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TIROSINEMIA TIPO III: DESCRIÇÃO DE CASO CLÍNICO EM IRMÃOS E REVISÃO DA LITERATURA

RESUMO

Objetivo:

A tirosinemia tipo III (TT III) é a forma mais rara das tirosinemias e o espectro clínico desta entidade não está totalmente esclarecido. O envolvimento neurológico é variável, incluindo o atraso cognitivo ou transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Descrevemos o caso de dois irmãos que foram diagnosticados com TT III em idades diferentes.

Descrição dos casos:

O caso índice foi diagnosticado no contexto do rastreio endócrino-metabólico neonatal, tendo iniciado imediatamente dieta hipoproteica, com redução consistente dos níveis de tirosina. Por volta dos três anos, foi detectado um comportamento hiperativo, tendo iniciado dois anos depois tratamento para o TDAH. Aos sete anos, apresenta leve melhora de comportamento e da atenção e avaliação cognitiva levemente inferior ou pouco abaixo quando comparado a crianças da mesma faixa etária, apesar de manter níveis aceitáveis de tirosina. A sua irmã, com história de TDAH desde os cinco anos, foi diagnosticada de TT III aos oito anos no contexto do rastreio de familiares. Apesar de iniciar tratamento dietético, nenhum efeito foi notado em termos de comportamento e a doente apresenta leve atraso cognitivo.

Comentários:

Este é o primeiro caso clínico descrito de irmãos com TT III que iniciaram terapêutica dietética com dieta hipoproteica em diferentes fases da vida, com melhor avaliação em termos neurológicos e comportamentais no doente que iniciou tratamento mais precocemente.

Palavras-chave:
Tirosina; Tirosinemias; Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade; Metabolismo

ABSTRACT

Objective:

Tyrosinemia type III (HT III) is the rarest form of tyrosinemia, and the full clinical spectrum of this disorder is still unknown. The neurological involvement varies, including intellectual impairment and attention deficit disorder with hyperactivity (ADHD). We report the case of two siblings diagnosed with HT III at different ages.

Case description:

The index case was diagnosed by newborn screening for endocrine and metabolic disorders, starting a low-protein diet immediately, with a consistent decrease in tyrosine levels. By the age of three, the child displayed a hyperactive behavior, starting treatment for ADHD two years later. At seven years of age, he shows a slight improvement in terms of behavior and attention span and has a cognitive performance slightly lower than his peers, despite maintaining acceptable tyrosine levels. His sister, who had a history of ADHD since age five, was diagnosed with HT III after family screening at the age of eight. Despite initiating a dietetic treatment, her behavior did not improve, and she has a mild intellectual impairment.

Comments:

This is the first case report describing siblings with HT III who underwent nutritional treatment with a low-protein diet in different phases of life, with a better neurological and behavioral evaluation in the patient who started treatment earlier.

Keywords:
Tyrosine; Tyrosinemias; Attention deficit disorder with hyperactivity; Metabolism

INTRODUÇÃO

A tirosina é um aminoácido não essencial obtido diretamente pela dieta ou pela hidroxilação da fenilalanina. É um precursor na síntese de catecolaminas, tiroxina e melanina.11. Russo PA, Mitchell GA, Tanguay RM. Tyrosinemia: a review. Pediatr Dev Pathol. 2001;4:212-21. https://doi.org/10.1007/s100240010146
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A tirosinemia tipo III (OMIM 276710) é um raro erro inato do metabolismo da tirosina causado por mutações no gene que codifica a enzima 4-hidroxifenilpiruvato dioxigenase (HPPD), que por sua vez catalisa a conversão de 4-hidroxifenilpiruvato em homogentisato, a segunda etapa no catabolismo da tirosina. É a forma mais rara de tirosinemia, sendo transmitida de forma autossômica recessiva. Esse distúrbio metabólico é caracterizado por níveis elevados de tirosina sérica e aumento da excreção de metabólitos fenólicos [4-hidroxifenilpiruvato (4-HPP), 4-hidroxifenilactato (4-HPL) e hidrofenilacetato] na urina. A literatura traz poucos relatos de casos com amplo espectro de fenótipo clínico: alguns pacientes apresentaram sintomas relacionados ao desenvolvimento neurológico, enquanto outros foram diagnosticados por triagem neonatal, estando assintomáticos.11. Russo PA, Mitchell GA, Tanguay RM. Tyrosinemia: a review. Pediatr Dev Pathol. 2001;4:212-21. https://doi.org/10.1007/s100240010146
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,22. Ellaway CJ, Holme E, Standing S, Preece MA, Green A, Ploechl E, et al. Outcome of tyrosinemia type III. J Inherit Metab Dis. 2001;24:824-32. https://doi.org/10.1023/a:1013936107064
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.33. Cerone R, Holme E, Schiaffino MC, Caruso U, Maritano L, Romano C. Tyrosinemia type III: diagnosis and ten-year follow-up. Acta Paediatr. 1997;86:1013-5. https://doi.org/10.1111/j.1651-2227.1997.tb15192.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...

