Isolamento social e seu impacto no desenvolvimento de crianças e adolescentes: uma revisão sistemática

RESUMO

Objetivo:

Analisar os efeitos do isolamento social para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, considerando consequências em médio e longo prazos, e entender possíveis impactos sobre a saúde mental e física.

Fontes de dados:

Revisão sistemática da literatura seguindo os parâmetros da lista Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (PRISMA) nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e PubMed. Os descritores utilizados foram “social isolation” AND “child development”, “quarantine” AND “child development”, “social isolation” AND “adolescent development”, “quarantine” AND “adolescent development” de acordo com o Medical Subject Headings (MeSH) e seus equivalentes para a língua portuguesa, conforme os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Incluíram-se artigos originais em inglês, português e espanhol, sem delimitação temporal.

Síntese dos dados:

Identificaram-se 519 referências, e, após critérios de inclusão e exclusão, 12 artigos foram analisados. Cinco abordaram a questão psicossocial (sendo dois sobre os efeitos das pandemias), quatro sobre os impactos na saúde em geral, dois sobre consequências no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e um sobre o desenvolvimento cognitivo e social.

Conclusões:

Os artigos revisados evidenciaram forte relação entre isolamento social e maior incidência de sentimentos como ansiedade e depressão na população de crianças e adolescentes. Além disso, identificaram-se aumento nos níveis de cortisol e piora no desenvolvimento cognitivo dessa faixa etária. Logo, o acompanhamento da saúde mental e física desses jovens por profissionais da saúde deve estar presente durante e após a pandemia.

Palavras-chave:
Isolamento social; Quarentena; Desenvolvimento infantil; Desenvolvimento do adolescente; COVID-19

ABSTRACT

Objective:

This study aims to analyze the effects of social isolation on children's and teenagers’ development, with emphasis on the possible impacts over their physical and mental health.

Data source:

Review of the literature following the standards of PRISMA using the SciELO, LILACS and PubMed databases. The following key-words were used: “social isolation” and “child development”, “quarantine” and “adolescent development” according to the Medical Subject Headings (MESH) and their translation to the Portuguese. Studies in English, Portuguese and Spanish from inception were included.

Data synthesis:

519 studies were screened and 12 were included in the systematic review. Five of those focused the psychology and social issues, two of them the effects of pandemics on these issues; four studies reported on impacts on general health and two consequences over the hypothalamus- hypophysis - adrenal axis and the cognitive and social development.

Conclusions:

The review shows a strong association between social isolation and anxiety and depression in children and adolescents. Social isolation leads to higher levels of cortisol and worse cognitive development. Therefore, the mental and physical health of children and adolescents need a careful follow up by health professionals during and after the COVID-19 pandemic.

Keywords:
Social isolation; Quarantine; Child development; Adolescent development; COVID-19

INTRODUÇÃO

Desde o início de 2020, o mundo enfrenta uma grave crise mundial em decorrência da pandemia pela infecção do novo coronavírus denominado severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2, síndrome respiratória aguda grave 2), que provoca a coronavirus disease 2019 (COVID-19), detectada na China em dezembro de 2019.¹ No cenário mundial, para enfrentar a pandemia, adotou-se como medida não farmacológica o distanciamento e o isolamento social para controlar a disseminação e a contaminação populacional. Sabe-se que essas são as medidas possíveis no momento, porém não se deve perder de vista que o distanciamento social poderá ter impactos negativos em diferentes níveis e contextos de desenvolvimento.²

As pandemias, como outros desastres, fazem parte da história humana há séculos. No entanto, a resposta às pandemias difere necessariamente, pois requer separação, isolamento e quarentena. Além dos potenciais efeitos protetores da comunidade atribuídos à quarentena, os riscos para indivíduos em quarentena precisam ser identificados.³ Estudos mostram influências dessa situação no comportamento das pessoas no cotidiano, causando ansiedade, medo, depressão e pânico.^4,5

