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ANTIBIÓTICOS PARA APENDICECTOMIA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO PERIOPERATÓRIO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

RESUMO

Objetivo:

Analisar o uso de antibióticos em crianças e adolescentes no perioperatório de apendicectomia.

Fonte de dados:

Realizou-se uma revisão integrativa, nas bases de dados MEDLINE, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Cochrane e no portal PubMed, sem limite de tempo. As palavras-chave utilizadas foram: apendicite, criança, adolescente e antibacterianos com booleano AND. Os artigos incluídos foram publicados nos idiomas português, inglês ou espanhol e cujos participantes tivessem idade inferior a 18 anos. Os artigos de revisão e diretrizes foram excluídos. A qualidade da evidência foi analisada, e foram selecionados 24 artigos.

Síntese dos dados:

Sobre os estudos selecionados, sete foram ensaios clínicos randomizados (nível de evidência II), oito coortes (nível III), sete observacionais retrospectivos (nível V) e duas análises documentais históricas (nível IV). Os estudos abordaram antibióticos usados na apendicite aguda em suas formas não complicada e complicada. Os antibióticos iniciados no pré-operatório evidenciaram diminuição nas taxas de infecção da ferida cirúrgica. Os esquemas de primeira linha (empíricos) foram testados em relação à sensibilidade dos microrganismos nas culturas de material peritoneal, no entanto os resultados foram controversos. Sugeriram-se antibióticos de amplo espectro em alguns estudos por apresentar boa cobertura, no entanto em outros eles não foram recomendados, pelo risco de desenvolver resistência bacteriana. O menor tempo de administração e a mudança mais precoce para a via oral reduziram o tempo de internação.

Conclusões:

Existe um grande número de protocolos clínicos com antibióticos diversos, no entanto não existe padronização em relação ao tipo de antibiótico, tempo de uso nem via.

Palavras-chave:
Apendicite; Apendicectomia; Antibacterianos; Criança; Adolescente

ABSTRACT

Objective:

To analyze the preoperative use of antibiotics in children and adolescents requiring appendectomy.

Data source:

Integrative review was performed in the MEDLINE, Latin American and Caribbean Health Sciences (LILACS) and Cochrane databases and the PubMed portal, with no time limit. The keywords used were: appendicitis, child, adolescent and antibacterial with Boolean AND. The articles included were published in Portuguese, English or Spanish and whose participants were under 18 years of age. Review articles and guidelines were excluded. The studies were classified according to their level of evidence and 24 papers were selected.

Data collection and analysis:

Seven randomized clinical trial studies (level of evidence II), eight cohorts (level III), seven retrospective observational studies (level V) and two historical documentary analysis (level IV) were selected. The studies addressed antibiotics used in acute appendicitis in both uncomplicated and complicated cases. Antibiotics initiated in the preoperative period showed a decrease in the rates of surgical wound infections. First-line (empiric) regimens were tested for sensitivity to microorganisms in peritoneal material cultures, however the results were controversial. Broad-spectrum antibiotics have been suggested in some studies because they have good coverage, but in others they have not been recommended because of the risk of developing bacterial resistance. Shorter administration time and earlier change to the oral route reduced hospitalization time.

Conclusions:

There are several clinical protocols with different antibiotics. However, there is no standardization concerning the type of antibiotic drug, time of use, or route.

Keywords:
Appendicitis; Appendectomy; Antibacterials; Kid; Teenager

INTRODUÇÃO

A apendicite aguda é a emergência cirúrgica abdominal predominante entre crianças e adolescentes de dez a 20 anos em todo o mundo,11. Sulu B, Günerhan Y, Palanci Y, Isler B, Caglayan K. Epidemiological and demographic features of appendicitis and influences of several environment factors. Ulus Travma Acil Cerrahi Derg. 2010;16:38-42. no entanto seu diagnóstico permanece um desafio para pediatras, pois a doença se manifesta muitas vezes de forma atípica, aparentando outra afecção, o que pode retardar o diagnóstico, favorecendo uma evolução complicada da doença, culminando em infecção, perfuração e sepse, contribuindo para o aumento da taxa de morbidade associada.22. Graff LG, Robinson D. Abdominal pain and emergency department evaluation. Emerg Med Clin North Am. 2001;19:123-36.,33. Rothrock SG, Pagane J. Acute appendicitis in children: emergency department diagnosis and a management. Ann Emerg Med. 2000;36:39-51.

