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Infecção hospitalar em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal: há influência do local de nascimento?

Nosocomial infections at Neonatal Intensive Care Unit: does the place of birth matter?

Resumos

OBJETIVO: Analisar comparativamente a incidência e o perfil etiológico da infecção hospitalar em recém-nascidos (RN) de origem interna e externa, admitidos em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). MÉTODOS: Estudo de coorte em RN internados na UTIN em 2002 e 2003. A vigilância epidemiológica das infecções hospitalares foi realizada prospectivamente, seguindo-se os métodos do National Nosocomial Infections Surveillance System. Compararam-se as características clínicas, demográficas, a incidência de infecção hospitalar precoce e tardia e o perfil dos microrganismos isolados dos RN com infecção tardia, segundo o local de nascimento. RESULTADOS: Incluíram-se no estudo 426 RN de origem interna (88%) e 60 de origem externa (12%). A incidência de infecção hospitalar precoce foi 10% e tardia, 21%, sem diferença estatística entre os RN internos e externos quanto à ocorrência de infecção hospitalar precoce (p=0,40) e tardia (p=0,41). Entre os micro-organismos isolados na infecção tardia, 52% foram Gram-positivos, com predomínio do Staphylococcus coagulase negativo, tanto para as infecções em RN externos (33%) quanto internos (41%). Dentre os Gram-negativos, Pseudomonas spp. e Enterobacter spp. foram isolados com maior frequência nos RN externos. A sepse (54%) e a pneumonia (20%) foram as infecções mais frequentes. CONCLUSÕES: Entre os grupos de RN separados de acordo com o local de nascimento, não houve diferença na incidência de infecção hospitalar precoce e tardia e no agente etiológico predominante da infecção hospitalar tardia.

recém-nascido; infecção hospitalar; epidemiologia; Unidade de Terapia Intensiva


OBJECTIVE: To analyze the hospital infection incidence rate and their etiologic profile among inborn and outborn infants admitted to a Neonatal Intensive Care Unit (NICU). METHODS: This cohort study included newborns admitted to a NICU in 2002 and 2003. Hospital infection epidemiologic surveillance was conducted prospectively following the National Nosocomial Infections Surveillance System methodology. Clinical and demographic aspects, early and late hospital infection incidence rates, and the organisms isolated from newborns with late hospital infection were compared according to birth place. RESULTS: In this study, 426 (88%) inborn and 60 (12%) outborn infants were included. Early and late onset hospital infection incidence rate were 10% and 21% respectively, with no statistical difference between inborn and outborn infants for early (p=0.40) and late hospital infections (p=0.41). Among the microorganisms isolated in late hospital infections, 52% were Gram-positive organisms: coagulase-negative Staphylococcus was the predominant bacteria for outborn (33%) and inborn infants (41%). Among Gram-negative organisms, Pseudomonas spp. and Enterobacter spp. were more prevalent in outborn infants. Sepsis (54%) was the most frequent infection, followed by pneumonia (20%). CONCLUSIONS: No statistical difference was verified between inborn and outborn infants regarding early or late hospital infection incidence rates and the main etiologic agents isolated from infants with late hospital infection.

infant, newborn; cross infection; epidemiology; Intensive Care Unit


ARTIGO ORIGINAL

Infecção hospitalar em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal: há influência do local de nascimento?

Nosocomial infections at Neonatal Intensive Care Unit: does the place of birth matter?

