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Efeito da música sobre o ganho de peso de prematuros maiores de 32 semanas: ensaio clínico randomizado

Objetivo:

Avaliar o efeito da música gravada com estimulação multimodal sobre o ganho de peso de prematuros incluídos no Programa Mãe-Canguru.

Métodos:

Ensaio clínico randomizado com 61 prematuros, de ambos os sexos, com idade pós-concepcional maior ou igual a 32 semanas, mínimo de dez dias de vida, sistema visual e auditivos sem alterações detectadas e hospitalizados na Unidade Mãe-Canguru. A amostra foi randomizada por sorteio em dois grupos, com 31 prematuros submetidos à estimulação multimodal com música diariamente, durante sete dias, comparados com 30 prematuros que receberam apenas estimulação multimodal. Foram avaliadas as características dos prematuros, além de ganho de peso, consumo energético, frequência cardíaca e respiratória, sinais de estresse e forma de alimentação. A comparação entre os grupos foi realizada pelos testes t de Student, Mann Whitney e qui-quadrado, sendo significante p<0,05.

Resultados:

Os grupos não mostraram diferença significante em relação à forma de alimentação e ao consumo energético (p=0,46), porém o ganho de peso foi maior no Grupo Experimental (p=0,002), que também apresentou maior estabilidade das frequências cardíaca e respiratória (p<0,001) e redução dos sinais de estresse (p=0,007), comparado ao Grupo Controle.

Conclusões:

A música associada à estimulação multimodal é eficaz para maior ganho de peso corporal de prematuros hospitalizados e tem influência positiva sobre os sinais vitais e de estresse (Registro de Ensaios Clínicos - UTN: U1111-1153-9301).

música; peso corporal; prematuro; terapia combinada


Objective:

To evaluate the effect of recorded music with multimodal stimulation on the weight gain of preterm infants included in the Kangaroo-Mother Program.

Methods:

Randomized clinical trial with 61 premature infants, of both sexes, with postconceptional age greater or equal to 32 weeks and at least ten days of life, without detected abnormalities in the visual and hearing systems, and hospitalized in the Kangaroo-Mother Unit. Patients were randomized in two groups: of 31 preterm infants received multimodal stimulation with music daily, for seven days; 30 preterm infants received only multimodal stimulation. The following characteristics were evaluated: weight gain, energy consumption, heart rate and respiratory rate, stress signs and feeding method. Comparison between groups was made by Student’s t-test, Mann Whitney test and chi-square test, being significant p<0.05.

Results:

The two groups did not present significant differences in relation to the feeding method and energy consumption (p=0.46); however, weight gain was greater in the Experimental Group (p=0.002), which also presented better stability in cardiac and respiratory rates (p<0.001) and a significant reduction of stress signs (p=0.007), compared with the Control Group.

Conclusions:

The recorded music with multimodal stimulation is associated with a greater gain in body weight of hospitalized preterm infants as well as presents a positive influence on vital and stress signs (Clinical Trials Registry - UTN: U1111-1153-9301).

music; body weight; infant, premature; combined modality therapy


RESUMEN

Objetivo:

Evaluar el efecto de la música grabada con estimulación modal sobre la ganancia de peso en prematuros incluidos en el Programa Madre-Canguro.

Métodos:

Ensayo clínico randomizado con 61 prematuros, de ambos sexos, con edad postconcepcional superior o igual a 32 semanas, mínimo de 10 días de vida, sistema visual y auditivos sin alteraciones detectadas y hospitalizados en la Unidad Madre-Canguro. La muestra fue randomizada por sorteo en dos grupos, con 31 prematuros sometidos a la estimulación multimodal con música, diariamente, durante siete días, comparados con 30 prematuros que recibieron solamente estimulación multimodal. Se evaluaron las características de los prematuros, además de ganancia de peso, consumo energético, frecuencia cardíaca y respiratoria, señales de estrés y forma de alimentación. La comparación entre los grupos fue realizada por las pruebas t de Student, Mann Whitney y chi-cuadrado, conforme a la naturaleza de las variables, siendo significante p<0,05.

