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Padrão alimentar e estado nutricional de crianças com paralisia cerebral

Resumos

OBJETIVO

Avaliar o padrão alimentar e o estado nutricional de crianças com paralisia cerebral.

MÉTODOS

Estudo transversal com 90 crianças de dois a 12,8 anos de idade, com paralisia cerebral do tipo hemiplegia, diplegia e tetraplegia. Avaliaram-se o estado nutricional por meio dos dados de peso, altura e idade, o consumo alimentar pelo Recordatório de 24 horas e pelo Questionário de Frequência Alimentar, a capacidade de mastigar e/ou deglutir, o hábito intestinal e a prática de atividade física.

RESULTADOS

No grupo de dois a três anos, a média de ingestão energética estava de acordo com a recomendação; na faixa de quatro a seis anos, os grupos com hemiplegia e com tetraplegia apresentaram médias abaixo do limite inferior da recomendação. O grupo como um todo apresentou padrão dietético baixo em carboidratos, adequado em proteína e alto em lipídios. O grupo com tetraplegia apresentou maior prevalência de dificuldade para mastigação (41%) e para deglutição (12,8%) versus, respectivamente, 14,5 e 6,6% das crianças com hemiplegia. Observou-se que a maioria das crianças com cada tipo de paralisia cerebral apresentava hábito intestinal diário. Todas as crianças estudadas tinham atividade física leve, enquanto a atividade moderada não era praticada por nenhuma criança do grupo com tetraplegia, que também apresentou escore Z de -2,14 da relação estatura/idade, significantemente menor em relação ao grupo com hemiplegia (escore Z de -1,05; p=0,003).

CONCLUSÕES

As crianças apresentaram padrão alimentar inadequado, estado nutricional comprometido, o que afetou principalmente a estatura. A tetraplegia impõe dificuldade de mastigação/deglutição e da prática de atividade física moderada.

dano encefálico crônico; paralisia cerebral; estado nutricional; criança


OBJECTIVES

To assess the food intake pattern and the nutritional status of children with cerebral palsy.

METHODS

Cross-sectional study with 90 children from two to 12.8 years with cerebral palsy in the following forms: hemiplegia, diplegia, and tetraplegia. Nutritional status was assessed by weight, height, and age data. Food intake was verified by the 24-hour recall and food frequency questionnaire. The ability to chew and/or swallowing, intestinal habits, and physical activity were also evaluated.

RESULTS

For 2-3 year-old age group, the mean energy intake followed the recommended range; in 4-6 year-old age group with hemiplegia and tetraplegia, energy intake was below the recommended limits. All children presented low intake of carbohydrates, adequate intake of proteins and high intake of lipids. The tetraplegia group had a higher prevalence of chewing (41%) and swallowing (12.8%) difficulties compared to 14.5 and 6.6% of children with hemiplegia, respectively. Most children of all groups had a daily intestinal habit. All children presented mild physical activity, while moderate activity was not practiced by any child of the tetraplegia group, which had a significantly lower height/age Z score than those with hemiplegia (-2.14 versus -1.05; p=0.003).

CONCLUSIONS

The children with cerebral palsy presented inadequate dietary pattern and impaired nutritional status, with special compromise of height. Tetraplegia imposes difficulties regarding chewing/swallowing and moderate physical activity practice.

brain damage, chronic; cerebral palsy; nutritional status; child


OBJETIVO

Evaluar el estándar alimentar y estado nutricional de niños con parálisis cerebral.

MÉTODOS

Estudio transversal con 90 niños de 2 a 12,8 años de edad, con parálisis cerebral de tipo hemiplejía, diplejía y tetraplejía. Se evaluaron el estado nutricional por medio de los datos de peso, altura y edad, el consumo alimentar por el Recordatorio de 24 horas y por el Cuestionario de Frecuencia Alimentar, la capacidad de masticar y/o deglutir, el hábito intestinal y la práctica de actividad física.

RESULTADOS

En el grupo de 2 a 3 años, el promedio de ingestión energética estaba conforme a la recomendación; en la franja de 4 a 6 años, los grupos con hemiplejía y con tetraplejía presentaban promedios inferiores al límite inferior de recomendación. El grupo como un todo presentó estándar dietético bajo en carbohidratos, adecuado en proteínas y alto en lípidos. El grupo con tetraplejía presentó mayor prevalencia de dificultad para masticación (41%) y deglución (12,8%), versus, respectivamente, 14,5 y 6,6% de los niños con hemiplejía. Se observó que la mayoría de los niños con cada tipo de parálisis cerebral presentaba hábito intestinal diario. Todos los niños estudiados tenían actividad física liviana, mientras que la actividad moderada no era practicada por ningún niño del grupo tetraplejía, que también presentó escore Z de -2,14 de la relación estatura/edad, significantemente menor respecto al grupo con hemiplejía (escore Z de -1,05; p=0,003).