É cada vez mais reconhecido que os indivíduos que sofrem isolamento social têm maior risco de doenças. Experiências psicossociais adversas, como o isolamento social, podem ser particularmente prejudiciais para crianças e adolescentes em desenvolvimento.⁶ O distanciamento social pode agravar ou gerar dificuldades funcionais e comportamentais nessa faixa etária. Nota-se também que esse cenário de estresse altera muito a atividade física e o sono, essenciais para o desenvolvimento geral. Há ampla evidência de que esses fatores têm um profundo impacto na plasticidade cerebral e, portanto, no desenvolvimento cognitivo e emocional.⁷

Assim, as saúdes física e mental da classe infantojuvenil devem ser um ponto de atenção, considerando-se que essas constituem parte de uma população vulnerável.⁸ A situação de incerteza gerada pela COVID-19 pode causar raiva, depressão e ansiedade, dada a perda de contato com outras pessoas, pela distância, adoecimento ou morte de familiares e amigos. Como as mudanças causadas pela COVID-19 são repentinas e cobrem muitos aspectos de nossas vidas diárias, essas reações adversas tendem a se agravar, prejudicando a função reflexiva humana.⁹ O planejamento pandêmico, portanto, deve considerar as necessidades dessa população, especialmente, e de suas famílias, garantindo que elas não sofram traumas em longo prazo decorrentes da experiência de doenças pandêmicas ou de estratégias de resposta à saúde pública.¹⁰

Ante o exposto e considerando o contexto atual da pandemia da COVID-19, objetiva-se realizar uma revisão sistemática de literatura para abordar os efeitos do isolamento social no desenvolvimento de crianças e adolescentes, levando-se em conta as consequências em médio e longo prazos, bem como entender os possíveis resultados dessas ações sobre o organismo humano.

MÉTODO

Este artigo de revisão foi elaborado de acordo com os itens da lista Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (PRISMA).¹¹ Para organizar o processo de busca de dados e de escrita, utilizou-se a abordagem do PICO, cujo acrônimo representa patient (crianças e adolescentes), intervention (isolamento social), comparation (convivência social normal) e outcome (desenvolvimento infantil e do adolescente). Foi feita uma busca no mês de julho de 2020 de artigos em inglês, português e espanhol nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e PubMed. Os descritores utilizados foram “social isolation ” AND “child development ”, “quarantine ” AND “child development ”, “social isolation ” AND “adolescent development ”, “quarantine ” AND “adolescent development ” de acordo com o Medical Subject Headings (MeSH), sendo utilizados seus equivalentes para a língua portuguesa, conforme estabelecido pelos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS).

Incluíram-se nesta revisão sistemática artigos originais, sem delimitação temporal, que se enquadravam como estudo observacional e respondiam ao PICO preestabelecido. Excluíram-se os estudos que abordavam exclusivamente adultos em seus resultados e os artigos em formato de editorial, comentário ou revisão. Como uma estratégia complementar de busca, analisaram-se as referências bibliográficas dos artigos escolhidos para a extração de dados.

A seleção dos estudos foi feita por três autores de forma independente e cega, que obedeceram aos critérios de inclusão e exclusão. Eventuais divergências entre os autores foram resolvidas de forma consensual. Para analisar os textos escolhidos, foi feita uma tabulação com nome do trabalho, ano e local de publicação, autores, tipo de estudo e sua duração, faixa etária da amostra, resultados e limitações.

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos analisados nesta revisão foi realizada com base no instrumento disponibilizado pela Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ), que pode ser utilizado em estudos transversais¹² (Tabela 1). Esse checklist é composto de 11 itens que pontuam igualmente o valor de um ponto quando cumpridos, logo a pontuação total de um artigo avaliado pode variar entre zero e 11. Dessa forma, a avaliação de cada estudo foi definida como: baixa qualidade (pontuação 0–3), qualidade moderada (pontuação 4–7) e alta qualidade (pontuação 8–11).

Tabela 1
Informações gerais sobre os artigos revisados.

