Acessibilidade / Reportar erro

ALEITAMENTO MATERNO EXCLUSIVO E BAIXO PESO EM CRIANÇAS DE ZERO A SEIS MESES ACOMPANHADAS NA ATENÇÃO BÁSICA NO BRASIL, 2017

RESUMO

Objetivo:

Descrever as prevalências de baixo peso e aleitamento materno exclusivo (AME) em crianças de zero a seis meses acompanhadas na Atenção Básica no Brasil em 2017, identificando sua distribuição espacial.

Métodos:

Tratou-se de um estudo observacional, descritivo e ecológico a partir da análise de dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. A distribuição de registros obtidos foi comparada às estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para avaliação do AME, equipes da Atenção Básica utilizaram marcadores de consumo alimentar do dia anterior. Quanto ao baixo peso, usou-se: estatura/idade (E/I), peso/idade (P/I) e índice de massa corpórea (IMC)/idade (IMC/I), conforme referências da Organização Mundial da Saúde (OMS). Foram calculados os intervalos de confiança de 95% (IC95%) para prevalências obtidas, sendo plotadas em mapas, por Unidade da Federação (UF).

Resultados:

Obteve-se dados de 88,7 e 32,2% dos municípios brasileiros em relação à antropometria e ao consumo alimentar, correspondendo a 167.393 e 66.136 crianças, respectivamente. Em comparação à distribuição populacional, o número de registros esteve subestimado nas regiões Norte e Nordeste para antropometria/consumo e com proporções distintas na região Sul para antropometria e na região Sudeste para consumo. As prevalências encontradas foram: AME - 56,6% (IC95% 56,2-56,9); baixa E/I - 10,6% (IC95% 10,5-10,8); baixo P/I - 9,0% (IC95% 8,9-9,1); e baixo IMC/I - 5,8% (IC95% 5,7-6,0).

Conclusões:

A estimativa de AME no Brasil aproximou-se de estudos anteriores, mas dados de consumo alimentar ainda possuem baixa cobertura, comprometendo a estimativa em algumas localidades. Referente à antropometria, destacaram-se elevadas taxas de baixos E/I, P/I e IMC/I em alguns Estados, consideravelmente acima da estimativa nacional anterior.

Palavras-chave:
Aleitamento materno; Desnutrição; Crianças; Brasil; Atenção Básica; Consumo alimentar

ABSTRACT

Objective:

To describe the prevalence of underweight and exclusive breastfeeding (EBF) in children aged zero to six months followed by Primary Care in Brazil in 2017, identifying their spatial distribution.

Methods:

This was an observational, descriptive and ecological study based on data analysis of the Food and Nutrition Surveillance System. The distribution of records obtained was compared to the population estimates of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). In order to evaluate the EBF, Primary Health Care teams used food ingestion from the previous day. As for underweight, we used: Length-for-age (L/A), Weight-for-age (W/A) and BMI-for-age (BMI/A), according to World Health Organization (WHO) references. Confidence Intervals were calculated 95% (95%CI) for prevalences obtained, being plotted on maps by Federation Unit.

Results:

Data were obtained from 88.7 and 32.2% of Brazilian municipalities regarding anthropometry and food consumption, corresponding to 167,393 and 66,136 children, respectively. Compared to population distribution, the number of records was underestimated in the North and Northeast for anthropometry/consumption, with distinct proportions in the South for anthropometry and Southeast for consumption. The prevalences found were: EBF - 56.6% (95%CI 56.2-56.9); under L/A - 10.6% (95%CI 10.5-10.8); under W/A - 9.0% (95%CI 8.9-9.1); and under BMI/A - 5.8% (95%CI 5.7-6.0).

Conclusions:

The estimate of EBF in Brazil was similar to previous studies, but food consumption data still have low coverage, compromising the estimate in some locations. Regarding anthropometry, high rates of low L/A, W/A and BMI/A stood out in some states, considerably above the previous national estimate.