CONCLUSIONES

Los niños presentaron estándar alimentar inadecuado, estado nutricional comprometido, principalmente la estatura. La tetraplejía impone dificultades de masticación/deglución y práctica de actividad física moderada.

daño encefálico crónico; parálisis cerebral; estado nutricional; niño


Introdução

Paralisia cerebral (PC) é o conjunto de distúrbios cerebrais, não progressivos devidos à lesão cerebral que ocorreu durante a vida fetal ou nos primeiros anos de vida11. Brouwer B, Ashby P. Altered corticospinal projections to lower limb motoneurons in subjects with cerebral palsy. Brain 1991;114:1395-407., também chamada de encefalopatia crônica não progressiva. O diagnóstico é amplo e depende da gravidade da distribuição topográfica (membros afetados), da história clínica e da disfunção motora( 22. Piovesana AM, Val Filho JA, Lima CL, Fonseca MS, Murer AP. Encefalopatia crônica: paralisia cerebral. In: Fonseca LF, Pianetti G, Xavier CC, editors. Compêndio de neurologia infantil. Rio de Janeiro: Medsi; 2002. p. 826-37. ).

Ao distúrbio motor, pode-se associar uma série de outros sintomas: deficiência mental, epilepsia, transtornos auditivos, de linguagem, oculares/visuais e de conduta( 33. Low JA, Galbraith RS, Muir DW, Killen HL, Pater EA, Karchmar EJ. Factors associated with motor and cognitive deficits in children after intrapartum fetal hypoxia. Am J Obstet Gynecol 1984;148:533-9. ). Segundo Rotta( 44. Rotta NT. Cerebral palsy, new therapeutic possibilities. J Pediatr (Rio J) 2002;78 (Suppl 1):S48-54. ), a criança com PC apresenta menor estatura, menor peso e menor resistência às infecções. Estudos documentam associação entre dificuldades para mastigação e deglutição e comprometimento nutricional( 55. Gangil A, Patwari AK, Aneja S, Ahuja B, Anand VK. Feeding problems in children with cerebral palsy. Indian Pediatr 2001;38:839-46.

6. Piccoli R, Gelio S, Fratucello A, Valletta E. Risk of low micronutrient intake in neurologically disabled children artificially fed. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2002;35:583-4.

7. Sullivan PB, Juszczak E, Lambert BR, Rose M, Ford-Adams ME, Johnson A. Impact of feeding problems on nutritional intake and growth: Oxford Feeding Study II. Dev Med Child Neurol 2002;44:461-7.

8. Aurélio SR, Genaro KF, Macedo Filho ED. Comparative analysis of swallowing patterns between children with cerebral palsy and normal children. Rev Bras Otorrinolaringol 2002;68:167-73.
- 99. Samson-Fang LJ, Stevenson RD. Identification of malnutrition in children with cerebral palsy: poor performance of weight-for-height centiles. Dev Med Child Neurol 2000;42:162-8. ). As alterações crônicas da deglutição resultam em desnutrição, desidratação, aspiração e pneumonia( 88. Aurélio SR, Genaro KF, Macedo Filho ED. Comparative analysis of swallowing patterns between children with cerebral palsy and normal children. Rev Bras Otorrinolaringol 2002;68:167-73. ).

Em nosso meio, Pires et al ( 1010. Pires PT, Matta DS, Rodrigues AM, Lopes AC, Costa RF, Gil KV. Medidas de peso e estatura de crianças e adolescentes com paralisia cerebral. Med Reabil 2007;26:11-4. ), em pesquisa envolvendo crianças e adolescentes com PC em São Paulo, encontraram 63% de prevalência de baixo peso em tetraplégicos. De acordo com Santos e Serrano( 1111. Santos DC, Serrano HM. Nutritional diagnostic of children and adolescentes with cerebral paralysis helped in an Apae of Vale do Aço. Nutrir Gerais [serial on the Internet]. 2007;1 [cited 2013 Jan 16]. Available from: http://www.unilestemg.br/nutrirgerais/downloads/artigos/diagnostico_nutricional.pdf
Available from: http://www.uniles...
), 20% das crianças atendidas na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) do Vale do Aço eram desnutridas e 65% apresentavam risco de desnutrição, verificando-se também alta prevalência de anemia ferropriva (50% dos casos).

