Acessibilidade / Reportar erro

Religião e Conflitos Políticos na Venezuela: católicos e evangélicos frente ao governo de Hugo Chávez

Religion and political conflict in Venezuela: Catholics and Evangelicals vis-a-vis the government of Hugo Chávez

Resumos

Este artigo se debruça sobre a complexa relação do governo Chávez com a Igreja católica e com o movimento evangélico. O governo Chávez tem repetidamente se confrontado com a hierarquia da Igreja católica na medida em que tem buscado desestabilizar as instituições existentes, incluindo a Igreja. Em contraste, ele atraído o movimento evangélico no processo de estabelecer alianças com novos atores sociais e políticos. No entanto as reações de padres católicos e pastores evangélicos têm variado. Padres, que não têm tido conexão com a hierarquia e trabalham com os membros dos setores populares, tendem a apoiar o governo Chávez. De forma similar, os pastores neopentecostais, que aderem a "Teologia do Domínio," e que não têm uma conexão com o principal grupo evangélico que lidera movimento evangélico, apoiam Chávez.

Venezuela; Hugo Chávez; Igreja católica; Movimento evangélico


This article looks at the complex relationship of the Chavez government, the Catholic Church and the Evangelical movement. The Chávez government has repeatedly clashed with the Catholic hierarchy as it has sought to overturn existing institutions, including the Church. In contrast, it has reached out to the Evangelical movement in the process of establishing alliances with new social and political actors. Nevertheless, the responses of Catholic priests and Evangelical pastors have varied. Priests who do not have a connection with the hierarchy and work with members of the popular sectors tend to support the Chávez government. Similarly, pastors that adhere to neo-Pentecostal "dominion theology" and do not have a connection with the main Evangelical umbrella group support Chávez.

Venezuela; Hugo Chávez; Catholic Church; Evangelical movement


Religião e Conflitos Políticos na Venezuela: católicos e evangélicos frente ao governo de Hugo Chávez1 1 Gostaria de agradecer a David Gutiérrez pela sua assistência na produção desse artigo.

Religion and political conflict in Venezuela: Catholics and Evangelicals vis-a-vis the government of Hugo Chávez

David Smilde

Professor Associado de Sociologia da Universidade da Georgia (EUA), Consultor de "Washington Office on Latin America" e editor da Revista Qualitative Sociology. Autor de Razão para Crer: Agência Cultural No Movimento Evangélico Latino-Americano (EdUERJ 2012) e co-organizador dos livros Venezuela's Bolivarian Democracy: Participation, Politics and Culture under Chávez (Duke University Press 2011), e Religion on the Edge: De-centering and Re-centering the Sociology of Religion (Oxford 2012). (dsmilde@uga.edu)

RESUMO

Este artigo se debruça sobre a complexa relação do governo Chávez com a Igreja católica e com o movimento evangélico. O governo Chávez tem repetidamente se confrontado com a hierarquia da Igreja católica na medida em que tem buscado desestabilizar as instituições existentes, incluindo a Igreja. Em contraste, ele atraído o movimento evangélico no processo de estabelecer alianças com novos atores sociais e políticos. No entanto as reações de padres católicos e pastores evangélicos têm variado. Padres, que não têm tido conexão com a hierarquia e trabalham com os membros dos setores populares, tendem a apoiar o governo Chávez. De forma similar, os pastores neopentecostais, que aderem a "Teologia do Domínio," e que não têm uma conexão com o principal grupo evangélico que lidera movimento evangélico, apoiam Chávez.

Palavras-chave: Venezuela, Hugo Chávez, Igreja católica, Movimento evangélico.

ABSTRACT

This article looks at the complex relationship of the Chavez government, the Catholic Church and the Evangelical movement. The Chávez government has repeatedly clashed with the Catholic hierarchy as it has sought to overturn existing institutions, including the Church. In contrast, it has reached out to the Evangelical movement in the process of establishing alliances with new social and political actors. Nevertheless, the responses of Catholic priests and Evangelical pastors have varied. Priests who do not have a connection with the hierarchy and work with members of the popular sectors tend to support the Chávez government. Similarly, pastors that adhere to neo-Pentecostal "dominion theology" and do not have a connection with the main Evangelical umbrella group support Chávez.