Monica de Souza B. PinheiroI; Christiane NicolettiII; Icaro BoszczowskIII; Dilma Mineko T. PucciniIV: Sonia Regina T. S. RamosV

IMédica chefe da Unidade Neonatal do Hospital Geral de Itapecerica da Serra, Seconci-SP OSS, Itapecerica da Serra, SP, Brasil

IIMédica chefe do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Seconci-SP OSS, Itapecerica da Serra, SP, Brasil

IIIMédico infectologista do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Seconci-SP OSS, Itapecerica da Serra, SP, Brasil

IVEnfermeira do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Seconci-SP OSS, Itapecerica da Serra, SP, Brasil

VLivre-docente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da FMUSP, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Monica de Souza B. Pinheiro Rua Tamiko Fuzioka, 198 CEP 04728-190 - São Paulo/SP E-mail: msbp@uol.com.br Recebido em: 9/5/08 Aprovado em: 18/8/08

RESUMO

OBJETIVO: Analisar comparativamente a incidência e o perfil etiológico da infecção hospitalar em recém-nascidos (RN) de origem interna e externa, admitidos em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).

MÉTODOS: Estudo de coorte em RN internados na UTIN em 2002 e 2003. A vigilância epidemiológica das infecções hospitalares foi realizada prospectivamente, seguindo-se os métodos do National Nosocomial Infections Surveillance System. Compararam-se as características clínicas, demográficas, a incidência de infecção hospitalar precoce e tardia e o perfil dos microrganismos isolados dos RN com infecção tardia, segundo o local de nascimento.

RESULTADOS: Incluíram-se no estudo 426 RN de origem interna (88%) e 60 de origem externa (12%). A incidência de infecção hospitalar precoce foi 10% e tardia, 21%, sem diferença estatística entre os RN internos e externos quanto à ocorrência de infecção hospitalar precoce (p=0,40) e tardia (p=0,41). Entre os micro-organismos isolados na infecção tardia, 52% foram Gram-positivos, com predomínio do Staphylococcus coagulase negativo, tanto para as infecções em RN externos (33%) quanto internos (41%). Dentre os Gram-negativos, Pseudomonas spp. e Enterobacter spp. foram isolados com maior frequência nos RN externos. A sepse (54%) e a pneumonia (20%) foram as infecções mais frequentes.

CONCLUSÕES: Entre os grupos de RN separados de acordo com o local de nascimento, não houve diferença na incidência de infecção hospitalar precoce e tardia e no agente etiológico predominante da infecção hospitalar tardia.

Palavras-chave: recém-nascido; infecção hospitalar; epidemiologia; Unidade de Terapia Intensiva.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the hospital infection incidence rate and their etiologic profile among inborn and outborn infants admitted to a Neonatal Intensive Care Unit (NICU).

METHODS: This cohort study included newborns admitted to a NICU in 2002 and 2003. Hospital infection epidemiologic surveillance was conducted prospectively following the National Nosocomial Infections Surveillance System methodology. Clinical and demographic aspects, early and late hospital infection incidence rates, and the organisms isolated from newborns with late hospital infection were compared according to birth place.

RESULTS: In this study, 426 (88%) inborn and 60 (12%) outborn infants were included. Early and late onset hospital infection incidence rate were 10% and 21% respectively, with no statistical difference between inborn and outborn infants for early (p=0.40) and late hospital infections (p=0.41). Among the microorganisms isolated in late hospital infections, 52% were Gram-positive organisms: coagulase-negative Staphylococcus was the predominant bacteria for outborn (33%) and inborn infants (41%). Among Gram-negative organisms, Pseudomonas spp. and Enterobacter spp. were more prevalent in outborn infants. Sepsis (54%) was the most frequent infection, followed by pneumonia (20%).

CONCLUSIONS: No statistical difference was verified between inborn and outborn infants regarding early or late hospital infection incidence rates and the main etiologic agents isolated from infants with late hospital infection.

Key-words: infant, newborn; cross infection; epidemiology; Intensive Care Unit.

Introdução

A incidência de infecções hospitalares varia de acordo com as características de cada unidade de tratamento (infraestrutura e recursos humanos), do próprio recém-nascido (RN) (idade gestacional e peso de nascimento) e dos métodos de prevenção e diagnósticos disponíveis(1-8).

