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Satisfação corporal e características de lipodistrofia em crianças e adolescentes com HIV/AIDS em uso de terapia antirretroviral de alta potência

Resumos

OBJETIVO: Verificar a presença de alterações metabólicas e corporais e satisfação corporal em crianças e adolescentes em uso de terapia antirretroviral. MÉTODOS: Estudo transversal de 38 jovens entre seis e 18 anos infectados por HIV e atendidos entre dezembro de 2009 e maio de 2010. A satisfação corporal foi avaliada por escala de silhuetas, composta por 11 figuras. O estado nutricional foi avaliado por meio de mensurações de peso, altura, circunferências e pregas cutâneas. A presença de características de lipodistrofia foi avaliada pelo exame físico e o perfil lipídico e glicêmico foi solicitado no dia da consulta. Na análise estatística, aplicou-se o teste t e do qui-quadrado, sendo significante p<0,05. RESULTADOS: A maioria dos 38 jovens era eutrófica, com estatura adequada para idade, e 26% apresentavam sobrepeso/obesidade. O colesterol total esteve adequado em 29% dos pacientes. As mudanças corporais mais expressivas foram a lipo-hipertrofia na face e na região abdominal. A prevalência de insatisfação corporal foi de 84%. Crianças e adolescentes apresentaram níveis de insatisfação semelhantes; no entanto, as insatisfeitas com o excesso de peso mostravam valores médios mais elevados de índice de massa corporal e prega cutânea tricipital do que os satisfeitos, porém sem relação com a presença de lipodistrofia. CONCLUSÕES: A prevalência de insatisfação corporal nesta amostra não se associou com a lipodistrofia e foi semelhante à de indivíduos saudáveis. No entanto, as alterações morfológicas e bioquímicas requerem atenção das equipes multiprofissionais, de modo que se possam diminuir os riscos de novas enfermidades nos pacientes avaliados.

estado nutricional; terapia antirretroviral de alta atividade; imagem corporal; criança; adolescente


OBJECTIVE: To verify the presence of body and metabolic alterations as well as body satisfaction in children and teenagers undergoing antiretroviral therapy. METHODS: This cross-sectional study enrolled 38 HIV infected young individuals (aged six to 18 years old) treated from December 2009 to May 2010). The body satisfaction was assessed by the silhouette rating scale with 11 figures. The nutritional status was assessed by weight, height, circumferences and skinfolds. The presence of lipodystrophy characteristics was determined by the physical exam, and lipid profile and glycemia were requested during consultation. The statistical analysis used t-test and chi-square test, being significant p<0.05. RESULTS: Most of the 38 patients were eutrophic with length adequate for age; 26% of them presented overweight/obesity. The total cholesterol was within the normal range in 29% of the sample. The most expressive changes were cheek and abdominal lipohypertrophy. The body dissatisfaction prevalence was 84%. Children and teenagers had similar dissatisfaction levels; however, those dissatisfied by an excessive body weight had higher mean body mass index and tricipital skinfold thickness than the satisfied ones. The dissatisfaction was not associated with the presence of lipodystrophy. CONCLUSIONS: The prevalence of body dissatisfaction in these patients was not associated with lipodystrophy and was similar to the reported by healthy individuals. However, the morphological and biochemical alterations need multi-professional attention in order to decrease the risk of new diseases in HIV patients.

nutritional status; highly active antiretroviral therapy; body image; child; adolescent


ARTIGO ORIGINAL

Satisfação corporal e características de lipodistrofia em crianças e adolescentes com HIV/AIDS em uso de terapia antirretroviral de alta potência

Querino Haesbaert da SilvaI; Fábio Lopes PedroII; Vanessa Ramos KirstenIII

Instituição: Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) e Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Santa Maria, RS, Brasil

IMestrando em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

IIMestre em Epidemiologia pela UFRGS; Médico Infectologista do HUSM, Santa Maria, RS, Brasil

IIIDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da UFRGS; Professora do curso de Nutrição do UNIFRA, Santa Maria, RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Vanessa Ramos Kirsten Rua Silva Jardim, 1.175 CEP 97050-570 - Santa Maria/RS E-mail: vanessark@unifra.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a presença de alterações metabólicas e corporais e satisfação corporal em crianças e adolescentes em uso de terapia antirretroviral.