Diante da relevância dessa afecção, devem ser considerados: seu diagnóstico precoce, para não retardar a intervenção cirúrgica; e a complementação com antibióticos no perioperatório, ação de grande importância na diminuição da incidência de infecção persistente ou recorrente, podendo ser realizada com terapia, de acordo com o espectro da apendicite.44. Nadler EP, Gaines BA, Therapeutic Agents Committee of the Surgical Infection Society. The Surgical Infection Society guidelines on antimicrobial therapy for children with appendicitis. Surg Infect (Larchmt). 2008;9:75-83. Há muitas controvérsias em relação à profilaxia e ao tratamento de apendicite aguda, isso no que se refere aos esquemas de antibióticos utilizados nos serviços de Pediatria.

Deve ser lembrado que pacientes com apendicite complicada ou perfurada (definida pelo diagnóstico intraoperatório e/ou histopatológico de perfuração do apêndice) são mais propensos à formação de abscessos intra-abdominais do que aqueles com apendicite não complicada (sem evidência de perfuração do apêndice), com necessidade de cobertura para agentes gram-negativos e anaeróbios. Tal circunstância é válida também para profilaxia de infecção de sítio cirúrgico.44. Nadler EP, Gaines BA, Therapeutic Agents Committee of the Surgical Infection Society. The Surgical Infection Society guidelines on antimicrobial therapy for children with appendicitis. Surg Infect (Larchmt). 2008;9:75-83. Diante desse contexto, questiona-se: quais antibióticos têm sido utilizados em crianças e adolescentes no perioperatório de apendicectomia?

Este estudo teve como objetivo analisar as evidências disponíveis na literatura sobre o uso de antibióticos em crianças e adolescentes no perioperatório de apendicectomia.

MÉTODO

Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, que cumpriu seis fases:

  • Elaboração da pergunta norteadora.

  • Busca ou amostragem na literatura.

  • Seleção das pesquisas componentes da amostra da revisão.

  • Análise crítica dos estudos incluídos.

  • Discussão dos resultados.

  • Apresentação da revisão, com consequente exame crítico dos resultados.55. Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Integrative review: what is it? How to do it? Einstein (Sao Paulo). 2010;8:102-6.

A questão norteadora elaborada foi: quais são os antibióticos utilizados em crianças e adolescentes no perioperatório de apendicectomia? Utilizou-se a estratégia PICO, acrônimo no idioma inglês e que em português corresponde aos seguintes elementos:

  • P - população: crianças e adolescentes submetidos à apendicectomia por apendicite aguda.

  • I - intervenção: normatização do uso de antibióticos no perioperatório.

  • C - comparação: com os pacientes, antes da normatização.

  • O - desfechos: redução do tempo de internação hospitalar.66. Bernardo WM, Nobre MR, Jatene FB. Evidence-based clinical practice. Part II - searching evidence databases. Rev Bras Reumatol. 2004;44:403-9.

Foi realizada uma busca pareada nas bases de dados MEDLINE, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Cochrane e no portal PubMed, sem delimitação temporal das publicações, por dois pesquisadores individualmente, no mês de setembro de 2017. Foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH) apendicite/appendicitis/criança/child/adolescente/adolescent/apendicectomia/appendectomy/antibacterianos/anti-bacterial agents. Para a sistematização das buscas, os descritores precisaram ser entrecruzados, usando o operador booleano AND na seguinte equação de busca: appendicitis and child and adolescent and anti-bacterial agents; appendectomy and child and adolescent and anti-bacterial agents.