Relatamos aqui o caso de dois irmãos com tirosinemia tipo III que foram diagnosticados e iniciaram o tratamento em diferentes idades, descrevendo seus resultados clínicos. Uma breve revisão da literatura também é apresentada.

DESCRIÇÃO DOS CASOS

Caso 1

O paciente do sexo masculino é o terceiro filho de um casal consanguíneo de origem portuguesa (primos em terceiro grau), com histórico familiar não digno de nota. Nasceu a termo por parto vaginal após uma gravidez sem intercorrências, com índice Apgar de 9 e 10 no 1º e 5º minutos, respectivamente. Seu peso ao nascer era de 3.510 g (percentil 89), media 50 cm (percentil 76) e seu perímetro cefálico era de 35,5 cm (percentil 93).

A triagem neonatal no quinto dia de vida revelou níveis elevados de tirosina (526 µmol/L; valores de corte: <248 µmol/L). Uma amostra de controle colhida no 29º dia mostrou persistência de níveis plasmáticos elevados de tirosina (680 µmol/L), com alta excreção urinária de 4-HPL e 4-HPP e presença de N-acetil-tirosina e ácido vanílico.

A criança iniciou dieta com restrição de proteínas e suplementação com uma mistura de aminoácidos livres de tirosina e fenilalanina ao completar 1 mês de idade. Os controles metabólicos subsequentes mostraram diminuição consistente nos níveis de tirosina: 280 µmol/L com 1,5 mês de idade, 262 µmol/L aos 7 meses e 165 µmol/L aos 12 meses.

O diagnóstico de tirosinemia tipo III foi confirmado por uma análise genética por amplificação dos exons 1 a 14 do gene HPD, usando reação em cadeia da polimerase seguida de sequenciamento de DNA, que demonstrou mutação homozigótica p.A33T (c.97G> A).

O exame físico foi normal, sem comprometimento ocular ou cutâneo, apresentando crescimento típico (curva de peso dentro do percentil 85-97 até 30 meses e depois percentil 50‒85; curva de altura no percentil 50 até 30 meses e depois dentro do percentil 50‒85; perímetro cefálico normal). O exame neurológico estava normal e a ressonância magnética cerebral aos 30 meses de idade, sem alterações. Exame de sangue (hemograma completo, função hepática e renal e eletrólitos) não foi digno de nota.

Seu desenvolvimento psicomotor precoce estava normal, com controle da cabeça com menos de dois meses, sentando-se sozinho e sem apoio com aproximadamente oito meses e caminhando sozinho aos 12 meses. As primeiras palavras foram ditas aos 12 meses e ele construía frases simples aos 18 meses. No entanto, após os três anos de idade, o desenvolvimento da linguagem progrediu lentamente, com problemas de articulação sonora.

Os pais também relataram comportamento hiperativo, com impulsividade e incapacidade de seguir ordens aos três anos de idade. Ao longo dos anos pré-escolares, o paciente foi repetidamente considerado incapaz de acompanhar o nível de aprendizado de seus colegas de classe.