As taxas gerais de infecção hospitalar em unidades neonatais de países desenvolvidos variam de 8,4 a 26%(7-11). No Brasil, Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) de nível terciário possuem taxas de infecção entre 18,9 a 57,7%(5,6,12,13), havendo referência de causas possíveis das elevadas taxas de infecção: condições de trabalho, estrutura física da UTIN e número de profissionais de enfermagem por leito(6). Nenhum desses estudos, entretanto, analisou o local de nascimento dos RN assistidos.

O agente etiológico mais frequentemente encontrado na infecção neonatal é o Staphylococcus coagulase negativo, seguido por Gram-negativos tais como a Escherichia coli, Klebsiella spp. e, em terceiro lugar, os fungos, com maior frequência de Candida spp. tanto em unidades neonatais de países desenvolvidos quanto no Brasil(5,7,14,15).

Há poucos estudos que descrevem a epidemiologia da infecção hospitalar em unidades que prestam assistência a RN de origem externa e interna. No Brasil, a maioria das maternidades não oferece assistência aos nascidos em outros serviços ou em domicílio. Esses bebês são encaminhados a berçários externos ou a Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica. Acredita-se que a admissão de RN de origem externa e internação em uma mesma UTIN, junto aos nascidos na maternidade, possa interferir nos indicadores de desempenho da unidade com aumento da taxa de infecção, mas esta hipótese ainda não foi adequadamente avaliada.

O presente estudo teve como objetivo analisar comparativamente a incidência e o perfil etiológico da infecção hospitalar em neonatos admitidos em UTI Neonatal e classificados de acordo com o local de nascimento.

Métodos

Trata-se de um estudo de coorte de RN admitidos na UTIN do Hospital Geral de Itapecerica da Serra Seconci-SP OSS, no período de 1º de janeiro de 2002 a 31 de dezembro de 2003, acompanhados até a alta da unidade ou até o óbito. O hospital é público estadual, localizado na região metropolitana da Grande São Paulo, com 11 leitos de terapia intensiva neonatal do Sistema Único de Saúde para prestar atendimento de nível secundário, com taxa de ocupação de 68% em 2002 e de 73% em 2003. No período do estudo, a UTIN admitia pacientes nascidos no hospital (RN internos) e aqueles provenientes de outros serviços ou nascidos em domicílio (RN externos) no mesmo espaço físico, seguindo medidas de prevenção e controle de infecção recomendadas pelo National Nosocomial Infections Surveillance System (NNIS)(16), incluindo precauções de contato para RN externos com tempo de permanência maior do que 48 horas no hospital de origem.

A equipe da UTIN contava com um médico chefe, um médico diarista nos períodos da manhã e tarde, todos com título de habilitação na área de Neonatologia, e dois médicos plantonistas por turno de 24 horas. A equipe de enfermagem era composta por um enfermeiro e quatro técnicos por turno de trabalho, supervisionados por um enfermeiro encarregado. O controle das infecções hospitalares era realizado pela equipe do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) própria do hospital e o médico chefe da unidade participava ativamente do processo.

Foram incluídos no estudo todos os neonatos admitidos na UTIN, excluindo-se aqueles que permaneceram na unidade por menos de 24 horas. A vigilância prospectiva das infecções hospitalares foi realizada pela equipe do SCIH, com base nos métodos propostos pelo NNIS(16). O levantamento de dados foi realizado pelo Sistema de Arquivo Médico e Estatística do hospital, com o auxílio das planilhas de acompanhamento prospectivo das infecções hospitalares do SCIH a fim de se identificarem as características dos pacientes, o escore de gravidade nas primeiras 24 horas após a admissão e o agente etiológico isolado.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Seconci-SP e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