Resultados:

Los grupos no mostraron diferencia significante respecto a la forma de alimentación y al consumo energético (p=0,46), pero la ganancia de peso fue mayor en el Grupo Experimental (p=0,002), que también presentó la estabilidad mayor de las frecuencias cardíaca y respiratoria (p<0,01) y reducción de las señales de estrés (p=0,007) significantes respecto al Grupo Control.

Conclusiones:

La música grabada asociada a la estimulación multimodal es eficaz para mayor ganancia de peso corporal de prematuros hospitalizados y tiene influencia positiva sobre las señales vitales y de estrés.

música; peso corporal; prematuro; terapia combinada

Introdução

O constante desenvolvimento tecnológico do cuidado intensivo neonatal, associado aos avanços obstétricos, trouxe diminuição da taxa de mortalidade de recém-nascidos prematuros, possibilitando-lhes maior sobrevida. Dentre as crianças que sobrevivem, encontram-se proporções crescentes de prematuros com idades gestacionais consideradas de risco para a ocorrência de uma variedade de disfunções do desenvolvimento(11 Mancini MC, Paixão ML, Silva TT. Comparação das habilidades motoras de crianças prematuras e crianças nascidas a termo. Rev Fisioter Univ Sao Paulo 2000;7:25-3.).

Sabendo-se que o prematuro, a partir da 25ª semana de gestação, já responde aos estímulos auditivos(22 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo-peso: método mãe canguru (Série A. Normas e Manuais Técnicos, nº 145). Brasília: Ministério da Saúde; 2009.), a música poderia ser utilizada como recurso terapêutico, quando adotada com critérios e com nível de ruído adequado(33 Andriola YM, Oliveira BR. A Influência da música na recuperação do recém-nascido prematuro na UTI neonatal. Nursing 2006;8:973-8.). O estímulo musical pode ser empregado de maneira isolada ou associado à outra técnica como a estimulação multimodal, potencializando os efeitos desta e tornando a assistência mais holística(44 Standley JM. Music therapy for neonate. Newborn Infant Nurs Rev 2001;1:211-6.). A música, com seus elementos, sons, ritmos, melodia e harmonia, funciona como objeto intermediário de uma relação que torna possível o desenvolvimento de um processo terapêutico(44 Standley JM. Music therapy for neonate. Newborn Infant Nurs Rev 2001;1:211-6.). Assim, a acústica básica da música pode influenciar tanto aspectos fisiológicos quanto comportamentais do indivíduo(55 Standley JM. A meta-analysis of the efficacy of music therapy for premature infants. J Pediatr Nurs 2002;17:107-13.). Estudos com prematuros relatam sua influência na redução da frequência cardíaca e respiratória, do hormônio cortisol e dos estados comportamentais de estresse, com aumento da saturação de oxigênio, da velocidade da sucção não nutritiva e no ganho de peso, diminuindo, assim, o tempo de hospitalização(55 Standley JM. A meta-analysis of the efficacy of music therapy for premature infants. J Pediatr Nurs 2002;17:107-13.

6 Lubetzky R, Mimouni FB, Dollberg S, Reifen R, Ashbel G, Mandel D. Effect of music by Mozart on energy expenditure in growing preterm infants. Pediatrics 2010;125:e24-8.
-77 Hartling L, Shaik MS, Tjosvold L, Leicht R, Liang Y, Kumar M. Music for medical indications in neonatal period: a systematic review of randomised controlled trials. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2009;94:F349-54.). Uma revisão sistemática relata que, em geral, a música parece benéfica para prematuros em termos comportamentais, mas possui resultados inconsistentes nos aspectos fisiológicos, com estudos limitados pela heterogeneidade das amostras e dos aspectos metodológicos(77 Hartling L, Shaik MS, Tjosvold L, Leicht R, Liang Y, Kumar M. Music for medical indications in neonatal period: a systematic review of randomised controlled trials. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2009;94:F349-54.).