Autor/ano	Local	Desenho do estudo	Amostra e duração do estudo	Escore*
Danese et al., 20096	Nova Zelândia	Coorte prospectivo	972 RN acompanhados até completarem 32 anos.	8
Saurabh et al., 20203	Índia	Coorte retrospectivo	252 crianças e adolescentes entre 9–18 anos (121 com experiência de quarentena e 131 com experiência só de isolamento social).	7
Sprang et al., 201310	EUA, México e Canadá	Coorte retrospectivo	398 crianças e adolescentes.	5
Schinka et al., 201313	EUA	Coorte prospectivo	832 RN acompanhados até completarem 15 anos.	9
Vanhalst et al, 201114	Holanda	Coorte prospectivo	428 adolescentes entre 13–16 anos acompanhados durante cinco anos.	7
Martin et al., 200115	San Sebastian (Espanha)	Coorte prospectivo	48 crianças em idade pré-escolar.	7
Koss et al., 201416	EUA	Coorte prospectivo	155 crianças entre 15 e 36 meses de idade acompanhadas durante 25 meses.	7
Caspi et al., 200617	Dunedin, Nova Zelândia	Coorte prospectivo	1.037 RN acompanhados até completarem 26 anos.	5
Li et al., 202018	Hebei, China	Coorte prospectivo	555 estudantes de graduação com idade média de 19,6 anos acompanhados por dois anos.	7
Fox et al., 201119	Bucareste, Romênia	Coorte prospectivo	259 crianças com menos de 30 meses acompanhadas até completarem 8 anos (187 viviam em instituições de adoção e 72 viviam com a família).	7
Andersen et al., 199020	Noruega	Coorte prospectivo	39 crianças de 8 anos acompanhadas até completarem 12 anos.	6
Lacey et al. 201421	Grã-Bretanha	Coorte prospectivo	8.233 crianças de 7 anos acompanhadas até completarem 50 anos.	7

• RN: recém-nascidos;
• ^*
  escore da qualidade metodológica dos estudos: baixa qualidade=0 a 3, qualidade moderada=4 a 7 e alta qualidade=8 a 11.

RESULTADO

Inicialmente, identificaram-se 519 artigos, e, após a eliminação dos estudos duplicados e a adequação ao PICO preestabelecido, excluíram-se 436 artigos. Dos 83 avaliados em texto completo, somente 11 foram incluídos para integrar esta revisão, por atenderem a todos os critérios de elegibilidade supracitados. Posteriormente, em uma busca nas referências dos artigos selecionados, um estudo atendeu às normas de inclusão e também foi selecionado, totalizando 12 estudos. O fluxograma do processo de seleção dos artigos é apresentado na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma da revisão.

Os 12 artigos^{3,6,10,13–21} selecionados foram publicados entre 1990 e 2020, e os estudos foram realizados com amostras variadas de países de diferentes continentes: Oceania,^6,17 Ásia,^3,18 Europa^14,19–20 e América.^10,13,16 Apenas dois trabalhos eram do tipo coorte retrospectivo,^3,10 eles analisaram o impacto da pandemia causada pelo coronavírus em 252 pessoas entre 9 e 18 anos³ e o impacto do isolamento por outras pandemias em 398 crianças e adolescentes.¹⁰ Entre os artigos de coorte prospectivo,^6,13–21 quatro^6,13,17,21 tiveram duração superior a 15 anos, destes, três^6,13,17 acompanharam as crianças desde o nascimento. Em geral, seis estudos trabalharam com crianças e adolescentes,^{3,6,10,13,17,21} quatro somente com crianças^15,16,19,20 e dois só com adolescentes^14,18 (Tabela 1).

Para discutir esta revisão, os autores dividiram os estudos escolhidos em quatro categorias, de acordo com a área que o artigo levantava como sendo impactada pelo isolamento social durante a infância e adolescência. Sendo assim, a divisão dos textos deu-se em cinco artigos na área psicossocial (Tabela 2),^{3,10,13,14,18} quatro artigos na área de saúde em geral (Tabela 3),^6,17,20,21 dois artigos na área de eixo hipotálamo hipófise adrenal (Tabela 4)^15,16 e um artigo na área de desenvolvimento cognitivo e social (Tabela 4).¹⁹

Tabela 2
Estudos sobre o impacto do isolamento na infância na área psicossocial.

