Accessibility / Report Error

Efeito da intervenção em esteira motorizada na aquisição da marcha independente e desenvolvimento motor em bebês de risco para atraso desenvolvimental

Efecto de la intervención en caminadora automática en la adquisición de la marcha independiente y desarrollo motor en bebés de riesgo para retraso de desarrollo

Resumos

OBJETIVO: Examinar o efeito de intervenção em esteira motorizada na idade de aquisição da marcha independente em bebês de risco para atraso de desenvolvimento. MÉTODOS: Estudo experimental com 15 lactentes a partir do 5º mês de idade, sendo cinco deles com risco de atraso de desenvolvimento submetidos a sessões de fisioterapia e intervenção em esteira motorizada (Grupo Experimental); cinco com risco de atraso de desenvolvimento submetidos apenas a sessões de fisioterapia (Grupo Controle de Risco); e cinco bebês sem risco de atraso (Grupo Controle Típico). As sessões de fisioterapia ocorreram duas vezes por semana, seguidas de intervenção em esteira motorizada para o grupo experimental. Todos os bebês foram avaliados mensalmente pela Alberta Infant Motor Scale e os participantes do grupo experimental foram filmados durante a realização das passadas na esteira. Comparações entre os grupos ao longo do tempo foram realizadas por análise de variância (ANOVA) e de multivariância (MANOVA). RESULTADOS: Os bebês do Grupo Experimental adquiriram a marcha independente aos 12,8 meses e os do Grupo Controle de Risco aos 13,8 meses de idade corrigida, sendo que a aquisição do Grupo Controle de Risco ocorreu mais tarde em relação ao Grupo Controle Típico (1,1 meses; p<0,05). Os bebês do grupo experimental apresentaram padrão alternado das passadas na esteira, que aumentou ao longo da intervenção (p<0,05), e mostraram melhora do desenvolvimento motor global em relação aos bebês do Grupo Controle de Risco. CONCLUSÕES: A esteira pode ser considerada um agente facilitador para a aquisição do andar independente e do desenvolvimento motor global de bebês com risco de atraso de desenvolvimento.

desenvolvimento infantil; atividade motora; deficiências do desenvolvimento


OBJETIVO: Examinar el efecto de intervención en caminadora automática en la edad de adquisición de la marcha independiente en bebés de riesgo para retraso de desarrollo. MÉTODOS: Estudio experimental de 15 lactantes a partir del 5º mes de edad, siendo 5 con riesgo de retraso de desarrollo sometidos a sesiones de fisioterapia e intervención en caminadora automática (grupo experimental); 5 de riesgo de retraso de desarrollo sometidos solamente a sesiones de fisioterapia (grupo control de riesgo); y 5 bebés sin riesgo de retraso (grupo control típico). Las sesiones de fisioterapia ocurrieron 2 veces en la semana, seguidas de intervención en caminadora automática para el grupo experimental. Todos los bebés fueron evaluados mensualmente por la Alberta Infant Motor Scale y los del grupo experimental fueron filmados realizando los pasos en la caminadora. Comparaciones entre los grupos a lo largo del tiempo fueron realizadas utilizando análisis de variancia (ANOVA) y de multivariancia (MANOVA). RESULTADOS: Los bebés del grupo experimental adquirieron la marcha independiente a los 12,8 y los del grupo control de riesgo a los 13,8 meses de edad corregida, siendo que la adquisición del grupo control de riesgo ocurrió más tarde que en el grupo control típico (1,1 meses; p<0,05). Los bebés del grupo experimental presentaron estándar alternado de los pasos en la caminadora, que aumentó a lo largo de la intervención (p<0,05) y mostraron mejora en el desarrollo motor global respecto a los bebés del grupo control de riesgo. CONCLUSIÓN: La caminadora puede ser considerada un agente facilitador para la adquisición de la marcha independiente y del desarrollo motor global de bebés de riesgo de retraso de desarrollo.

desarrollo infantil; actividad locomotora; caminadora automática/utilización; trastornos de retraso del desarrollo