Existem poucos estudos sobre a influência da música em relação ao ganho de peso. A hipótese seria de que os prematuros expostos à música poderiam ter seu o ganho de peso aumentado, porém os mecanismos desse efeito são pouco conhecidos, necessitando-se de estudos randomizados. O tempo de internação do prematuro está diretamente relacionado à sua estabilidade clínica e à velocidade de ganho de peso. Supondo-se que técnicas como a música e a estimulação multimodal possam influenciar aspectos fisiológicos como o ganho de peso e sabendo-se da escassez de pesquisas sobre esse assunto, o presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito da música com estimulação multimodal sobre o ganho de peso, ao final de sete dias de atendimento, em prematuros com idade pós-concepcional maior ou igual a 32 semanas, inseridos no Programa Mãe-Canguru.

Método

Realizou-se ensaio clínico randomizado com 61 prematuros hospitalizados, de ambos os sexos, divididos em dois grupos mediante sorteio simples com envelopes lacrados, sendo 31 do Grupo Experimental, submetidos a música e estimulação multimodal, e 30 do Grupo Controle, submetidos apenas à estimulação multimodal. O período do estudo compreendeu novembro de 2008 a março de 2009 e o local foi a Maternidade-Escola Santa Mônica, localizada em Maceió, Alagoas, no nordeste brasileiro, e referência para gestantes e recém-nascidos de alto risco do Sistema Único de Saúde no estado. O estudo foi aprovado pela Diretoria Clínica da maternidade e pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo, tendo sido necessário o consentimento prévio por escrito dos pais ou responsáveis.

O Método Canguru é um tipo de assistência neonatal em três fases, com contato pele a pele precoce entre mãe e recém-nascido de baixo peso e duração crescente e pelo tempo que ambos entenderem ser prazeroso(22 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo-peso: método mãe canguru (Série A. Normas e Manuais Técnicos, nº 145). Brasília: Ministério da Saúde; 2009.). A posição canguru consiste em manter o recém-nascido de baixo peso em decúbito prono, na posição vertical, contra o peito do adulto(22 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo-peso: método mãe canguru (Série A. Normas e Manuais Técnicos, nº 145). Brasília: Ministério da Saúde; 2009.). Realizou-se o estudo na segunda fase do Programa Mãe-Canguru na referida maternidade, que possui capacidade para 12 leitos. Essa fase funciona em uma enfermaria conjunta, ou seja, todas as crianças com suas mães dividem o mesmo espaço e são orientadas da forma idêntica pela mesma equipe quanto à amamentação e ao posicionamento canguru. Nessa fase, a criança deve estar clinicamente estável, com nutrição enteral plena e pode ficar com acompanhamento contínuo de sua mãe, que deve ter sido preparada em etapa anterior para tal(22 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo-peso: método mãe canguru (Série A. Normas e Manuais Técnicos, nº 145). Brasília: Ministério da Saúde; 2009.).

Os prematuros elegíveis apresentavam idade pós-concepcional ≥32 semanas(88 Standley JM. The effect of music and multimodal stimulation on responses of premature infants in neonatal intensive care. Pediatr Nurs 1998;24:532-54.), com mínimo de dez dias de vida(88 Standley JM. The effect of music and multimodal stimulation on responses of premature infants in neonatal intensive care. Pediatr Nurs 1998;24:532-54.), audição avaliada pelo exame de emissões otoacústicas evocadas bilateralmente(22 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo-peso: método mãe canguru (Série A. Normas e Manuais Técnicos, nº 145). Brasília: Ministério da Saúde; 2009.) e visão avaliada pelo exame de fundo de olho, realizado pelo oftalmologista responsável pelos pacientes do setor(22 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo-peso: método mãe canguru (Série A. Normas e Manuais Técnicos, nº 145). Brasília: Ministério da Saúde; 2009.). Excluíram-se prematuros com diagnóstico de hipóxia grave, hemorragia intracraniana, problemas pulmonares, cardíacos e neurológicos, além de malformações, síndromes e presença de intercorrências clínicas durante o período de estudo, como sinais de desconforto respiratório, diarreias ou doença do refluxo gastroesofágico.