As variáveis estudadas foram: idade materna, realização de pré-natal, número de consultas e intercorrências no pré-natal, tipo de parto, tempo de bolsa rota, boletim de Apgar(17) no primeiro e quinto minuto de vida, reanimação, intubação traqueal na sala de parto, sexo do recém-nascido, idade gestacional(18), peso de nascimento, adequação do peso de nascimento à idade gestacional(19), gemelaridade, idade no momento da admissão, tempo de permanência na unidade, local de nascimento e escore de gravidade nas primeiras 24 horas após a internação. O escore empregado avalia indiretamente a gravidade dos pacientes por meio das intervenções terapêuticas a que eles são submetidos, o Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System (NTISS)(20). A contagem dos pontos seguiu as instruções de Gray et al(20). Os desfechos analisados foram a incidência de infecção hospitalar precoce e tardia durante o período de internação na UTIN.

As infecções hospitalares foram diagnosticadas segundo os critérios do NNIS, que considera como precoce a infecção ocorrida durante as primeiras 48 horas após a admissão e tardia, aquela ocorrida após 48 horas de admissão na unidade(16). A definição dos tipos de infecção também seguiu os critérios do NNIS, considerando-se sepse diante do critério clínico e/ou laboratorial(16). Para o cálculo dos indicadores de infecção, foram consideradas a incidência acumulada de infecção (número de infecção sobre o total de saídas - altas, óbitos e transferências - vezes 100) e a densidade de incidência de infecção (número de infecção sobre o total de pacientes/dia, vezes 1.000)(16).

As culturas utilizadas no diagnóstico das infecções tardias, coletadas do sangue, líquor, urina, secreção e cateteres, foram realizadas pelo laboratório do hospital. A identificação dos microrganismos e o antibiograma seguiram os métodos tradicionais do National Commitee for Clinical Laboratory Standards, publicados em 2000(21).

A análise estatística para verificar a associação entre as variáveis categóricas foi feita por meio do qui-quadrado ou do teste de Fisher bicaudal(22,23). Adotou-se o nível de significância p<0,05. Utilizou-se o programa Epi-Info, versão 6.02(24).

Resultados

Houve um total de 605 admissões na UTIN no período do estudo. Dessas admissões, 540 foram RN de origem interna (89%) e 65, de origem externa (11%). Após a aplicação dos critérios de exclusão, permaneceram no estudo 486 neonatos: 426 de origem interna (88%) e 60 externos (12%). Dentre os últimos, 11 (18%) vieram de seus domicílios e 49 (82%) de outro serviço de saúde. Dos RN externos, 39 (65%) foram admitidos na UTIN de estudo no mesmo dia do nascimento.

Quanto às características maternas, as mães dos recém-nascidos externos eram mais jovens (p=0,002); um número menor delas havia feito pré-natal (p<0,001) e, quando o fizeram, compareceram a um menor número de consultas (p<0,001) e com menor relato de intercorrências (p<0,001), conforme Tabela 1.

Quanto às características perinatais, os de origem externa nasceram, com maior frequência, de parto vaginal (p<0,001), a amniorrexe prolongada foi menos frequente (p=0,030) e houve menor necessidade de reanimação do que quando se tratava dos RN de origem interna (p<0,001). Não houve diferença nas condições de vitalidade ao nascer entre os grupos (Tabela 2).

Quanto às características neonatais, houve maior número de crianças com peso inferior a 1.500 g ao nascer (p=0,017) e tamanho pequeno para a idade gestacional (p<0,001) nos externos, comparados aos internos. Não se observou diferença estatística quanto ao sexo, à idade gestacional e à gemelaridade entre os grupos (Tabela 1). Os RN de origem externa apresentaram idade média na admissão de 3,58±7,54 dias e mediana de zero dia (variação: 0 a 27 dias); os de origem interna, tiveram idade média de 0,22±1,76 e mediana de zero dias (variação: 0 a 35 dias), diferença esta com significância estatística (p<0,001). O bebê de origem interna admitido na UTIN com 35 dias de vida estava na unidade de cuidados intermediários e teve piora de sua condição clínica.

