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Manual de psicofarmacologia clínica

RESENHA

Manual de psicofarmacologia clínica

Maria da Graça Cantarelli

Psiquiatra e internista. Coordenadora do Ambulatório de Transtornos do Humor e Neuropsicofarmacologia do Instituto Abuchaim, Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência Maria da Graça Cantarelli Av. Carlos Gomes, 281/503 CEP 90480–003, Porto Alegre, RS E–mail: mariacantarelli@terra.com.br

Irismar Reis de Oliveira, Eduardo Pondé de Sena

Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2006, 2ª edição


O Manual de psicofarmacologia clínica constitui–se na reunião de oitenta e três pesquisadores de diversas partes do país, muitos deles gaúchos, todos com vasto currículo, sob a organização dos professores Irismar Reis de Oliveira e Eduardo Pondé de Sena, ambos pertencentes à Universidade Federal da Bahia. Seus 37 capítulos foram divididos em duas grandes seções: "Aspectos gerais da psicofarmacologia: principais grupos de psicofármacos" e "Psicofarmacoterapia". Desta forma, o leitor aprende ou relembra informações básicas sobre a farmacologia das diferentes substâncias existentes tanto no mercado brasileiro quanto fora, evoluindo naturalmente para o uso destas, com suas aplicações nas diferentes patologias, sem esquecer as reações adversas e possíveis interações farmacológicas.

Sua linguagem é coloquial na quase totalidade da obra, diversa de outros manuais que guardam um discurso esquematizado. Esta estratégia possibilita uma sensação de interação com os autores, auxiliando na aquisição das informações. É prático, sem deter–se em especulações demasiadas, e apresenta uma divisão didática, o que possibilita também seu uso como material de ensino.

Na primeira seção, na qual são desenvolvidos 15 capítulos, ocorre uma revisão dos principais grupos de psicofármacos, introduzindo conhecimentos sobre genética e neuroimagem com suas aplicações na moderna psicofarmacologia. Nesta seção, os capítulos buscam trazer sucintamente as indicações e contra–indicações, farmacocinética, farmacodinâmica, modo de uso, interações e principais efeitos adversos de cada fármaco ou grupo de medicações. Na segunda seção, são abordadas as principais entidades nosológicas, com um espaço reservado para algumas situações especiais como infância e adolescência, gravidez e lactação, paciente idoso e clinicamente doente.

No capítulo 1, "Introdução à psicofarmacologia", os autores realizam um rápido passeio por noções básicas de farmacologia, com o intuito de contribuir para a compreensão dos capítulos seguintes. O item 'Fatores que interferem no efeito das drogas', chama a atenção para aspectos nem sempre mencionados em manuais como este.

No capítulo 2, "Ética em pesquisas em psicofarmacologia clínica", o Dr. Valentim Gentil centra sua abordagem em questões relativas às pesquisas em humanos. Realiza uma bela revisão comentada de produções centrais na questão da ética em pesquisa clínica. Não foge da discussão ao firmar posição com idéias destoantes das usualmente defendidas pelo CONEP, em especial na questão do placebo.

O capítulo 3 fala sobre "Interações medicamentosas em psicofármacos". O Dr. Douglas Sucar, um antigo companheiro de percurso e pesquisador dedicado, faz um leve e agradável sobrevôo em interações atuais.

O capítulo 4, "Antidepressivos heterocíclicos e inibidores da monoamina oxidase", é competente em manter atuais as indicações destes fármacos há tanto prescritos. Excelentes tabelas resumem aspectos farmacológicos centrais.

O capítulo 5, "Antidepressivos inibidores seletivos de recaptação da serotonina", aborda a classe de medicações que vem sendo a mais utilizada em nosso meio. Revisa muito bem questões farmacocinéticas e farmacodinâmicas, mas é econômico em demasia quando trata de efeitos colaterais. Utiliza a nomenclatura antiga das enzimas do Sistema Citocromo P450.

O capítulo 6, "Antidepressivos de ação dual e bupropiona", realiza um levantamento isento da literatura sobre estas medicações.

No capítulo 7, "Antipsicóticos típicos", os autores trabalham em cima de uma versão sintética da classificação de Delay e Deniker, para assim agruparem estas drogas, descrevendo suas potencialidades e limitações.

O capítulo 8, "Antipsicóticos atípicos", comenta com objetividade as medicações disponíveis no mercado.