As músicas gravadas foram utilizadas no ambiente, sendo as clássicas suaves com amplitudes baixas, ritmo simples e direto, como as de Mozart(55 Standley JM. A meta-analysis of the efficacy of music therapy for premature infants. J Pediatr Nurs 2002;17:107-13.,66 Lubetzky R, Mimouni FB, Dollberg S, Reifen R, Ashbel G, Mandel D. Effect of music by Mozart on energy expenditure in growing preterm infants. Pediatrics 2010;125:e24-8.). Houve variação das músicas no decorrer das sessões, utilizando-se a mesma variação para cada criança do Grupo Experimental.

Quanto à estimulação multimodal, o terapeuta permanecia sentado e o prematuro ficava em postura supina em seu colo. Antes de iniciar a estimulação, o prematuro foi posicionado em postura de flexão fisiológica, para melhor organização corporal(99 White-Traut RC, Nelson MN, Silvestri JM, Vasan U, Littau S, Meleedy-Rey P et al. Effect of auditory, tactile, visual, and vestibular intervention on length of stay, alertness, and feeding progression in preterm infants. Dev Med Child Neurol 2002;44:91-7.). A sequência de estimulação multimodal foi tátil, vestibular e visual(99 White-Traut RC, Nelson MN, Silvestri JM, Vasan U, Littau S, Meleedy-Rey P et al. Effect of auditory, tactile, visual, and vestibular intervention on length of stay, alertness, and feeding progression in preterm infants. Dev Med Child Neurol 2002;44:91-7.). A estimulação tátil foi realizada com toque do terapeuta por meio de massagem das regiões proximais em direção às distais nos membros e com direção cefalocaudal no tronco, com toques lentos e contínuos(1010 Ferreira AM, Bergamasco NH. Behavioral analysis of preterm neonates included in a tactile and kinesthetic stimulation program during hospitalization. Rev Bras Fisioter 2010;14:141-8.). Para estimulação vestibular, a criança foi colocada em uma rede feita com lençol, em posição supina, sendo lentamente elevada para a posição semisentada; depois, a criança era abaixada novamente para a posição supina(1111 Tecklin JS. A criança de alto risco. In: Tecklin JS, editor. Fisioterapia pediátrica. 3rd ed. São Paulo: Artmed; 2002. p. 69-96.). Na estimulação visual, utilizaram-se cartões com cores de alto contraste, por exemplo, preto e branco. O cartão foi posicionado a uma distância de 20cm da face da criança, observando-se, com o cartão parado, se houve fixação visual e, com o movimento, se houve seguimento visual(1212 Cardoso MV, Silva GR. Visual evaluation in the child: from the neonatal unity to the domicile. Rev RENE 2004:5:68-74.). Cada tipo de estimulação durou cinco minutos, com um total de 15 minutos(88 Standley JM. The effect of music and multimodal stimulation on responses of premature infants in neonatal intensive care. Pediatr Nurs 1998;24:532-54.). Os procedimentos foram realizados pelo mesmo terapeuta em todas as crianças. O período de estudo compreendeu sete dias consecutivos de uma semana, no período da tarde.

O ambiente da terapia foi calmo, com iluminação controlada e com o nível de ruído controlado por decibelímetro em 55dB(1313 Autoria não referida. Noise: a hazard for the fetus and newborn. American Academy of Pediatrics. Committee on Environmental Health. Pediatrics 1997;100:724-7.) no local de recepção pela criança. Realizou-se o atendimento em uma sala reservada, localizada dentro da enfermaria canguru. O atendimento respeitou o período após a dieta e o sono, com criança no estado comportamental de alerta inativo para receber a estimulação. No estado de alerta inativo, o corpo e a face da criança estão relativamente inativos, com os olhos de aparência brilhante e respiração regular, sendo o melhor estado para interação(22 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo-peso: método mãe canguru (Série A. Normas e Manuais Técnicos, nº 145). Brasília: Ministério da Saúde; 2009.). Na rotina do serviço, a alimentação ocorre a cada duas ou três horas quando oferecida por sonda orogástrica e de transição; o aleitamento materno ocorre em livre demanda. A pesagem é realizada às 05h30min.

