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Lúpus juvenil, infecção por citomegalovírus e tamponamento cardíaco: relato de caso

RESUMO

Objetivo:

Descrever e discutir um raro caso de tamponamento cardíaco na presença de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e infecção por Citomegalovírus (CMV) em um paciente pediátrico, as associações entre estas duas entidades, a abordagem diagnóstica e os possíveis tratamentos neste cenário.

Descrição do caso:

Paciente com nove anos de idade, sexo feminino, foi admitida no departamento de emergência com dispneia grave, hipofonese de bulhas, turgência jugular, instabilidade hemodinâmica e palidez intensa. Estava em acompanhamento ambulatorial prévio por quadro de dispneia leve, poliartrite, febre e manifestações cutâneas variadas há seis meses. Ecodopplercardiograma revelou efusão pericárdica. A paciente foi submetida à pericardiocentese seguida por drenagem pleuropericárdica em selo d’água, sem intercorrências. A investigação prosseguiu com o preenchimento de critérios clínico-laboratoriais para LES e a presença de antigenemia para CMV de 15/200.000 células. Foram iniciadas medicações para controle do LES e do CMV, com boa resposta clínico-laboratorial.

Comentários:

O LES pediátrico manifesta-se comumente de maneira mais grave, gerando alta morbimortalidade. Tamponamento cardíaco pode ser uma das primeiras manifestações do LES, que pode também ser precipitada por agentes infecciosos, como o CMV, levando à confusão diagnóstica e retardando o correto tratamento do paciente. Mudanças na terapêutica apropriada também devem ser consideradas na presença de ambas as condições. Com base nisso, apresentamos um caso de LES juvenil agravado por infecção por CMV e a manifestação pouco usual de tamponamento cardíaco.%

Palavras-chave:
Lúpus eritematoso sistêmico; Tamponamento cardíaco; Infecções por citomegalovírus

ABSTRACT

Objective:

To describe a rare case of cardiac tamponade in a pediatric patient with systemic lupus erythematosus (SLE) and cytomegalovirus (CMV) infection, and to discuss the relationship between these morbidities, the diagnostic approach, and the possible treatments.

Case description:

A 9-year-old girl presented to the emergency department with severe dyspnea, muffled heart sounds, jugular vein distention, hemodynamic instability, and intense pallor. She had previously been followed up at the outpatient clinic for a six-month history of mild respiratory distress, polyarthritis, fever, and various cutaneous manifestations. Doppler echocardiogram revealed pericardial effusion. The patient was submitted to pericardiocentesis followed by water seal pleuropericardial drainage, with no complications. The investigation continued, with fulfillment of clinical and laboratory SLE criteria plus CMV antigenemia of 15/200,000 cells. Medications to control CMV infection and SLE were then initiated, with good clinical and laboratory response.

Comments:

Pediatric SLE commonly manifests in a more severe form, accounting for high morbimortality. Cardiac tamponade could be one of the first manifestations of SLE, which can also be precipitated by infectious agents, such as CMV, leading to diagnostic confusion and misleading the treatment. Changes in therapeutics must also be considered in the presence of both conditions. This study presents a juvenile SLE case aggravated by a CMV infection with the unusual manifestation of cardiac tamponade.%

Keywords:
Lupus erythematosus, systemic; Cardiac tamponade; Cytomegalovirus infections