"Antiparkinsonianos" é o título do capítulo 9. Revisa conceitos em relação à síndrome parkinsoniana e aspectos das diversas medicações possíveis de se utilizar, com o mérito de não se ater apenas naquelas de uso mais difundido.

O capítulo 10, "Lítio", traz um consistente apanhado da utilização clínica e dos cuidados a se tomar com o uso do lítio.

No capítulo 11, "Anticonvulsivantes em neuropsiquiatria", temos um excelente texto sobre a utilização de anticonvulsivantes na psiquiatria. Indicações, aspectos farmacológicos e modo de uso estão muito bem relatados.

O capítulo 12, "Ansiolíticos benzodiazepínicos", realiza um apanhado demasiadamente enxuto de uma classe medicamentosa tão utilizada na prática médica. Deixa de relatar mais extensamente efeitos adversos e interações possíveis. Não comenta indicações.

No capítulo 13, "Genética e psicofarmacologia", os autores desenvolvem um texto ao mesmo tempo claro e suficientemente abrangente. Ultrapassam a proposta de um manual e permitem ao leitor um olhar sobre aquilo que pode ser o futuro da prática psiquiátrica.

O capítulo 14, "Perspectivas do estudo do genoma humano para a psiquiatria e a psicofarmacologia", resume conhecimentos da neuropsiquiatria mais atuais. Dentro deste capítulo, também é possível encontrar conceitos fundamentais sobre Sistema Citocromo P450 e P–Glicoproteína, relacionados com o processo das interações medicamentosas. Esquizofrenia e Doença de Alzheimer recebem atenção especial neste texto.

O capítulo 15, "Neuroimagem e psicofarmacologia", utiliza a prática estratégia de discutir as aplicações dos modernos exames de imagem a partir de três necessidades básicas: a avaliação de aspectos anatômicos, bioquímicos e da atividade cerebral.

A segunda seção tem início no capítulo 16, "Tratamento da depressão maior". Revisa conceitos diagnósticos e possibilidades terapêuticas, baseando–se no nível de evidência disponível. Discute ainda outras estratégias orgânicas não–medicamentosas, como ECT e estimulação vagal.

O capítulo 17, "Tratamento da depressão resistente a tratamentos", consegue definir claramente seu objeto de trabalho e sugerir medidas objetivas de enfrentamento. Utiliza o estagiamento da depressão resistente, possibilitando um encadeamento racional para as opções terapêuticas.

O capítulo 18, "Tratamento das fases agudas no transtorno bipolar", enfoca a depressão bipolar, a mania e os estados mistos. De forma clara, expõe e discute a literatura sobre a abordagem destas situações.

O capítulo 19, "Tratamento do transtorno bipolar: fase de manutenção", resume individualmente as medicações utilizadas na fase de manutenção da doença bipolar. Apresenta um item denominado 'Princípios para o Tratamento', que poderia ser mais desenvolvido pelos autores.

O capítulo 20, "Tratamento de transtornos de ansiedade", aborda o transtorno de ansiedade generalizada, o transtorno de pânico e a fobia social. Discute com clareza possibilidades terapêuticas nestas situações.

O capítulo 21, "Tratamento farmacológico do transtorno do estresse pós–traumático", nos possibilita inicialmente uma discussão dos recursos terapêuticos no TEPT a partir do estudo de sistemas neuroquímicos envolvidos no estresse. Em um segundo momento, revê as classes de medicações que podem ser indicadas nesta patologia.

O capítulo 22, "Tratamento farmacológico dos transtornos do espectro obsessivo–compulsivo", trata do TOC, dos transtornos de tiques, do transtorno dismórfico corporal e da tricotilomania. Busca, em pequena extensão, realizar um eficaz levantamento da literatura, apresentando uma lista de referências significativa. Discute o tratamento farmacológico de forma menos esquematizada e mais compreensiva.

O capítulo 23, "Estratégias no tratamento do transtorno obsessivo–compulsivo resistente", conceitualiza muito bem o TOC resistente e as origens desta resistência. Versa não apenas sobre estratégias medicamentosas, mas também sobre terapia cognitivo–comportamental, ECT, estimulação magnética transcraniana e tratamento cirúrgico.

O capítulo 24, "Tratamento farmacológico dos transtornos alimentares", revê a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e a compulsão alimentar. Tem como virtude não apenas descrever medicações eventualmente utilizáveis nestes transtornos, mas também realizar uma discussão sobre a prática de sua aplicação, no subitem 'Princípios Gerais'.