OBJECTIVE: To examine the effect of motorized treadmill intervention on independent walking acquisition and other motor milestones in infants at risk of developmental delay. METHODS: Experimental study with 15 infants, observed since the 5th month of age: five infants at risk of developmental delay submitted to both physiotherapy sessions and intervention in motorized treadmill (Experimental Group); five infants at risk of developmental delay submitted to physiotherapy sessions only (Risk Control Group); and five infants without risks of developmental delay (Typical Control Group). Physiotherapy sessions occurred twice a week, followed by motorized treadmill intervention for the Experimental Group. Motorized treadmill intervention began when infants acquired cephalic control and was interrupted by independent walking or at 14 months post-conceptual age. All babies were monthly assessed with Alberta Infant Motor Scale and the Experimental Group was filmed during the exercise on the motorized treadmill. Comparisons among groups and months were performed using analysis of variance (ANOVA) and multivariance (MANOVA). RESULTS: Experimental Group infants acquired independent walking at 12.8 months and the Risk Control Group infants at 13.8 months of corrected age, which was delayed compared to the Typical Control Group (1.1 months; p<0.05). Experimental Group of infants showed alternated walking steps on the treadmill, which increased during the intervention period (p<0,05). They also improved their global motor development compared to Risk Control Group of infants. CONCLUSIONS: Motorized treadmill intervention facilitates independent walking acquisition and improves global motor development of infants at risk of developmental delay.

child development; motor activity; developmental disabilities


ARTIGO ORIGINAL

Efeito da intervenção em esteira motorizada na aquisição da marcha independente e desenvolvimento motor em bebês de risco para atraso desenvolvimental

Efecto de la intervención en caminadora automática en la adquisición de la marcha independiente y desarrollo motor en bebés de riesgo para retraso de desarrollo

Diana Xavier C. SchlittlerI; Talita Fernandes LopesII; Elaine Pereira RanieroIII; José Angelo BarelaIV

IMestre em Ciências da Motricidade pela Unesp; Fisioterapeuta do Laboratório para Estudos do Movimento do Instituto de Biociências da Unesp, Rio Claro, SP, Brasil

IIEspecialista em Neuropediatria pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Fisioterapeuta da União dos Deficientes Físicos de Araraquara, Araraquara, SP, Brasil

IIIMestre em Fisioterapia pela UFSCar; Professora do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário de Araraquara, Araraquara, SP, Brasil

IVLivre-Docente pela Unesp; Professor Adjunto do Instituto de Ciências da Atividade Física e Esporte da Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: José Angelo Barela Rua Galvão Bueno, 868 - Liberdade CEP 01506-000 - São Paulo (SP), Brasil E-mail: jose.barela@cruzeirodosul.edu.br

RESUMO

OBJETIVO: Examinar o efeito de intervenção em esteira motorizada na idade de aquisição da marcha independente em bebês de risco para atraso de desenvolvimento.

MÉTODOS: Estudo experimental com 15 lactentes a partir do 5º mês de idade, sendo cinco deles com risco de atraso de desenvolvimento submetidos a sessões de fisioterapia e intervenção em esteira motorizada (Grupo Experimental); cinco com risco de atraso de desenvolvimento submetidos apenas a sessões de fisioterapia (Grupo Controle de Risco); e cinco bebês sem risco de atraso (Grupo Controle Típico). As sessões de fisioterapia ocorreram duas vezes por semana, seguidas de intervenção em esteira motorizada para o grupo experimental. Todos os bebês foram avaliados mensalmente pela Alberta Infant Motor Scale e os participantes do grupo experimental foram filmados durante a realização das passadas na esteira. Comparações entre os grupos ao longo do tempo foram realizadas por análise de variância (ANOVA) e de multivariância (MANOVA).

RESULTADOS: Os bebês do Grupo Experimental adquiriram a marcha independente aos 12,8 meses e os do Grupo Controle de Risco aos 13,8 meses de idade corrigida, sendo que a aquisição do Grupo Controle de Risco ocorreu mais tarde em relação ao Grupo Controle Típico (1,1 meses; p<0,05). Os bebês do grupo experimental apresentaram padrão alternado das passadas na esteira, que aumentou ao longo da intervenção (p<0,05), e mostraram melhora do desenvolvimento motor global em relação aos bebês do Grupo Controle de Risco.

CONCLUSÕES: A esteira pode ser considerada um agente facilitador para a aquisição do andar independente e do desenvolvimento motor global de bebês com risco de atraso de desenvolvimento.

Palavras-chave: desenvolvimento infantil; atividade motora; deficiências do desenvolvimento.

RESUMEN

OBJETIVO: Examinar el efecto de intervención en caminadora automática en la edad de adquisición de la marcha independiente en bebés de riesgo para retraso de desarrollo.