Autor	Coleta dos dados/critério de isolamento social	Temática	Resultados	Limitações
Saurabh et al.3	Entrevista online com a presença dos pais. Foram consideradas socialmente isoladas as pessoas que viviam um contexto de quarentena pela COVID-19.	Psicossocial	A quarentena aumentou a incidência de problemas psicológicos, como medo, nervosismo e aborrecimento.	Tamanho da amostra é pequena e com pouca variedade socioeconômica entre os participantes, maioria de famílias de imigrantes.
Sprang et al.10	Entrevista e preenchimento de formulários e checklist de TEPT pelos pais/responsáveis. Pessoas que já viveram situações de quarentenas por pandemias entraram no critério de isolamento.	Psicossocial	A experiência de isolamento social ou quarentena na infância aumentou a probabilidade de sintomas TEPT nessa faixa etária.	Resultados do estudo dependem da memória dos pais que estão relatando os acontecimentos de anos atrás.
Schinka et al.13	Quatro entrevistas aos 7, 9, 11 e 15 anos para aplicação de algumas perguntas e checklist de depressão e habilidade social. Classificação de solidão pelo questionário Loneliness and Social Dissatisfaction.36	Psicossocial	Crianças com alto nível de solidão são mais prováveis de serem deprimidas, agressivas e terem ideação suicida.	Espaços de tempo muito longos entre os quatro questionários, e o resultado obtido teve risco de viés por ser respondido pelo próprio entrevistado.
Vanhalst et al.14	Cinco questionários anuais, respondidos pela família, com aplicação de checklist para solidão, sintomas depressivos e traços de personalidade. Classificação de solidão pelo questionário Loneliness and Aloneness Scale for Children and Adolescents.37	Psicossocial	Em todas as etapas da infância e adolescência analisadas houve uma correlação entre solidão e manifestação de sintomas depressivos.	Baixa diversidade entre o grupo analisado (maioria branca e criada com a presença dos dois pais).
Li et al.18	Avaliação de crianças e adolescentes antes da pandemia de COVID-19 e após duas semanas de isolamento, utilizando-se as perguntas da Agenda de Afetos Positivos e Negativos (PANAS) e o Questionário de Saúde do Paciente (PHQ-4).	Psicossocial	Após duas semanas de isolamento, os participantes demonstraram aumento nos sintomas de ansiedade e depressão.	Baixa diversidade entre o grupo analisado (maioria estudantes de graduação do sexo feminino).

• TEPT: transtorno de estresse pós-traumático.

Tabela 3
Estudos sobre o impacto do isolamento na infância na área saúde em geral.

Autor	Coleta dos dados / critério de isolamento social	Temática	Resultados	Limitações
Danese et al.6	Entrevistas com o grupo aos 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 18, 21, 26 e 32 anos e exames físicos, psiquiátricos e laboratoriais (PCR, IMC, hemoglobina glicada) ao fim do estudo. Avaliação do isolamento social por meio da aplicação do questionário RutterChild Scale.38	Saúde em geral	Condições adversas vividas na infância, tal como o isolamento social, aumentam a probabilidade de depressão, doença cardiovascular e doenças metabólicas na vida adulta.	Não explora todas as condições adversas que uma criança pode presenciar, atendendo somente a três delas: isolamento social, condições socioeconômicas precárias e maus-tratos.
Andersen et al.20	Avaliação anual de tamanho e composição corporal, características respiratórias e capacidade de desempenho físico. Crianças da periferia foram consideradas em isolamento, enquanto as do centro tinham convívio social normal.	Saúde em geral	A redução da atividade física habitual causada pelo isolamento social aumentou a quantidade de gordura na composição corporal e reduziu a conquista da capacidade de desempenho físico durante o crescimento.	Algumas das diferenças que aparecem entre as crianças não são estatisticamente significativas. Ademais, faltaram dados a respeito da relevância do estudo.
Caspi et al.16	Exames físicos, laboratoriais e psicológicos de acompanhamento foram realizados nas idades de 5, 7, 9, 11, 13, 15, 18, 21 e 26 anos. Avaliação do isolamento social pela aplicação do questionário RutterChild Scale.37	Saúde em geral	Crianças socialmente isoladas estavam em risco significativamente maior de problemas de saúde na vida adulta em comparação com crianças não isoladas.	Não se sabe se os achados desse estudo podem ser generalizados para todos os grupos étnicos, por analisar somente a população da Nova Zelândia.
Lacey et al.20	Acompanhamento dos participantes em intervalos de 4–10 anos com realização de exames físicos, laboratoriais (PCR) e checklist de isolamento social e fatores econômicos. Avaliação do isolamento social pela aplicação do questionário RutterChild Scale.37	Saúde em geral	Crianças socialmente isoladas apresentaram níveis mais altos de PCR na meia-idade e tendiam mais a ter alterações psicológicas na vida adulta.	A PCR foi medida apenas aos 44 anos, portanto não se sabe até que ponto o isolamento afetou a PCR em cada etapa do desenvolvimento.

