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ESPECTRO OCULOAURICULOVERTEBRAL ASSOCIADO À ARTÉRIA SUBCLÁVIA ABERRANTE EM LACTENTE COM DESCONFORTO RESPIRATÓRIO RECORRENTE

RESUMO

Objetivo:

Descrever lactente com microssomia craniofacial e desconforto respiratório recorrente associado à artéria subclávia direita aberrante, com o intuito de revisar as anomalias congênitas mais frequentes e alertar o pediatra sobre suas complicações mais raras e de maior gravidade.

Descrição do caso:

Lactente do sexo masculino, 18 meses de idade e filho único de casal não consanguíneo. Ao nascimento, foram observadas dismorfias craniofaciais (assimetria facial, hipoplasia maxilar e mandibular, macrostomia, microtia grau 3 e apêndice na linha trago-oral) restritas ao lado direito da face. Os exames complementares evidenciaram hipoplasia assimétrica da face e hemivértebras torácicas. Não foram identificadas anormalidades citogenéticas ou citogenômicas. O paciente evoluiu com diversos episódios de desconforto respiratório, estridor e náuseas, mesmo tendo realizado gastrostomia e traqueostomia no período neonatal. A investigação direcionada para os sintomas respiratórios identificou a compressão de esôfago e traqueia por uma artéria subclávia direita aberrante. Após a correção cirúrgica dessa anomalia, o lactente não tem apresentado sintomas respiratórios e mantém seguimento multidisciplinar buscando reabilitação.

Comentários:

A microssomia craniofacial apresenta grande heterogeneidade fenotípica em relação às malformações tanto craniofaciais como extracraniofaciais. Estas últimas, como a artéria subclávia direita aberrante, são mais raras e associadas à morbimortalidade. A principal contribuição deste relato de caso foi o reconhecimento de uma anomalia rara, integrando um conjunto de malformações de uma condição relativamente comum e sendo responsável por uma queixa muito frequente no atendimento pediátrico.

Palavras-chave:
Anormalidades congênitas; Síndrome de Goldenhar; Assimetria facial; Estenose da artéria subclávia

ABSTRACT

Objective:

To describe an infant with craniofacial microsomia and recurrent respiratory distress associated with aberrant right subclavian artery in order to review its most frequent congenital anomalies and alert the pediatrician to its rarer and more severe complications.

Case description:

This case report involves an 18-month-old male infant, only son of non-consanguineous parents. At birth, the child presented craniofacial dysmorphisms (facial asymmetry, maxillary and mandibular hypoplasia, macrostomia, grade 3 microtia, and accessory preauricular tag) restricted to the right side of the face. Additional tests showed asymmetric hypoplasia of facial structures and thoracic hemivertebrae. No cytogenetic or cytogenomic abnormalities were identified. The patient progressed to several episodes of respiratory distress, stridor, and nausea, even after undergoing gastrostomy and tracheostomy in the neonatal period. Investigation guided by respiratory symptoms identified compression of the esophagus and trachea by an aberrant right subclavian artery. After surgical correction of this anomaly, the infant has not presented respiratory symptoms and remains under multidisciplinary follow-up, seeking rehabilitation.

Comments:

Craniofacial microsomia presents a wide phenotypic variability compared to both craniofacial and extracraniofacial malformations. The latter, similarly to the aberrant right subclavian artery, is rarer and associated with morbidity and mortality. The main contribution of this case report was the identification of a rare anomaly, integrating a set of malformations of a relatively common condition, responsible for a very frequent complaint in pediatric care.

Keywords:
Congenital abnormalities; Goldenhar syndrome; Facial asymmetry; Subclavian steal syndrome

INTRODUÇÃO

A associação não randômica entre as anomalias resultantes da falha do desenvolvimento das estruturas derivadas do primeiro e do segundo arco faríngeo, comprometendo a formação de estruturas craniofaciais, combinada às malformações extracraniofaciais, recebeu diferentes denominações ao longo do tempo. Atualmente, não está definido se a microssomia craniofacial (MCF), o espectro oculoauriculovertebral (OAVS) (OMIM %164210), a microssomia hemifacial, a síndrome de Goldenhar e a sequência facio-aurículo-vertebral são síndromes distintas ou representam um espectro fenotípico da primeira.11. Rosa RF, Zen PR, Flores JA, Golendziner E, Pilla CB, Roman T, et al. Oculo-auriculo-vertebral spectrum in patients with congenital heart defects. Arq Bras Cardiol. 2010;95:436-40. https://doi.org/10.1590/s0066-782x2010005000116
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,22. Heike CL, Luquetti DV, Hing AV. Craniofacial microsomia overview. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, Wallace SE. GeneReviews®. Seattle (WA): University of Washington; 1993-2020.