Os critérios de inclusão elencados foram: estudos sobre o tema disponíveis na íntegra, publicados nos idiomas português, inglês ou espanhol e cujos participantes tivessem idade menor do que 18 anos. Excluíram-se os estudos de revisão e guidelines. Realizou-se a seleção dos artigos no mês de setembro de 2017, por dois pesquisadores, em buscas distintas. No PubMed foram identificados 515 artigos; na MEDLINE, 339; na LILACS, 17; e na Cochrane, 36. No entanto, pela concordância dos pesquisadores, houve a seleção de apenas 389 artigos, pois estes preencheram os critérios de inclusão. Desses 389, restaram apenas 106 para avaliação de elegibilidade, porque os demais não responderam à questão norteadora. Na revisão sistemática, foram incluídos somente 24 artigos, tendo em vista que os demais ou não atenderam ao critério de idade menor que 18 anos, ou estavam duplicados.

Nesta pesquisa, utilizou-se o instrumento Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses (PRISMA)77. Fuchs SC, Paim BS. Meta-analysis and systematic review of observational studies. Rev HCPA. 2010;30:294-301. para explicar a busca e a seleção dos estudos, conforme fluxograma detalhado na Figura 1. Os artigos foram classificados em relação ao nível de evidência (NE) científica, segundo a adaptação da classificação proposta por Torres-Gomes.88. Torres-Gómez A. Niveles de evidencia en ortopedia. Rev Mex Ortop Ped. 2009;11:4. As revisões sistemáticas de estudos clínicos randomizados foram definidas como NE I; ensaios clínicos randomizados, NE II; estudos de coorte e caso controle, NE III; série de casos, NE IV; e revisão narrativa, bem como outros desenhos, NE V.

Figura 1
Fluxograma da pesquisa: identificação, triagem, elegibilidade e inclusão dos artigos científicos na revisão integrativa, conforme Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses (PRISMA, 2009).77. Fuchs SC, Paim BS. Meta-analysis and systematic review of observational studies. Rev HCPA. 2010;30:294-301.

Posteriormente, fez-se a análise crítica e detalhada, com analogia ao conhecimento teórico e identificação das conclusões e implicações da normatização do uso de antibióticos em crianças e adolescentes no perioperatório de apendicectomia. Dos 24 artigos selecionados para a revisão, geraram-se duas matrizes para a apresentação dos resultados e discussão, buscando a integração destes para a construção de uma concepção geral, conforme recomendado na literatura.55. Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Integrative review: what is it? How to do it? Einstein (Sao Paulo). 2010;8:102-6. A primeira matriz mostra a caracterização dos estudos. Já a segunda descreve a normatização usada no perioperatório de apendicectomia e seus principais resultados.

RESULTADOS

Os 24 estudos foram codificados de E1 a E24. Em relação à sua caracterização, eles apresentam diversidade no que tange aos países onde foram executados, aos participantes e ao desenho metodológico. Essas características são exibidas na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização de produção científica sobre as repercussões da normatização do uso de antibióticos em crianças e adolescentes no perioperatório de apendicectomia.

Verifica-se na Tabela 1 que os artigos foram desenvolvidos em diversos países, como Estados Unidos da América (EUA; E5, E7, E14, E15, E17, E19, E23, E24), Canadá (E9, E13, E16, E22), França (E2, E3, E12), Inglaterra (E1, E10), Turquia (E8, E20), China (E6), Nova Zelândia (E4), Holanda (E11), Irlanda (E18) e Finlândia (E21). Tais abordagens foram todas realizadas em hospitais.