O Grupo Experimental recebeu estimulação multimodal com música ambiente e o Grupo Controle recebeu apenas estimulação multimodal. No Grupo Experimental, inicialmente, utilizou-se música isolada por 1 minuto e, em seguida, uma sequência de estimulação multimodal - tátil, vestibular e visual - com música(99 White-Traut RC, Nelson MN, Silvestri JM, Vasan U, Littau S, Meleedy-Rey P et al. Effect of auditory, tactile, visual, and vestibular intervention on length of stay, alertness, and feeding progression in preterm infants. Dev Med Child Neurol 2002;44:91-7.). No Grupo Controle, realizou-se a mesma sequência de estimulação multimodal, porém sem utilização da música. A ordem dos estímulos foi sempre a mesma para ambos os grupos.

Coletaram-se dados sobre as características dos prematuros: sexo, tipo de parto, idade gestacional pelo método de Capurro e idade pós-concepcional, Boletim de Apgar 1º e 5º minutos, peso ao nascer e ao início do estudo, dias de vida ao início do estudo e tempo de UTI.

As variáveis de desfecho foram:

  • Peso corporal: verificado diariamente por meio de balança C&F, mod.p15, divisão 5g, devidamente calibrada, analisando-se a média de ganho de peso corporal entre o primeiro e sétimo dia;

  • Sinais de estresse: anotou-se sua presença ou ausência durante cada atendimento, em resposta ao manuseio. Construiu-se a relação presença/ausência de sinais de estresse em todos os dias de atendimento em cada grupo, realizando-se a comparação entre os grupos. Foram considerados sinais de estresse a presença de uma ou mais caretas, bocejos, soluços e choro(22 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo-peso: método mãe canguru (Série A. Normas e Manuais Técnicos, nº 145). Brasília: Ministério da Saúde; 2009.). A anotação dos sinais de estresse foi feita sempre pelo mesmo observador, em ambos os grupos. Previamente, os sinais foram detalhados e o observador foi treinado para sua identificação.

  • Frequência cardíaca e respiratória: foram verificadas imediatamente antes (FC1 e FR1) e após (FC2 e FR2) o atendimento, calculando-se a diferença entre os dois momentos (FC1-FC2 e FR1-FR2). Comparou-se a média dessas diferenças dos sete dias de atendimento entre os dois grupos, Controle e Experimental. Esses sinais vitais foram avaliados pela inspeção durante um minuto e por ausculta com estetoscópio.

  • Formas de alimentação:avaliou-se o uso dos métodos de sonda orogástrica, transição e seio materno. Como dieta de transição, foram consideradas a translactação, o seio materno associado à sonda orogástrica e o seio materno associado ao copo.

  • Consumo energético (kJ/dia): para o cálculo, considerou-se a forma de alimentação, o volume, a frequência diária e o tipo de leite (fórmula para prematuro ou leite materno). Para a fórmula para prematuro, estipularam-se 334,9kJ para cada 100mL(1414 Bulário: bulas de medicamentos [homepage on the Internet]. Bula de Pre Nan [cited 2010 Jan 20]. Available from: http://bulario.net/pre_nan/
    http://bulario.net/pre_nan/...
    ), e, para o leite materno, 242,8kJ para cada 100mL(1515 Euclydes MP. Aleitamento materno. In: Euclydes MP, editor. Nutrição do lactente. 2nd ed. Minas Gerais: Suprema; 2000. p. 261-2.). Para os prematuros em aleitamento materno, o volume foi estimado pela capacidade gástrica em aproximadamente 40mL(1616 Giugliani ER, Victora CG. Normas alimentares para crianças brasileiras menores de dois anos: embasamento científico. Brasília: OMS/OPAS; 1997.). Na alimentação com leite materno exclusivo, a frequência foi a cada três horas, totalizando oito mamadas, que é o mínimo exigido para as mães no setor.