• PCR: proteína C reativa; IMC: índice de massa corpórea.

Tabela 4
Estudos sobre o impacto do isolamento na infância na área desenvolvimento cognitivo e social e na área eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.

Autor	Coleta dos dados/critério de isolamento social	Temática	Resultados	Limitações
Fox et al.19	Coleta de dados de nascimento e saúde prévia das crianças. Avaliação da relação com o cuidador, do desenvolvimento da linguagem e do QI aos 30, 42, 54 e 96 meses de idade. Crianças inseridas em instituições de adoção foram consideradas em isolamento social.	Desenvolvimento cognitivo e social	A institucionalização durante a infância resulta no isolamento social da criança e se torna prejudicial ao seu desenvolvimento cognitivo e social.	Muitas das crianças dos grupos intervenção e controle não estavam mais residindo em seu local inicial.
Martin et al.15	Gravações em vídeo do comportamento nas interações e brincadeira em ambiente escolar. Avaliação dos níveis de cortisol e de sIgA em amostras de saliva. O critério para isolamento foram os padrões comportamentais apresentados por cada criança.	Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal	O isolamento social foi o único padrão comportamental que aumentou os níveis de cortisol.	As amostras foram coletadas em apenas um tipo de situação vivida pelas crianças (brincadeiras).
Koss et al.16	Coleta domiciliar de cortisol salivar em três amostras (manhã, meio-dia, hora de dormir), durante três dias. No mesmo período, foi avaliado o cuidado no período de pré-adoção, o crescimento da criança e sua capacidade socioemocional. Crianças inseridas em instituições de adoção foram consideradas em isolamento social.	Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal	Crianças em isolamento exibiram cortisol diurno menos acentuado em comparação com os pares da mesma idade não isolados; essas diferenças não diminuíram ao longo do período de dois anos. Foi constatado que a privação social precoce pode contribuir para a programação precoce do eixo hipotálamo-hipófise.	Algumas famílias recusaram participar do estudo. Das que concordaram, nem todos foram capazes de começar logo após a adoção e, portanto, não foram incluídos nessa análise. A coleta de todas as amostras foi um desafio para algumas delas e exigiu várias semanas, estendendo o período de tempo de cada coleta.

• QI: coeficiente de inteligência; sIgA: imunoglobulina A secretada.

DISCUSSÃO

Área psicossocial

A depressão como consequência do processo de isolamento social foi abordada em três estudos.^13,14,18 Vanhalst et al.¹⁴ estabeleceram relação entre solidão e sintomas depressivos ao aplicar, em cinco momentos distintos do desenvolvimento dos adolescentes estudados, o questionário de seis itens para avaliar a depressão descrito por Kandel e Davies em 1982²² e encontraram em todas as medidas uma correlação entre as variáveis (alfa de Cronbach 0,34–0,49; p<0,001). Além disso, Vanhalst et al.¹⁴ apontaram uma relação de círculo vicioso entre tais fatores, sendo a solidão colocada como forte preditor de depressão e vice-versa [qui-quadrado(39)=170,79; p<0,001; comparative fit index (CFI)=0,92; root mean square error of approximation ([RMSEA]=0.09).

