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INTERVENÇÃO MULTIDISCIPLINAR E MOTIVACIONAL PARA TRATAMENTO DE ADOLESCENTES OBESOS BRASILEIROS DE BAIXA RENDA: ESTUDO PILOTO

RESUMO

Objetivo:

Testar uma intervenção multidisciplinar e motivacional para o tratamento de adolescentes obesos brasileiros e de baixa renda (escore Z>2 IMC-para-idade) que utilizou o aconselhamento nutricional sem controle dietético.

Métodos:

Desenvolveu-se um protocolo de intervenção que incluiu a realização periódica de oficinas de educação nutricional, aconselhamento nutricional individual com auxílio do modelo transteórico de mudança do comportamento, prática de exercícios físicos, aconselhamento psicológico, atividades recreativas e acompanhamento clínico, durante 13 meses, em uma amostra de 21 adolescentes (11-17 anos).

Resultados:

A taxa de desistência do tratamento (9,5%) foi menor do que a verificada em estudos de controle dietético (30-60%). No início, 70% da amostra se encontrava no estágio de comportamento denominado pré-contemplação (sem intenção de mudança) e, ao final, 100% dos adolescentes que permaneceram passaram aos estágios de ação ou manutenção (mudaram o comportamento ou mantiveram a mudança por mais de seis meses). Observou-se diminuição média de IMC-para-idade (15%, p=0,038) e de gordura visceral (gordura inicial de 3,67±1,19 e final de 2,78±0,78 cm, p=0,02). O percentual de massa gorda diminuiu e o de massa magra aumentou, quando comparados os valores médios iniciais e finais (42±5% e 38±8%, p=0,04; 58±6% e 61±8%, p=0,03, respectivamente).

Conclusões:

A intervenção parece eficaz para gerar mudança de estilo de vida, acompanhada de melhoria do perfil antropométrico e de composição corporal. O protocolo de intervenção pode oferecer metodologia de fácil adaptação e baixo custo para serviços de saúde, com alta adesão e baixa taxa de abandono.

Palavras-chave:
Comportamento alimentar; Obesidade; Motivação; Composição corporal

ABSTRACT

Objective:

To test a multidisciplinary and motivational intervention for the treatment of Brazilian obese and low-income adolescents (Z score>2 BMI-for-age) that used nutritional counseling without dietary control.

Methods:

An intervention protocol was developed including periodical nutritional education workshops, individual nutritional counseling guided by the stages of eating behavior of the Trans Theoretical Model of Behavior Change, physical exercise, psychological counseling, recreational activities, and clinical follow-up for 13 months in a sample of 21 adolescents (11-17 years old).

Results:

The rate of treatment withdrawal (9.5%) was lower than that seen in dietary control studies (30-60%). Initially, 70% of the sample was in the pre-contemplation behavior stage and, in the end, 100% of the remaining adolescents were in the stages of action or maintenance. There was a mean reduction in BMI-for-age (p=0.038) and visceral fat (M±SD=3.67±1.19 and 2.78±0.78 cm, p=0.02, initial and final, respectively). The percentage of fat mass decreased and that of lean mass increased (42±5 and 38±8, p=0.04, 58±6 and 61±8%, p=0.03, respectively).

Conclusions:

The intervention seems to be effective in generating a lifestyle change, accompanied by anthropometric profile and body composition improvement. The intervention protocol may offer easy adaptation and low-cost methodology for health services, with high adherence and low abandonment rates.