No que concerne ao delineamento metodológico, sete estudos foram ensaios clínicos randomizados (NE II), oito coortes (NE III), sete estudos observacionais retrospectivos (NE V) e dois puderam ser classificados como estudos documentais (NE IV). Dois estudos foram multicêntricos e feitos nos Estados Unidos. Quanto ao tamanho da amostra, encontram-se nos estudos amostras que variam de 26 a 24.984 participantes.

A Tabela 2 traz os resultados dos ensaios clínicos randomizados, a Tabela 3 dos estudos de coorte e a Tabela 4 dos estudos retrospectivos, com a normatização dos antibióticos utilizados no perioperatório de apendicectomia. Nessas tabelas, pode-se observar a diversidade de esquemas de antimicrobianos usados no perioperatório de apendicectomia em crianças e adolescentes, no tocante à escolha dos antibióticos, às associações, à dose, à duração do tratamento e à via de administração, no entanto o objetivo comum foi a cobertura contra microrganismos aeróbicos (principalmente gram-negativos) e anaeróbios, sabendo-se que tanto a infecção da ferida operatória quanto a formação de abscessos intra-abdominais estão associadas à doença avançada. Protocolos de primeira linha foram iniciados de forma empírica, e, em casos de falha de tratamento na apendicite perfurada, segundo alguns estudos, deve-se recorrer ao resultado das culturas de material peritoneal, colhido por ocasião da cirurgia, a fim de aperfeiçoar a conduta.

Tabela 2
Síntese dos principais resultados dos ensaios clínicos randomizados.

Tabela 3
Síntese dos principais resultados dos estudos de coorte.

Tabela 4
Síntese dos principais resultados dos estudos retrospectivos.

DISCUSSÃO

Os estudos incluídos na revisão abordaram protocolos de antibióticos tanto na apendicite aguda, de maneira geral, quanto especificamente em suas formas não complicada e complicada, no entanto o maior número de pesquisas envolveu a apendicite perfurada, pois ela está associada à maior morbidade.33. Rothrock SG, Pagane J. Acute appendicitis in children: emergency department diagnosis and a management. Ann Emerg Med. 2000;36:39-51.

Houve três estudos relatando apendicite de modo geral, assim como redução da infecção de ferida cirúrgica na população pediátrica, com o uso de antibióticos, de forma profilática, no pré-operatório de apendicectomia. Um desses estudos foi uma coorte realizada na Inglaterra (1982) com 118 pacientes submetidos à apendicectomia e que tiveram apendicite confirmada no histopatológico99. Wright JE. Appendicitis in childhood: Reduction in wound infection with preoperative antibiotics. Aust N Z J Surg. 1982;52:127-9.. Para isso, houve uso de antibióticos distintos no pré-operatório, de acordo com o tempo de evolução da doença:

  • Com menos de 24 horas e sem peritonite (grupo I): ampicilina endovenosa.

  • De 24 a 48 horas sem peritonite (grupo II): ampicilina+canamicina, por via endovenosa.

  • Acima de 48 horas ou com clínica de peritonite (grupo III): canamicina+lincomicina, por via endovenosa.

A continuação dos antibióticos no pós-operatório não teve relevância para o estudo. De todos os pacientes, apenas três tiveram infecção da ferida (2,5%) e somente uma delas foi um abscesso de ferida (0,8%). Não houve abscessos intra-abdominais1010. Kronmam MP, Oron AP, Ross RK, Hersh AL, Newland JG, Golding A, et al. Extended-versus narrower-spectrum antibiotics for appendicitis. Pediatrics. 2016;138:1-9..

O outro estudo, uma coorte de 26 anos, revelou menor taxa de infecção da ferida operatória nos que receberam antibiótico (cefoxitina) por via endovenosa e aplicação do antibiótico em pó na ferida no intraoperatório, comparado ao grupo que recebeu apenas o antibiótico endovenoso (p=0,03).2424. Ein SH, Sandler A. Wound infection prophylaxis in pediatric acute appendicitis: a 26-year prospective study. J Pediatr Surg. 2006;41:538-41.