Keywords:
Breast feeding; Malnutrition; Children; Brazil; Primary health care; Food consumption

INTRODUÇÃO

O aleitamento materno exclusivo (AME) acontece quando a criança recebe somente leite materno, direto da mama ou ordenhado, sem outros líquidos ou sólidos, com exceção de gotas ou xaropes contendo vitaminas, sais de reidratação oral, suplementos minerais ou medicamentos. A Organização Mundial da Saúde (OMS), referendada pelo Ministério da Saúde, recomenda que a amamentação seja exclusiva nos primeiros seis meses de vida e complementada até dois anos ou mais.11. Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.

A infância é marcada pelo desenvolvimento de habilidades motoras, emocionais, psicológicas e sociais. Os primeiros anos de vida são definitivos para o desenvolvimento infantil,22. Souza JM, Veríssimo ML. Desenvolvimento infantil: análise de um novo conceito. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23:1097-104. https://doi.org/10.1590/0104-1169.0462.2654
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
e para que o crescimento e o desenvolvimento sejam plenos é primordial que haja cuidados, por exemplo, a oferta do AME.33. Brasil - Ministério da Saúde. Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN: Orientações básicas para a coleta, processamento, análise de dados e informação em serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde ; 2004.

Nas últimas décadas, a prevalência de AME em menores de seis meses no Brasil indicou tendência ascendente, sendo 34,2% no período de 1986 a 2006, e 36,6% em 2013.44. Boccolini CS, Boccolini PM, Monteiro FR, Venâncio SI, Giugliani ER. Tendência de indicadores do aleitamento materno no Brasil em três décadas. Rev Saude Publica. 2017;51:108. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2017051000029
https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
As crianças que são amamentadas por mais tempo têm menor morbidade e mortalidade por diarreias, infecções respiratórias e otite média, apresentam aumento da inteligência e proteção contra excesso de peso e diabetes na vida futura. Há benefícios também para as mães que amamentam, por prevenir o câncer de mama e ovário e reduzir o risco de desenvolver diabetes.55. Victora CG, Bahl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Krasevec J, et al. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016;387:475-90. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(15)01024-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

O avanço nas práticas da amamentação exclusiva até os seis meses e da amamentação continuada até um ou dois anos poderia prevenir, anualmente, a morte de 823.000 crianças menores de cinco anos e de 20.000 mulheres por câncer de mama, além de diminuir custos de tratamento para doenças na infância de pelo menos 1,8 milhão de dólares no Brasil (valores em dólares de 2012). Salientando que o leite materno é ambientalmente seguro, produzido e oferecido à criança sem poluição, embalagens ou desperdício.66. Rollins NC, Bhandari N, Hajeebhoy N, Horton S, Lutter CK, Martines JC, et al. Why invest, and what it will take to improve breastfeeding practices? Lancet. 2016;387:491-504. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(15)01044-2
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

O ganho de peso adequado para essa faixa também pode ser considerado um indicador de boa saúde.77. Longo GZ, Souza JM, Souza SB, Szarfarc SC. Growth of children up to six months of age and breast-feeding practices. Rev Bras Saude Matern Infant. 2005;5 (Supl 1):109-18. De acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS‒2006), último inquérito nacional com a população lactente, cujos parâmetros para avaliação do estado nutricional de crianças entre zero e 11 meses foram peso para altura e peso para idade, o baixo peso estava presente em 2,9% das crianças, para ambos os indicadores.88. Brasil - Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde. Brasília: Ministério da Saúde ; 2009.

O acompanhamento das crianças menores de seis meses na Atenção Básica (AB), em relação ao AME e ao baixo peso, pode ser realizado por meio da Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN). A realização da VAN é recomendada pelo Ministério da Saúde como estratégia para subsidiar o planejamento da promoção da alimentação adequada e saudável no Sistema Único de Saúde (SUS), além de avaliar ações implementadas que visam à boa nutrição. Um dos instrumentos da VAN é o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN).99. Brasil - Ministério da Saúde. Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional na atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015.