MÉTODOS: Estudio experimental de 15 lactantes a partir del 5º mes de edad, siendo 5 con riesgo de retraso de desarrollo sometidos a sesiones de fisioterapia e intervención en caminadora automática (grupo experimental); 5 de riesgo de retraso de desarrollo sometidos solamente a sesiones de fisioterapia (grupo control de riesgo); y 5 bebés sin riesgo de retraso (grupo control típico). Las sesiones de fisioterapia ocurrieron 2 veces en la semana, seguidas de intervención en caminadora automática para el grupo experimental. Todos los bebés fueron evaluados mensualmente por la Alberta Infant Motor Scale y los del grupo experimental fueron filmados realizando los pasos en la caminadora. Comparaciones entre los grupos a lo largo del tiempo fueron realizadas utilizando análisis de variancia (ANOVA) y de multivariancia (MANOVA).

RESULTADOS: Los bebés del grupo experimental adquirieron la marcha independiente a los 12,8 y los del grupo control de riesgo a los 13,8 meses de edad corregida, siendo que la adquisición del grupo control de riesgo ocurrió más tarde que en el grupo control típico (1,1 meses; p<0,05). Los bebés del grupo experimental presentaron estándar alternado de los pasos en la caminadora, que aumentó a lo largo de la intervención (p<0,05) y mostraron mejora en el desarrollo motor global respecto a los bebés del grupo control de riesgo.

CONCLUSIÓN: La caminadora puede ser considerada un agente facilitador para la adquisición de la marcha independiente y del desarrollo motor global de bebés de riesgo de retraso de desarrollo.

Palabras-clave: desarrollo infantil; actividad locomotora; caminadora automática/utilización; trastornos de retraso del desarrollo.

Introdução

Os bebês com risco para problemas no desenvolvimento apresentam atraso na aquisição de diversos marcos motores, sendo um dos mais importantes a marcha independente. Em bebês com desenvolvimento típico, a aquisição da marcha ocorre por volta dos 12 meses(1), enquanto em crianças prematuras e com baixo peso esta aquisição se dá aos 14 meses de idade corrigida(2-4). Tal atraso decorre da imobilidade do bebê no leito durante sua permanência na UTI neonatal(5-7), do ambiente da UTI neonatal, rico em estímulos adversos ao desenvolvimento, e das assimetrias do tônus muscular, que se manifestam por desequilíbrio muscular passivo e ativo e por aumento excessivo do tônus muscular ao redor do tronco(5,7-9).

Os bebês de risco para o atraso desenvolvimental, portanto, não recebem estímulo proveniente do ambiente e, em particular, das ações motoras imprescindíveis para o processo de desenvolvimento da mesma forma que bebês com desenvolvimento típico(10,11). Deste modo, bebês com risco de atraso desenvolvimental apresentam dificuldade maior para aprender e adquirir novas ações motoras, gerando influências negativas no desenvolvimento motor, social e cognitivo(5,7).

Uma vez que a aquisição de novos comportamentos depende de modificações das conexões cerebrais(12) e que estímulos ambientais induzem a reestruturação cerebral e a maturação do sistema nervoso central(13,14), a estimulação adequada pode favorecer o desenvolvimento de bebês e, em especial, daqueles com risco de atraso. Portanto, protocolos de intervenção passam a ter papel decisivo para criar condições favoráveis e direcionadas à aquisição de habilidades motoras.

Portadores de síndrome de Down submetidos a um programa de intervenção longitudinal em esteira motorizada adquiriram a marcha de forma independente três meses antes de seus pares sem intervenção(15). A intervenção na esteira, no caso de pacientes com síndrome de Down, propiciou melhor controle postural, aumento da força muscular nos membros inferiores e estimulou as conexões nervosas envolvidas na geração da marcha independente(15). A esteira motorizada tem como uma de suas vantagens a possibilidade de induzir o controle voluntário dos movimentos dos membros inferiores durante as passadas, que são preferencialmente alternadas(16-18). A esteira motorizada, portanto, pode facilitar a transição de um comportamento para outro, e bebês que não são capazes de apresentar passadas similares ao do andar em ambiente normal passam a apresentá-las de forma coordenada quando expostos à esteira(17,19).

Considerando-se os efeitos da esteira para a aquisição do andar independente em crianças com síndrome de Down e a necessidade de intervenção precoce em bebês com risco de atraso desenvolvimental, duas questões são levantadas: a intervenção em esteira motorizada poderia influenciar a idade de aquisição da marcha independente de bebês de risco? Poderia esta intervenção também influenciar o desenvolvimento motor global desses pacientes? Assim, este estudo teve como objetivo examinar o efeito de intervenção com esteira motorizada na idade de aquisição do andar independente, e de outros marcos motores do desenvolvimento, que compõem o repertório motor infantil no primeiro ano de vida, em bebês com risco de atraso desenvolvimental.

