 18 itens; no segundo caso, a concordância variou entre 60% e 95%. Nenhum item foi avaliado como completamente alterado e apenas um item foi avaliado como "muito alterado" (que incluía o vocábulo "tarefa").

Na etapa 3, em algumas perguntas, decidiu-se por uma terceira alternativa, com pequenas modificações, sem alterar o sentido pretendido. Na totalidade dos casos, a opção consistiu na escolha de palavras que pudessem ser compreendidas por indivíduos numa faixa ampla de escolaridade (aspecto para o qual os tradutores não foram orientados inicialmente). Assim, as palavras "compelido", "cometer" e "enfadonha" foram substituídas pelos seus equivalentes considerados de maior uso na comunicação oral coloquial. Além disso, foi procurada uma correspondência entre de percepção e de impacto dos diferentes vocábulos (Herdman et al., 1998).

Um único item foi considerado como "muito alterado" quanto à equivalência geral, aquele que incluía a palavra "tarefa". Embora seja a tradução correta de "task", ela não é regularmente empregada em nosso meio e apresenta grande potencial de não ser compreendida. De fato, o termo "trabalho", opção discutida e selecionada pelos profissionais na etapa 3, foi utilizado com boa compreensão pelos indivíduos entrevistados na etapa 5.

As etapas 4 e 5 trouxeram contribuições para a melhor percepção das dificuldades de aplicação da escala, mas apenas em um item as alterações foram incorporadas na versão final, conforme indicado a seguir. Identificou-se que a expressão "falar demais" pode ter o significado de "falar além da conta", e, embora diga respeito a um aspecto do TDAH (impulsividade), não é o sentido pretendido no instrumento original ("falar em excesso", item constante do módulo de hiperatividade); entretanto, mesmo no original em inglês, essas possibilidades de entendimento existem, e a opção "falar muito" foi descartada devido à discrepância do original em língua inglesa ("too much").

A expressão "dificuldade para finalizar os últimos detalhes de um projeto depois de já ter feito as partes mais desafiadoras" não era compreendida por um numero significativo de indivíduos entrevistados, aspecto identificado pelos exemplos que forneciam após suas respostas aos entrevistadores. Optou-se por transformá-lo em "deixar um projeto pela metade depois de ter feito as partes mais difíceis", sendo esta a única alteração proposta pela etapa 4 (debriefing com pacientes adultos e controles). A versão final da ASRS é apresentada na tabela 2.

Discussão

A necessidade de instrumental para o diagnóstico de TDAH em adultos em nosso meio é grande, uma vez que inexistem escalas ou questionários adaptados para o português. A entrevista estruturada MINI-Plus (Sheehan et al., 1998), por exemplo, possui versão em português e é utilizada de forma rotineira em pesquisa no Brasil, porém, não contempla os itens do DSM-IV em sua totalidade e não permite que o entrevistador aprofunde as questões com o paciente.

A tradução e a adaptação transcultural de instrumentos diagnósticos ou escalas de avaliação deve seguir o paradigma "emic-etic" (Jorge 1998). O vértice "emic" (termo retirado da palavra phonemic) diz respeito a um olhar do fenômeno a partir do próprio contexto ou da cultura em que ele ocorre; já o vértice "etic" (termo obtido a partir da palavra phonetic) diz respeito a uma generalização do fenômeno observado para comparação em diferentes culturas. Dentro dessa perspectiva, a tradução de uma escala requer cuidados lingüísticos, uma vez que termos podem ter diferentes abrangências e especificidades inerentes a cada idioma. Além disso, a validação semântica é necessária para a certificação de que o instrumento é compreensível a todos os membros da população à qual se destina (Pasquali, 1998).

A presente adaptação constatou um nível bastante satisfatório de equivalência semântica entre a versão em português e o original em inglês. Entretanto, na etapa de debriefing com adultos, identificou-se dificuldade com um item que fora considerado como equivalente anteriormente, indicando a necessidade dessa etapa em estudos de adaptação transcultural. Também foi dada ênfase à seleção de vocábulos que fossem mais pronta e facilmente compreendidos por indivíduos pertencentes a classes socioeconômicas mais baixas. Evitaram-se também vocábulos utilizados apenas regionalmente, sendo procurados aqueles que tivessem uma abrangência nacional.

O uso de uma sistemática mais detalhada para a tradução e a adaptação transcultural da escala (Herdman et al., 1998) foi fundamental para que fossem localizadas as dificuldades de sua equivalência semântica, mostrando-se um método mais adequado que a simples tradução-retrotradução do instrumento.

Cumpre ressaltar que não há dados disponíveis até o momento que permitam estabelecer pontos de corte para suspeição do diagnóstico de TDAH em adultos utilizando-se a ASRS, à semelhança do que já foi proposto para a população norte-americana. Mesmo os autores da versão original em inglês sugerem cautela na interpretação da pontuação obtida (Kessler et al., 2005b). O presente estudo consiste numa etapa inicial importante para posterior aplicação e avaliação do instrumento em amostras epidemiológicas brasileiras, o que deve ser fortemente estimulado.

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Recebido: 19/12/2005 - Aceito: 13/03/2006

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Recebido
      19 Dez 2005
    • Aceito
      13 Mar 2006
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