Assim como o estudo mencionado anteriormente, Schinka et al.¹³ também levantaram dados da relação entre isolamento e depressão. Segundo o estudo, o nível crescente, se comparado ao nível baixo, de solidão (Tabela 2) aos 7 anos representa maior chance de sintomas depressivos (odds ratio [OR] 1,32; p=0,004), enquanto, na adolescência, aos 15 anos, essa probabilidade se torna ainda maior (OR 2,05; p<0,001). Os autores ainda levantaram dados estatísticos da associação entre isolamento social e ideação suicida, na avaliação feita aos 15 anos, e concluíram que tal relação se mostrou muito forte em duas ocasiões: na comparação entre o nível baixo e o crescente de solidão (OR 10,90; p=0,001) e entre o nível baixo e o crônico de solidão (OR 18,89; p=0,009).

Ainda na área psicossocial, três estudos refletiram a respeito do impacto que pandemias e suas medidas de controle, como o isolamento e a quarentena, podem acarretar às crianças e aos adolescentes.^3,10,18 Problemas psicológicos, entre eles ansiedade, tristeza, depressão e culpa, foram levantados como consequências diretas do processo de confinamento.^3,18 Saurabh et al.³ apontaram como a experiência de uma quarentena nessa idade torna alta a incidência da preocupação (68,59%; p=0,069), desamparo (66,11%; p=0,039), medo (61,98%; p=0,001) e nervosismo (60,33%; p=0,001) entre tal grupo. Na mesma linha de raciocínio, Li et al.¹⁸ avaliaram a relação do isolamento social com problemas psicológicos ao comparar o resultado médio de um checklist para sentimentos positivos e negativos (Agenda de Afetos Positivos e Negativos – PANAS),²³ preenchido por adolescentes antes e após duas semanas de confinamento por COVID-19, concluindo que a incidência dos problemas psicológicos foi maior durante a experiência de isolamento (alfa de Cronbach 0,567; p<0,050).

Sobre o impacto das pandemias, Sprang et al.¹⁰ avaliaram a incidência de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) em crianças e adolescentes que passaram por isolamento ou quarentena. O estudo utilizou dois checklists desenvolvidos para diagnóstico de TEPT^24,25 e mostrou que o grupo isolado é 30% mais provável de entrar nos critérios de TEPT, em relação a quem não passou por tal experiência, sendo a média de pontuação no teste entre os afetados quatro vezes maior. Ademais, Sprang et al.¹⁰ demonstraram o papel fundamental dos pais no desenvolvimento comportamental de seus filhos: 85,7% dos pais com TEPT têm crianças com os mesmos sintomas, enquanto apenas 14,3% dos pais sem TEPT têm crianças com tal transtorno.

Área saúde em geral

Três estudos trazem dados de como o isolamento social durante a infância e a adolescência pode afetar a saúde na vida adulta.^6,17,24 Os resultados obtidos por Danese et al.⁶ mostraram que crianças com nível muito alto de isolamento social (Tabela 3) tinham maior chance de se tornarem adultos deprimidos (risco relativo [RR] 1,76; IC95% 1,12–2,77), com alto risco de inflamação cardíaca, com proteína C reativa (PCR)>3mg/L (RR 1,60; IC95% 1,04–2,47) e com doenças metabólicas como obesidade, hipertensão, diabetes ou hipercolesterolemia (RR 1,96; IC95% 1,21–3,17), quando comparados com a referência adotada de crianças com nível muito baixo de isolamento (RR 1). Ademais, Danese et al.⁶ apontaram o isolamento social como mais impactante para o aparecimento de doenças na vida adulta do que hábitos de vida como alimentação (RR 0,99; IC95% 0,9–1,08), prática de atividade física (RR 0,94; IC95% 0,86–1,02) e tabagismo (RR 1,05; IC95% 0,96–1,16).

Da mesma forma que o estudo de Danese et al.,⁶ Caspi et al.¹⁷ descreveram que crianças socialmente isoladas apresentaram risco significativo de problemas de saúde típicos dos adultos, como obesidade, hipertensão, hipercolesterolemia e diabetes, se comparadas às crianças não isoladas (RR 1,37; IC95% 1,17–1,61). Além desses, o estudo de Lacey et el.²¹ mostrou que o isolamento social crônico, em múltiplos períodos do desenvolvimento (na infância, adolescência e idade adulta), tem uma relação cumulativa na incidência do índice de massa corpórea (IMC) alto, tabagismo e alcoolismo em adultos (RR 2,58; IC95% 1,46–4,56).