Método

Participaram deste estudo 15 bebês divididos em três grupos. Cinco pacientes com risco de atraso de desenvolvimento formaram o Grupo Experimental (GE: 5,8±0,4 meses de idade corrigida), cinco com risco de atraso de desenvolvimento formaram o Grupo Controle de Risco (GCR: 6,1±0,4 meses de idade corrigida) e cinco bebês sem diagnóstico de qualquer risco desenvolvimental formaram o Grupo Controle Típico (GCT: 7,4±0,9 meses de idade cronológica). Os bebês com risco de atraso foram recrutados a partir de triagem realizada no Centro de Habilitação Infantil "Princesa Vitória", Rio Claro São Paulo, e no Centro de Reabilitação, Araraquara São Paulo. A participação desses pacientes nos respectivos GE ou GCR ocorreu a partir de sorteio prévio e anuência dos pais ou responsáveis. O tamanho amostral foi calculado a partir da tabela de Cohen(20) para testar três médias, com estimativas de magnitude moderada (acima de 0,60) para os efeitos nas variáveis dependentes e poder estatístico de 0,80, obtendo-se o número de 5-7 participantes em cada grupo.

Os bebês foram classificados como risco de atraso de desenvolvimento e incluídos no estudo se um ou mais dos seguintes fatores estivessem presentes na história clínica(6,21,22): prematuros moderados (entre 31 e 34 semanas de idade gestacional); baixo peso ao nascer (<2500g); presença, no período neonatal, de síndrome do desconforto respiratório; restrição de crescimento intrauterino (pequeno para a idade gestacional - PIG, segundo a curva de Willians) (23); convulsão neonatal; parada cardiorrespiratória; uso prolongado de ventilação mecânica (>7 dias); uso prolongado de oxigenoterapia (>28 dias); uso prolongado de nutrição parenteral; sofrimento fetal durante o nascimento (aspiração de mecônio e Apgar menor que 3 no 5º minuto de vida); apneia e hemorragia intra e periventricular graus 1 e 2. Os bebês foram excluídos do estudo se diagnosticados com lesão cerebral extensa comprovada por testes e exames diagnósticos e se apresentassem baixa frequência nas sessões de intervenção. Os bebês sem diagnóstico de risco de atraso no desenvolvimento foram selecionados a partir de contatos com familiares, conhecidos e visitas em creches e escolas da cidade de Rio Claro.

A participação de cada criança foi condicionada à assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido por um dos pais ou responsável. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética Institucional e seguiu as diretrizes e normas de pesquisas envolvendo seres humanos, tendo delineamento experimental longitudinal.

Os bebês do GE receberam tratamento fisioterápico pelos profissionais dos Centros de Reabilitação, devidamente treinados e especializados em fisioterapia aplicada à neurologia infantil, com intervenção em esteira motorizada duas vezes por semana. A intervenção ocorreu no próprio Centro de Reabilitação, após a sessão fisioterápica, e teve duração de oito minutos. Os bebês foram posicionados na posição vertical sobre uma esteira motorizada de tamanho reduzido, com descarga de peso sobre seus membros inferiores. Para auxiliar a manutenção da postura ereta, um sistema de suporte de peso foi utilizado. Assim, o fisioterapeuta ou o responsável se posicionava à frente e segurava as mãos do bebê. A cinta da esteira se deslocou com velocidade de 0,28 m/s(24), replicando estudos prévios(15,25).

Os bebês do GCR receberam tratamento fisioterápico similar ao oferecido aos bebês do GE, porém não receberam qualquer intervenção na esteira motorizada. Os bebês de ambos os grupos iniciaram esses protocolos ao redor do 6º mês de vida, tendo como pré-requisito o controle cefálico, e foram acompanhados até a aquisição do andar independente e/ou até a idade corrigida de 14 meses. As sessões de fisioterapia tiveram como base o conceito neuroevolutivo do desenvolvimento motor proposto por Bobath(26).

Finalmente, os cinco bebês que formaram o GCT não receberam qualquer intervenção fisioterápica ou de esteira motorizada, sendo também acompanhados até adquirir a marcha independente e/ou 14 meses de idade.