O SISVAN é um sistema de informação disponível às três esferas de governo (municipal, estadual e federal), que tem como propósito gerar informação contínua sobre as condições nutricionais da população. Ele colabora também para que se conheça sua distribuição em áreas geográficas, segmentos sociais e grupos populacionais de maior risco aos agravos nutricionais. O sistema calcula indicadores de consumo alimentar e antropometria, com o intuito de acompanhar o estado nutricional e alimentar da população brasileira.33. Brasil - Ministério da Saúde. Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN: Orientações básicas para a coleta, processamento, análise de dados e informação em serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde ; 2004.

Os alimentos marcadores de consumo alimentar na AB possibilitam investigar o padrão alimentar da população. Para isso, foi elaborado um módulo específico no SISVAN que propõe a avaliação de alimentos consumidos no dia anterior, seguindo orientações da OMS.1010. World Health Organization. Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Geneva: WHO; 2010. No módulo para crianças menores de seis meses é avaliada a prática do AME e a introdução precoce de outros alimentos.1111. Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para avaliação de marcadores de consumo alimentar na atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015. Em relação à avaliação antropométrica, o acompanhamento do crescimento infantil proposto pelo Ministério da Saúde pode ser realizado utilizando o SISVAN, por meio do monitoramento das medidas de peso e estatura. A OMS recomenda a utilização de curvas de referências específicas para avaliação do estado nutricional de crianças, e essas referências são adotadas pelo sistema.1212. Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde -SISVAN. Brasília: Ministério da Saúde ; 2001.

A utilização de dados obtidos pelo SISVAN facilita a ampla observação sobre o estado nutricional e o consumo alimentar de crianças menores de seis meses. Apesar de o sistema disponibilizar à população muitas informações, não é possível identificar as estimativas de erro estatístico inerentes às frequências apresentadas e nem como refletir sobre a proximidade da distribuição dos casos com a real distribuição da população pelo território nacional. Assim, o objetivo deste estudo foi descrever as prevalências de baixo peso e AME em crianças de zero a seis meses acompanhadas na AB no Brasil em 2017, identificando sua distribuição espacial.

MÉTODO

Tratou-se de um estudo observacional, descritivo e ecológico a partir da análise de dados do SISVAN web no ano de 2017, sendo os municípios brasileiros as unidades de análise. O banco de dados foi extraído em março de 2019, sendo 2017 o ano mais recente e com dados completos nessa época.

Para a avaliação de consumo alimentar, as equipes de AB utilizaram um formulário de marcadores de consumo alimentar, que propõe a avaliação de alimentos consumidos no dia anterior, podendo ser aplicado por qualquer profissional das equipes. O formulário permite avaliar a prática do aleitamento materno (AM) e a introdução precoce de alimentos. A sua utilização deve seguir as recomendações do Ministério da Saúde de 2015, e o registro pode ser feito em instrumentos, como prontuários, formulário de informações vigentes e cadernetas de saúde, e posteriormente digitado no SISVAN.1111. Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para avaliação de marcadores de consumo alimentar na atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015.

Em relação à avaliação do baixo peso, as equipes coletaram dados demográficos (sexo e data de nascimento) e dados antropométricos (peso e estatura). Para crianças menores de cinco anos, recomenda-se utilizar a referência que já consta na Caderneta da Saúde da Criança e no SISVAN. Os índices e os parâmetros antropométricos utilizados para crianças no SISVAN e avaliados neste trabalho foram: peso para idade (P/I), que expressa a relação entre a massa corporal e a idade da criança, sendo o índice utilizado, principalmente, para avaliar o baixo peso; estatura para idade (E/I), que indica o crescimento linear da criança, sendo o índice que melhor aponta o efeito cumulativo de situações adversas sobre o crescimento; e índice de massa corpórea (IMC) para idade (IMC/I), que explica a relação entre o peso da criança e o quadrado da estatura, possibilitando a avaliação do baixo peso considerando também a estatura. A avaliação nutricional dessas crianças foi realizada a partir de critérios estatísticos, por meio de escores Z.1313. World Health Organization. Who child growth standards: length/height-forage, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age. Methods and development. Geneva: WHO ; 2006.