O diagnóstico da MCF é clínico e de exclusão. Apesar de não existirem critérios diagnósticos definidos, as malformações craniofaciais parecem ser mais relevantes. Entre essas alterações, está a microssomia hemifacial, resultante da hipoplasia assimétrica de estruturas da face e que pode ser reconhecida pela assimetria facial e pela hipoplasia mandibular e maxilar. A presença de apêndices pré-auriculares e as alterações de orelha externa, tais como a anotia e a microtia, também são consideradas essenciais.22. Heike CL, Luquetti DV, Hing AV. Craniofacial microsomia overview. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, Wallace SE. GeneReviews®. Seattle (WA): University of Washington; 1993-2020.,33. Spineli-Silva S, Bispo LM, Gil-da-Silva-Lopes VL, Vieira TP. Distal deletion at 22q11.2 as differential diagnosis in craniofacial microsomia: case report and literature review. Eur J Med Genet. 2018;61:262-8. https://doi.org/10.1016/j.ejmg.2017.12.013
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,44. Beleza-Meireles A, Hart R, Clayton-Smith J, Oliveira R, Reis CF, Venâncio M, et al. Oculo-auriculo-vertebral spectrum: clinical and molecular analysis of 51 patients. Eur J Med Genet. 2015;58:455-65. https://doi.org/10.1016/j.ejmg.2015.07.003
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As manifestações extracraniofaciais, por sua vez, são mais raras e estão associadas à maior gravidade. Elas compreendem as alterações esqueléticas (principalmente o esqueleto axial), as malformações do sistema nervoso central e do aparelho urogenital e as anomalias cardiovasculares, que podem incluir as cardiopatias complexas e as malformações com menor repercussão clínica, como as alterações do arco aórtico.55. Davide B, Renzo M, Sara G, Elisa L, Rodica M, Irene T, et al. Oculo-auriculo-vertebral spectrum: going beyond the first and second pharyngeal arch involvement. Neuroradiology. 2017;59:305-16. https://doi.org/10.1007/s00234-017-1795-1
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Essa grande heterogeneidade fenotípica é responsável por uma variação na incidência de 1:3.500-45.000. A MCF é, depois das fendas orofaciais, a segunda causa de malformações de crânio e face. Ela apresenta discreto predomínio no sexo masculino (3:2) e maior comprometimento unilateral, sobretudo à direita.66. Beleza-Meireles A, Clayton-Smith J, Saraiva JM, Tassabehji M. Oculo-auriculo-vertebral spectrum: a review of the literature and genetic update. J Med Genet. 2014;51:635-45. https://doi.org/10.1136/jmedgenet-2014-102476
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Sua etiologia é desconhecida e, na maioria dos casos, é esporádica. Tanto padrão de herança dominante como recessivo já foram descritos, suscitando o envolvimento de variantes genéticas. Mais recentemente, variantes patogênicas no gene codificante do fator de transcrição 1 da mielina (MYT1), que participa da via do ácido retinoico, foram detectadas em pacientes com esse fenótipo. Além disso, identificaram-se diferentes alterações cromossômicas e submicroscópicas de forma isolada em alguns pacientes, enquanto a deleção 5p e microdeleção 22q11.2 foram recorrentes.88. Ballesta-Martínez MJ, López-González V, Dulcet LA, Rodríguez-Santiago B, Garcia-Miñaúr S, Guillen-Navarro E. Autosomal dominant oculoauriculovertebral spectrum and 14q23.1 microduplication. Am J Med Genet. 2013;161:2030-5. https://doi.org/10.1002/ajmg.a.36007
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Assim como os fatores genéticos, diferentes fatores ambientais foram associados à MCF. Entre eles, estão os ligados à gestação (diabetes gestacional, sangramentos, gemelaridade, técnicas de reprodução assistida e baixo peso ao nascer), ao uso de teratógenos (talidomida, ácido retinoico e drogas vasoativas) e a questões sociodemográficas, como a baixa renda familiar e algumas etnias, como a hispânica ou a dos nativos americanos.1212. Bragagnolo S, Colovati ME, Souza ML, Dantas AG, Soares MF, Melaragno MI, et al Clinical and cytogenomic findings in OAV spectrum. Am J Med Genet A. 2018;176:638-48. https://doi.org/10.1002/ajmg.a.38576
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Descrevemos o caso de um lactente do sexo masculino com diagnóstico clínico de MCF e desconforto respiratório recorrente associado à artéria subclávia direita aberrante, com o intuito de revisar as malformações congênitas mais frequentemente relacionadas a essa síndrome, assim como alertar o pediatra sobre suas complicações mais raras e de maior gravidade.