Bebês dos três grupos foram avaliados mensalmente por meio da Alberta Infant Motor Scale (AIMS), e os bebês do GE também foram avaliados durante a sessão de esteira motorizada. Nesse caso, os pacientes foram posicionados na esteira motorizada, na mesma velocidade de intervenção (0,28m/s), e filmados durante dois minutos enquanto realizavam as passadas desencadeadas pela esteira(24). Para a filmagem, uma câmera digital (Panasonic AG-DVC7P) foi posicionada sagitalmente, propiciando visão dos membros inferiores dos bebês na esteira(27). Essas avaliações mensais foram realizadas até que os pacientes adquirissem o andar independente ou completassem 14 meses de idade corrigida.

As passadas dos bebês do GE, desencadeadas pela esteira, foram analisadas por meio das imagens de vídeo, utilizando-se um programa que possibilitou uma análise quadro a quadro. Identificou-se o número total de passadas realizadas em cada momento de avaliação e o número total de passadas nos respectivos tipos de passadas desencadeadas pela esteira (simples, alternada, dupla e paralela).

Para comparar possíveis diferenças entre os grupos para a idade de aquisição do andar independente, foi feita uma análise de variância (ANOVA). A ANOVA também foi utilizada para verificar possíveis diferenças no número de passadas nas avaliações mensais e, nesse caso, a variável dependente foi o número de passadas desencadeadas pelas esteiras dos tipos: alternada, simples, paralela e dupla. Finalmente, aplicou-se a ANOVA para verificar possíveis diferenças entre os grupos e as avaliações mensais (três grupos e cinco avaliações mensais, tratadas como medidas repetidas), sendo as variáveis dependentes o escore e o percentil da AIMS, e a idade de cada marco motor. Todos os pressupostos para utilização desses testes foram verificados e satisfeitos, sendo que, quando necessário, testes univariados e post hoc (Tuckey) foram realizados. Todas as análises foram feitas no programa SPSS (versão 10.0), e o nível de significância adotado foi p< 0,05.

Resultados

A Tabela 1 apresenta a composição inicial e final de cada um dos grupos do presente estudo, informação sobre gênero, idade no início do estudo e sobre o(s) risco(s) desenvolvimental(is).

A idade de aquisição da marcha independente e dos demais marcos motores dos bebês dos três grupos é apresentada na Figura 1. Diferenças entre os grupos foram observadas para a idade de aquisição do andar independente, sendo que no GCR foi maior que no GCT (p<0,05). Nenhuma diferença foi observada na idade de aquisição do andar independente entre o GE e o GCR e entre o GE e o GCT. As idades de aquisição dos demais marcos motores, como rolar, sentar sem apoio, engatinhar, ficar em pé com apoio e ficar em pé sem apoio foram mais avançadas (p<0,05) nos bebês do GCR, porém não foi observada qualquer diferença entre os grupos e interação grupo e idade para a aquisição desses marcos.


O número de passadas desencadeadas pela esteira nos bebês do GE é apresentado na Figura 2. Os bebês do GE apresentaram predominantemente passadas alternadas do oitavo ao 12º mês de idade, sendo observado aumento no número de passadas alternadas do oitavo para o nono mês de idade e do nono para os meses subsequentes (p<0,05). Observou-se, ainda, uma tendência (p=0,09) à redução do número de passadas paralelas desencadeadas pela esteira ao longo dos meses.


A Figura 3A apresenta o escore e a Figura 3B, o percentil da AIMS para os bebês dos três grupos do sexto ao 14º mês, havendo diferença significante entre as avaliações (efeito tempo: p<0,05; efeito grupo marginal: p=0,07) e nenhuma interação entre grupo e momento da avaliação. O teste post hoc de Tukey indicou diferença entre o GCR e o GCT, porém nenhuma diferença entre o GE e o GCR e entre o GE e o GCT. Analisando a Figura 3A, observa-se que o GCR apresentou escores inferiores ao GCT ao longo dos meses. Diferentemente, embora o GE apresentasse escores inferiores ao GCT nos meses iniciais, nos meses finais de intervenção ambos apresentaram escores semelhantes.


Para o percentil da AIMS, observou-se diferença para momento da avaliação (p<0,05), porém nenhuma diferença entre grupo nem interação entre grupo e momento da avaliação. Houve aumento do percentil nos meses iniciais até o oitavo mês, manutenção até o 11º mês e novamente aumento a partir do 12º mês. Na Figura 3B, observa-se que os bebês com risco de atraso de desenvolvimento (GE e GCR) estavam abaixo do percentil 50 e que os bebês do GE apresentam valores de percentil inferiores aos do GCR antes da idade de dez meses. A partir do décimo mês de idade, os valores de percentil dos bebês do GE passam a ser maiores que aqueles dos bebês do GCR e superam a referência de normalidade a partir do 12º mês de idade.