A extração dos dados foi realizada pelo módulo “Relatórios Consolidados” do SISVAN web de forma agregada e sem identificação individual para montagem do banco de dados. Após a extração, os dados de consumo alimentar e estado nutricional foram compilados no Microsoft Excel para posterior tratamento estatístico. Os números de registros obtidos foram comparados às estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2012 com crianças menores de um ano, tendo como propósito detectar a proximidade da distribuição entre os registros do SISVAN e o que é esperado da população. Calcularam-se os intervalos de confiança de 95% (IC95%) para as prevalências obtidas em relação ao estado nutricional e ao consumo alimentar para todas as Unidades da Federação (UFs), as regiões e para todo o Brasil. Em seguida, os dados foram plotados em mapas para melhor inspeção visual de sua distribuição, por UF. Neste estudo, foram utilizados os softwares Stata, versão 14, e Tab Win, versão 4.15, para as análises.

RESULTADOS

Neste estudo, foram extraídos dados de 4.945 municípios em relação à antropometria, o que corresponde a 88,7% dos municípios brasileiros, e 1.793 no que se refere ao consumo alimentar, equivalente a 32,2%, sendo 167.393 crianças avaliadas em relação à antropometria e 66.136, ao consumo alimentar.

Os dados obtidos pelo SISVAN foram comparados aos dados populacionais estimados do IBGE, sendo apresentados na Tabela 1. As regiões Nordeste e Norte tiveram distribuição dos dados subestimada quanto à antropometria e ao consumo alimentar. Já na região Sudeste os dados podem estar com proporções diferentes principalmente no que diz respeito ao consumo alimentar, indicando uma porcentagem quase duplicada quando confrontado com o IBGE. Na região Sul, em referência à antropometria, a amostra ficou com proporção diferente, e em relação ao consumo, a amostra ficou semelhante quanto à população.

Tabela 1
Crianças menores de seis meses acompanhadas no inquérito populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de crianças menores de um ano por macrorregiões e Unidades da Federação do Brasil no ano de 2017.

Na Tabela 2, foram apresentadas as taxas de prevalências relacionadas à antropometria, com foco em identificar baixo peso por macrorregiões e UF. Verificou-se as prevalências no Brasil: baixa E/I - 10,6% (IC95% 10,5-10,8), baixo P/I - 9,0% (IC95% 8,9-9,1) e baixo IMC/I - 5,8% (IC95% 5,7-6,0). O Estado de Minas Gerais teve a maior taxa de baixo P/I (12,2%; IC95% 11,9-12,5). No que diz respeito às macrorregiões, a região Sudeste obteve a maior taxa de baixo P/I (11,0%; IC95% 10,8-11,2) e a região Sul apresentou as menores prevalências em relação ao baixo P/I (4,3%; IC95% 4,0-4,5).

Tabela 2
Taxa de prevalência de baixo comprimento para idade e baixo peso para idade em menores de seis meses por macrorregiões e Unidades da Federação do Brasil no ano de 2017.

Na Tabela 3 são apresentadas as taxas de prevalência de AME por macrorregiões e UF. A prevalência de AME no Brasil foi de 56,6% (IC95% 56,2-56,9). O Estado de Minas Gerais destacou-se pelo maior número de registros e pela prevalência mais precisa de AME (54,2%; IC95% 53,7-54,7). Já o Estado de Alagoas obteve a menor taxa de AME (40,2%; IC95% 36,7- 43,7). A região Norte apresentou maior frequência de AME (68,6%; IC95% 66,7-70,5) e a região Nordeste, a menor (45,9%; IC95% 44,4-47,4).