Uma avaliação formal do desenvolvimento usando a Escala de Desenvolvimento Mental de Griffiths aos 32 meses mostrou quociente de desenvolvimento global (QGD) de 88,9, e o teste foi repetido aos 54 meses, com QGD de 87 (pontuação ligeiramente menor em comparação às crianças em sua faixa etária, com dificuldades mais evidentes na subescala de audição e linguagem).

Aos cinco anos de idade, a unidade de neurodesenvolvimento o diagnosticou com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) de subtipo combinado (critério DSM-V) e ele iniciou tratamento com metilfenidato. Também se iniciaram sessões de fonoaudiologia.

Atualmente, aos sete anos de idade, mostra uma ligeira melhora em termos de comportamento e tempo de atenção e ainda é submetido a terapia fonoaudiológica. Frequenta a escola primária (2ª série) sem dificuldades de aprendizado e, em sua última avaliação formal de desenvolvimento (Wechsler Intelligence Scale for Children ®, terceira edição, versão em português), o quociente de inteligência (QI) foi 78, QI verbal 81 e QI de desempenho 82 (Figura 1).

Figura 1
Subteste WISC-III do paciente 1.

Seus níveis de tirosina permanecem consistentemente abaixo de 300 µmol/L. Na última avaliação de seu estado nutricional, aos sete anos de idade, apresentou ingestão diária de proteínas naturais de 1g/kg, recebendo suplementação de 1,1g de aminoácidos por quilograma com fórmulas de aminoácidos livres de fenilalanina e tirosina. A análise da composição corporal foi considerada adequada.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, de 15 anos de idade, irmã mais velha do paciente 1, foi diagnosticada com tirosinemia tipo III aos oito anos de idade, após uma triagem familiar e depois do diagnóstico de seu irmão.

Nascida a termo por cesariana (apresentação pélvica) após uma gravidez sem intercorrências, com índice de Apgar 8 e 9 no 1º e 5º minutos, respectivamente. Seu peso ao nascer era 4.030 g (percentil 87), comprimento de 53 cm (percentil 87) e perímetro cefálico de 36 cm (percentil 83). O período neonatal foi normal, assim como o desenvolvimento psicomotor inicial. Histórico de enurese noturna primária e instabilidade vesical, tratada com desmopressina e cloridrato de oxibutinina desde os seis anos de idade.

Foi diagnosticada com TDAH aos cinco anos de idade e tratada com metilfenidato e risperidona. Apresentou dificuldades de aprendizagem no ensino fundamental (2ª série) e foi incluída em um programa de educação especial aos dez anos de idade.

No momento do diagnóstico, seu nível inicial de tirosina era 1.769 µmol/L. Na primeira avaliação de seu estado nutricional, a ingestão diária de proteína natural era de 1,4 g/kg. Esse valor caiu para 1,08 g/kg e ela iniciou suplementação com 0,7 g de aminoácidos/kg por misturas de aminoácidos livres de fenilalanina e tirosina, o que permitiu consistente diminuição dos níveis de tirosina, abaixo de 300 µmol/L.

O exame físico e o crescimento foram normais (peso e altura dentro do percentil 50 a 85), com exame neurológico também normal. Estudo genético revelou a mesma mutação que seu irmão em homozigose.

Após iniciar uma dieta baixa em proteínas, seu comportamento e desempenho escolar não melhoraram. O nível mínimo de ingestão diária de proteína natural alcançada foi de 0,65 g/kg aos 14 anos de idade. Atualmente, está na 7ª série, ainda no programa de educação especial e em tratamento com metilfenidato. A última avaliação formal de desenvolvimento (Wechsler Intelligence Scale for Children ®, terceira edição, versão em português) revelou QI global de 68, QI verbal de 68 e QI de desempenho de 77 (Figura 2).

Figura 2
Subteste WISC-III da paciente 2.

Começou lentamente a liberalização da dieta e, atualmente, sua ingestão diária de proteínas naturais é 0,9 g/kg, combinada com 0,8 g de aminoácidos por quilograma, mantendo níveis de tirosina abaixo de 300 µmol/L.