Discussão

Os resultados do presente estudo indicam que a intervenção em esteira motorizada altera a idade de aquisição do andar independente de bebês com risco de atraso desenvolvimental, que mostraram marcha independente em idade similar àquela de bebês com desenvolvimento típico. A intervenção também provocou aumento das passadas alternadas. Finalmente, a intervenção em esteira beneficiou a aquisição de outros marcos motores, tornando o desenvolvimento motor global de bebês de risco mais próximo ao observado naqueles com desenvolvimento típico.

Os bebês com risco de atraso desenvolvimental adquirem o andar mais tarde que os com desenvolvimento típico, por volta dos 14 meses de idade corrigida(2-4), resultado corroborado pela idade de aquisição do andar independente dos bebês de risco do presente estudo que não foram submetidos à intervenção da esteira motorizada. Mesmo passando por cuidados especiais, como tratamento fisioterápico, os bebês de risco têm a velocidade de desenvolvimento motor, pelo menos para aquisição do andar independente, alterada quando comparados àqueles com desenvolvimento típico. Considerando-se que o andar independente propicia um relacionamento diferenciado com o ambiente físico e interpessoal(28), o atraso em sua aquisição pode ser uma restrição para o desenvolvimento geral dessas crianças.

Os resultados do presente estudo indicaram que a intervenção motorizada facilita a aquisição do andar independente de bebês de risco em idade similar à observada para bebês sem risco (diferença não significante de apenas dez dias na idade de aquisição do andar independente). Por outro lado, bebês de risco de atraso desenvolvimental não estimulados na esteira motorizada adquiriram o andar independente mais tarde do que aqueles com desenvolvimento típico. Tais resultados replicam, portanto, os efeitos da intervenção da esteira motorizada na aquisição do andar independente observados em outras populações(15), podendo servir de base para construir um protocolo de intervenção voltado à promoção da aquisição do andar independente em bebês com risco de atraso no desenvolvimento.

Considerando-se que a intervenção em esteira motorizada facilita a aquisição do andar independente, é importante discutir as razões e explicações para tal efeito. Os bebês com risco de atraso desenvolvimental expostos à intervenção na esteira aumentaram a realização de passadas alternadas nos meses iniciais. De acordo com Thelen et al.(28,29), pelo menos quatro tipos de passadas são desencadeadas pela esteira, porém a passada alternada, com organização similar à do andar independente, é realizada preferencialmente por bebês a termo(28), prematuros(19), portadores de paralisia cerebral(27) e com síndrome de Down(15). Com o aumento da idade e a aproximação da aquisição do andar independente, o número de passadas totais e alternadas desencadeadas na esteira aumenta em detrimento da redução dos demais tipos de passada(28-30). Os resultados aqui obtidos corroboram tais observações, uma vez que os bebês submetidos à intervenção não apenas aumentaram o número de passadas desencadeadas na esteira motorizada, como também aumentaram o número de passadas alternadas nos primeiros meses de intervenção, mantendo essa aquisição nos meses seguintes. Dessa forma, a intervenção na esteira motorizada propiciou condições para que o andar independente fosse executado e repetido em condições similares àquelas em que esta aquisição é adquirida de forma independente.

Considerando que os bebês com risco de atraso diferiram daqueles com desenvolvimento típico quanto à idade de aquisição da marcha independente quando não são expostos à intervenção na esteira motorizada, pode-se sugerir que a especificidade e similaridade entre as condições e os requisitos para realização do andar independente são princípios cruciais que determinam a eficácia da intervenção, conforme sugerido em outras populações(15). Por outro lado, a intervenção em esteira motorizada também influencia a aquisição de outros marcos motores e cognitivos, pelo menos no caso de pacientes com síndrome de Down(31).

O presente estudo apresenta diversas limitações, como o número pequeno de sujeitos analisados e a composição e formação dos grupos estudados. Ainda, diversas são as dúvidas sobre a eficácia do protocolo de intervenção utilizado: frequência semanal, duração das sessões, velocidade da esteira, entre outras. Apesar disso, os resultados indicam tendências de diferenciação entre os bebês com risco de atraso tanto para a idade de aquisição dos marcos motores quanto para o desenvolvimento motor global, dependendo da exposição na esteira motorizada. Especificamente, os bebês de risco de atraso desenvolvimental, quando expostos à intervenção na esteira motorizada, apresentaram idade de aquisição de alguns dos marcos motores que ocorrem no final do primeiro ano de vida próxima à idade de aquisição dos bebês com desenvolvimento típico, além de mostrarem nível de desenvolvimento motor global mais próximo daquele observado em bebês com desenvolvimento típico. Por outro lado, bebês com risco de atraso não expostos à intervenção em esteira tenderam a diferir dos bebês de desenvolvimento típico e até de seus pares com risco de atraso desenvolvimental.