Tabela 3
Taxa de prevalência de aleitamento materno exclusivo em menores de seis meses por macrorregiões e Unidades da Federação do Brasil no ano de 2017.

As prevalências de baixo peso obtidas foram plotadas em mapas, por UF, e de AME, por UF e macrorregiões, para identificação de suas distribuições espaciais em 2017. Na Figura 1, mostra-se a distribuição no que se refere ao estado nutricional: baixa E/I, baixo P/I e baixo IMC/I. Já na Figura 2 demonstra-se a frequência do AME em crianças menores de seis meses.

Figura 1
Distribuição dos indicadores de inadequação pelos índices estatura/idade, peso/idade e índice de massa corpórea/idade em Unidades da Federação do Brasil no ano de 2017.

Figura 2
Distribuição das taxas de aleitamento materno exclusivo em Unidades da Federação e macrorregiões do Brasil no ano de 2017.

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo atualizam as frequências dos indicadores recomendados pelo Ministério da Saúde para a vigilância do AME e do estado nutricional de lactentes no Brasil. Apesar de a distribuição dos casos por vezes se distanciar da distribuição populacional brasileira, segundo o IBGE, verificou-se que a diminuta amplitude de alguns IC95% aponta para a precisão dos resultados e a relevância da utilização dos dados gerados pelo SISVAN. Considerando ainda que esses dados são contínuos e coletados em municípios que nunca foram investigados por qualquer outro inquérito populacional, reforça-se a utilidade do sistema para a vigilância alimentar e nutricional nos primeiros meses de vida.

O estudo evidenciou, ainda, que a despeito de não utilizar os dados individualizados, ou realizar qualquer procedimento de limpeza ou avaliação de qualidade do banco, o que não seria possível com os dados agregados disponibilizados ao público pelo SISVAN, os resultados, para os principais desfechos, foram semelhantes a estudo anterior que executou tais procedimentos e utilizou os dados individualizados.1414. Gonçalves VS, Silva SA, Andrade RC, Spaniol AM, Nilson EA, Moura IF. Food intake and underweight markers in children under6 months old monitored via the Food and Nutrition Surveillance System, Brasil, 2015. Epidemiol Serv Saúde. 2019;28:e2018358. https://doi.org/10.5123/s1679-49742019000200012
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
Tais aspectos reforçam a importância dos dados agregados do SISVAN como ferramenta de vigilância e gestão das ações de alimentação e nutrição na AB e conferem maior segurança aos gestores e profissionais de saúde quanto à elaboração de intervenções necessárias à promoção da alimentação adequada e saudável em suas regiões.

Para ser considerada boa, a prevalência do indicador AME deveria ser entre 50 e 89%, segundo a classificação proposta pela OMS.1515. Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Pesquisa de prevalência de aleitamento materno em municípios brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde ; 2010. No presente estudo, de todas as macrorregiões avaliadas, a região Nordeste foi a única que apresentou prevalência de AME abaixo da recomendação da OMS. Apenas os Estados da Bahia e do Ceará obtiveram valores desejáveis para a classificação. As regiões Centro-Oeste, Norte e Sudeste apresentaram, cada um, um Estado com prevalência inferior à faixa, sendo eles: Mato Grosso, Tocantins e Rio de Janeiro, respectivamente. Já na região Sul todos os Estados se incluíram na faixa recomendada.

A prevalência do AME no Brasil (56,6%) se encontrou dentro da classificação de um bom indicador; consequentemente, foi relatada introdução precoce de alimentos para 43,4% das crianças. A prática do AME no Brasil ainda está distante das recomendações ideais da OMS (90-100%). No entanto, em comparação à Pesquisa Nacional de Saúde, constatou-se um aumento, tendo em vista a prevalência de 45,4% em 2013.44. Boccolini CS, Boccolini PM, Monteiro FR, Venâncio SI, Giugliani ER. Tendência de indicadores do aleitamento materno no Brasil em três décadas. Rev Saude Publica. 2017;51:108. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2017051000029
https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
Tal diferença, no entanto, pode se justificar pelo fato de o presente estudo ter inserido somente usuários da AB, nível de atenção à saúde em que são realizadas recorrentes ações de promoção e proteção às práticas de AM.1414. Gonçalves VS, Silva SA, Andrade RC, Spaniol AM, Nilson EA, Moura IF. Food intake and underweight markers in children under6 months old monitored via the Food and Nutrition Surveillance System, Brasil, 2015. Epidemiol Serv Saúde. 2019;28:e2018358. https://doi.org/10.5123/s1679-49742019000200012
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...

