Os ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (LCPUFA), tais como os da família n-3, como o ácido eicosapentaenoico (C20:5 n 3, EPA) e o ácido docosaexaenoico (C22:6 n 3, DHA), têm funções bioquímicas e fisiológicas relevantes no metabolismo e na saúde humana. Nesse sentido, o DHA é um nutriente fundamental para o crescimento e desenvolvimento infantil. Ele tem papel primordial na formação e no funcionamento do sistema nervoso central e da retina dos seres humanos.
Este ácido graxo está presente, quase exclusivamente, em quantidades significativas, em diversos frutos do mar (peixes, mariscos, micro e macroalgas). De fato, a ingestão de alimentos aquáticos durante o período Paleolítico Médio-Superior foi um divisor de águas na evolução humana.1 Além da importância evolutiva do DHA para nossa espécie, uma pesquisa estabeleceu que LCPUFAs n-3 são críticos durante a gravidez e no estágio inicial da infância, nos quais o DHA desempenha um papel decisivo no desenvolvimento e no funcionamento do cérebro e dos olhos.2 Deficiências e desequilíbrios de LCPUFAs (n-6 e n-3) apresentam correlação positiva com comprometimento no desempenho cognitivo e comportamental da criança.3 Nesse sentido, o estado nutricional do DHA durante a gestação e lactação representa uma etapa crítica para o desenvolvimento cerebral e visual da criança. Demonstrou-se que níveis plasmáticos elevados de DHA na mãe, e particularmente no leite materno, estão diretamente relacionados a melhor crescimento e desenvolvimento do cérebro e do sistema visual em crianças.4 Fórmulas que fornecem um mínimo de 0,35% de DHA favorecem melhor desenvolvimento do cérebro, avaliado pelo Índice de Desenvolvimento Mental, o que reforça que o suprimento dietético precoce de DHA melhora significativamente o desempenho mental.5 Em crianças de 9 e 12 meses de idade suplementadas com óleo de peixe (fonte natural de EPA e DHA), os LCPUFAs n-3 demonstraram ter efeito sobre os escores de atenção em um teste de brincadeira livre. Por outro lado, a suplementação resultou em diminuição da pressão arterial sistólica, o que indica que o consumo de LCPUFAs n-3 na segunda metade da infância pode ter efeitos benéficos tanto cognitivos como cardiovasculares.6 Crianças saudáveis de 4 anos de idade, suplementadas com 400 mg/dia de DHA durante 4 meses, foram avaliadas em um estudo duplo cego randomizado e placebo-controlado. A análise de regressão mostrou uma associação positiva significante entre o nível sanguíneo de DHA e o teste de compreensão auditiva e aquisição de vocabulário.7 Um estudo controlado randomizado para determinar os efeitos de um óleo rico em EPA e um óleo rico em DHA versus um óleo de cártamo em crianças de 7 a 12 anos com distúrbio de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) mostrou que o aumento no conteúdo de DHA eritrocitário se associou à melhora na capacidade de leitura e no comportamento de oposição. Além disso, maiores níveis de EPA e LCPUFAs n-3 foram associados à diminuição da ansiedade/timidez. Consequentemente, a suplementação com LCPUFAs n-3 foi associada a melhorias na alfabetização e no comportamento em crianças com TDAH.8 A maturação da acuidade visual foi avaliada em crianças entre 6 e 12 meses de idade. Os recém-nascidos foram randomizados para receberem papinha de bebê contendo gema de ovo enriquecida com DHA ou uma papinha controle. Aqueles alimentados com a papinha enriquecida com LCPUFAs n-3 demonstraram um potencial evocado visual mais maduro que o do grupo controle.9 Isto sugere que a ingestão de DHA para maturação visual não é apenas importante durante o período perinatal, mas também necessária até um ano de idade.9 Por outro lado, lactentes alimentados com fórmulas suplementadas com DHA e ácido araquidônico (C20:4 n 6, ARA) possuem distribuição de células imunes e perfis de citocinas semelhantes aos de lactentes alimentados com leite humano. Foiles et al.10 acompanharam uma coorte de 91 crianças saudáveis durante um período de 6 anos e concluíram que a suplementação com fórmula infantil com DHA e ARA no primeiro ano de vida retarda alergias e tem um efeito protetor contra alergias na primeira infância. Além disso, recém-nascidos prematuros podem se beneficiar também da suplementação com DHA. Um estudo duplo-cego, randomizado e controlado avaliou a viabilidade, tolerabilidade e eficácia da suplementação enteral diária (50 mg/dia), além da nutrição padrão para bebês prematuros (24-34 semanas de idade gestacional). Os prematuros que receberam suplementação tiveram um aumento progressivo no DHA circulante, o que sugere que a suplementação diária com DHA enteral é viável e reduz sua deficiência em prematuros.11
Concluindo, LCPUFAs n-3 têm um papel fundamental no crescimento e desenvolvimento de crianças, com implicações especiais:
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no sistema nervoso central, mostrando melhorias em diferentes parâmetros da função cognitiva;
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no desenvolvimento visual, resultando em melhor acuidade visual;
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na saúde cardiovascular, melhorando a pressão arterial; e
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no sistema imunológico, protegendo a criança contra alergias na primeira infância.
Portanto, uma ingestão adequada desses ácidos graxos deve ser garantida durante a gestação, lactação e infância, e a suplementação com LCPUFAs n-3 deve ser considerada quando a ingestão dietética não é suficiente, ou na presença de uma das patologias descritas acima.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2017
Histórico
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Recebido
21 Dez 2016