DISCUSSÃO

Os sintomas da tirosinemia tipo III não são bem estabelecidos e não há correlação aparente entre níveis séricos de tirosina, fenótipo clínico e tipo de mutação. Como nos dois casos apresentados, muitos pacientes apresentam manifestações ligadas ao neurodesenvolvimento, incluindo comprometimento intelectual, dificuldades de aprendizado, dislexia, déficit de atenção, hiperatividade, distúrbios de comportamento, ataxia, microcefalia, hipotonia e convulsões, mas um fenótipo clássico não foi descrito.11. Russo PA, Mitchell GA, Tanguay RM. Tyrosinemia: a review. Pediatr Dev Pathol. 2001;4:212-21. https://doi.org/10.1007/s100240010146
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,22. Ellaway CJ, Holme E, Standing S, Preece MA, Green A, Ploechl E, et al. Outcome of tyrosinemia type III. J Inherit Metab Dis. 2001;24:824-32. https://doi.org/10.1023/a:1013936107064
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,33. Cerone R, Holme E, Schiaffino MC, Caruso U, Maritano L, Romano C. Tyrosinemia type III: diagnosis and ten-year follow-up. Acta Paediatr. 1997;86:1013-5. https://doi.org/10.1111/j.1651-2227.1997.tb15192.x
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Ao contrário da tirosinemia tipo I e II, os pacientes não demonstram qualquer evidência de disfunção hepato-renal ou lesões na pele e nos olhos. Em 2015, uma menina de 11 anos de idade com desenvolvimento normal e sem sinais neurológicos foi diagnosticada com tirosinemia tipo III após investigação de proteinúria recorrente (9-17 mg/L); nesse caso, exames laboratoriais revelaram níveis séricos elevados de tirosina, o que levou ao diagnóstico. No entanto, não ficou claro se as complicações nefrológicas estavam associadas à tirosinemia tipo III.44. Szymanska E, Sredzinska M, Ciara E, Piekutowska-Abramczuk D, Ploski R, Rokicki D, et al. Tyrosinemia type III in an asymptomatic girl. Mol Genet Metab Rep. 2015;5:48-50. https://doi.org/10.1016/j.ymgmr.2015.10.004
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Em uma revisão de 2001 que incluiu 13 pacientes, a complicação mais comum a longo prazo foi o comprometimento intelectual (75% dos pacientes). Cinco pacientes foram diagnosticados pela triagem neonatal, três dos quais iniciaram uma dieta baixa em tirosina e fenilalanina em seguida; entre eles, dois não apresentaram sintomas e tiveram desenvolvimento normal aos 13 meses e aos cinco anos e cinco meses de idade, respectivamente, enquanto o terceiro apresentou atraso no desenvolvimento psicomotor, mas apresentou quociente de desenvolvimento médio aos quatro anos de idade (Griffiths Mental Development Scale). Um paciente iniciou o tratamento apenas aos 8 meses de idade, quando foi detectado retardo em seu desenvolvimento, enquanto outro que não foi tratado apresentou comprometimento intelectual. Oito pacientes foram diagnosticados após o período neonatal, sete deles por sinais neurológicos e um por atraso no desenvolvimento. Apenas um paciente tinha desenvolvimento normal aos 17 anos de idade.22. Ellaway CJ, Holme E, Standing S, Preece MA, Green A, Ploechl E, et al. Outcome of tyrosinemia type III. J Inherit Metab Dis. 2001;24:824-32. https://doi.org/10.1023/a:1013936107064
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A etiologia das manifestações neurológicas ainda é desconhecida, mas pode estar relacionada à hipertirosinemia, como na tirosinemia tipo I e II. A tirosina e/ou seus derivados pareciam ser metabólitos neurotóxicos, e o atraso mental foi associado ao aumento das concentrações plasmáticas dessas substâncias. Vários estudos já mostraram que a hipertirosinemia inibe o funcionamento dos complexos da cadeia respiratória, compromete o ciclo de Krebs e diminui as atividades de creatina quinase e piruvato quinase, induzindo estresse oxidativo e comprometimento do metabolismo energético no córtex cerebral de ratos.55. Andrade RB, Gemelli T, Rojas DB, Funchal C, Dutra-Filho CS, Wannmacher CM. Tyrosine inhibits creatine kinase activity in cerebral cortex of young rats. Metab Brain Dis. 2011;26:221-7. https://doi.org/10.1007/s11011-011-9255-9