Quanto às macrorregiões do Brasil, a região Norte apresentou maior frequência de AME (68,6%), o que se assemelha ao estudo de Wenzel e Souza,1616. Wenzel D, Souza SB. Prevalence of breastfeeding in Brazil according to socioeconomic and demographics conditions. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21:251-8. que mostrou a prevalência de AME segundo condições socioeconômicas e demográficas em 2002-2003, sendo de 63% na região Norte. Nesse mesmo estudo, verificou-se que a prevalência de AM foi maior em áreas rurais, uma vez que a permanência de padrões culturais tradicionais ou a manutenção de estruturas do apoio familiar auxiliavam a prática. Outro aspecto considerável é que essa prática pode estar associada com a presença de diferentes estruturas nos serviços e programas de saúde. Já o Nordeste foi a região que apresentou a menor taxa de AME (45,9%), o que foi similar ao estudo de Venâncio et al.,1717. Venâncio SI, Escuder MM, Saldiva SR, Giugliani ER. Breastfeeding practice in the Brazilian capital cities and the Federal District: current status and advances. J Pediatr (Rio J.). 2010;86:317-24. estimando a prática do AME nas capitais e regiões brasileiras em 2008, com prevalência de 37,0%, a pior situação em comparação com as outras regiões.

Já entre as UF, Minas Gerais se sobressaiu pelo maior número de registros e prevalência de AME, com boa precisão, porém não foram identificados estudos referentes ao AME para o Estado. Em relação à capital Belo Horizonte, observou-se prevalência de AME de 39,4% em 2008. Sergipe foi o Estado que obteve menor frequência no presente estudo (36,4%), e em 2008, a capital Aracaju apresentou estimativa de AME de 35%.1818. Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal. Brasília: Ministério da Saúde ; 2009.

A frequência dos indicadores antropométricos (baixo P/I e baixa E/I) mostrou-se aumentada em comparação à PNDS com crianças de 0‒11 meses em 2006, sendo que as prevalências de déficit de P/I e E/I foram de 2,9 e 4,9%, respectivamente. As diferenças metodológicas e da faixa etária limitam a comparação entre os estudos, mas apontam para a necessidade de investigações futuras a respeito do ganho de peso e estatura adequados nessa faixa etária, tendo em vista os valores superiores encontrados. O fato de a população da AB ser mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico também pode ajudar na explicação de tais discrepâncias. O expressivo número de crianças avaliadas no presente estudo (167.393) e o alcance de municípios nunca representados em inquéritos populacionais reforçam, no entanto, o valor dessa estimativa.

O Estado do Maranhão apresentou a maior frequência em relação aos indicadores antropométricos de baixa E/I e baixo IMC/I. Lopes et al.1919. Lopes AF, Frota MT, Leone C, Szarfarc SC. Nutrition profile of children in Maranhão state. Rev Bras Epidemiol. 2019;22:e190008. https://doi.org/10.1590/1980-549720190008
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
indicaram o perfil nutricional de crianças menores de cinco anos no Maranhão em 2010, evidenciando que a prevalência de baixa E/I foi de 7,7% das 74 crianças avaliadas, e quanto ao índice de baixo IMC/I (magreza), a frequência foi de 1,7% das 16 crianças avaliadas. Esse estudo mostrou também que no Maranhão o indicador de insegurança alimentar possui uma correlação significativa ao estado nutricional. Crianças que vivem em condições de vulnerabilidade têm maior risco de apresentar baixa E/I.