Keywords:
Dietary behavior; Obesity; Motivation; Body composition

INTRODUÇÃO

A epidemia de sobrepeso e obesidade na adolescência causa grande preocupação no mundo atual.11. Bures RM, Mabry PL, Orleans CT, Esposito L. Systems science: a tool for understanding obesity. Am J Public Health. 2014;104:1156.,22. Schröder H, Ribas L, Koebnick C, Funtikova A, Gomez SF, Fíto M, et al. Prevalence of abdominal obesity in Spanish children and adolescents. do we need waist circumference measurements in pediatric practice? PLoS One. 2014;9:5-10. O ambiente alimentar tem sido descrito como insalubre e obesogênico, composto por alimentos de alta densidade energética, baixo custo, pobres em nutrientes, mas amplamente disponíveis e objeto de intensa propaganda em diferentes mídias.33. Watson P, Wiers RW, Hommel B, Ridderinkhof KR, Wit S. An associative account of how the obesogenic environment biases adolescents' food choices. Appetite. 2016;96:560-571.

Esse ambiente aumenta a incidência de distúrbios de comportamento alimentar, promove inatividade física, irregularidade no sono e tempo de tela excessivo,44. Decelis A, Jago R, Fox KR. Physical activity, screen time and obesity status in a nationally representative sample of Maltese youth with international comparisons. BMC Public Health. 2014;14:664. resultando no aumento da morbimortalidade.55. Jääskeläinen A, Nevanperä N, Remes J, Rahkonen F, Järvelin M-R, Laitinen J. Stress-related eating, obesity and associated behavioural traits in adolescents: a prospective population-based cohort study. BMC Public Health. 2014;14:321. Intervir na prevenção a essa epidemia é de extrema importância,66. Yau PL, Castro MG, Tagani A, Tsui WH, Convit A. Obesity and Metabolic Syndrome and Functional and Structural Brain Impairments in Adolescence. Pediatrics. 2012;130:1-9. no entanto, esforços também devem ser feitos para tratar os jovens que já apresentam excesso de peso.77. Lakshman R, Whittle F, Hardeman W, Suchrcke M, Wilson E, Griffin S, et al. Effectiveness of a behavioural intervention to prevent excessive weight gain during infancy (The Baby Milk Trial): study protocol for a randomised controlled trial. Trials. 2015;16:442.

Para tanto, é necessária a modificação do estilo de vida, com diminuição do sedentarismo e aumento do gasto energético, por meio da inclusão de exercício físico diário e diminuição do consumo de energia.88. Cohen TR, Hazell TJ, Vanstone CA, Plourde H, Rodd CJ, Weiler HA. A family-centered lifestyle intervention to improve body composition and bone mass in overweight and obese children 6 through 8 years: a randomized controlled trial study protocol. BMC Public Health. 2013;13:383. A implantação de novos hábitos, porém, requer abordagem multidisciplinar e motivacional, não ocorrendo pela simples imposição dessas duas práticas.99. Ross MM, Kolbash S, Cohen GM, Skelton JA. Multidisciplinary treatment of pediatric obesity: nutrition evaluation and management. Nutr Clin Pract. 2010;25:327-34.,1010. Fismer K, Watts S, Bradbury K, Lewith G. Investigating a multidisciplinary and patient-centred approach to obesity. Eur J Integr Med. 2012;4:e219-22.,1111. Prochaska JO, DiClemente CC, Norcross JC. In search of how people change: Applications to addictive behaviors. Am Psychol. 1992;47:1102-14. Estudos indicam que os indivíduos com adequada motivação para mudar de hábito podem atingir mais facilmente seu objetivo do que aqueles sem motivação satisfatória.1212. Horwath CC, Schembre SM, Motl RW, Dishman RK, Nigg CR. Does the transtheoretical model of behavior change provide a useful basis for interventions to promote fruit and vegetable consumption? Am J Heal Promot. 2013;27:351-7.

O objetivo desta intervenção foi testar um protocolo inovador para tratamento de adolescentes obesos brasileiros de baixa renda, por um período de 13 meses, que incluiu motivação para a mudança, educação nutricional, promoção de atividade física, acompanhamento clínico e aconselhamento psicológico, assim como atividades recreativas e de integração sem controle ou restrição da ingestão de alimentos e bebidas.