MÉTODOS: Estudo transversal de 38 jovens entre seis e 18 anos infectados por HIV e atendidos entre dezembro de 2009 e maio de 2010. A satisfação corporal foi avaliada por escala de silhuetas, composta por 11 figuras. O estado nutricional foi avaliado por meio de mensurações de peso, altura, circunferências e pregas cutâneas. A presença de características de lipodistrofia foi avaliada pelo exame físico e o perfil lipídico e glicêmico foi solicitado no dia da consulta. Na análise estatística, aplicou-se o teste t e do qui-quadrado, sendo significante p<0,05.

RESULTADOS: A maioria dos 38 jovens era eutrófica, com estatura adequada para idade, e 26% apresentavam sobrepeso/obesidade. O colesterol total esteve adequado em 29% dos pacientes. As mudanças corporais mais expressivas foram a lipo-hipertrofia na face e na região abdominal. A prevalência de insatisfação corporal foi de 84%. Crianças e adolescentes apresentaram níveis de insatisfação semelhantes; no entanto, as insatisfeitas com o excesso de peso mostravam valores médios mais elevados de índice de massa corporal e prega cutânea tricipital do que os satisfeitos, porém sem relação com a presença de lipodistrofia.

CONCLUSÕES: A prevalência de insatisfação corporal nesta amostra não se associou com a lipodistrofia e foi semelhante à de indivíduos saudáveis. No entanto, as alterações morfológicas e bioquímicas requerem atenção das equipes multiprofissionais, de modo que se possam diminuir os riscos de novas enfermidades nos pacientes avaliados.

Palavras-chave: estado nutricional; terapia antirretroviral de alta atividade; imagem corporal; criança; adolescente.

Introdução

Com o predomínio da forma heterossexual de disseminação do vírus da imunodeficiência humana (HIV), houve aumento do número de mulheres infectadas e, consequentemente, da transmissão vertical, aumentando o número de crianças infectadas(1).

Com a introdução da Terapia Antirretroviral de Alta Potência (HAART, do inglês Highly Active Antiretroviral Therapy), a história natural da infecção por HIV modificou-se, com queda da mortalidade e da progressão da doença nos infectados(2). No entanto, aspectos negativos dessa terapia podem ser observados, dentre eles, a lipodistrofia, caracterizada por mudanças na distribuição de gordura corporal (lipoatrofia e lipo-hipertrofia)(3). Face, extremidades, nádegas, abdômen e região dorso-cervical são os locais mais comuns para a ocorrência de lipodistrofia(4). Além das alterações da distribuição de gordura, o uso de antirretrovirais parece ser determinante para o surgimento de alterações lipídicas e glicêmicas nos usuários(5).

As mudanças na aparência corporal podem ter efeitos significativos sobre o bem-estar psicossocial e a qualidade de vida(6), destacando-se a percepção negativa da imagem corporal, o isolamento social, a redução da autoimagem e as alterações do humor(7).

Diante disso, a hipótese deste trabalho é que crianças e adolescentes em uso de terapia antirretroviral, devido à presença de lipodistrofia, têm insatisfação corporal no que diz respeito à sua imagem. Desta forma, este trabalho teve como objetivo verificar a prevalência da satisfação da imagem corporal de crianças e adolescentes com HIV/AIDS, em uso de HAART, assim como verificar a presença de alterações metabólicas e corporais, relacionando-as com o estado nutricional dos pacientes.

Método

Estudo transversal de uma série de pacientes, composta por crianças e adolescentes com HIV/AIDS atendidos no Ambulatório de Doenças Infecciosas Pediátricas do Hospital Universitário de Santa Maria (RS), entre os meses de dezembro de 2009 e maio de 2010.