O cálculo da amostra foi baseado no estudo piloto com 20 prematuros. O desfecho observado foi o ganho de peso: 110±50g no Grupo Controle e 150±41g no Grupo Experimental. Considerando-se um erro alfa de 0,05 e um erro beta de 0,90, constatou-se a necessidade de 29 indivíduos em cada grupo.

Utilizaram-se os aplicativos Statistical Package For Social Sciences (SPSS), versão 15.0, e Epi-Info, versão 6.04. A homogeneidade da amostra foi verificada pelo teste de Kolgomorov-Smirnov. A comparação entre as características dos pacientes (peso, tempo de UTI, idade gestacional, entre outros) dos dois grupos foi realizada pelos testes t de Student, Mann Whitney e qui-quadrado, de acordo com a natureza das variáveis. A significância foi considerada se p<0,05.

Resultados

Em relação às características dos prematuros estudados, não houve diferença entre os dois grupos quanto a: distribuição dos sexos em cada grupo, tipo de parto, idade gestacional, idade pós-conceptual, Apgar no 1º e 5º minutos, peso ao nascer, peso ao nascer e dias de vida ao início do estudo e tempo de UTI (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos prematuros dos Grupos Controle e Experimental durante o período de estudo

Ao início do estudo, o peso corporal do Grupo Experimental não mostrou diferença em relação ao do Grupo Controle. Já ao longo dos sete dias de atendimento, o ganho de peso do Grupo Experimental foi significantemente maior (p=0,002) (Tabela 2). Apesar da diferença do ganho de peso entre os dois grupos durante os atendimentos, o consumo energético nesse período não mostrou diferença significante (Tabela 2). Os grupos também não mostraram diferença significante em relação ao tipo de alimentação (Gráfico 1).

Tabela 2
Média de ganho de peso corporal e do consumo energético dos prematuros dos grupos Controle e Experimental durante o período de estudo
Gráfico 1
Distribuição das formas de alimentação: sonda orogástrica, transição e seio materno nos grupos controle e experimental

Os prematuros do Grupo Experimental apresentaram menor relação presença/ausência de sinais de estresse (p=0,007) durante os atendimentos (Tabela 3). As frequências cardíaca e respiratória mostraram diminuição significante após o atendimento no Grupo Experimental em relação ao Controle (p<0,001) (Tabela 4). Esses parâmetros permaneceram dentro dos limites da normalidade durante os atendimentos para os dois grupos.

Tabela 3
Relação presença/ausência de sinais de estresse durante o atendimento nos prematuros dos grupos Controle e Experimental
Tabela 4
Comparação da diferença das frequências cardíaca e respiratória antes (1) e após (2) o atendimento entre os grupos Controle e Experimental

Discussão

A estimulação sensorial unimodal e a multimodal foram analisadas em vários estudos e apresentam benefícios já documentados, inclusive em relação ao ganho de peso(99 White-Traut RC, Nelson MN, Silvestri JM, Vasan U, Littau S, Meleedy-Rey P et al. Effect of auditory, tactile, visual, and vestibular intervention on length of stay, alertness, and feeding progression in preterm infants. Dev Med Child Neurol 2002;44:91-7.,1010 Ferreira AM, Bergamasco NH. Behavioral analysis of preterm neonates included in a tactile and kinesthetic stimulation program during hospitalization. Rev Bras Fisioter 2010;14:141-8.). Já os benefícios da música como estimulação auditiva só têm sido reconhecidos e documentados de forma científica recentemente(77 Hartling L, Shaik MS, Tjosvold L, Leicht R, Liang Y, Kumar M. Music for medical indications in neonatal period: a systematic review of randomised controlled trials. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2009;94:F349-54.). A música pode potencializar os efeitos da estimulação multimodal e uma de suas vantagens seria promover a homeostase, facilitando a tolerância da criança aos estímulos(44 Standley JM. Music therapy for neonate. Newborn Infant Nurs Rev 2001;1:211-6.).