MÉTODO

Trata-se de um estudo inicial que propõe uma intervenção multidisciplinar e motivacional em adolescentes obesos de 11 a 17 anos, de ambos os sexos (escore Z>2 de IMC-para-idade),1313. World Health Organization. Obesidad y sobrepeso. Geneva: WHO; 2015. moradores de bairros de baixa renda do município de São Paulo.

A amostra compreendeu indivíduos que chegaram ao Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN)1414. Albuquerque MP, Martins PA, Pires RC, Sawaya AL. A importância do tratamento em hospital-dia para a criança com subnutrição primária. Estud Avançados. 2013;27:103-20. procurando tratamento nutricional, encaminhados de unidades de cuidados primários ou demanda espontânea nos seis meses que antecederam o início do protocolo (Figura 1). Vinte e um adolescentes aceitaram participar e assinaram com seus responsáveis, após explicação, o termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp - CEP n. 125 855/12). Os critérios de exclusão foram: gêmeos, adolescentes que tiveram doenças congênitas, síndromes genéticas, distúrbios hormonais que afetam o crescimento, aqueles com uso prévio de esteroides anabólicos androgênicos ou psicotrópicos e adolescentes grávidas.

Figura 1:
Desenho do estudo.

Os participantes foram submetidos a uma triagem para verificar o estado geral de saúde, que compreendeu exame protoparasitológico de fezes, exame de urina tipo I, hemograma e dosagem de TSH, T4 livre e T3 livre. Os casos positivos para anemia ou infecção foram tratados e, em seguida, incluídos no protocolo; os que apresentaram qualquer outra alteração foram excluídos. Esse procedimento teve o intuito de evitar que infeções, parasitoses ou anemia afetassem a evolução nutricional dos adolescentes durante a intervenção.

Todos os participantes passaram por atendimento nutricional individual em consultório no CREN (Figura 1) com o objetivo de auxiliá-los a superar as dificuldades e barreiras para mudar o hábito alimentar e reforçar os aspectos positivos das mudanças já alcançadas. A intervenção nutricional não teve como base o controle da ingestão de alimentos ou energia nem os resultados obtidos por inquéritos alimentares individuais, e sim a utilização dos estágios de mudança do comportamento alimentar obtidos pelo algoritmo do Modelo Transteórico (MTT) para direcionar a motivação e a elaboração das metas para mudança de comportamento alimentar.1515. Toral N. A alimentação saudável na ótica dos adolescentes e o impacto de uma intervenção nutricional com materiais educativos baseados no Modelo Transteórico entre escolares de Brasília-DF [master's thesis]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2010. Durante o aconselhamento nutricional, eram definidas três metas (fácil, média e difícil) para serem acompanhadas e modificadas ao longo do tratamento. O algoritmo foi aplicado em três momentos: na primeira consulta, após seis meses e ao final dos 13 meses de acompanhamento. Essa técnica mapeia cinco estágios de prontidão para mudança de comportamento: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção.

A fase de pré-contemplação caracteriza-se pela falta de vontade de mudar, resistência para reconhecer o problema e modificá-lo ou total desconhecimento da necessidade de mudança.1111. Prochaska JO, DiClemente CC, Norcross JC. In search of how people change: Applications to addictive behaviors. Am Psychol. 1992;47:1102-14. Assim, para aqueles indivíduos que estavam no estágio de pré-contemplação, o foco do aconselhamento foi auxiliá-los na compreensão e aceitação da importância da mudança de padrões de consumo, aumentar seus conhecimentos sobre alimentação saudável e aprofundar a consciência de suas práticas alimentares.

O estágio de contemplação identifica os indivíduos que estão cientes de seu problema e pensam seriamente em mudar de comportamento, mas ainda não tomaram qualquer iniciativa, não sabem por onde começar ou não se sentem preparados.1515. Toral N. A alimentação saudável na ótica dos adolescentes e o impacto de uma intervenção nutricional com materiais educativos baseados no Modelo Transteórico entre escolares de Brasília-DF [master's thesis]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2010. O atendimento aos adolescentes nesse estágio tinha por objetivo reforçar e facilitar o processo de mudança, aumentando a confiança em sua capacidade de adotar as recomendações nutricionais recebidas.