RELATO DE CASO

Este estudo de caso foi elaborado com base na análise dos dados contidos no prontuário médico e após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Ele foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM).

Lactente de 18 meses, sexo masculino, filho único de casal não consanguíneo e sem histórico familiar de síndromes genéticas reconhecidas. Sua mãe, com 38 anos durante a sua gestação, negou uso de medicações, assim como tabagismo ou etilismo. Exames de rotina no pré-natal foram normais, com exceção da detecção de polidrâmnio no ultrassom de terceiro trimestre. O paciente nasceu de parto cesariana pré-termo (36 semanas), pesando 2.695 g (0<z<+1), medindo 48 cm (0<z<1) e com Apgar: 8/9. A avaliação inicial do recém-nascido detectou importante assimetria facial (E>D) associada à microtia grau 3 e a apêndice na linha trago-oral à direita. Além disso, ele apresentou importante déficit de sucção e desconforto respiratório, permanecendo em fluxo contínuo de ar pressurizado em vias aéreas por meio de CPAP até ser submetido à traqueostomia e à gastrostomia, com 16 dias de vida. Recebeu alta com 38 dias de vida e com necessidade de oxigênio suplementar.

Aos 2 meses de idade, foi encaminhado ao ambulatório de cirurgia torácica do HC-UFTM para avaliação de estridor e de intensificação de desconforto respiratório. Realizou nasofibroscopia, que identificou um granuloma logo abaixo do orifício da traqueostomia, sendo submetido à ressecção. Nesse mesmo período, foi avaliado pela pneumologia pediátrica e genética clínica.

No exame físico do lactente, foi observado o hipodesenvolvimento das estruturas da face à direita, associado a uma cifoescoliose torácica, porém sem a descrição de dermoide epibulbar (Figura 1). Sua tomografia (TC) de crânio e face evidenciou a agenesia de diversas estruturas à direita da face, incluindo os hemiarcos superior e inferior, o arco zigomático, a musculatura mastigatória, a parótida e o conduto auditivo externo. Não foram constatadas malformações intracranianas. O ultrassom de vias urinárias foi normal, e a radiografia panorâmica da coluna vertebral identificou hemivértebras ao nível de T11 e T12, justificando a deformidade torácica. A avaliação do potencial evocado auditivo do tronco cerebral (PEATE) confirmou perda auditiva condutiva em orelha direita, e, apesar de não apresentar sopro cardíaco, o paciente realizou ecocardiograma transtorácico, que foi normal. Por fim, o exame citogenético com bandeamento GTG, por meio de cultura temporária de linfócitos, e o exame citogenômico, utilizando a plataforma de alta resolução CytoSNP-850®, foram normais. Os achados do exame físico combinados aos exames complementares levaram ao diagnóstico de MCF.

Figura 1
Dismorfias craniofaciais observadas no lactente. (A) Hipoplasia assimétrica da face à direita, caracterizada pela assimetria facial (E>D), hipoplasias malar e mandibular e macrostomia com fenda em comissura labial. (B) Alterações de orelha externa (baixa implantação auricular com microtia grau 3).

O lactente evoluiu com diversas idas ao pronto-atendimento infantil por causa de náuseas, desconforto respiratório e estridor. Aos 5 meses, foi internado para investigação de obstrução de via aérea, e nova nasofibroscopia identificou recidiva de granuloma, levando à importante estenose da traqueia. O paciente foi novamente submetido à retirada do granuloma, seguida por dilatação e troca da cânula de traqueostomia de maior comprimento, para evitar novas estenoses.

Cerca de quatro meses depois, o paciente apresentou novo episódio de desconforto respiratório, com necessidade de internação, e foi diagnosticado com pneumonia comunitária. Nessa ocasião, ele realizou TC de tórax com contraste, que evidenciou traqueia com paredes difusamente espessadas, com leve redução de calibre abaixo da extremidade da cânula de traqueostomia; alteração da atenuação pulmonar, com discretas opacidades; além da presença de artéria subclávia direita aberrante cursando posteriormente ao esôfago.

Com 22 meses de idade, o lactente foi submetido à cirurgia de ligadura e desconexão de anel vascular, causada pela artéria subclávia direita aberrante. Nenhuma outra malformação torácica foi descrita durante o procedimento cirúrgico. Seu ­pós-operatório foi sem intercorrências, e sua mãe relatou que, após o tratamento cirúrgico, não tem mais observado os episódios de náuseas, ou mesmo o estridor ou desconforto respiratório. Atualmente, o paciente mantém seguimento com equipe multidisciplinar, com boa progressão motora e aguardando reavaliação para cirurgia craniofacial.