Neste estudo, os resultados do ganho de peso corporal demonstraram que os prematuros do Grupo Experimental apresentaram média significantemente maior do que os do Grupo Controle, o que é de extrema importância para os prematuros, um vez que o ganho de peso está diretamente relacionado à estabilidade clínica e ao menor tempo de internação. Vale ressaltar que os grupos avaliados não mostraram diferença significante em relação às formas de alimentação e à média do consumo energético. Assim, uma das hipóteses aventadas para o ganho de peso no Grupo Experimental é de que, nas crianças que se alimentam por via oral, a música pode aumentar o apetite e melhorar o mecanismo de sucção/deglutição(55 Standley JM. A meta-analysis of the efficacy of music therapy for premature infants. J Pediatr Nurs 2002;17:107-13.). Alguns estudos avaliaram a associação da música com a sucção não nutritiva e relataram que, durante a música, ocorre um aumento da velocidade de sucção. Porém, os autores não esclarecem a experiência prévia das crianças com alimentação oral, pois esse dado pode influenciar a velocidade de sucção(1717 Standley JM. The effect of contingent music to increase non-nutritive sucking of premature infants. Pediatr Nurs 2000;26:493-5.,1818 Standley JM. The effect of music-reinforced nonnutritive sucking on feeding rate of premature infants. J Pediatr Nurs 2003;18:169-73.). Outro mecanismo que poderia influenciar o ganho de pesofoi proposto por estudo que avaliou a relação da música de Mozart com o gasto energético de repouso por calorimetria indireta em prematuros. Os resultados apontam redução de 10–13% do gasto energético de repouso no grupo avaliado com música, o que poderia aumentar a eficiência metabólica e, em parte, aumentar o ganho de peso(66 Lubetzky R, Mimouni FB, Dollberg S, Reifen R, Ashbel G, Mandel D. Effect of music by Mozart on energy expenditure in growing preterm infants. Pediatrics 2010;125:e24-8.). Neste trabalho, os resultados do peso corporal relacionados à influência da música são concordantes com os de outros autores(1919 Caine J. The effects of music on the selected stress behaviors, weight, caloric and formula intake, and length of hospital stay of premature and low birth weight neonates in a newborn intensive care unit. J Music Ther 1991;28:180-92.,2020 Coleman JM, Pratt RR, Stoddard, RA, Gerstmann DR, Abel HH. The effects of the male and female singing and speaking voices on selected physiological and behavioral measures of premature infants in the intensive care unit. Int J Arts Med 1997;5:4-11.). Um estudo utilizou música com estimulação multimodal e comparou com grupo controle submetido apenas à rotina do setor. O resultado mostrou-se significante em relação ao ganho de peso pelo grupo experimental, porém esse estudo não relata a forma de alimentação ou o consumo energético dos prematuros(88 Standley JM. The effect of music and multimodal stimulation on responses of premature infants in neonatal intensive care. Pediatr Nurs 1998;24:532-54.). Diferenças metodológicas e nos critérios de inclusão e formas de alimentação podem resultar em divergências entre estudos.

A adaptação precoce à vida extrauterina expõe o prematuro a maior número de situações estressantes, resultando em alterações fisiológicas, aumento de demandas energéticas e dificuldade em ganhar peso. Durante procedimentos dolorosos, o efeito positivo da música tem sido relatado por sua influência no mecanismo do portal da dor e no aumento da liberação de endorfinas(2121 Bo LK, Callaghan P. Soothing pain-elicited distress in Chinese neonates. Pediatrics 2000;105:E49.,2222 Butt ML, Kisilevsky BS. Music modulates behaviour of premature infants following heel lance. Can J Nurs Res 2000;31:17-39.). Crianças mais estáveis estão mais propensas a ganhar peso(33 Andriola YM, Oliveira BR. A Influência da música na recuperação do recém-nascido prematuro na UTI neonatal. Nursing 2006;8:973-8.). Os resultados dessa pesquisa, em relação à redução dos sinais de estresse, confirmam resultados anteriores(44 Standley JM. Music therapy for neonate. Newborn Infant Nurs Rev 2001;1:211-6.,2020 Coleman JM, Pratt RR, Stoddard, RA, Gerstmann DR, Abel HH. The effects of the male and female singing and speaking voices on selected physiological and behavioral measures of premature infants in the intensive care unit. Int J Arts Med 1997;5:4-11.). Um estudo relatou diminuição significante do hormônio cortisol e da frequência respiratória em prematuros submetidos à música com harpa ao vivo(2323 Block S, Jennings D, David L. Live harp music decreases salivary cortisol levels in convalescent preterm infants. Pediatr Res 2003;53:469A.). Contrariamente, há estudo que indica redução significante dos sinais de estresse e parâmetros fisiológicos(2424 Shoemark H, Wolfe R, Calabro J. The effects of recorded sedative music on the physiology and behaviour of premature infants with a respiratory disorder. Aust J Music Ther 2003;14:3-19.). Tal resultado pode ser justificado por tratar-se de um grupo de prematuros portadores de doenças pulmonares crônicas que possuem particularidades clínicas diferentes dos analisados no presente estudo.