Os indivíduos atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idade entre cinco e 19 anos e fazer uso de terapia antirretroviral há, pelo menos, cinco meses. Os fatores de exclusão foram impossibilidade de locomoção e deficiência na fala/audição que dificultasse a aplicação do questionário. A presença das alterações corporais causadas pela lipodistrofia foi definida por um médico do serviço, que conhecia os pacientes e havia sido previamente treinado para esse diagnóstico, em exame clínico dirigido. As alterações da distribuição de gordura corporal consideradas neste estudo foram: lipo-hipertrofia central (acúmulo de gordura em tronco e/ou abdome, mamas ou na região cervical posterior - "giba de búfalo"), lipoatrofia periférica (rarefação do tecido adiposo em face, região cervical anterior e lateral, membros inferiores e/ou superiores ou nádegas) ou lipodistrofia mista (ambas as alterações, em graus variados).

Exames de glicemia de jejum, colesterol total, triglicérides, lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) e lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) foram solicitados pelo médico no dia da entrevista. O peso corporal foi aferido em balança Filizola®, com capacidade de 150kg e sensibilidade de 100g, e a altura, em estadiômetro portátil (Cardiomed®). Para ambas as aferições, o indivíduo posicionou-se em pé, com os calcanhares juntos, costas retas e os braços estendidos ao lado do corpo, descalço, usando roupas leves.

Para determinar o estado nutricional das crianças e adolescentes, utilizou-se como critério o índice de massa corporal (IMC) para a idade e altura para a idade(8) (altura adequada para idade - percentil (P)>3), circunferência da cintura (CC) e do braço (CB), além de dobras cutâneas biciptal (DCB), triciptal (DCT) e suprailíaca (DCSI), com duas aferições não consecutivas por avaliador previamente treinado.

Para mensuração da circunferência da cintura, utilizou-se menor perímetro desta com fita métrica para medidas antropométricas (escala de 0,1mm). A CB foi aferida conforme recomendações de Frisancho(9). As dobras cutâneas citadas anteriormente seguiram as técnicas de medição preconizadas por Lohman, Roche e Martorell(10), usando-se plicômetro científico (Cescorf®). A avaliação da satisfação corporal das crianças e adolescentes foi feita por meio da escala de silhuetas validada por Kakeshita et al(11), constituída de 11 figuras de ambos os sexos, com extremos de magreza e de gordura, porém com o mesmo padrão de altura. O entrevistado foi indagado sobre a imagem que considerava compatível com seu perfil nutricional, bem como sobre a imagem corporal que gostaria de ter. A insatisfação corporal foi dada pela diferença entre as imagens indicadas pelo entrevistado.

Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) e do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), sob protocolo nº 363.2008-2, e seguiu a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa com seres humanos. Os pais e/ou responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido antes de qualquer avaliação.

Os dados foram expressos por estatística descritiva simples (média, desvio padrão e frequência relativa). Para comparação entre os grupos (com e sem características de lipodistrofia) na verificação de insatisfação e estado nutricional, utilizou-se o teste do qui-quadrado. Para comparar o perfil metabólico e características do estado nutricional, o teste t de Student foi utilizado, após confirmação da distribuição normal das variáveis por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Considerou-se a diferença significante entre os grupos se p<0,05. O software usado foi o SPSS versão 15.0.

Resultados

Avaliaram-se 38 indivíduos com idade entre seis e 18 anos (9,9±3,0 anos). Os meninos representaram 42,1% (n=16) da casuística. Dos avaliados, 47,4% (n=18) eram crianças e 52,6% (n=20), adolescentes. O tempo médio de uso de antirretrovirais foi de 77±41 meses de uso (mínimo de 5,4 e máximo de 155,7 meses; mediana: 76 meses).

Quando avaliado o estado nutricional pelo IMC, a maioria dos indivíduos apresentava eutrofia (n=28; 73,7%). Ao se estratificar a amostra por faixa etária, as prevalências de eutrofia e sobrepeso/obesidade foram maiores, respectivamente, nos adolescentes e crianças. Em relação à estatura para idade, constatou-se que 23,7% da amostra apresentava déficit nesse parâmetro.

O colesterol total foi o marcador do perfil lipídico que se mostrou mais alterado, com aproximadamente um terço da amostra com os valores desejáveis (n=11; 28,9%). No entanto, somente houve diferença significante na avaliação dos triglicerídeos entre as faixas etárias, visto que crianças tiveram maior prevalência de níveis adequados (n=12; 66,7%) e os adolescentes apresentaram maior porcentagem de valores limítrofes (n=9; 45,0%).