INTRODUÇÃO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) de início na infância geralmente exibe manifestações mais agudas e graves, com preferência pelo sexo feminino e idade inferior a 10 anos.11. Mina R, Brunner HI. Pediatric Lupus — are there differences in presentation, genetics, response to therapy, and damage accrual compared with adult lupus? Rheum Dis Clin North Am. 2010;36:53-80. https://doi.org/10.1016/j.rdc.2009.12.012
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A prevalência é de aproximadamente 3,3 a 8,8 por 100.000 crianças,22. Carls G, Li T, Panopalis P, Wang S, Mell AG, Gibson TB, et al. Direct and indirect costs to employers of patients with systemic lupus erythematosus with and without nephritis. J Occup Environ Med. 2009;51:66-79. https://doi.org/10.1097/jom.0b013e31818a405a
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sendo que o custo chega a US$ 71.334 anuais por paciente dependendo das manifestações clínicas e do controle da doença.33. Carter EE, Barr SG, Clarke AE. The global burden of SLE: prevalence, health disparities and socioeconomic impact. Nat Rev Rheumatol. 2016;12:605. https://doi.org/10.1038/nrrheum.2016.137
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,44. Miettunen PM, Ortiz-Alvarez O, Petty RE, Cimaz R, Malleson PN, Cabral DA, et al. Gender and ethnic origin have no effect on longterm outcome of childhood-onset systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 2004;31:1650-4. https://doi.org/10.1093/pch/7.suppl_a.31a
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A taxa de mortalidade pediátrica varia de acordo com a gravidade da doença e a qualidade da assistência prestada, sendo 14% ao longo de 10 anos no Canadá55. Kamphuis S, Silverman ED. Prevalence and burden of pediatric-onset systemic lupus erythematosus. Nat Rev Rheumatol. 2010;6:538-46. https://doi.org/10.1038/nrrheum.2010.121
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e 9% ao longo de cinco anos na Arábia Saudita.66. Al-Mayouf SM, Al Sonbul A. Influence of gender and age of onset on the outcome in children with systemic lupus erythematosus. Clin Rheumatol. 2008;27:1159-62. https://doi.org/10.1007/s10067-008-0887-z
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Vários estudos estimam que uma média de 20% dos pacientes começam a ter sintomas antes da idade adulta.77. Brunner HI, Gladman DD, Ibañez D, Urowitz MD, Silverman ED. Difference in disease features between childhood-onset and adult-onset systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2008;58:556-62. https://doi.org/10.1002/art.23204
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,88. Papadimitraki ED, Isenberg DA. Childhood- and adult-onset lupus: an update of similarities and differences. Expert Rev Clin Immunol. 2009;5:391-403. https://doi.org/10.1586/eci.09.29
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As manifestações cardiovasculares são vivenciadas por até 54% dos pacientes, principalmente pericardite, sem diferença entre as idades, evoluindo para tamponamento cardíaco em cerca de 2,5% dos pacientes.11. Mina R, Brunner HI. Pediatric Lupus — are there differences in presentation, genetics, response to therapy, and damage accrual compared with adult lupus? Rheum Dis Clin North Am. 2010;36:53-80. https://doi.org/10.1016/j.rdc.2009.12.012
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,99. Goswami RP, Sircar G, Ghosh A, Ghosh P. Cardiac tamponade in systemic lupus erythematosus. QJM. 2017;111:83-7. https://doi.org/10.1093/qjmed/hcx195
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O tamponamento cardíaco ocorre quando a pressão no pericárdio é maior que a pressão nas câmaras cardíacas, levando a uma redução no débito cardíaco e, portanto, na pressão arterial.1010. Rosenbaum E, Krebs E, Cohen M, Tiliakos A, Derk C. The spectrum of clinical manifestations, outcome and treatment of pericardial tamponade in patients with systemic lupus erythematosus: a retrospective study and literature review. Lupus. 2009;18:608-12. https://doi.org/10.1177/0961203308100659
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Além disso, uma ampla gama de agentes infecciosos, como o citomegalovírus (CMV), que geralmente são subclínicos durante a infância, ganham especial relevância no contexto do LES, pois podem desencadear crises por meio de múltiplos mecanismos, como mimetismo molecular, ativação de linfócitos ou aumento imunogenicidade.1111. Kasper DL, Hauser SL, Jameson JL, Fauci AS, Longo DL, Localzo L. Harrison's Principles of Internal Medicine. 19. ed. São Paulo: AMGH; 2016. Além disso, seja pela própria natureza dessa condição autoimune ou em decorrência de seu tratamento, o estado de imunodeficiência desses pacientes também possibilita a reativação e manifestações mais graves de múltiplas doenças infecciosas.1212. Yoda Y, Hanaoka R, Ide H, Isozaki T, Matsunawa M, Yajima N, et al. Clinical evaluation of patients with inflammatory connective tissue diseases complicated by cytomegalovirus antigenemia. Mod Rheumatol. 2006;16:137-42. https://doi.org/10.3109/s10165-006-0470-x
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O objetivo deste estudo é relatar um caso raro em que o LES juvenil foi agravado tanto pela infecção por CMV quanto pela manifestação incomum de tamponamento cardíaco. Os autores fizeram uma revisão sobre o papel do CMV no acometimento cardíaco e como desencadeador de crise de LES, além de discutir o manejo da coexistência dessas duas entidades, agregando conhecimento à limitada literatura que aborda essa associação.