O estágio de preparação caracteriza-se pelo fato de o indivíduo querer mudar o comportamento em um futuro próximo, afirmar estar motivado e enxergar que a mudança poderia ocorrer nos meses seguintes. Para os adolescentes nessa fase, eram estabelecidas metas para auxiliar seu desejo de mudança, sendo definido um plano de ação para a modificação dos hábitos alimentares.

Para aqueles no estágio de ação que já haviam começado a mudar de comportamento, a motivação era reforçada, e enfatizavam-se as vantagens da adoção de um estilo de vida mais saudável. Nessa fase, estratégias para continuar a mudar eram estabelecidas para garantir que as modificações no hábito alimentar permanecessem.

O estágio de manutenção caracteriza-se pelo fato de a mudança ter ocorrido há mais de seis meses. Os adolescentes eram, então, estimulados a manter as alterações e os hábitos adquiridos por meio do reforço e da recordação da trajetória realizada para chegar à fase de manutenção. Finalmente, eram encorajados a desenvolver as habilidades necessárias para enfrentar novas dificuldades.

Adotou-se o algoritmo para mudança de comportamento alimentar geral composto de quatro perguntas,1616. Vieira LP. Estágios de mudança do comportamento alimentar em pacientes submetidos à angioplastia transluminal coronária [master's thesis]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2009. e não o questionário completo com 38 perguntas,1717. Cattai GB, Hintze LJ, Nardo Jr N. Internal validation of the stage of change questionnaire for alimentary and physical activity behaviors. Rev Paul Pediatr. 2010;28:194-9. por ser mais simples para a prática em serviços de saúde. Além disso, o monitoramento dos estágios no atendimento nutricional serviu como informação coadjuvante da motivação para a mudança, e não como estratégia única para o tratamento. A avaliação dos estágios em que a maioria dos adolescentes se encontrava auxiliou na preparação do conteúdo das oficinas.

As oficinas de educação nutricional eram realizadas no CREN (Figura 1), com os seguintes conteúdos: frutas da época; obesidade e metabolismo; autoconhecimento e autoimagem; percepção da fome e saciedade; planejamento e metas; dez passos para alimentação saudável; comer durante as festas e férias; alimentos industrializados; e prática de atividade física.

As oficinas de educação física (Figura 1) eram realizadas no CREN e em um parque. Na maior parte das intervenções, as atividades físicas eram realizadas juntamente com as oficinas de educação nutricional por meio de jogos, torneios etc. Os adolescentes eram estimulados a aumentar suas atividades diárias, como ir a pé para a escola ou de bicicleta ao CREN. Nessas ocasiões, aprendiam exercícios para praticar em casa e em parques próximos. A cada semana um adolescente era sorteado para levar para casa uma minicama elástica.

As oficinas de Psicologia no CREN ocorriam, em média, uma vez a cada dois meses e tinham foco na integração e socialização entre os participantes, com os seguintes temas: entendimento dos sinais corporais, ansiedade e autocontrole, como lidar com contratempos, conhecendo o corpo e sua forma, pensamentos dicotômicos, técnicas de respiração e relaxamento. O atendimento psicológico individual era realizado de acordo com a necessidade do paciente.

As oficinas eram organizadas em dois horários (manhã e tarde), de acordo com a carga horária letiva de cada estudante, em regra, no período oposto ao das aulas. As oficinas tinham duração de 2-3 horas e contavam com a participação de 10-11 estudantes. Não houve distinção de sexo, estágio puberal e idade entre os grupos participantes.

Foram realizadas três atividades recreativas (Figura 1) com o objetivo de aumentar o vínculo entre a equipe de pesquisa e os participantes. Durante os passeios, foram realizadas oficinas de educação nutricional de acordo com o ciclo correspondente e de atividade física aproveitando o espaço local. Os familiares ou responsáveis pelos adolescentes também podiam participar das atividades semanais e dos passeios.