Observou-se que, em relação à satisfação corporal, as crianças eram insatisfeitas pelo excesso de peso e os adolescentes pela magreza, embora não tenha havido diferença estatística entre ambas as faixas etárias (Tabela 1). Ao se comparar a satisfação corporal entre os sexos (Tabela 2), observou-se maior prevalência de insatisfação pela magreza no sexo masculino (n=8; 50%). Entre as meninas prevaleceu a insatisfação pelo excesso de peso (n=11; 50%). No entanto, essas diferenças não foram significantes. Quando se relacionou estado nutricional e satisfação corporal (Tabela 3), constatou-se que os insatisfeitos com o excesso de peso tiveram IMC (p=0,025) e pregas cutâneas triciptal (p=0,016) mais elevados do que os insatisfeitos com a magreza.

Ao se avaliarem as modificações corporais características da lipodistrofia (Tabela 4), destaca-se, de maneira mais expressiva, o acúmulo de gordura no abdome e face, porém sem grandes alterações na distribuição da massa gorda em regiões como braços, coxas e nádegas. As modificações na distribuição de gordura foram semelhantes entre crianças e adolescentes.

Quanto à lipodistrofia e imagem corporal, não se observaram associações significantes entre atrofia facial (p=0,328), aumento de gordura abdominal (p=0,384) e dorso-cervical (p=0,412) com a insatisfação corporal (Tabela 5).

Discussão

Nos dias de hoje, a AIDS deixou de ser concebida, em termos biomédicos, como uma doença aguda e passou a ser classificada como crônica. Neste sentido, novas questões emergem, destacando-se aquelas relativas aos efeitos colaterais do uso prolongado da terapia antirretroviral e, em especial, a frequência e consequência de uma síndrome caracterizada por redistribuição anormal da gordura corporal, alterações no metabolismo glicêmico, resistência insulínica e dislipidemia. A experiência com a terapia antirretroviral redefiniu as transformações corporais percebidas por esses pacientes, em particular a percepção e a vivência da lipodistrofia(12). Cabe saber se essas alterações ocorrem também no período juvenil, já que nenhuma investigação abordou a temática até o presente momento.

Neste estudo, quando avaliados em relação à imagem corporal, aproximadamente metade da amostra mostrou-se insatisfeita, tanto com o excesso de peso quanto com a magreza. A alta prevalência de insatisfação foi demonstrada pelo excesso de peso nas meninas e, ao contrário, pela magreza nos meninos. Dados semelhantes de insatisfação com a imagem corporal também foram descritos em inquéritos com crianças e adolescentes hígidos de mesma faixa etária(13-17). Nesses estudos, o descontentamento com o corpo esteve presente entre 59 e 82% dos indivíduos avaliados, o que pode ser relacionado à faixa etária, já que esses grupos etários apresentam preocupação com o peso de forma expressiva, desde muito pequenos(13). Os diferentes métodos de avaliação da imagem corporal empregados nessas investigações também justificam a variação.

Nesta amostra, o fato de não haver relação entre a presença de características de lipodistrofia e a insatisfação corporal corrobora o pressuposto de que indivíduos infectados seguem o mesmo padrão de insatisfação com a imagem corporal dos indivíduos saudáveis na faixa etária avaliada. Deve-se lembrar que o método utilizado neste inquérito avalia a imagem corporal de maneira global e talvez a aplicação de um método direcionado às diversas partes do corpo de maneira individualizada pudesse ter detectado alguma relação entre lipodistrofia e insatisfação corporal. Cabe ressaltar ainda que, embora perceptíveis ao médico avaliador, as alterações na gordura corporal são sutis, podendo não ser relevantes a ponto de gerar a autopercepção e causar insatisfação corporal nos avaliados, principalmente naqueles de idade inferior. Em adultos infectados, níveis elevados de autopercepção das mudanças corporais são relatados, estando esses fatos relacionados com pior qualidade das relações afetivas e sociais com amigos, familiares e companheiros sexuais(18).