Completando o grupo de estudos profiláticos, há uma comparação entre dois esquemas antibióticos usados no ­pré-operatório, que não mostrou diferença nas taxas de infecção entre os que receberam ampicilina/sulbactam e aqueles com cefotaxima+metronidazol, parecendo ser o primeiro esquema adequado para a profilaxia de infecção de ferida na apendicite em Pediatria.2020. Foster MC, Morris DL, Legan C, Kapila L, Slack RC. Perioperative prophylaxis with sulbactam and ampicillin compared with metronidazole and cefotaxime in the prevention of wound infection in children undergoing appendectomy. J Pediatr Surg. 1987;22:869-72.

Vale ressaltar que os estudos sobre a flora bacteriana nas apendicites complicadas (material colhido do peritônio na cirurgia) e seu impacto nas terapias empíricas mostram culturas positivas para anaeróbios mistos e anaeróbios, com maior frequência para Escherichia coli, Streptococcus grupo milleri e Pseudomonas ­aeruginosa.1717. Guillet-Caruba C, Cheikhelard A, Guillet M, Bille E, Descamps P, Yin L, et al. Bacteriologic epidemiology and empirical treatment of pediatric complicated appendicitis. Diagn Microbiol Infect Dis. 2011;69:376-81.,1818. Chan KW, Lee KH, Mou JW, Cheung ST, Sihoe JD, Tam YH. Evidence-based adjustment of antibiotic in pediatric complicated appendicitis in the era of antibiotic resistance. Pediatr Surg Int. 2010;26:157-60. Um desses estudos demonstrou resistência à amoxicilina/clavulanato, mas sensibilidade à piperacilina/­tazobactam nas apendicites complicadas, além da evidência de que cefalosporina de terceira geração+metronidazol não inclui em seu espectro P. aeruginosa e de que os carbapenêmicos, apesar de sua boa ação, não são recomendados como antibióticos de amplo espectro para a terapia empírica, para evitar o risco da emergência de resistência bacteriana. Fora isso, a P. aeruginosa e os enterococos são, habitualmente, resistentes ao ertapeném, imipeném e meropeném.1717. Guillet-Caruba C, Cheikhelard A, Guillet M, Bille E, Descamps P, Yin L, et al. Bacteriologic epidemiology and empirical treatment of pediatric complicated appendicitis. Diagn Microbiol Infect Dis. 2011;69:376-81.

Por outro lado, um estudo retrospectivo na França desenvolvido por 20 anos, nos períodos 1989-1991, 1999-2000 e 2009-2010, mostrou não ter havido aumento significativo nas taxas de resistência das enterobactérias na apendicite perfurada com protocolos de antibióticos empíricos, permanecendo eficazes contra essa microbiota: amoxicilina+clavulanato (suscetibilidade de 100% desse último composto para anaeróbios); imipeném, que permaneceu eficaz contra todos os microrganismos; metronidazol, o qual manteve eficiente ação contra anaeróbios (suscetibilidade de 93%), bem como os aminoglicosídeos (suscetibilidade maior que 90%), enquanto ­ticarcilina/­clavulanato foi mais eficiente que o esperado.1313. Schmitt F, Clermidi P, Dorsi M, Cocquerelle V, Gomes CF, Becmeur F. Bacterial studies of complicated appendicitis over a 20-year period and their impact on empirical antibiotic treatment. J Pediatr Surg. 2012;47:2055-62.

As pesquisas destacam que 25% dos pacientes com apendicite complicada não responderam ao esquema tríplice (ampicilina+cefuroxima+metronidazol), e o resultado da coleta do fluido peritoneal orientou o ajuste de antibióticos;1818. Chan KW, Lee KH, Mou JW, Cheung ST, Sihoe JD, Tam YH. Evidence-based adjustment of antibiotic in pediatric complicated appendicitis in the era of antibiotic resistance. Pediatr Surg Int. 2010;26:157-60. como aquele que mostrou percentagem significativa (40%) de pacientes com apendicite complicada, apresentando microrganismos resistentes aos antibióticos de primeira linha (cefoxitina) e recomendando piperacilina/tazobactam como a mais efetiva terapia empírica para crianças com apendicite perfurada.2525. Fallon SC, Hassan SF, Larimer EL, Rodriguez JR, Brandt ML, Wesson DE, et al. Modification of an evidence-based protocol for advanced appendicitis in children. J Surg Res. 2013;185:273-7.