Diante da importância da avaliação nutricional, que pode fornecer subsídios tanto ao melhor tratamento individual quanto ao planejamento de ações de saúde pública, objetivou-se avaliar o estado nutricional por meio da antropometria e o padrão alimentar de crianças com encefalopatia crônica não progressiva.

Método

Estudo transversal, observacional, descritivo, realizado por amostra de conveniência, envolvendo 90 crianças, de ambos os sexos, com idades entre dois e 12,8 anos, portadoras de PC, acompanhadas no Centro de Reabilitação de Deficientes Físicos e Mentais do Município de Santos, São Paulo. Coletaram-se os dados de janeiro a maio de 2011. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, sendo necessária a autorização prévia por escrito dos pais ou responsáveis.

Realizou-se a seleção da amostra a partir da consulta em todos os prontuários de crianças e adolescentes atendidos no local, assinado pela médica neurologista responsável, perfazendo um total de 232 prontuários, sendo 116 com PC. Excluíram-se crianças em uso de alimentação por sonda nasogástrica ou gastrostomia e outras duas por ausências frequentes.

Para classificar o tipo de PC, utilizou-se a classificação de Rotta et al ( 1212. Rotta NT, Drachler ML, Vaitses VD, Ohlweiler L, Lago IS. Paralisia cerebral: estudo de 100 casos. Rev HCPA 1983;3:113-6. ), que usa a distribuição topográfica e a extensão do comprometimento. Classificou-se o grupo estudado em hemiplegia, diplegia e tetraplegia.

Obteve-se a avaliação dietética com o familiar responsável, por meio dos métodos recordatório de 24 horas( 1313. Bonomo E. Como medir a ingestão alimentar? In: Dutra JE, editor. Obesidade, anemia carencial na adolescência. São Paulo: Instituto Danone; 2000. p. 117-26. ) e Questionário de Frequência Alimentar (QFA)( 1414. Dwyer J, Picciano MF, Raiten DJ; Members of the Steering Committee; National Health and Nutrition Examination Survey. Estimation of usual intakes: what we eat in America-NHANES. J Nutr 2003;133:609S-23. ). A ingestão de energia e de macronutrientes foi calculada pelo software Dietpró, versão 5.5i, da Universidade Federal de Viçosa( 1515. Dietpro. Dietpro 5.5i Professional: tecnologia para nutrição [CD-ROM] . Viçosa: A.S. Sistemas; 2008. ), a partir do recordatório de 24 horas. Consideraram-se como adequados para a energia proveniente dos macronutrientes os seguintes percentuais do valor energético total: 55 a 60% de carboidratos, 10 a 15% de proteínas e 25 a 30% de lipídeos( 1616. World Health Organization. Diet, nutrition, and the prevention of chronic diseases. Report of a WHO Study Group. [WHO Technical Report Series 797]. Geneva: WHO; 1990. ). Analisaram-se os valores de energia e o nível deatividade conforme o guia alimentar americano( 1717. U.S. Department of Health and Human Services; U.S. Department of Agriculture. Dietary guidelines for Americans 2005. Washington: National Academy Press; 2005. ). Para a análise, foi necessária a estratificação da idade.

Na entrevista com os responsáveis, questionou-se sobre a dificuldade para mastigar e/ou deglutir alimentos sólidos; o número de refeições/dia (considerando-se adequado o número de quatro a cinco refeições); a prática de atividade física leve (apenas fisioterapia na instituição, uma vez por semana) e moderada (além da fisioterapia na instituição, 30 a 50 minutos de natação, educação física ou equoterapia); e o hábito intestinal (diário, dias alternados, menos que três vezes/semana).

Para aferir as medidas de peso e estatura, empregaram-se as técnicas preconizadas. Quando as condições físicas da criança não permitiam, utilizaram-se estimativas. Para peso estimado: o responsável foi inicialmente pesado com o uso apenas de roupas leves e sem sapatos e, em seguida, foi novamente pesado sustentando a criança no colo. Obteve-se o peso da criança subtraindo-se os valores encontrados. Para estatura estimada, utilizou-se o paquímetro ósseo, em centímetros, a fim de medir o comprimento do joelho ao calcâneo, com um ângulo de 90° entre a perna e a coxa do paciente, e calculada a estatura segundo a fórmula proposta por Stevenson( 1818. Stevenson RD. Use of segmental measures to estimate stature in children with cerebral palsy. Arch Pediatr Adolesc Med 1995;149:658-62. ): [E(cm)=(2,69xCJ)+24,2, com desvio-padrão de ±1,1].