Ainda na área de saúde em geral, Andersen et al.²⁰ abordaram o impacto do isolamento na saúde durante a primeira infância. Descreveu-se que o hábito de atividade física das crianças depende do contato social com amigos. O isolamento social pode gerar certo sedentarismo, e crianças em tal condição podem ser prejudicadas em seu crescimento e desenvolvimento funcional. Nesse contexto, compararam-se crianças isoladas e não isoladas, e notou-se que o tempo gasto em atividades esportivas e lazer foi maior no segundo grupo. Também foi verificado que as meninas isoladas tinham IMC maior, enquanto os meninos de convívio social normal apresentaram maior massa corporal magra estimada. Adicionalmente, vale ressaltar que a captação máxima de oxigênio das crianças não isoladas se sobressaiu, consequentemente, sua capacidade de desempenho físico também foi melhor.

Área eixo hipotálamo-hipófise-adrenal

Nas últimas décadas, houve um importante aumento de pesquisas indicando a existência de ligações entre o sistema imunológico, o sistema nervoso central e o sistema endócrino de um lado e os fenômenos psicológicos, como reações a eventos estressores, do outro. Alguns estudos vêm tentando investigar a relação entre o comportamento social em crianças e os níveis de cortisol, principal hormônio produzido em resposta ao estresse psicossocial, examinando o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA). Nesse sentido, Koss et al.¹⁶ examinaram as alterações nos níveis de cortisol diurno de crianças com convívio social normal e crianças isoladas e notaram que o primeiro grupo exibiu taxas menos acentuadas do hormônio. Além disso, as crianças em isolamento com melhor assistência social por parte de adultos e instituições apresentaram cortisol matinal significativamente mais alto (p<0,001) e reduções mais acentuadas de cortisol ao longo do dia (p<0,010), constatando que a privação social na infância pode contribuir para a programação precoce do eixo HPA.

Na mesma linha de pesquisa, Martin et al.¹⁵ analisaram a relação entre o comportamento social em crianças, seus níveis de cortisol e sua atividade imune (níveis de imunoglobulina A secretada — sIgA). Os autores pesquisaram algumas categorias de comportamento, como isolamento, atividade solitária, atividade paralela, proximidade sem interação, interações sociais, brincadeira e relação com adultos, e concluíram que apenas o isolamento mostrava variação de acordo com o nível de cortisol (p=0,040). O grupo previamente classificado como alto nível para o hormônio obteve a maior pontuação para tal comportamento, seguido pelos grupos de baixo e médio níveis. Ainda na mesma pesquisa, Martin et al.¹⁵ avaliaram os níveis de sIgA das crianças e concluíram que a atividade imune não se relacionava com o padrão comportamental no grupo analisado.

Área desenvolvimento cognitivo e social

Fox et al.¹⁹ mostraram que crianças socialmente isoladas exibiram escores mais baixos de coeficiente de inteligência (QI), em comparação com crianças de mesma idade não isoladas. O autor afirma que indivíduos com convívio social normal apresentaram pontuações mais altas na subescala de compreensão verbal do Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC) (que avalia raciocínio verbal e perceptivo, memória de trabalho e velocidade de processamento) aos 8 anos de idade, comparadas àquelas crianças em isolamento. A comparação do resultado obtido por cada grupo nos testes citados foi estatisticamente significante [F(8,110)=3,09; p =0,004, η²=0,180]. Além disso, notou-se que as crianças que permaneceram isoladas, até o fim do estudo, tiveram uma pontuação significativamente mais baixa nessas escalas, em comparação com aquelas que retornaram ao convívio social.

Para uma análise completa desta revisão, é necessário considerar algumas limitações presentes na metanálise, como a inclusão de um artigo³ realizado durante a pandemia de COVID-19 que analisava seus impactos no desenvolvimento de adolescentes, logo estava impossibilitado de ter uma visão completa das consequências em longo prazo do isolamento juvenil. Ademais, o presente artigo incluiu estudos cuja qualidade metodológica foi avaliada com escores mais baixos. Tal avaliação está disponível na Tabela 1 para uma melhor análise dos dados.