Quanto à duração da antibioticoterapia na apendicite complicada, os estudos mostraram que, em contraste a um período fixo de cinco dias, o uso de parâmetros clínicos (temperatura menor que 38ºC por 24 horas, aceitação da dieta, mobilização independente e requisição de apenas analgesia oral) para suspensão dos antibióticos reduziu o tempo de internação sem aparente comprometimento dos resultados.1414. Yu TC, Hamill JK, Evans SM, Price NR, Morreau PN, Upadhyay VA, et al. Duration of postoperative intravenous antibiotics childhood complicated appendicitis: a propensity score-matched comparison study. Eur J Pediatr Surg. 2014;24:341-9.

Uma coorte prospectiva nos Estados Unidos, em 2014, descreveu a transição precoce do esquema antibiótico endovenoso (piperacilina/tazobactam) para o oral (metronidazol+sulfametoxazol/trimetropim), com opção (amoxicilina/clavulanato) para os alérgicos, sendo realizada nos pacientes que estavam tolerando a dieta. Demonstrou-se que a taxa de permanência hospitalar foi reduzida, e as taxas de reinternações e complicações foram similares, indicando transição segura e efetiva para tratamento de apendicite perfurada nas crianças.1515. Loux TJ, Falk GA, Burnweit CA, Ramos C, Knight C, Malvezzi L. Early transition to oral antibiotics for treatment of perforated appendicitis in pediatric patients: Confirmation of the safety and efficacy of a growing national trend. J Pediatr Surg. 2016;51:903-7.

Em relação à comparação dos vários esquemas antibióticos, merece ser ressaltado um estudo multicêntrico nos Estados Unidos (em 23 hospitais infantis independentes) que abordou a apendicite globalmente, em 24.984 pacientes pediátricos submetidos à apendicectomia, dos quais 17.654 (70,7%) tiveram apendicite não complicada e 7.330 (29,3%) apendicite complicada. Nessa coorte retrospectiva, foram comparados antibióticos de largo espectro (piperacilina/tazobactam; ticarcilina/clavulanato ou ceftazidima ou cefepima ou carbapenêmico) com espectro estreito (cefoxitina ou ceftriaxona+metronidazol ou ceftriaxona ou clindamicina+gentamicina ou ampicilina/sulbactam ou cefoxitina+ceftriaxona+metronidazol), com o objetivo de avaliar a vantagem terapêutica no uso empírico de antimicrobianos com maior cobertura. Os antibióticos foram administrados no dia da apendicectomia ou no dia seguinte.1010. Kronmam MP, Oron AP, Ross RK, Hersh AL, Newland JG, Golding A, et al. Extended-versus narrower-spectrum antibiotics for appendicitis. Pediatrics. 2016;138:1-9. Quanto aos resultados, evidenciou-se falha no tratamento (complicação pós-operatória infecciosa) em 664 (2,7%) pacientes do geral, com 1,1% entre as apendicites não complicadas e 6,4% entre as complicadas (p<0,01). O tratamento com antibiótico de largo espectro não foi associado à menor taxa de readmissão e, provavelmente, é desnecessário, especialmente para aqueles com apendicite não complicada.1010. Kronmam MP, Oron AP, Ross RK, Hersh AL, Newland JG, Golding A, et al. Extended-versus narrower-spectrum antibiotics for appendicitis. Pediatrics. 2016;138:1-9.