Calculou-se o escore Z das relações índice de massa corpórea para a idade (IMC/I) e estatura para a idade (E/I) de todos os participantes do estudo. Especificamente paras as crianças de dois a cinco anos, calculou-se o escore Z da relação peso para a idade (P/I). Classificou-se o estado nutricional de acordo com a World Health Organization (WHO)( 1919. De Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007;85:660-7. ). Classificaram-se os pacientes como desnutridos quando o escore Z assumiu valor ≤-2.

Na análise estatística, de acordo com a natureza das variáveis, utilizaram-se os testes t de Student, análise de variância a um critério e teste de Kruskal-Wallis. Adotou-se como significante p<0,05.

Resultados

A amostra do estudo foi composta por 90 portadores de encefalopatia crônica, de dois a 12,8 anos, dos quais 52 eram do sexo masculino e 38, do feminino. A média de idade foi de 6,2±3,3 anos. Das 90 crianças, 54% foram classificadas com hemiplegia, 43% com tetraplegia e 3% com diplegia.

Referiu-se dificuldade para mastigação de alimentos sólidos em 23 (26%) casos e, para deglutição, em 8 (9%). As crianças com PC do tipo diplegia não apresentaram dificuldade para mastigar e deglutir, enquanto as do tipo tetraplégico apresentaram maior prevalência de dificuldade para mastigar (41%) e deglutir (12,8%), comparadas a 14,5 e 6,6% das crianças com hemiplegia, respectivamente.

Os percentuais da energia total provenientes dos macronutrientes mostraram, para o grupo como um todo, consumo de padrão dietético baixo em carboidratos (52%), adequado em proteína (53%) e alto em lipídeos (43%). A análise de acordo com o tipo de PC mostrou, no grupo com hemiplegia, alta ingestão de gordura (58%) e inadequação de ingestão de carboidrato e de proteína (50%). No grupo com tetraplegia, 64% mostraram alta ingestão de gordura, 62%, baixa ingestão de carboidrato e 46%, baixa ingestão proteica.

A média do consumo de energia não mostrou diferença significante nas crianças com os vários tipos de PC, de acordo com as faixas etárias consideradas. No grupo de dois a três anos, as médias estavam de acordo com a recomendação. Na faixa de quatro a seis anos, os grupos com hemiplegia e tetraplegia apresentaram médias abaixo do limite inferior da recomendação. Na faixa de nove a 13 anos, tanto para meninos quanto para meninas, o grupo com tetraplegia apresentou médias de ingestão energética abaixo do recomendado (Tabela 1).

Tabela 1
Consumo energético total pelas crianças de acordo com o tipo de paralisia cerebral

Observou-se que a maioria das crianças com cada tipo de PC apresentava hábito intestinal diário. As demais de cada grupo tinham predominantemente hábito intestinal menor que três vezes por semana, em dias alternados. Todas as crianças estudadas tinham atividade física leve. Nenhuma criança do grupo com tetraplegia, cinco do grupo com hemiplegia e uma do grupo com diplegia relataram atividade moderada (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição da população estudada de acordo com o tipo de paralisia cerebral e segundo o hábito intestinal e o nível de atividade física

No grupo com diplegia (não considerado na análise estatística dos dados antropométricos), só uma em três crianças apresentou valor de escore Z=-2,40 para E/I. Em média, somente o grupo com tetraplegia apresentou valor de escore Z para P/I próximo de -2 (-1,88) e, quanto ao escore Z para E/I, valor de -2,14, significantemente menor do que o grupo com hemiplegia (p=0,019 e p=0,003). Entretanto, considerando-se esses dois grupos, 18/45 crianças mostraram valor <-2 de escore Z para P/I; 20/87 para a relação IMC/I e 29/87 crianças para o escore Z para E/I (Tabela 3).