RELATO DE CASO

Paciente de 9 anos, sexo feminino, foi admitida no pronto-socorro (PS) apresentando dificuldade respiratória. Avaliada por um histórico de seis meses de dispneia menos intensa e poliartrite aditiva simétrica de grandes e pequenas articulações (interfalangianas proximais, articulações metatarsofalangianas 2 e 3, punhos, cotovelos, tornozelos e joelhos), com limitação funcional e febre intermitente (38–39 °C), associada a erupção malar agravada pela exposição ao sol, alopecia, petéquias no tronco e pescoço, linfadenopatia generalizada e perda de peso não medida. Portanto, foram iniciadas as terapias com hidroxicloroquina 6,5 mg/kg/dia e cefepima 100 mg/kg/dia (mantida por 10 dias). Pulsoterapia com metilprednisolona não foi iniciada nessa época devido à possibilidade de infecção.

Exames laboratoriais, exames de imagem e mielograma foram então realizados. Os resultados laboratoriais estão apresentados nas Tabelas 1 e 2. A ultrassonografia de tórax foi realizada no pronto-socorro, revelando derrame pleural esquerdo de 0,7cm. Foi complementado por uma radiografia de tórax que evidenciou atelectasia lingual. Os resultados do mielograma revelaram medula hipocelular, com <1% de blastos, disgranulocitopoiese leve e diseritropoiese. A paciente atendeu aos critérios1313. Petri M, Orbai AM, Alarcón GS, Gordon G, Merrill JT, Fortin PR, et al. Derivation and validation of the Systemic Lupus International Collaborating Clinics classification criteria for systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2012;64:2677-86. https://doi.org/10.3410/f.718001863.793475227
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da Systemic Lupus International Collaborating Clinics (SLICC) 2012 para LES (presença de lúpus cutâneo agudo, alopecia, artrite, serosite, anemia hemolítica, trombocitopenia, anticorpos antinucleares (ANA), anti-DNA e anticorpos antifosfolípides). Assim, foram adicionados prednisona 1 mg/kg e azatioprina 2 mg/kg à prescrição após esses resultados.

Tabela 1
Exames padrão.
Tabela 2
Painel autoimune, exames sorológicos e outros.

Três dias após a internação, a paciente evoluiu com piora significativa do estado geral, piora da dispneia, sons cardíacos abafados, distensão da veia jugular, instabilidade hemodinâmica e palidez intensa. Foi realizado ecocardiograma Doppler, que mostrou grande derrame pericárdico com colapso diastólico de átrio direito. A paciente recebeu transfusão e foi submetida a pericardiocentese seguida de drenagem pleuropericárdica em selo d’água. Devido à obstrução do dreno, nova abordagem foi adotada no dia seguinte, sem maiores complicações. Novo ecocardiograma foi realizado dois dias depois, exibindo disfunção sistólica ventricular esquerda moderada, fração de ejeção de 60% e regurgitação tricúspide moderada. As terapias com furosemida 2 mg/dia e espironolactona 2 mg/dia foram então iniciadas. Imunoglobulina intravenosa (1 g/kg/dia) foi administrada em dois dias subsequentes devido à bicitopenia autoimune persistente. O ecocardiograma duas semanas depois não mostrou sinais patológicos.