Apesar de tais limitações, esta revisão sistemática trouxe análises importantes sobre o impacto do isolamento social no desenvolvimento de crianças e adolescentes, abrangendo o aspecto cognitivo, corporal e mental em médio e longo prazos. Uma forte relação entre tal comportamento e sintomas depressivos foi levantada, o que se torna preocupante na medida em que tal doença, cada mais frequente entre os jovens, está diretamente associada à redução no desempenho escolar,²⁵ ao maior risco de tabagismo e à ideação suicida,²⁷ e a vivência de tal patologia no início do desenvolvimento torna mais propensa a sua reincidência durante a vida adulta.²⁸ Além da depressão, o aumento do aparecimento de outros problemas psíquicos como ideação suicida e ansiedade foram levantados, o que reflete em maior sofrimento e prejuízo às atividades relacionadas à vida dos jovens. Transtornos de ansiedade podem repercutir na evasão escolar, na utilização excessiva de serviços pediátricos, dadas as queixas somáticas ligadas à ansiedade, e no aparecimento de transtornos psiquiátricos na vida adulta, tornando o convívio social e familiar mais difícil.²⁹ Enquanto isso, a ideação suicida, que já é um problema crescente na nossa realidade, apresentou no Brasil um crescimento de 40% na faixa etária entre 10 e 14 anos e 33,5% entre 15 e 19 anos nos últimos 10 anos,³⁰ tornando-se mais alarmante no contexto da pandemia.

Com relação ao desenvolvimento cognitivo, provou-se que situações de isolamento durante a infância prejudicam o aprendizado de novas habilidades como fala, escrita e leitura, principalmente nas crianças mais novas,¹⁹ o que afeta o desempenho escolar e torna mais difícil o processo de socialização com os colegas, gerando um círculo vicioso entre isolamento e dificuldade no processo de aprendizagem.³¹

Ademais, jovens isolados foram classificados como mais prováveis de apresentarem altos níveis de cortisol, o que é amplamente reconhecido como um fator impactante para outra consequência do isolamento social, o aumento do IMC. A problemática da mudança na composição corporal pode ser facilmente compreendida ao se considerar que as crianças, geralmente, se exercitam na presença e pela influência de outros colegas. Logo, comportamentos solitários propiciam o sedentarismo e suas consequências. Quanto ao nível elevado de cortisol, é importante destacar que ele está associado a um pior desempenho em testes de memória e percepção visual, tendo sido observadas mudanças microestruturais em múltiplas áreas do cérebro, principalmente no esplênio do corpo caloso e na corona radiata posterior, dados os níveis altos desse hormônio.³² Ou seja, novamente a reclusão social pode ser colocada como prejudicial ao desenvolvimento cognitivo na infância e adolescência.

Ainda foram levantadas algumas consequências que o isolamento de longo termo pode acarretar à saúde do adulto, sendo destacados problemas como depressão, doenças cardíacas, obesidade, hipertensão, diabetes, entre outras. Esses problemas já apresentam alta incidência em adultos e eles, muitas vezes, manifestam-se em conjunto. Fatores psicológicos como depressão e ansiedade desempenham importante papel no desenvolvimento e na progressão de doença cardíacas,³³ obesidade³⁴ e hipertensão.³⁵ Além disso, deve-se ressaltar que a obesidade está associada a um aumento do risco de várias doenças crônicas, incluindo hipertensão arterial, diabetes melito tipo II, hipercolesterolemia, doenças coronarianas e outras.³⁴ Assim, é evidente que esses fatores podem ser intensificados em indivíduos adultos que foram isolados socialmente durante a infância.

Em suma, o período que corresponde à infância e à adolescência é imprescindível para o desenvolvimento dos aspectos físicos e mentais do indivíduo. Logo, durante a pandemia, o crescimento das crianças em diferentes áreas, como cognitiva, corporal e mental, é extremamente preocupante. Nesse contexto, a assistência psicológica e o acompanhamento das saúdes física e mental das crianças e adolescentes é essencial para reduzir os danos que possam ser causados pelo isolamento social.

• Financiamento
  O estudo não recebeu financiamento.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Out 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  28 Set 2020
• Aceito
  02 Fev 2021