Tabela 3
Estado nutricional por antropometria das crianças de acordo com os tipos hemiplegia e tetraplegia de paralisia cerebral

Discussão

Nas avaliações de consumo alimentar e antropométricas, o grupo com diplegia apresentou resultados que não foram considerados para a análise estatística, visto que seu tamanho amostral (3) não foi representativo. Nos grupos com hemiplegia e tetraplegia, notou-se que, até os três anos de idade, o consumo energético manteve-se adequado. Dos três aos 12,8 anos, esse consumo ficou abaixo do recomendado, com valores, em média, mais baixos no grupo com tetraplegia. Pode-se explicar tal fato pela dificuldade de mastigação e de deglutição que esses indivíduos apresentam, a qual é mais expressiva no grupo com tetraplegia, que pode, talvez, ter sido atenuada nas idades mais tenras em função de alimentação na consistência de papas e sopas, mais apropriada para essa faixa etária. A baixa ingestão energética também é relatada por Sullivan et al ( 77. Sullivan PB, Juszczak E, Lambert BR, Rose M, Ford-Adams ME, Johnson A. Impact of feeding problems on nutritional intake and growth: Oxford Feeding Study II. Dev Med Child Neurol 2002;44:461-7. ), quando avaliaram 90 crianças com PC, sendo 71% tetraplégicos, e por Pereira Linhares( 2020. Pereira Linhares FM. Avaliação do estado nutricional de crianças com disfagia por paralisia cerebral [tese de mestrado]. Santa Maria (RS): UFSM; 2004. ), o qual relata que tal padrão de ingestão independe do sexo.

Porém, tão importante quanto a ingestão energética, é o equilíbrio dos macronutrientes na composição da dieta. Nesse sentido, a população estudada mostrou consumo de dieta desequilibrada, alta em gordura e baixa em carboidratos. A gordura esteve representada principalmente por consumo semanal de frios e embutidos (x-salada, hot-dog e linguiça frita) em 58% e de salgados (batata-chips, batata-frita alho e óleo) em 62%. Segundo Abanto et al ( 2121. Abanto J, Bortolotti R, Carvalho TS, Alves FB, Raggio DP, Ciamponi AL. Assessment of dietary habits of dental interest in children with cerebral palsy. Rev Inst Cienc Saude 2009;27:244-8. ), não há diferença significante em crianças e adolescentes sadios e com PC quanto à preferência por salgadinhos. Do mesmo modo, a preferência por gordura em detrimento de carboidrato é descrita em crianças e adolescentes sadios( 2222. Silva JV, Timóteo AK, Santos CD, Fontes G, Rocha EM. Food consumption of children and adolescents living in an area of invasion in Maceio, Alagoas, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2010;13:83-93. ), que pode ocorrer, entre outras possibilidades, por maior palatabilidade da gordura, por influência da mídia, pela possibilidade de alimentação fora do lar, acompanhando o grupo de amigos na preferência por fast food e, principalmente, pelo comportamento alimentar familiar( 2323. Mcdonald LA, Wearring GA, Moase O. Factors affecting the dietary quality of adolescent girls. J Am Diet Assoc 1983;82:260-3.

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- 2626. Tojo R, Leis R, Pavon P. Nutritional needs in adolescence. Risk factors. An Esp Pediatr 1992;36 (Suppl 49):80-5. ). Portanto, o padrão alimentar de crianças e adolescentes independe do estado de saúde, apontando para a necessidade de educação alimentar para todos em geral e, em especial, para aqueles com PC, em função da menor quantidade de ingestão e da necessidade de alteração da consistência.

Neste estudo, por meio do questionário de frequência alimentar, observou-se número adequado (quatro a cinco) de refeições/dia e, além do alto consumo de alimentos gordurosos, pouco consumo diário de verduras, frutas e de líquidos, não ultrapassando três copos diários de 200mL, representados principalmente por suco em pó industrializado e refrigerante. Este foi ingerido semanalmente por 54% dos pacientes, sendo que 19% faziam uso diário. Constatou-se também hábito intestinal diário em cerca de 52% das crianças estudadas. Nesse sentido, Castro(27) verifica baixo consumo de alimentos que ajudam o funcionamento intestinal (verduras, folhosos, frutas laxantes e acréscimo de óleos vegetais) em indivíduos com PC e observa que 94% da amostra apresenta baixa ingestão hídrica (água, suco e chá). Entre as complicações associadas à PC está a constipação intestinal, consequência da pouca mobilidade do corpo, da dificuldade para ingestão hídrica e da ingestão alimentar inadequada, devido à disfagia e à baixa motilidade intestinal, pois a musculatura abdominal está sempre rígida, o que contribui para a lentidão do peristaltismo e para o consequente ressecamento das fezes( 2828. Böhmer CJ, Taminiau JA, Klinkenberg-Knol EC, Meuwissen SG. The prevalence of constipation in institutionalized people with intellectual disability. J Intellect Disabil Res 2001;45:212-8. ).