No capítulo 25, "Tratamento farmacológico da esquizofrenia", os autores abordam o tratamento do episódio agudo, a manutenção e o primeiro surto psicótico. Centram o texto exclusivamente na utilização de antipsicóticos e no manejo de seus efeitos colaterais, deixando de revisar outras estratégias farmacológicas complementares. O item sobre Primeiro Episódio Psicótico poderia ser mais desenvolvido.

No capítulo 26, "Esquizofrenia refratária", ocorre a revisão efetiva de critérios operacionais de esquizofrenia refratária e uma boa exposição de possibilidades terapêuticas.

O capítulo 27, "Psicofarmacoterapia na infância e adolescência", é fiel ao seu objetivo de mostrar "algumas peculiaridades da psicofarmacoterapia na infância e adolescência". Com uma revisão pequena, os autores conseguem particularizar o uso de psicofármacos nesta etapa do desenvolvimento humano.

O capítulo 28, "Farmacoterapia do alcoolismo e dos transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas", apresenta desde o título o cuidado do autor com os conceitos em questão. É suficientemente abrangente e apresenta uma iniciativa meritória que é o item 'Estratégias Futuras'.

O capítulo 29, "Emergências psiquiátricas", debruça–se sobre a agitação psicomotora, a depressão e o suicídio, a abordagem de síndromes psiquiátricas variadas em sala de emergência e sobre os efeitos adversos por medicações psicotrópicas. Especialmente neste último item, realiza extensa e prática revisão, complementar ao estudo dos capítulos da Seção 01.

O capítulo 30, "Uso de psicofármacos em idosos", trata da depressão, da agitação e da psicose no adulto tardio. Com conhecimento de causa, os autores resumem as práticas medicamentosas atuais nestas situações.

No capítulo 31, "Tratamento das demências", encontra–se um competente apanhado dos principais quadros neurodegenerativos: doença de Alzheimer, demência vascular, demência com corpúsculos de Lewy e demência frontotemporal. Em cada situação, uma excelente discussão das possibilidades terapêuticas.

O capítulo 32, "A insônia e seu tratamento", após breve revisão sobre as insônias, centra seu foco na discussão do uso de hipnóticos benzodiazepínicos e não–benzodiazepínicos.

O capítulo 33, "Psicofarmacologia durante a gravidez e a lactação", apresenta um texto muito bom sobre o tema. Sintético, mas repassando questões fundamentais, este texto pode servir de base para demais aprofundamentos. O item 'Recomendações Gerais' é de especial bom senso.

No capítulo 34, "Psicofarmacologia em pacientes com doenças clínicas", a autora realiza um abrangente panorama do tratamento do portador de patologia clínica. As tabelas que revisam as características dos psicotrópicos em pacientes renais são robustas.

O capítulo 35, "Tratamento farmacológico do transtorno do déficit de atenção com hiperatividade", cuida das possibilidades farmacológicas em ADHD de forma breve, mas satisfatória.

O capítulo 36, "Eletroconvulsoterapia", expõe os conhecimentos mínimos para a utilização desta significativa opção terapêutica.

No capítulo 37, "Estimulação magnética transcraniana", um excelente grupo de pesquisadores escreve extensamente sobre este método que vem sendo objeto de muitas pesquisas. O texto é claro e abrangente.

O Índice Alfabético é interessante, mas não completo, dificultando pesquisas mais específicas.

Por tudo, conclui–se que o livro é de constituição não homogênea. Alguns capítulos destoam pela modéstia de conteúdo. A forma coloquial, proposta desde a construção, mantém–se em praticamente toda a obra, o que torna a leitura agradável e mais verídica, mas não totalmente adequada para uma consulta relâmpago. Por sua pluralidade, pode se constituir em útil instrumento de ensino.

Bibliografia comentada

1. Brunton LL, Lazo JS, Parker KL, eds. Goodman & Gilman's the pharmacological basis of therapeutics. 11th. ed.. New York: McGrawn Hill; 2006.

2. Schatzberg AF, Nemeroff CB, eds. Textbook of psychopharmacology. 3rd. ed. Washington, DC: American Psychiatric; 2004.

  • Correspondência
    Maria da Graça Cantarelli
    Av. Carlos Gomes, 281/503
    CEP 90480–003, Porto Alegre, RS
    E–mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007
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