Com base nas constatações apresentadas acima, o uso de esteira não apenas facilita a aquisição do andar independente mais cedo em bebês com risco de atraso desenvolvimental, como verificado em pacientes com síndrome de Down(15) e prematuros(19), mas também promove benefícios em outros aspectos do desenvolvimento motor. Uma possível explicação para tal efeito é que a esteira estimula o desenvolvimento do controle postural e força muscular, motivando os bebês a buscarem novas experiências sensório-motoras em outras orientações posturais. Apesar do caráter especulativo destas propostas, a exposição à esteira motorizada parece propiciar um novo relacionamento do bebê com o ambiente nos mais diversos contextos. No caso daqueles com risco de atraso, a intervenção na esteira não apenas cria uma oportunidade de realizar passadas e vivenciar posturas e relacionamentos com o meio ao redor, mas também tem a função de "remover" uma possível contenção quanto à execução de algumas ações motoras que não seriam realizadas sem a intervenção.

Finalmente, a AIMS mostrou-se adequada para identificar alterações motoras globais em bebês com risco de atraso desenvolvimental. Os valores individuais e o percentil dos bebês do GE se assemelharam aos bebês do grupo controle típico nos meses finais de intervenção. Desta forma, a AIMS indicou o efeito positivo da intervenção na esteira no desenvolvimento motor global de bebês com risco de atraso. Levando em conta a boa sensibilidade, especificidade e precisão desta escala para identificar atrasos motores em bebês(32), conclui-se que o uso da esteira e da AIMS são recursos acessíveis e eficazes para identificar e intervir em pacientes com risco de atraso desenvolvimental.

Apesar das limitações desse protocolo de intervenção, que visa à promoção do desenvolvimento de bebês nos meses iniciais de vida, os seus resultados são promissores e apoiam o uso da esteira motorizada para estimular o andar independente e o desenvolvimento global de bebês com risco de atraso. Outros estudos devem ser concretizados com o objetivo de entender melhor e responder às questões inerentes à melhor aplicação e efeitos desse tipo de intervenção.

Recebido em: 22/10/2009

Aprovado em: 23/8/2010

Fonte financiadora: Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Processo nº 07/53131-4)

Conflito de interesse: nada a declarar

Instituição: Laboratório para Estudo do Movimento da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), Rio Claro, SP, Brasil