O acompanhamento médico (Figura 1) foi realizado por um único profissional no início, após 6 e 13 meses de intervenção ou de acordo com a necessidade. Durante as consultas, foi realizada a avaliação do estágio puberal. Meninas com mamas e pelos pubianos e meninos com genitália em estágio três foram considerados púberes.1818. Chipkevitch E. Clinical assessment of sexual maturation in adolescents. J Pediatr. 2001;77:S135-42.

Para a avaliação qualitativa, utilizaram-se os estágios de mudança (Figura 2) e, para a avaliação quantitativa, a alteração no perfil antropométrico e de composição corporal (Tabela 1). A composição corporal foi mensurada por meio da pletismografia (BOD POD® Life Measurement Instruments ­­- Concord, CA, EUA), e a gordura visceral e subcutânea, por ultrassonografia do abdome superior.1919. Ribeiro-Filho FF, Faria AN, Azjen S, Zanella MT, Ferreira SR. Methods of estimation of visceral fat: advantages of ultrasonography. Obes Res. 2003;11:1488-94. A circunferência da cintura foi aferida de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).2020. De Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85:660-7. Para a análise do estado nutricional, foi utilizado o software AnthroPlus-2007, V.1.0.4 (OMS, Genebra, Suíça - disponível em http://www.who.int/growthref/tools/en/), que fornece o escore Z para índice de massa corpórea (IMC) e o escore Z de altura para idade.

Figura 2:
Evolução dos estágios do comportamento alimentar durante a intervenção. Qui-quadrado p=0,05. Descrição dos estágios de comportamento dos adolescentes durante o período de intervenção. No início, 14 adolescentes estavam em pré-contemplação, 2 em contemplação, 3 em preparação e 2 em ação. Dois mudaram de endereço (um estava no estágio de pré-contemplação e outro em ação). Aos seis meses de intervenção, 1 adolescente continuou em pré-contemplação, 7 foram para o estágio de contemplação e 11, para ação. Dois desistiram do tratamento e um deixou o estudo devido à mudança de endereço. No final, após os 13 meses da intervenção, 16 participantes finalizaram o protocolo, dos quais 14 estavam em ação e 2 em manutenção.

Tabela 1:
Antropometria e composição corporal ao longo dos 13 meses de intervenção.

As análises estatísticas foram realizadas com o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20 (Chicago, IL, EUA), com nível de relevância estatística estabelecido em p<0,05. Para a análise do fluxo entre os estágios de comportamento alimentar, foi utilizado o teste de qui-quadrado. As mudanças antropométricas e de composição corporal foram calculadas pela análise de variância (ANOVA), ajustadas para comparações múltiplas pelo teste de Bonferroni.

RESULTADOS

Trata-se de um estudo piloto, com amostra de conveniência composta por 12 meninas e 9 meninos, com média de idade de 14±1,5 anos, dos quais 90% eram púberes. Ao longo da intervenção, três adolescentes saíram do tratamento devido a mudanças de endereço ou cidade e dois desistiram. Assim, excluindo aqueles que deixaram o tratamento por mudança de moradia, a taxa de desistência do tratamento foi de 9,5%. No geral, a perda total do estudo foi de 23,8% da amostra inicial. A renda mensal média per capita foi de R$ 247,32±126,44, e quatro participantes relataram ausência de renda fixa na família.

No início da intervenção, aproximadamente 70% dos participantes estavam no estágio de pré-contemplação; após seis meses, 60% deles mudaram para a fase de ação (Figura 2). Todos os participantes que permaneceram até o fim do estudo alcançaram os estágios de ação ou manutenção.

A evolução do perfil antropométrico e de composição corporal (Tabela 1) mostrou redução concomitante no escore Z de IMC-para-idade (-0,40) e na gordura visceral (-0,89 cm), além de ganho de massa magra (3%) e diminuição da porcentagem de gordura corporal (4%). Não houve diferença significativa quando a amostra foi estratificada por sexo.