DISCUSSÃO

O termo MCF é atualmente utilizado para descrever um conjunto de malformações craniofaciais e extracraniofaciais que surgem de forma não aleatória. As anomalias craniofaciais são mais facilmente reconhecidas e surgem no período compreendido entre a quarta e a oitava semana de desenvolvimento embrionário, quando as células da crista neural migram para as futuras regiões da cabeça e do pescoço em torno do estomodeu para formar os arcos, as bolsas, os sulcos e as membranas faríngeas. No caso específico da MCF, ocorre a falha no desenvolvimento das estruturas do primeiro e do segundo arco faríngeo, seja em razão de isquemia, seja de migração anormal das células da crista neural. Essas alterações craniofaciais são comumente unilaterais, mas também podem levar a comprometimento bilateral assimétrico.22. Heike CL, Luquetti DV, Hing AV. Craniofacial microsomia overview. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, Wallace SE. GeneReviews®. Seattle (WA): University of Washington; 1993-2020.,1313. Moore KL, Persaud TV, Torchia MG. Embriologia clínica. 10th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.,1414. Santos JM. Oculoauriculovertebral spectrum: frequency of associated anomalies [master’s thesis]. Bauru (SP): USP; 2015. https://doi.org/10.11606/d.61.2015.tde-01072015-111131
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O reconhecimento das alterações craniofaciais do lactente sugeriu o diagnóstico de MCF. Seu exame físico demonstrava hipoplasia assimétrica da face (E>D), e a TC de crânio evidenciou a agenesia de partes da estrutura óssea e de partes moles à direita. Além disso, o paciente apresentava anomalias auriculares (microtia grau 3 e atresia de conduto auditivo externo), apêndice pré-auricular e macrostomia com fenda em comissura labial. Essa última alteração é decorrente da falha de fusão das saliências mandibulares e maxilares.1313. Moore KL, Persaud TV, Torchia MG. Embriologia clínica. 10th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016. Vale ainda destacar que o seu exame oftalmológico foi normal, descartando alterações oculares.

As malformações extracraniofaciais, por sua vez, são observadas em frequência menor, com prevalência variando entre 2-79% dos pacientes com MCF,1515. Renkema RW, Caron CJ, Pauws E, Wolvius EB, Schipper JA, Rooijers W, et al. Extracraniofacial anomalies in craniofacial microsomia: retrospective analysis of 991 patients. Int J Oral Maxillofac Surg. 2019;48:1169-76. https://doi.org/10.1016/j.ijom.2019.01.031
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e podem compreender as alterações esqueléticas, as malformações do sistema nervoso central, as anomalias cardiovasculares e, mais raramente, as anomalias do trato urogenital, do trato gastrointestinal e do sistema respiratório.1414. Santos JM. Oculoauriculovertebral spectrum: frequency of associated anomalies [master’s thesis]. Bauru (SP): USP; 2015. https://doi.org/10.11606/d.61.2015.tde-01072015-111131
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,1515. Renkema RW, Caron CJ, Pauws E, Wolvius EB, Schipper JA, Rooijers W, et al. Extracraniofacial anomalies in craniofacial microsomia: retrospective analysis of 991 patients. Int J Oral Maxillofac Surg. 2019;48:1169-76. https://doi.org/10.1016/j.ijom.2019.01.031
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Alguns trabalhos correlacionam o maior comprometimento craniofacial com a maior frequência das malformações extracraniofaciais. Além disso, como muitas podem ser oligo/assintomáticas, há a necessidade de reconhecê-las precocemente.1515. Renkema RW, Caron CJ, Pauws E, Wolvius EB, Schipper JA, Rooijers W, et al. Extracraniofacial anomalies in craniofacial microsomia: retrospective analysis of 991 patients. Int J Oral Maxillofac Surg. 2019;48:1169-76. https://doi.org/10.1016/j.ijom.2019.01.031
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Os exames complementares iniciais do lactente identificaram apenas anomalias vertebrais, já que TC de crânio, ecocardiograma e US de vias urinárias foram normais.