Dos 486 RN estudados, os de origem externa apresentaram média do escore de gravidade NTISS de 15,5±6,0 pontos e mediana 13,5 nas primeiras 24 horas após a admissão, sendo maiores do que as dos recém-nascidos de origem interna (média 11,9±5,1 pontos e mediana de 10,0) (p<0,001). Os pacientes com infecção hospitalar tardia tiveram média do NTISS de 16,6±5,7 (mediana 15,6), significantemente maior do que aqueles sem infecção hospitalar (média 11,2±4,6 e mediana 10,4) (p<0,001)). O tempo de permanência na UTIN foi, em média, 14,7±21,3 dias (mediana 7,5 dias) para os externos e 11,2±17,0 dias (mediana 4,0 dias) para os internos (p=0,104).

A incidência acumulada de infecção na UTIN foi 30,6% e a densidade de incidência de 25,1 por 1.000 pacientes/dia. Os processos infecciosos estavam presentes ou se desenvolveram até 48 horas após a admissão em 47 RN (9,7 por 100 saídas) e as infecções tardias, em 102 (21,0 por 100 saídas), de acordo com a Tabela 3. Não houve associação estatística entre o local de nascimento e as taxas de infecção hospitalar precoce e tardia (Gráfico 1).


Para o diagnóstico etiológico das infecções tardias, realizaram-se 218 culturas (71,1% no sangue) em 102 RN. Em 86 culturas (39,5%), foram isolados microrganismos: 71 culturas (taxa de positividade de 38,4%) nos pacientes de origem interna e 15 (taxa de positividade de 45,5%) nos externos. Dessas 86 culturas, 56 foram positivas no sangue (65,1%).

Dos agentes microbianos isolados, 52,3% eram Gram-positivos, sendo o Staphylococcus coagulase negativo o mais encontrado, seguido dos Gram-negativos, com predomínio da Klebsiella pneumoniae e, em terceiro lugar, os fungos. Quanto ao local de nascimento, Pseudomonas spp. e Enterobacter spp. foram mais frequentemente isolados nos pacientes de origem externa (Gráfico 2).


Discussão

A ocorrência de infecção hospitalar é mais elevada em países em desenvolvimento(5,6,12,25) , comparada à dos países desenvolvidos(7,8,14,15,26). Parte dessa situação é atribuída à superlotação e à falta de pessoal, problemas crônicos e persistentes nas UTIN dos países em desenvolvimento(6).

Quando se avalia a epidemiologia da infecção hospitalar em recém-nascidos, observa-se que esta também depende do peso ao nascimento, das características da unidade em que estão hospitalizados, da frequência de utilização de procedimentos invasivos, da aquisição a partir de fonte materna ou não, do sítio da infecção e da evolução temporal de agentes etiológicos dentro de uma unidade, ressaltando-se a importância da vigilância epidemiológica em cada instituição(1,2,4,10,25,27-30) .

Admite-se que a regionalização da assistência perinatal possa levar a melhores resultados quanto à morbimortalidade neonatal porque as gestantes de alto risco seriam transferidas para serviços com maior experiência na assistência(31-33). Entretanto, no Canadá, mesmo com o sistema regionalizado, 26% dos neonatos são transferidos a centros terciários por circunstâncias emergenciais(31) e isso resulta em pacientes que precisam ser admitidos em terapias intensivas.

No Hospital Geral de Itapecerica da Serra, a gestante de alto risco é encaminhada ao hospital para o pré-natal e/ou para o parto. O recém-nascido de alto risco que porventura nasça nos centros de abrangência da regionalização da assistência é recebido pela unidade neonatal do hospital, o que está de acordo com o preconizado na literatura, ou seja, o melhor atendimento para o RN externo é o oferecido pela equipe materno-infantil do hospital de referência e não por serviços com pouca experiência no atendimento perinatal, como os de UTI Pediátrica(32,33).