DISCUSSÃO

Este estudo piloto teve por objetivo apresentar uma intervenção motivacional inovadora fundamentada no aconselhamento nutricional, na promoção de atividade física, no acompanhamento clínico e no aconselhamento psicológico, assim como em atividades recreativas e de integração, sem controlar especificamente o consumo de alimentos e bebidas, e auxiliada pelos estágios do MTT para mudança de comportamento alimentar em adolescentes obesos de baixa renda.

O primeiro efeito importante da intervenção foi a baixa taxa de desistência do tratamento (Figura 2). Sabe-se que processos motivacionais podem desempenhar papel crucial na mudança comportamental e na manutenção de boas práticas para a vida saudável entre adolescentes.2121. Fuster V. An Alarming Threat to Secondary Prevention: Low Compliance (Lifestyle) and Poor Adherence (Drugs). Rev Esp Cardiol. 2012;65:10-6. Muitos estudos que incluíram estratégias de mudança de estilo de vida e atividade física, sem, porém, contar com abordagem multidisciplinar ou intervenção motivacional sistemática, mostraram taxas entre 30 e 60% de desistência nos primeiros seis meses de tratamento.2222. Colombo O, Ferretti VV, Ferraris C, Trentani C, Vinai P, Villani S, et al. Is drop-out from obesity treatment a predictable and preventable event? Nutr J. 2014;13:13.

Estudos recentes relatam que o grau de motivação engloba, de modo consciente ou inconsciente, qualquer esforço para alterar pensamentos, emoções, atenção, impulsos e comportamento a fim de alcançar e manter metas pessoais2323. Halberstadt J, Vet E, Nederkoorn C, Jansen A, Weelden OH, Eekhout I, et al. The association of self-regulation with weight loss maintenance after an intensive combined lifestyle intervention for children and adolescents with severe obesity. BMC Obes. 2017:1-10., como controlar a ingestão alimentar ou fazer escolhas saudáveis e, talvez, menos palatáveis. Pesquisas mostram ainda que, durante o tratamento para emagrecer, crianças e adolescentes obesos geralmente apresentam maior sensibilidade à recompensa e menor controle inibitório em comparação a crianças e adolescentes magros2323. Halberstadt J, Vet E, Nederkoorn C, Jansen A, Weelden OH, Eekhout I, et al. The association of self-regulation with weight loss maintenance after an intensive combined lifestyle intervention for children and adolescents with severe obesity. BMC Obes. 2017:1-10.,2424. Francis LA, Susman EJ. Self-regulation and Rapid Weight Gain in Children From Age 3 to 12 Years. JAMA J Am Med Assoc. 2009;163:297-302.,2525. Appelhans BM, French SA, Pagoto SL, Sherwood NE. Managing temptation in obesity treatment?: A neurobehavioral model of intervention strategies. Appetite. 2016;96:268-79.. Além disso, a baixa motivação para mudança é preditiva para o abandono das metas e do tratamento2323. Halberstadt J, Vet E, Nederkoorn C, Jansen A, Weelden OH, Eekhout I, et al. The association of self-regulation with weight loss maintenance after an intensive combined lifestyle intervention for children and adolescents with severe obesity. BMC Obes. 2017:1-10..

Outro aspecto a ser destacado no presente estudo é o fato de as oficinas e atividades em grupo terem sido realizadas com 10 e 11 adolescentes apenas, o que deve ter facilitado a interação e a colaboração entre os participantes, bem como a adesão ao longo do protocolo. Além disso, as oficinas contavam com estudantes pertencentes à mesma escola e à mesma comunidade, sendo, portanto, amigos e conhecidos entre si. De acordo com a OMS, a participação de amigos no desenvolvimento e na implementação de intervenções para grupos socialmente desfavorecidos leva a maior aceitabilidade, capacitação e senso de propriedade dentro do grupo.2626. Kornet-van der Aa DA, Altenburg TM, van Randeraad-van der Zee CH, Chinapaw MJM. The effectiveness and promising strategies of obesity prevention and treatment programmes among adolescents from disadvantaged backgrounds: a systematic review. Obes Rev. 2017;18:581-93.