Entre as malformações extracraniofaciais, as anomalias vertebrais são as mais comuns, sendo observadas em mais da metade dos pacientes avaliados (60%). Elas podem incluir os defeitos primários de formação e segmentação, assim como as deformidades secundárias. A frequência dos tipos dessas anomalias varia com a metodologia de investigação, mas, de maneira geral, a fusão vertebral, as hemivértebras, a escoliose e o torcicolo são as mais frequentes. Além disso, o acometimento cervical prepondera sobre o tóraco-lombar. As anormalidades de costelas são mais raras e podem variar entre agenesia, hipoplasia e fusão.1414. Santos JM. Oculoauriculovertebral spectrum: frequency of associated anomalies [master’s thesis]. Bauru (SP): USP; 2015. https://doi.org/10.11606/d.61.2015.tde-01072015-111131
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,1515. Renkema RW, Caron CJ, Pauws E, Wolvius EB, Schipper JA, Rooijers W, et al. Extracraniofacial anomalies in craniofacial microsomia: retrospective analysis of 991 patients. Int J Oral Maxillofac Surg. 2019;48:1169-76. https://doi.org/10.1016/j.ijom.2019.01.031
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A avaliação radiológica do lactente foi guiada pela cifoescoliose, observada em seu exame físico. Esse exame foi capaz de identificar que a deformidade estava associada a duas hemivértebras torácicas.

As anomalias cardiovasculares também são um exemplo de malformações extracraniofaciais e respondem pela maior morbimortalidade desses pacientes. Sua frequência varia de 5-58%, e nenhuma delas é específica para a MCF. Tanto os defeitos septais quanto os obstrutivos e os cianóticos já foram descritos. Entre eles, os defeitos do septo atrioventricular e a tetralogia de Fallot são os mais comuns. A tetralogia de Fallot é um exemplo de cardiopatia conotruncal associada com a falha de migração de células da crista neural. Nos pacientes com esse tipo de cardiopatia, é bastante frequente a identificação de microdeleções envolvendo a região q22.1 do cromossomo 22. Já em relação às malformações vasculares, a agenesia de carótida interna (ACI) ipsilateral à microssomia hemifacial é a mais comum.1212. Bragagnolo S, Colovati ME, Souza ML, Dantas AG, Soares MF, Melaragno MI, et al Clinical and cytogenomic findings in OAV spectrum. Am J Med Genet A. 2018;176:638-48. https://doi.org/10.1002/ajmg.a.38576
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A investigação ecocardiográfica do lactente foi normal, porém a investigação guiada pelos sintomas respiratórios identificou uma anomalia comum do arco aórtico, a artéria subclávia direita aberrante. Além disso, o exame citogenômico afastou a possibilidade de alterações submicroscópicas, principalmente a microdeleção 22q11.2.

A artéria subclávia direita aberrante (ASDA) é a anomalia de ramificação mais recorrente do arco aórtico e é encontrada em de 1 a 1,5% da população geral. A ASDA surge como um quarto vaso do arco aórtico, após a origem da subclávia esquerda, e cruza a linha média entre a coluna e a traqueia. Na maioria das vezes, essa malformação é assintomática, contudo podem surgir sintomas relacionados à compressão de estruturas mediastinais, tais quais de esôfago e traqueia, assim como à dilatação aneurismática (aneurisma de Kommerell) ou a alterações ateroscleróticas dessa artéria. Quando sintomática, a ASDA é responsável pela disfagia lusória e, menos frequentemente, por tosse, dispneia, estridor e infecções de via aérea em crianças, já que em adultos a traqueia é mais rígida. A sintomatologia associada com dilatações dessa artéria pode resultar em dor torácica, isquemia dos membros superiores e/ou síndrome de roubo subclávio.1919. Machado L, Silva AR, Mansilha A, Teixeira J. Symptomatic stenosis of aberrant right subclavian artery. Angiol Cir Vasc. 2016;12:275-8. https://doi.org/10.1016/j.ancv.2016.08.004
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Os sintomas de disfagia lusória não foram tão evidentes no lactente, já que sua dieta estava restrita à gastrostomia, porém sua mãe relatou que, em situações excepcionais de dieta por via oral, o paciente apresentava intensificação das náuseas. Após a identificação e o tratamento cirúrgico da ASDA, foi possível não só compreender, mas também controlar, os sintomas de desconforto respiratório apresentados pelo lactente.

A característica mais relevante da MCF é a sua heterogeneidade. A busca ativa das suas principais malformações, sobretudo as extracraniofaciais, e das comorbidades associadas evitaria não só o subdiagnóstico e o maior entendimento dessa condição, como também contribuiria na prevenção das suas complicações. Os pacientes com essa condição necessitam de seguimento multidisciplinar, para identificar essas possíveis complicações e propor o tratamento específico. A contribuição mais significativa deste relato de caso foi o reconhecimento de uma anomalia rara, integrando um conjunto de malformações de uma condição relativamente comum e responsável por uma queixa muito frequente no atendimento pediátrico.

REFERENCES

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Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2020
  • Aceito
    17 Ago 2020
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