A antigenemia para CMV foi solicitada após resultado sorológico positivo, com títulos de 15/200.000 células. Foi iniciada terapia com ganciclovir 5 mg/kg/dia. Após dez dias de tratamento, a antigenemia persistiu (28/200.000 células), e a dose de ganciclovir foi, portanto, dobrada. Após oito dias, outra antigenemia apresentou títulos de 1/200.000 células. A paciente manteve o tratamento com ganciclovir 10 mg/kg/dia por mais duas semanas, evoluindo com boa melhora clínica e laboratorial e recebendo alta em uso de valganciclovir oral 20 mg/kg/dia.

DISCUSSÃO

O LES é uma doença autoimune caracterizada por múltiplas manifestações clínicas e laboratoriais em consequência de uma fisiopatologia complexa derivada da quebra da tolerância imunológica, produção de autoanticorpos, imunodeficiência e interações com outras patologias, e seu arsenal terapêutico tem efeitos colaterais pronunciados.

As infecções desempenham um papel significativo, pois podem desencadear ou agravar a doença. Além disso, os pacientes com LES correm o risco de adquirir infecções comuns e oportunistas, seja pelo componente de imunodeficiência da patologia (deficiências no sistema do complemento, polimorfismos na lectina ligante de manose, entre outros), ou pela terapia imunossupressora, que é a base do tratamento do LES.1414. Zandman-Goddard G, Shoenfeld Y. Infections and SLE. Autoimmunity. 2005;38:473-85. https://doi.org/10.1080/08916930500285352
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O CMV, em pacientes imunocompetentes, geralmente causa uma infecção assintomática ou uma síndrome semelhante à gripe. No entanto, quando associado ao LES, pode levar a exacerbações da doença (ou mesmo ser o principal gatilho imunológico para quebrar a tolerância imunológica que induziria a formação de autoanticorpos característicos do LES). Para este subconjunto de pacientes, as infecções por CMV costumam exibir manifestações mais graves que podem ser difíceis de distinguir dos surtos de doença.1515. Pérez-Mercado AE, Vilá-Pérez S. Cytomegalovirus as a trigger for systemic lupus erythematosus. J Clin Rheumatol. 2010;16:335-7. https://doi.org/10.1097/rhu.0b013e3181f4cf52
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A prevalência de infecção por CMV em pacientes com LES parece ser significativa, embora a literatura a esse respeito seja escassa. Um estudo avaliando 88 pacientes com lúpus com complicações derivadas de infecções virais primárias concluiu que o CMV foi responsável por aproximadamente metade delas, enfatizando sua importância em pacientes com LES.1616. Ramos-Casals M, Cuadrado MJ, Alba P, Sanna G, Brito-Zerón P, Bertolaccini L, et al. Acute viral infections in patients with systemic lupus erythematosus: description of 23 cases and review of the literature. Medicine. 2008;87:311-8. https://doi.org/10.1097/md.0b013e31818ec711
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A infecção por CMV no LES pode se apresentar como pneumonite, miocardite, esofagite, hepatite, colite e retinite, bem como astenia, poliartrite e erupção papular eritematosa, simulando a atividade da doença.1717. Declerck L, Queyrel V, Morell-Dubois S, Dewilde A, Charlanne H, Launay D, et al. Cytomegalovirus and systemic lupus: severe infection and difficult diagnosis. La Revue de medecine interne. 2009;30:789-93. https://doi.org/10.1016/j.revmed.2009.03.019
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No presente relato, comprometimento cardíaco grave na forma de miocardite e pericardite foi observada, que pode ser decorrente tanto da atividade lúpica, desencadeada pelo CMV, quanto do efeito do CMV nos folhetos cardíacos. Estudos também mostram indução de autoanticorpos da síndrome do anticorpo antifosfolipídeo em ratos com LES infectados por CMV, ilustrando a complexidade da interação dessas duas entidades.1818. Gharavi AE, Pierangeli SS, Espinola RG, Liu X, Colden-Stanfield M, Harris EN. Antiphospholipid antibodies induced in mice by immunization with a cytomegalovirus-derived peptide cause thrombosis and activation of endothelial cells in vivo. Arthritis Rheum. 2002;46:545-52. https://doi.org/10.1002/art.10130
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Extrapolações de recomendações de tratamento usadas para outros grupos de pacientes imunossuprimidos (por exemplo, pacientes transplantados, aqueles afetados pelo HIV/AIDS) são comuns para o tratamento de CMV em pacientes com lúpus, especialmente na subpopulação pediátrica, devido à falta de grandes estudos específicos.1919. Sebastiani G, Iuliano A, Canofari C, Bracci M. Cytomegalovirus infection in Systemic Lupus Erythematosus: report of four cases challenging the management of the disease, and literature review. Lupus. 2019;28:432-7. https://doi.org/10.1177/0961203319825570
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Dentre as estratégias adotadas, vale citar o monitoramento da antigenemia viral para o tratamento da infecção quando esta atinge determinado valor de corte. Outra abordagem possível é o uso profilático de antivirais (ganciclovir intravenoso ou valganciclovir oral) independentemente da carga viral detectada em pacientes imunocomprometidos. Estratégias híbridas, usando ambos os princípios, também foram utilizadas.2020. Berman N, Belmont H. Disseminated cytomegalovirus infection complicating active treatment of systemic lupus erythematosus: an emerging problem. Lupus. 2017;26:431-4. https://doi.org/10.1177/0961203316671817
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,2121. Vora SB, Englund JA. Cytomegalovirus in immunocompromised children. Curr Opin Infect Dis. 2015;28:323-9. https://doi.org/10.1097/QCO.0000000000000174
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Um ensaio clínico europeu mostrou que o monitoramento da carga viral (via reação em cadeia da polimerase – PCR) em pacientes pediátricos com imunodeficiência e seu respectivo tratamento com antivirais antes do início dos sintomas mostrou-se vantajoso em termos de redução de custos. No entanto, não houve comparação entre esta abordagem e as estratégias que aconselham o uso profilático de antivirais (ganciclovir intravenoso ou valganciclovir oral) independentemente da carga viral.2222. Evers PD. Pre-emptive virology screening in the pediatric hematopoietic stem cell transplant population: a cost effectiveness analysis. Hematol Oncol Stem Cell Ther. 2013;6:81-8. https://doi.org/10.1016/j.hemonc.2013.08.003
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Em nosso caso, após estabilização clínica do tamponamento cardíaco e resultado positivo de antigenemia pp65, o tratamento com ganciclovir foi iniciado, orientado pelos seus níveis. Devido à persistência da positividade do pp65, a paciente recebeu alta em uso de valganciclovir e continuará em acompanhamento ambulatorial, utilizando a medicação até que os níveis de antigenemia sejam negativos.