O Estado de Minas Gerais apresentou a maior taxa de baixo P/I. Em consonância com esses dados, outro estudo realizado com crianças de 0-7 anos beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) em Minas Gerais, acompanhadas pelo SISVAN no ano de 2008-2011, destacou a prevalência de baixo P/I em 2011 de 3,0% das 11.880 crianças avaliadas.2020. Saldanha LF, Lagares EB, Fonseca PC, Anastácio LR. Nutritional status of children who are recipients of the Family Allowance Program followed up by the Food and Nutrition Surveillance System in the State of Minas Gerais. Rev Méd Minas Gerais. 2014;24:478-85. http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20140139
https://doi.org/http://www.dx.doi.org/10...
Apesar da faixa etária discordante, percebe-se que em populações mais vulneráveis, como usuários da AB e beneficiários do PBF, as prevalências de baixo peso têm se mantido relevantes ao longo do tempo.

De acordo com um estudo realizado em um município do Nordeste com crianças menores de um ano, há diversas variantes que podem influenciar na prática de AM, como número de filhos, tipo de parto e orientações sobre o AM, que demonstraram estaticamente uma associação em consideração ao tempo em que as crianças são amamentadas.2121. Caldas DRC, Oliveira ASSS, Cunha EA, Oliveira MR, Landim LASR. Breastfeeding and the nutritional status of children under one year old from a city at the Brazil Northeast. Ensaios Cienc Cienc Biol Agrar Saude. 2016;20:3-10. No que se refere aos fatores que interferem na duração da amamentação exclusiva, Capucho et al.2222. Capucho LB, Forechi L, Lima RC, Massaroni L, Primo CC. Factors affecting exclusive breastfeeding. Rev Bras Pesq Saúde. 2017;19:108-13. realizaram estudo em Vitória, Espírito Santo, em 2017, no qual relata que o contexto familiar, as experiências anteriores, os aspectos psicológicos, o trabalho materno e as intercorrências mamárias podem estar relacionados com o desmame precoce. O estudo ainda relata que a prática da amamentação deve ser incentivada por todos, sendo primordial que a mãe se sinta assistida quanto às dúvidas, à insegurança e às dificuldades no processo da amamentação.

O presente estudo apresentou limitações por se tratar de dados secundários, ter números distintos de casos avaliados sobre estado nutricional e consumo alimentar, ausência de dados em algumas localidades do Brasil, além de ano e faixa etária diferentes da estimativa do IBGE, o que diminui a possibilidade de extrapolação dos resultados alcançados. Ainda deve ser destacado que a amostra estudada não é representativa das crianças brasileiras, tendo sido representadas somente aquelas acompanhadas na AB, sendo selecionadas por conveniência, como em toda amostra originada de serviços de saúde. Contudo, acredita-se que os resultados encontrados neste estudo possam auxiliar para o conhecimento das frequências de AME e do baixo peso em território nacional. Em relação à antropometria, destacou-se elevadas taxas de baixos E/I, P/I e IMC/I em determinados Estados, consideravelmente acima da estimativa nacional. Apesar das limitações, o estudo traz um número robusto de avaliados, permitindo uma boa precisão em grande parte das estimativas.

A estimativa de AME no Brasil se aproximou de estudos anteriores, mas dados de consumo alimentar ainda possuem baixa cobertura, comprometendo a estimativa em algumas localidades. Por meio dos resultados obtidos se reforça a necessidade de intensificar as ações já implementadas e apresentar novas ações de promoção, proteção e apoio ao AME, com intuito de aumentar a prevalência e a duração do AME, proporcionando ganho de peso adequado e, consequentemente, melhorando a qualidade de vida das crianças assistidas na AB.