No período, a maior parte dos admitidos na UTIN do hospital de estudo foi de origem interna, sendo somente 12% de origem externa, mas em ambos os grupos a maioria era constituída por prematuros e recém-nascidos de baixo peso. Na Rede Neonatal Canadense, 65% de todos os RN admitidos nos centros de referência foram prematuros e 98% das mães fizeram o pré-natal(31). Para os autores canadenses, o acesso dos prematuros ao sistema regionalizado da assistência perinatal indica a qualidade adequada do cuidado perinatal bem organizado, incluindo o cuidado pré-natal preventivo. No Hospital Geral de Itapecerica da Serra, entre os RN admitidos na UTIN e incluídos no estudo, houve uma proporção de 68% de RN prematuros e 90% de mães com pré-natal realizado, mas somente 30% delas compareceram a seis ou mais consultas pré-natais.

A incidência de infecção hospitalar na UTIN do estudo foi 30,6%. A taxa de infecção precoce foi 9,7% e a de infecção tardia, 21%. Relatos de outros autores brasileiros mostraram incidência de infecção hospitalar variável de 18,9 a 57,7%(5,6,12,13). Para autores americanos e europeus, a taxa de infecção varia de 8,4 a 26%(7-11). Nenhum desses relatos foi feito em condições similares àquelas encontradas na UTIN do estudo, ou seja, não admitiam recém-nascidos externos.

A principal infecção verificada foi a sepse, seguida da pneumonia, o que está de acordo com a literatura(5,7,9,14). Quanto ao perfil do agente etiológico, observou-se que o mais frequente entre os internos e os externos foi o Staphylococcus coagulase negativo, seguido dos bacilos Gram-negativos e pelos fungos, achado este que também está de acordo com o observado na literatura(5-9,14,15). Entretanto, analisando a proporção de agentes isolados nos dois grupos, encontrou-se Pseudomonas spp. e Enterobacter spp. mais frequentemente em pacientes externos, germes habitualmente de origem hospitalar. No estudo de Ceccon(30), realizado em 1999, a análise de agentes etiológicos na sepse neonatal em recém-nascidos externos mostrou, igualmente, o Staphylococcus coagulase negativo como o mais isolado (25,8%), havendo predominância de germes hospitalares provavelmente pela sobrevida de neonatos de muito baixo peso com grande tempo de permanência em unidade de terapia intensiva neonatal.

O tempo de permanência na UTIN é um dos principais fatores de risco para colonização e infecção por germes hospitalares(7,8,13,30). O contato precoce com a mãe e o aleitamento materno promovem a colonização do recém-nascido por microrganismos da flora materna, protegendo-o, em parte, contra a colonização pelos germes hospitalares(26,28,29). A diferença no tempo de permanência na UTIN do estudo entre RN internos e externos, em média 3,5 dias maior para os externos, dificilmente poderia contribuir para a proporção maior de infecções hospitalares associadas à Pseudomonas e Enterobacter nos externos. É possível que alguns desses bebês externos tenham sido colonizados e infectados por microrganismos dos locais de origem, em particular aqueles transferidos mais tardiamente. Outro aspecto seria o menor contato da mãe com os RN externos, diferente dos que nasceram no hospital, uma vez que o contato entre mãe e filho é estimulado na unidade de estudo, mesmo para os internados na UTIN.

Portanto, os RN externos não apresentaram mais episódios de infecção do que os internos, mas os agentes etiológicos das infecções tardias, com exceção do Staphylococcus coagulase negativo, foram diferentes, indicando não haver transmissão dos agentes entre os grupos de neonatos. Possivelmente, a política de controle de infecção hospitalar adotada pela unidade neonatal, ou seja, a manutenção das precauções de contato para os bebês externos internados com mais de 48 horas de vida, tenha sido importante para prevenir possíveis riscos de transmissão da infecção proveniente dos RN externos.