A presença das mudanças na distribuição da gordura corporal, identificada neste estudo principalmente pela alteração no abdome, é difícil de ser verificada e avaliada, principalmente em adolescentes, já que essas modificações podem estar associadas à puberdade, não sendo resultado exclusivo do uso da terapia antirretroviral(19,20). Como não há um padrão de referência para determinar a presença de lipodistrofia, principalmente na população pediátrica, o diagnóstico é dificultado e acaba se baseando em aspectos subjetivos(4).

Estudos demonstram, em crianças infectadas, acúmulo de gordura na região troncoabdominal, comprovado pela CC aumentada em indivíduos com lipodistrofia, na mesma faixa etária dos avaliados nesta pesquisa, estando o aumento da gordura central relacionada à maior prevalência de hipercolesterolemia(4,21-23).

No que diz respeito aos níveis séricos de lipídios e glicemia, destacam-se como os mais alterados o colesterol total, HDL-c e triglicerídeos, embora com pequena frequência de alterações glicêmicas, dados estes semelhantes aos do estudo de Werner et al(24) e Aldrovandi et al(25). Nos adultos, observa-se maior risco de ocorrência de alterações no metabolismo da glicose, que pode ser influenciado por coinfecção pelo vírus da hepatite C, bem como pelo uso de inibidores de protease, pela presença da lipodistrofia, por história familiar de diabetes melito, dentre outros(26).

Quanto ao estado nutricional, no presente estudo verificou-se que 74% dos pacientes avaliados eram eutróficos, valor semelhante ao relatado por Werner et al(24), em pesquisa de delineamento transversal com 43 crianças e adolescentes brasileiros portadores do vírus, atendidos em nível ambulatorial. Entretanto, frequência menor de eutrofia foi referida por Centeville et al(27) na avaliação de 119 crianças brasileiras infectadas, em estudo longitudinal retrospectivo. Embora a prevalência de baixo peso seja relatada pelos últimos autores, no presente estudo nenhum indivíduo mostrou magreza. Além disso, é importante destacar o fato de que 26% dos indivíduos apresentavam sobrepeso/obesidade, o que remete a uma tendência de mudança no padrão nutricional dos infectados pelo vírus, assemelhando-se ao perfil de crianças e adolescentes saudáveis(28,29). Esses dados podem refletir também o acompanhamento médico-ambulatorial regular desde o nascimento, contribuindo para reduzir a prevalência de baixo peso e melhorar o controle das enfermidades agravantes do estado nutricional. No entanto, a prevalência de déficit de estatura se revelou alta nesta investigação, possivelmente decorrente de desnutrição pregressa que acabou por interferir na taxa de crescimento dos pacientes. Uma pesquisa brasileira verificou que aproximadamente um terço das crianças infectadas possui comprometimento do crescimento(30).

É importante ressaltar que, embora este estudo seja pioneiro em avaliar a satisfação da imagem corporal em crianças e adolescentes com HIV/AIDS em uso de terapia antirretroviral, existem várias limitações, como a falta de um grupo controle, o tamanho da amostra e o tempo de coleta de dados. Assim, trata-se de uma série de casos que deve ser entendida como um estudo piloto destinado a fornecer subsídios para uma análise mais aprofundada desse importante tema.

Em síntese, conclui-se que as crianças e adolescentes com HIV/AIDS nesta pesquisa mostram altos índices de insatisfação corporal, porém sem associação com a presença de características de lipodistrofia. Esses dados, se comparados aos resultados publicados na literatura, mostram que tal insatisfação é semelhante à de crianças e adolescentes saudáveis. Ainda neste estudo, destacam-se alguns fatos, como o considerável número de indivíduos em sobrepeso/obesidade, a presença do aumento de gordura na região abdominal e a baixa prevalência de colesterol sérico adequado. Diante disso, percebem-se modificações sutis, mas que merecem atenção por parte dos profissionais de saúde, para que possam traçar métodos a fim de reduzir as consequências maléficas de tais alterações em longo prazo, colaborando, deste modo, para uma melhor qualidade de vida das crianças portadoras de HIV.

Conflito de interesse: nada a declarar

Recebido em: 4/7/2010

Aprovado em: 2/2/2011

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  • Endereço para correspondência:
    Vanessa Ramos Kirsten
    Rua Silva Jardim, 1.175
    CEP 97050-570 - Santa Maria/RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2010
    • Aceito
      02 Fev 2011
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