Em relação ao tamponamento cardíaco, suas causas dividem-se principalmente em doenças infecciosas e reumáticas.2323. Maharaj SS, Chang SM. Cardiac tamponade as the initial presentation of systemic lupus erythematosus: a case report and review of the literature. Pediatr Rheumatol Online J. 2015;13:9. https://doi.org/10.1186/s12969-015-0005-0
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Embora a relação entre LES e tamponamento cardíaco seja considerada epidemiologicamente rara, um estudo retrospectivo estimou sua prevalência, verificando a ocorrência de pericardite em 25% do total de pacientes, com 6,25% deles sofrendo de tamponamento cardíaco.99. Goswami RP, Sircar G, Ghosh A, Ghosh P. Cardiac tamponade in systemic lupus erythematosus. QJM. 2017;111:83-7. https://doi.org/10.1093/qjmed/hcx195
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A maioria dos estudos que descrevem essa manifestação em pacientes pediátricos são relatos de casos.2424. Umer A, Bhatti S, Jawed S. Sub-acute cardiac tamponade as an early clinical presentation of childhood systemic lupus erythematosus: a case report. Cureus. 2018;10:e3478. https://doi.org/10.7759/cureus.3478
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Maharaj et al.2323. Maharaj SS, Chang SM. Cardiac tamponade as the initial presentation of systemic lupus erythematosus: a case report and review of the literature. Pediatr Rheumatol Online J. 2015;13:9. https://doi.org/10.1186/s12969-015-0005-0
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descreveram 13 casos de LES em crianças que apresentaram tamponamento cardíaco como primeira manifestação. Os autores descreveram 92% da população de pacientes do sexo feminino e pleurite presente em 100% dos casos. Além disso, demonstraram uma forte relação entre os níveis de anti-dsDNA e ANA, também evidenciada por este relato. Outras manifestações do LES, como nefrite, leucopenia e consumo de complemento, foram descritas em casos isolados. O presente caso apresentava anemia hemolítica e trombocitopenia imune associadas a manifestações cardíacas.