A prática clínica dos profissionais de saúde e a infraestrutura para assistência podem interferir nas taxas de infecção e mortalidade para o paciente internado, independentemente do local do nascimento(4,10-12,27,28,30-33). Assim, a vigilância epidemiológica das infecções hospitalares é uma ação fundamental para sua prevenção(11,29,34). Na Alemanha, a participação de 24 hospitais com UTIN no programa de vigilância nacional de infecção hospitalar, que oferecia análise e divulgação dos dados e fóruns para se discutirem problemas de vigilância e medidas de prevenção, promoveu a redução da infecção da corrente sanguínea nos neonatos com peso menor que 1500g de 8,3 infecções por 1.000 cateteres/dia no primeiro ano para 6,4 no terceiro ano do programa(11) .

Shah et al(33), em 2005, demonstraram que RN externos, com menos de 32 semanas de idade gestacional, admitidos em hospitais pediátricos tiveram risco maior de morte (OR 2,25; IC 95%=1,20-4,20) e de infecção (OR 2,48; IC 95%=1,64-3,73), comparados àqueles admitidos em UTIN, após ajustes dos riscos perinatais e gravidade à admissão.

Uma das principais limitações de nosso estudo é o viés de recordação, em especial das mães dos recém-nascidos externos, que não fizeram pré-natal na instituição e, portanto, podem ter seus dados de intercorrências subestimados. Os dados neonatais, coletados nos prontuários, inclusive para o cálculo do índice da gravidade, foram feitos de modo retrospectivo, mas uma das vantagens do NTISS é justamente a possibilidade de coleta retrospectiva de dados. Embora esse escore tenha uma acurácia diminuída em relação àqueles que utilizam dados fisiológicos para prever óbitos, é um bom marcador de gravidade e está associado à ocorrência de infecção hospitalar(20). O número bem menor de RN externos em relação aos internos pode ter prejudicado algumas análises, mas os índices de infecção hospitalar foram similares entre os grupos. Para que pudéssemos afirmar que realmente não há diferença nas taxas de infecção hospitalar entre os recém-nascidos internos e externos, utilizando-se um erro alfa de 5% e um poder amostral de 80%, em um estudo de coorte como o aqui apresentado, seriam necessários 750 recém-nascidos no grupo externo e 5.250 no grupo interno.

Se medidas eficientes de prevenção das infecções hospitalares forem adotadas, pode-se recomendar que, quando a transferência da gestante para um centro perinatal não é possível, esforços devem ser feitos para que os neonatos sejam transferidos para centros perinatais, principalmente aqueles com menos de 28 semanas de idade gestacional, os mais vulneráveis e que sofrem mais com os cuidados inadequados(26,32,35), uma vez que o local mais adequado para a assistência ao recém-nascido é a unidade neonatal(33). Já para as infecções hospitalares, a melhor abordagem é a prevenção com consistência e persistência para reduzir a sua incidência, isto é, adoção de um programa eficaz de vigilância e controle da infecção.

Neste estudo, não houve diferença estatística na incidência de infecção hospitalar precoce e tardia e quanto ao agente etiológico predominante da infecção hospitalar tardia nos recém-nascidos internos e externos. Deve-se ter cuidado ao transpor esses dados para outras unidades neonatais, uma vez que as características da unidade e do controle de infecção hospitalar podem ser diferentes.

Agradecimentos

Aos colaboradores do Hospital Geral de Itapecerica da Serra, Seconci-SP OSS.

Instituição: Serviço Social da Indústria da Construção e do Mobiliário do Estado de São Paulo/Organização Social de Saúde (Seconci-SP OSS) do Hospital Geral de Itapecerica da Serra e Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Monica de Souza B. Pinheiro
    Rua Tamiko Fuzioka, 198
    CEP 04728-190 - São Paulo/SP
    E-mail: msbp@uol.com.br
    Recebido em: 9/5/08
    Aprovado em: 18/8/08
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      18 Ago 2008
    • Recebido
      09 Maio 2008
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