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,66. Macedo LG, Carvalho-Silva M, Ferreira GK, Vieira JS, Olegario N, Goncalves RC, et al. Effect of acute administration of L-tyrosine on oxidative stress parameters in brain of young rats. Neurochem Res. 2013;38:2625-30. https://doi.org/10.1007/s11064-013-1180-3
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,77. De Prá SD, Ferreira GK, Carvalho-Silva M, Vieira JS, Scaini G, Leffa DD, et al. L-tyrosine induces DNA damage in brain and blood of rats. Neurochem Res. 2014;39:202-7. https://doi.org/10.1007/s11064-013-1207-9
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,88. Teodorak BP, Scaini G, Carvalho-Silva M, Gomes LM, Teixeira LJ, Rebelo J, et al. Antioxidants reverse the changes in energy metabolism of rat brain after chronic administration of L.-tyrosine. Metab Brain Dis. 2017;32:557-64. https://doi.org/10.1007/s11011-016-9936-5
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Pacientes diagnosticados na triagem neonatal parecem ter menos sintomas neurológicos e um grau mais leve de comprometimento cognitivo em comparação aos diagnosticados em períodos mais tardios.22. Ellaway CJ, Holme E, Standing S, Preece MA, Green A, Ploechl E, et al. Outcome of tyrosinemia type III. J Inherit Metab Dis. 2001;24:824-32. https://doi.org/10.1023/a:1013936107064
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,33. Cerone R, Holme E, Schiaffino MC, Caruso U, Maritano L, Romano C. Tyrosinemia type III: diagnosis and ten-year follow-up. Acta Paediatr. 1997;86:1013-5. https://doi.org/10.1111/j.1651-2227.1997.tb15192.x
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No entanto, não está claro se o resultado clínico é determinado pela diminuição dos níveis plasmáticos de tirosina, e a evolução neurológica pode variar apesar dos níveis semelhantes de tirosina.22. Ellaway CJ, Holme E, Standing S, Preece MA, Green A, Ploechl E, et al. Outcome of tyrosinemia type III. J Inherit Metab Dis. 2001;24:824-32. https://doi.org/10.1023/a:1013936107064
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Além disso, há pacientes assintomáticos, diagnosticados mais tarde na infância ou adolescência, e que nunca desenvolveram sintomas neurológicos ou comportamentais.44. Szymanska E, Sredzinska M, Ciara E, Piekutowska-Abramczuk D, Ploski R, Rokicki D, et al. Tyrosinemia type III in an asymptomatic girl. Mol Genet Metab Rep. 2015;5:48-50. https://doi.org/10.1016/j.ymgmr.2015.10.004
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Outra hipótese é que o comprometimento neurológico possa ser explicado por uma liberação excessiva de óxido nítrico, o que poderia contribuir com o dano neuronal.99. D’Eufemia P, Finocchiaro R, Celli M, Raccio I, Properzi E, Zicari A. Increased nitric oxide release by neutrophils of a patient with tyrosinemia type III. Biomed Pharmacother. 2009;63:359-61. https://doi.org/10.1016/j.biopha.2008.06.030
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Embora não esteja claro se a redução dos níveis de tirosina pode alterar a história natural da doença, tratá-la com uma dieta baixa em proteínas, pelo menos na primeira infância, para manter níveis de tirosina entre 200 e 500 µmol/L, foi considerado razoável.1010. Heylen E, Scherer G, Vincent MF, Marie S, Fischer J, Nassogne MC. Tyrosinemia Type III detected via neonatal screening: management and outcome. Mol Genet Metab. 2012;107:605-7. https://doi.org/10.1016/j.ymgme.2012.09.002
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Ambos os pacientes iniciaram o tratamento nutricional após o diagnóstico, mantendo os níveis de tirosinemia abaixo de 300 µmol/L posteriormente. No entanto, enquanto um foi detectado pela triagem neonatal, o outro tinha oito anos no momento do diagnóstico e já estava sintomático, com dificuldades de aprendizagem. Clinicamente, ambos apresentaram TDAH, exigindo tratamento farmacológico, mas o paciente 1 teve melhor resultado cognitivo, apesar de estar abaixo da média em comparação com o grupo populacional saudável. Atualmente, ele frequenta a 2ª série com currículo normal.