REFERENCES

  • 1
    Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
  • 2
    Souza JM, Veríssimo ML. Desenvolvimento infantil: análise de um novo conceito. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23:1097-104. https://doi.org/10.1590/0104-1169.0462.2654
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/0104-1169.0462.2654
  • 3
    Brasil - Ministério da Saúde. Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN: Orientações básicas para a coleta, processamento, análise de dados e informação em serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde ; 2004.
  • 4
    Boccolini CS, Boccolini PM, Monteiro FR, Venâncio SI, Giugliani ER. Tendência de indicadores do aleitamento materno no Brasil em três décadas. Rev Saude Publica. 2017;51:108. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2017051000029
    » https://doi.org/https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2017051000029
  • 5
    Victora CG, Bahl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Krasevec J, et al. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016;387:475-90. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(15)01024-7
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/S0140-6736(15)01024-7
  • 6
    Rollins NC, Bhandari N, Hajeebhoy N, Horton S, Lutter CK, Martines JC, et al. Why invest, and what it will take to improve breastfeeding practices? Lancet. 2016;387:491-504. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(15)01044-2
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/S0140-6736(15)01044-2
  • 7
    Longo GZ, Souza JM, Souza SB, Szarfarc SC. Growth of children up to six months of age and breast-feeding practices. Rev Bras Saude Matern Infant. 2005;5 (Supl 1):109-18.
  • 8
    Brasil - Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde. Brasília: Ministério da Saúde ; 2009.
  • 9
    Brasil - Ministério da Saúde. Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional na atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015.
  • 10
    World Health Organization. Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Geneva: WHO; 2010.
  • 11
    Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para avaliação de marcadores de consumo alimentar na atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015.
  • 12
    Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde -SISVAN. Brasília: Ministério da Saúde ; 2001.
  • 13
    World Health Organization. Who child growth standards: length/height-forage, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age. Methods and development. Geneva: WHO ; 2006.
  • 14
    Gonçalves VS, Silva SA, Andrade RC, Spaniol AM, Nilson EA, Moura IF. Food intake and underweight markers in children under6 months old monitored via the Food and Nutrition Surveillance System, Brasil, 2015. Epidemiol Serv Saúde. 2019;28:e2018358. https://doi.org/10.5123/s1679-49742019000200012
    » https://doi.org/https://doi.org/10.5123/s1679-49742019000200012
  • 15
    Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Pesquisa de prevalência de aleitamento materno em municípios brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde ; 2010.
  • 16
    Wenzel D, Souza SB. Prevalence of breastfeeding in Brazil according to socioeconomic and demographics conditions. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21:251-8.
  • 17
    Venâncio SI, Escuder MM, Saldiva SR, Giugliani ER. Breastfeeding practice in the Brazilian capital cities and the Federal District: current status and advances. J Pediatr (Rio J.). 2010;86:317-24.
  • 18
    Brasil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal. Brasília: Ministério da Saúde ; 2009.
  • 19
    Lopes AF, Frota MT, Leone C, Szarfarc SC. Nutrition profile of children in Maranhão state. Rev Bras Epidemiol. 2019;22:e190008. https://doi.org/10.1590/1980-549720190008
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/1980-549720190008
  • 20
    Saldanha LF, Lagares EB, Fonseca PC, Anastácio LR. Nutritional status of children who are recipients of the Family Allowance Program followed up by the Food and Nutrition Surveillance System in the State of Minas Gerais. Rev Méd Minas Gerais. 2014;24:478-85. http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20140139
    » https://doi.org/http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20140139
  • 21
    Caldas DRC, Oliveira ASSS, Cunha EA, Oliveira MR, Landim LASR. Breastfeeding and the nutritional status of children under one year old from a city at the Brazil Northeast. Ensaios Cienc Cienc Biol Agrar Saude. 2016;20:3-10.
  • 22
    Capucho LB, Forechi L, Lima RC, Massaroni L, Primo CC. Factors affecting exclusive breastfeeding. Rev Bras Pesq Saúde. 2017;19:108-13.

Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2019
  • Aceito
    22 Dez 2019
  • Publicado
    04 Ago 2020
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br