  • 1. Frankenburg WK, Dodds J, Archer P, Shapiro H, Bresnick B. The Denver II: a major revision and restandardization of the Denver Developmental Screening Test. Pediatrics 1992;89:91-7.
  • 2. Jeng SF, Chen LC, Tsou KI, Chen WJ, Luo HJ. Relationship between spontaneous kicking and age of walking attainment in preterm infants with very low birth weight and full-term infants. Phys Ther 2004;84:159-72.
  • 3. Jeng SF, Lau TW, Hsieh WS, Luo HJ, Chen PS, Lin KH et al Development of walking in preterm and term infants: age of onset, qualitative features and sensitivity to resonance. Gait Posture 2008;27:340-6.
  • 4. Jeng SF, Yau KI, Liao HF, Chen LC, Chen PS. Prognostic factors for walking attainment in very low-birthweight preterm infants. Early Hum Dev 2000;59:159-73.
  • 5. de Groot L. Posture and motility in preterm infants. Dev Med Child Neurol 2000;42:65-8.
  • 6. Lenke M. Motor outcomes in premature infants. Newborn and Infant Nursing Reviews 2003;3:104-9.
  • 7. Samsom JF, de Groot L. The influence of postural control on motility and hand function in a group of 'high risk' preterm infants at 1 year of age. Early Hum Dev 2000;60:101-13.
  • 8. de Groot L, Hopkins B, Touwen B. Motor asymmetries in preterm infants at 18 weeks corrected age and outcomes at 1 year. Early Hum Dev 1997;48:35-46.
  • 9. Samsom JF, de Groot L, Hopkins B. Muscle power in "high-risk" preterm infants at 12 and 24 weeks corrected age: a measure for early detection. Acta Paediatr 2001;90:1160-6.
  • 10. Barela JA. Atividade física adaptada e reabilitação: ciclo percepção-ação. Rev Sobama 2005;10:15-21.
  • 11. Polastri PF, Barela JA. Perception-action coupling in infants with Down syndrome: Effects of experience and practice. Adapt Phys Act Q 2005;22:39-56.
  • 12. Piovesana A, Gonçalves V. Neuroplasticidade. In: Moura-Ribeiro M, Gonçalves V, editors. Neurologia do desenvolvimento da criança. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. p. 130-41.
  • 13. Bonnier C. Evaluation of early stimulation programs for enhancing brain development. Acta Paediatr 2008;97:853-8.
  • 14. Oyama S. A reformulation of the idea of maturation. In: Bateson PPG, Klopfer PH, editors. Perspectives in ethology. Vol. 5. New York: Plenum; 1982. p. 101-31.
  • 15. Ulrich DA, Ulrich BD, Angulo-Kinzler RM, Yun J. Treadmill training of infants with Down syndrome: evidence-based developmental outcomes. Pediatrics 2001;108:E84.
  • 16. Ulrich BD, Ulrich DA, Angulo-Kinsler RM. The impact of context manipulations on movement patterns during a transition period. Hum Mov Sci 1998;17:327-46.
  • 17. Thelen E, Smith LB. A dynamic systems approach to the development of cognition and action. Cambridge: MIT Press; 1994.
  • 18. Thelen E, Ulrich BD, Niles D. Bilateral coordination in human infants: Stepping on a split-belt treadmill. J Exp Psychol Hum Percept Perform 1987;13:405-10.
  • 19. Davis DW. Treadmill-elicited stepping in low birthweight infants born prematurely [Dissertation]. Indiana: University School of Nursing; 1991.
  • 20. Cohen J. Statistical power analysis for the behavioral sciences. 2nd ed. New Jersey: Lawrence Erlbaum; 1988.
  • 21. American Academy Pediatrics. Follow-up care of high-risk infants. Pediatrics 2004;114:1377-97.
  • 22. Murphy DJ, Sellers S, MacKenzie IZ, Yudkin PL, Johnson AM. Case-control study of antenatal and intrapartum risk factors for cerebral palsy in very preterm singleton babies. Lancet 1995;346:1449-54.
  • 23. Williams R, Creasy R, Cunningham G, Hawes W, Norris F, Tashiro M. Fetal growth and perinatal viability in California. Obstet Ginecol 1982;59:624-32.
  • 24. Schlittler DXC. Uso de esteira motorizada na promoção do desenvolvimento motor de bebês com risco de atraso desenvolvimental [Dissertação de mestrado]. Rio Claro: Universidade Estadual Paulista; 2009.
  • 25. Ulrich DA, Lloyd MC, Tiernan CW, Looper JE, Angulo-Barroso RM. Effects of intensity of treadmill training on developmental outcomes and stepping in infants with Down Syndrome: A randomized trial. Phys Ther 2008;88:114-22.
  • 26. Bobath B. The very early treatment of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol 1967;9:373-90.
  • 27. Ferreira JN, Barela JA. Passadas desencadeadas por esteira rolante em crianças portadoras de paralisia cerebral. Rev Sobama 2000;5:39-44.
  • 28. Thelen E, Ulrich BD. Hidden skills: a dynamic systems analysis of treadmill stepping during the first year. Monogr Soc Res Child Dev 1991;56:1-98.
  • 29. Thelen E. Treadmill-Elicited Stepping in 7-Month-Old Infants. Child Dev 1986;57:1498-506.
  • 30. Vereijken B, Thelen E. Training infant treadmill stepping: The role of individual pattern stability. Dev Psychobiol 1997;30:89-102.
  • 31. Ulrich DA. Treadmill training & infants with Down syndrome: impact on walking & cognitive behavior. In: VI Congresso Brasileiro de Atividade Motora Adaptada (CBAMA). Rio Claro, Brazil; 2005.
  • 32. Campos D, Santos D, Gonçalves V, Goto M, Arias A, Brianeze A et al. Agreement between scales for screening and diagnosis of motor development at 6 months. J Pediatr 2006;82:470-4.
  • Endereço para correspondência:
    José Angelo Barela
    Rua Galvão Bueno, 868 - Liberdade
    CEP 01506-000 - São Paulo (SP), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      23 Ago 2010
    • Recebido
      22 Out 2009
    Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rpp@spsp.org.br