O exercício físico pode beneficiar as crianças com PC, melhorando a força muscular, a função cardiovascular e o desempenho motor( 2929. Kelly M, Darrah J. Aquatic exercise for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol 2005;47:838-42. ). Observou-se que 93% dos entrevistados foram classificados como insuficientemente ativos para a atividade física de, no mínimo, 30 minutos, duas vezes na semana.

Os dados antropométricos mostraram que o grupo com tetraplegia apresentou maior prejuízo nutricional e que a relação mais afetada foi a E/I. Isso confirma os resultados anteriores de vários autores, como Pires et al ( 1010. Pires PT, Matta DS, Rodrigues AM, Lopes AC, Costa RF, Gil KV. Medidas de peso e estatura de crianças e adolescentes com paralisia cerebral. Med Reabil 2007;26:11-4. ), que também identificaram baixos valores de E/I em indivíduos com tetraplegia; Grammatikopoulou et al ( 3030. Grammatikopoulou MG, Daskalou E, Tsigga M. Diet, feeding practices, and anthropometry of children and adolescents with cerebral palsy and their siblings. Nutrition 2009;25:620-6. ), que relataram valor <-2 para E/I, independentemente da gravidade da deficiência; Dahlseng et al ( 3131. Dahlseng MO, Finbråten AK, Júlíusson PB, Skranes J, Andersen G, Vik T. Feeding problems, growth and nutritional status in children with cerebral palsy. Acta Paediatr 2012;101:92-8. ), que observaram que 20% dos 661 pacientes diplégicos e tetraplégicos apresentavam E/I e P/I <-2; e Caram et al ( 3232. Caram AL, Morcillo AM, Pinto EA. Nutritional status of children with cerebral palsy. Rev Nutr 2010;23:211-9. ), que, analisando todos os tipos de PC, constataram que 51% tinham valores inferiores a -2 para P/I e 39%, para a relação E/I.

É interessante observar que o grupo com tetraplegia apresentou maior prevalência de dificuldade para deglutição e mastigação, como observado também por outros autores, confirmando a importância da mastigação e da deglutição para o estado nutricional( 3232. Caram AL, Morcillo AM, Pinto EA. Nutritional status of children with cerebral palsy. Rev Nutr 2010;23:211-9.

33. Sleigh G, Brocklehurst P. Gastrostomy feeding in cerebral palsy: a systematic review. Arch Dis Child 2004;89:534-9.
- 3434. Sullivan PB, Juszczak E, Bachlet AM, Thomas AG, Lambert B, Vernon-Roberts A et al. Impact of gastrostomy tube feeding on the quality of life of carers of children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol 2004;46:796-800. ). A dificuldade em mastigar e deglutir provavelmente é fator determinante no estado nutricional de crianças com PC e a sua identificação precoce poderia permitir o acompanhamento por profissionais pertinentes, auxiliando no preparo de uma dieta mais adequada para essa população. Esse fato foi confirmado por Souza et al ( 3535. Souza KE, Sankako AN, Carvalho SM, Braccialli LM. Classification of gross motor function injury and body mass index in children with cerebral palsy. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum 2011;21:11-20. ), que avaliaram 20 crianças com PC atendidas em um centro de reabilitação e acompanhadas por equipe multiprofissional. Nesse grupo, não se notou comprometimento do IMC, o que também foi constatado por Pereira Linhares( 2020. Pereira Linhares FM. Avaliação do estado nutricional de crianças com disfagia por paralisia cerebral [tese de mestrado]. Santa Maria (RS): UFSM; 2004. ).

Vale lembrar que o este estudo é limitado pelo tamanho da amostra, resultante da seleção por conveniência. Assim, são necessários trabalhos longitudinais, com amostras representativas, que mostrem a influência positiva da orientação multiprofissional sobre o estado de saúde dessa população, de tal forma que os responsáveis por políticas públicas possam ser convencidos dos benefícios da obrigatoriedade de tal ação.

A partir dos dados, conclui-se que as crianças estudadas apresentam padrão alimentar inadequado, além de estado nutricional comprometido, principalmente quanto à estatura. A tetraplegia impõe dificuldade de mastigação/deglutição e de prática de atividade física moderada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2013

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2012
  • Aceito
    14 Fev 2013
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