Em relação às frequências cardíaca e respiratória, o Grupo Experimental apresentou diminuição significante após o procedimento. Vários estudos mostram resultados semelhantes em relação à frequência respiratória(2323 Block S, Jennings D, David L. Live harp music decreases salivary cortisol levels in convalescent preterm infants. Pediatr Res 2003;53:469A.) e cardíaca(33 Andriola YM, Oliveira BR. A Influência da música na recuperação do recém-nascido prematuro na UTI neonatal. Nursing 2006;8:973-8.,2121 Bo LK, Callaghan P. Soothing pain-elicited distress in Chinese neonates. Pediatrics 2000;105:E49.). Uma das justificativas para tais resultados é de que a música parece diminuir a atividade do sistema nervoso simpático(2525 Todres ID. Music is medicine for the heart. J Pediatr (Rio J) 2006;82:166-8.).

Assim, a música pode ser utilizada como instrumento terapêutico simples, alternativo e de baixo custo, sendo mais um agente que visa facilitar o desenvolvimento de prematuros e minimizar os efeitos negativos da internação neonatal. Apesar de as mães e as crianças estarem internadas no mesmo ambiente, recebendo orientações semelhantes da mesma equipe, existem variáveis difíceis de controlar, como o tempo em que as crianças passam na posição canguru e a quantidade exata de mamadas. Como limitação da pesquisa, pode-se apontar a imprecisão no cálculo do consumo energético, pois este é diretamente dependente das características fisiológicas de cada criança e da variação do conteúdo energético do leite materno de cada mãe. Em que pese essa limitação, os valores estipulados para esse cálculo foram igualmente adotados em ambos os grupos; assim, pode-se dizer que a diferença encontrada não seria função do consumo energético e sim do único fator distinto entre eles, a exposição à música. O trabalho também apresenta restrições metodológicas, pois trata-se de um estudo não cego para algumas variáveis como sinais vitais e de estresse. Vale lembrar ainda que, embora os observadores tenham sido treinados para a aplicação correta da técnica de estimulação, existe a resposta individualizada de cada criança, não se descartando a possibilidade de algum efeito colateral relacionado à hiperestimulação.

Ainda pela escassez e limitações das pesquisas sobre a música como forma terapêutica em prematuros, há perguntas a serem respondidas, como seus efeitos em longo prazo, os diferentes estilos musicais junto às preferências individuais, além de sua influência para a família e equipe multiprofissional. De qualquer forma, os resultados obtidos sugerem que a música gravada, associada à estimulação multimodal, é eficaz para aumentar o ganho de peso corporal de prematuros hospitalizados no Programa Mãe-Canguru.

  • Instituição: Maternidade-Escola Santa Mônica, Maceió, AL, Brasil

Agradecimentos

Aos prematuros e seus familiares, à toda equipe do Programa Mãe-Canguru da Maternidade-Escola Santa Mônica, à orientadora, à co-orientadora e à fisioterapeuta Ana Lúcia Gusmão Freire.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2012
  • Aceito
    14 Fev 2013
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