Na paciente 2, apesar de iniciado o tratamento, seu comportamento não melhorou e ela apresenta leve comprometimento intelectual. Optou-se por aumentar gradualmente a ingestão natural de proteínas, e ela manteve níveis aceitáveis de tirosina, embora ainda tome suplementos de aminoácidos livres de fenilalanina e tirosina para satisfazer suas necessidades de nitrogênio. Esses achados foram reportados e muitos pacientes parecem conseguir manter esses níveis após a infância, sem controle por dieta.22. Ellaway CJ, Holme E, Standing S, Preece MA, Green A, Ploechl E, et al. Outcome of tyrosinemia type III. J Inherit Metab Dis. 2001;24:824-32. https://doi.org/10.1023/a:1013936107064
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Atualmente, um número significativo de distúrbios metabólicos relacionados às principais doenças psiquiátricas permanece subdiagnosticado por anos antes que sinais orgânicos mais específicos se tornem evidentes. As doenças metabólicas mais associadas ao TDAH são deficiência succínica de semialdeído desidrogenase, fenilcetonúria, ictiose ligada ao cromossomo X e mucopolissacaridose tipo III (síndrome de Sanfilippo).1111. Simons A, Eyskens F, Glazemakers I, West D. Can psychiatric childhood disorders be due to inborn errors of metabolism? Eur Child Adolesc Psychiatry. 2017;26:143-54. https://doi.org/10.1007/s00787-016-0908-4
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É difícil estabelecer uma correlação genótipo-fenótipo na tirosinemia, uma vez que a literatura tem poucos casos descritos, e apenas alguns deles identificam mutações distintas. As tabelas 1 e 2 resumem as principais características clínicas e analíticas dos pacientes conhecidos até o momento.

Tabela 1
Resumo de pacientes com tirosinemia tipo III detectada por triagem neonatal
Tabela 2
Resumo de pacientes com tirosinemia tipo III detectada após o período neonatal

Até onde se sabe, este é o primeiro relato de caso de irmãos com tirosinemia tipo III submetidos a tratamento nutricional com dieta hipoproteica em diferentes estágios da vida, sendo que o paciente que o iniciou precocemente e em fase assintomática teve melhores resultados em termos neurológicos e comportamentais.

Ambos os pacientes apresentaram TDAH como manifestação neurológica. Portanto, enfatizamos a importância de realizar um estudo metabólico em crianças com esse distúrbio e que não respondam adequadamente ao tratamento farmacológico.

Embora a fisiopatologia da lesão neuronal na tirosinemia tipo III não seja completamente explicada pelo acúmulo de tirosina no sistema nervoso central, recomenda-se uma dieta restrita em tirosina e fenilalanina durante a infância. Mais estudos e coleta de informações sobre esses pacientes são necessários para que se entendam as consequências da deficiência de HPPD, os mecanismos de lesão cerebral e o resultado a longo prazo em pacientes com essa rara forma de tirosinemia.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos pais dos pacientes pela cooperação. Agradecemos, ainda, a contribuição dos assistentes de laboratório médico de nossos institutos.

REFERENCES

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Financiamento

  • Este estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Ago 2018
  • Aceito
    14 Dez 2018
  • Publicado
    21 Maio 2020
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