Um ensaio clínico randomizado também nos Estados Unidos, em 2006, mostrou que o regime com duas drogas (­ceftriaxona+metronidazol), em dose única diária, por via endovenosa e com duração de cinco dias, se apresentou como o tratamento mais eficiente e econômico em crianças com apendicite perfurada, quando comparado ao regime tradicional das três drogas - ampicilina (quatro doses diárias)+­gentamicina (três doses diárias)+clindamicina (quatro doses diárias) -, mediante via endovenosa, sendo realizado por cinco dias.1616. St Peter SD, Tsao K, Spilde TL, Holcamb GW, Sharp SW, Murphy JP, et al. Single daily dosing ceftriaxone and metronidazole vs standard triple antibiotic regimen for perforated appendicitis in children: a prospective randomized trial. J Pediatr Surg. 2008;43:981-5.

Estudos com ênfase apenas na apendicite não complicada foram dois, contudo tiveram resultados contraditórios. O ensaio clínico randomizado realizado na Turquia envolveu cem pacientes com apendicite aguda não complicada, distribuídos em quatro grupos:

  • I: não usou antibióticos.

  • II: ornidazol, antimicrobiano e antiparasitário derivado dos 5-nitroimidazólicos, com estrutura molecular e ação farmacológica semelhante ao metronidazol.

  • III: penicilina+tobramicina.

  • IV: piperacilina.

Ele mostrou que o uso desses antibióticos, de forma profilática, não deu melhores resultados que placebos, quanto às complicações pós-operatórias infecciosas,1111. Kizilcan F, Tanyel FC, Büyükpamukçu N, Hiçsönmez. The necessity of prophylactic antibiotics in uncomplicated appendicitis during childhood. J Pediatr Surg. 1992;27:586-8. enquanto a outra pesquisa, também ensaio randomizado, evidenciou que uma única dose de metronidazol no pré-operatório diminuiu significativamente a taxa de complicações infecciosas em crianças com apendicite não complicada, em relação ao grupo que não recebeu antibióticos, mas nenhuma melhora adicional pôde ser demonstrada quando cefuroxima (contra organismos aeróbios) foi adicionada.1212. Söderquist-Elinder C, Hirsch K, Bergdahl S, Rutqvist J, Frenckner B. Prophylactic antibiotics in uncomplicated appendicitis during childhood - a prospective randomized study. Eur J Pediatr Surg. 1995;5:282-5.

De maneira geral, foi possível perceber como os estudos sobre a temática são instigantes e que existe uma variabilidade grande no que tange aos protocolos medicamentosos utilizados no tratamento dos pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico.

CONCLUSÃO

A pesquisa constatou a grande diversidade dos protocolos de uso de antibióticos, variando ainda com o espectro de gravidade que caracteriza a apendicite. A monoterapia antibiótica, assim como os antibióticos de menor espectro - quando comparados aos esquemas múltiplos e aos de maior espectro -, não evidenciou diferença nas taxas de complicações infecciosas.

Apesar da variação na escolha, no tempo de uso e na via de administração dos antibióticos, estes devem garantir a cobertura principalmente contra microrganismos gram-negativos e anaeróbios. Na apendicite aguda não complicada, os antibióticos são empregados de forma profilática por 24 horas ou até menos e reduzem as taxas de complicações pós-operatórias infecciosas, enquanto na apendicite complicada esses fármacos são utilizados de maneira terapêutica, por um período de 5-7 dias, ou, de acordo com pesquisas mais recentes, mantidos até a melhora clínica do paciente.

Portanto, não existe uma conduta baseada em evidências e indiscutível no tratamento antimicrobiano complementar da apendicectomia. Urge que sejam realizados mais estudos sobre esse tema na faixa pediátrica, com o melhor nível de evidência possível, a fim de preencher essa lacuna do conhecimento.

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Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2018
  • Aceito
    07 Jul 2018
  • Publicado
    25 Jun 2019
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