Cabe notar, ainda, que esta foi uma intervenção de alta intensidade,2727. Kirschenbaum DS, Gierut KJ. Five recent expert recommendations on the treatment of childhood and adolescent obesity: toward an emerging consensus a stepped care approach. Child Obes. 2013;9:376-85. pois compreendeu mais de 156 horas de atividades em grupo ou individuais durante 13 meses. Mas, apesar da alta intensidade de intervenção, este estudo propõe a sua reprodutibilidade em serviços de saúde, pois a utilização de grupos pequenos com 2-3 horas de duração para tratamento de doenças crônicas constitui uma estrutura de intervenção em uso nos serviços de atenção básica.

A magnitude da melhoria no perfil nutricional (escore Z de IMC-para-idade-0,40) foi menor do que a encontrada em outros estudos11. Bures RM, Mabry PL, Orleans CT, Esposito L. Systems science: a tool for understanding obesity. Am J Public Health. 2014;104:1156.,55. Jääskeläinen A, Nevanperä N, Remes J, Rahkonen F, Järvelin M-R, Laitinen J. Stress-related eating, obesity and associated behavioural traits in adolescents: a prospective population-based cohort study. BMC Public Health. 2014;14:321.,2828. Holm JC, Nowicka P, Farpour-Lambert NJ, O'Malley G, Hassapidou M, Weiss R, et al. The ethics of childhood obesity treatment-from the childhood obesity task force (COTF) of European association for the study of obesity (EASO). Obes Facts. 2014;7:274-81. que utilizaram como estratégia para tratamento do excesso de peso a restrição alimentar e a inclusão de atividade física vigorosa pelo menos três vezes por semana. Porém, estudos recentes tem demonstrado que a redução do escore Z de IMC em 0,2 já está associada a uma melhoria clinicamente significativa do estado nutricional.2929. Markert J, Herget S, Petroff D, Gausche R, Grimm A, Kiess W, et al. Telephone-based adiposity prevention for families with overweight children (T.A.F.F.-Study): One year outcome of a randomized, controlled trial. Int J Environ Res Public Health. 2014;11:10327-44. Por outro lado, um tratamento que envolva controle dietético e atividade física vigorosa pode tornar a adesão menor e ser inviável para implantação em serviços de saúde. Além disso, o impacto positivo em longo prazo do tratamento com dietas restritivas e perda de peso mais rápida tem sido fortemente questionado.2828. Holm JC, Nowicka P, Farpour-Lambert NJ, O'Malley G, Hassapidou M, Weiss R, et al. The ethics of childhood obesity treatment-from the childhood obesity task force (COTF) of European association for the study of obesity (EASO). Obes Facts. 2014;7:274-81.,3030. Mann T, Tomiyama AJ, Ward A. Promoting public health in the context of the "obesity epidemic": false starts and promising new directions. Perspect Psychol Sci. 2015;10:706-10.

A principal limitação deste estudo é o pequeno tamanho da amostra. Por esse motivo, os resultados atuais devem ser considerados um estudo piloto. Atualmente, estamos realizando um programa mais amplo, estendendo a intervenção a 18 meses e com uma população maior de crianças e adolescentes com excesso de peso.

Em conclusão, a metodologia apresentada neste estudo piloto fornece evidências iniciais de que uma intervenção motivacional e multidisciplinar pode ser eficaz para gerar mudança de estilo de vida, acompanhada de melhoria do perfil antropométrico e de composição corporal. Além disso, o presente protocolo de intervenção pode oferecer metodologia de baixo custo e fácil adaptação para serviços de saúde, com baixa taxa de abandono.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à equipe do CREN pela colaboração no desenvolvimento deste estudo.

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  • Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2018
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2017
  • Aceito
    28 Jul 2017
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