Um estudo de coorte retrospectivo conduzido na África do Sul com 93 pacientes pediátricos com LES encontrou uma prevalência de 47% de envolvimento cardíaco e vascular entre eles, frequentemente grave. Vinte e quatro crianças apresentaram derrame pericárdico, um terço delas necessitando de intervenção, com três casos de tamponamento cardíaco, assemelhando-se ao caso aqui apresentado.2525. Harrison MJ, Zühlke LJ, Lewandowski LB, Scott C. Pediatric systemic lupus erythematosus patients in South Africa have high prevalence and severity of cardiac and vascular manifestations. Pediatr Rheumatol Online J. 2019;17:76. https://doi.org/10.1186/s12969-019-0382-x
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Além disso, a prevalência de pericardite em um estudo de coorte multicêntrico retrospectivo brasileiro em 847 pacientes com LES de início na infância foi de 19,7%, sem distinção significativa entre as idades.2626. Gomes RC, Silva MF, Kozu K, Bonfá E, Pereira RM, Terreri MT, et al. Features of 847 childhood-onset systemic lupus erythematosus patients in three age groups at diagnosis: a Brazilian multicenter study. Arthritis Care Res (Hoboken). 2016;68:1736-41. https://doi.org/10.1002/acr.22881
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Alguns autores descreveram casos de LES e tamponamento cardíaco em que todos os pacientes continuaram o tratamento com pericardiocentese imediata guiada por ecocardiografia e o manejo clínico continuou com o uso de altas doses de corticosteroides, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e antimaláricos.2323. Maharaj SS, Chang SM. Cardiac tamponade as the initial presentation of systemic lupus erythematosus: a case report and review of the literature. Pediatr Rheumatol Online J. 2015;13:9. https://doi.org/10.1186/s12969-015-0005-0
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,2424. Umer A, Bhatti S, Jawed S. Sub-acute cardiac tamponade as an early clinical presentation of childhood systemic lupus erythematosus: a case report. Cureus. 2018;10:e3478. https://doi.org/10.7759/cureus.3478
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Quando associados, o CMV e o tamponamento cardíaco podem confundir o diagnóstico e enganar o tratamento. Os antivirais podem ter interações farmacológicas em longo prazo no manejo das complicações cardíacas, além de terem seu uso retardado pela urgência do quadro clínico e serem iatrogenicamente esquecidos.

Diante das variadas possibilidades clínicas dos pacientes com lúpus, o profissional médico deve considerar a possibilidade de tamponamento cardíaco e sua associação com infecção por CMV, o que não é um desafio apenas diagnóstico, mas também terapêutico, principalmente pela falta de diretrizes de manejo.

  • Financiamento
    O estudo não recebeu financiamento.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer primeiramente à paciente e sua família pela oportunidade de compartilhar seu relato de caso com a comunidade médica, com o objetivo de ajudar outras crianças na mesma posição. Os autores também agradecem à equipe do Hospital Infantil Albert Sabin por sua excelente cooperação no atendimento aos pacientes, o que, sem dúvida, fez a diferença neste relato de caso.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2020
  • Aceito
    27 Dez 2020
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