Key words: Venezuela, Hugo Chávez, Catholic Church, Evangelical movement.

O Governo Chávez e o Cristianismo

Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre o presidente da Venezuela Hugo Chávez e seu governo, se concorda, sem sombra de dúvidas, que esse governo se distingue dos anteriores por duas importantes tendências. Primeiro, representa um retorno, dessa vez facilitado por um discurso revolucionário de esquerda, de um projeto, deixado de lado pelo neoliberalismo dos anos 80 e 90, de construção nacional capitaneada pelo Estado (Ellner e Hellinger 2003; McCoy e Myers 2004; Smilde 2008). Segundo, representa um movimento voltado para estreitar bem mais o relacionamento entre Estado e sociedade do que ocorria no período neoliberal. Neste artigo, lançarei um olhar sobre o envolvimento das igrejas cristãs nessas tendências.

Hugo Chávez emergiu no cenário nacional e internacional quando liderou uma tentativa fracassada de golpe em 1992, contra o governo de Carlos Andrés Perez, e foi subsequentemente para a cadeia por dois anos. Quando solto em 1994, começou a criar um movimento, e como qualquer político de oposição tentando criar uma base, incorporou novos atores políticos e sociais, incluindo as igrejas e movimentos religiosos (Smilde 2004). No processo, Chávez se agarrou a qualquer discurso moral disponível com o qual pudesse denunciar a elite política tecnocrática e corrupta no controle do Estado. Reuniu discursos esquerdistas, "terceiro-mundistas", nacionalistas, bolivarianistas, neofascistas, feministas, pan-indigenistas, afro-venezuelanos e, mais interessante ainda para os nossos propósitos, discursos cristãos. Um olhar sobre os discursos de Chávez deste período, nos permite perceber que a totalidade de seus discursos são uma bricolagem de referências culturais e simbólicas, e esta é uma das características de sua fala que lhe dá tamanho poder retórico. Chávez venceu as eleições de 1998 no primeiro turno, mas ao contrário de alguns políticos que rapidamente esquecem os atores políticos e sociais não-tradicionais que cortejaram, Chávez continuou a buscar os grupos religiosos. Além disso, continua até hoje a fazer referências e usar o imaginário e símbolos do catolicismo progressista e especialmente do protestantismo evangélico.

O denominador comum da maior parte das iniciativas da administração Chávez ao longo dos últimos catorze anos tem sido o esforço para derrubar instituições e hierarquias pré-existentes – incluindo os meios de comunicação de massa, a estrutura econômica e um Estado há muito dominado por um pequeno grupo de elites que se alternavam no poder. Entre estas instituições está, sem dúvida, a Igreja Católica. Já em 1999 houve várias mudanças políticas diferentes que afetaram a relativa importância dos evangélicos frente à Igreja Católica. Primeiro, a nova constituição expandiu a liberdade religiosa incluindo não somente a liberdade de crença, mas também a liberdade de culto. Isto é importante para os evangélicos porque no passado algumas de suas práticas, por exemplo, pregações em praça pública, não eram reconhecidas pelo Estado como legítimas e frequentemente eram reprimidas. Isto foi uma importante ampliação da liberdade religiosa e a Igreja Católica se opôs fortemente a isto. O governo também expandiu a participação de grupos religiosos não-católicos nas escolas públicas. Na Venezuela, estudantes de escolas públicas podem optar pela disciplina religião como um curso eletivo que tem sido tradicionalmente ensinado por líderes católicos leigos. Mas em 1999 o governo Chávez fez que se cumprisse uma lei – na verdade aprovada durante a administração do presidente Rafael Caldera – determinando que os evangélicos agora também poderiam lecionar religião nas escolas públicas.

O governo Chávez não só desafiou hierarquias existentes, mas tem procurado construir novas instituições e hierarquias. Em 2000-2001 ele patrocinou uma iniciativa chamada Parlamento Inter-religioso bolivariano (PIB). A Igreja Católica tradicionalmente recebe um estipêndio anual considerável em parte pelos seus muitos serviços educacionais e sociais. O PIB procurou ampliar tal colaboração entre instituições públicas e religiosas, mas foi interpretado pela Igreja como uma maneira de dividir esta verba com outras religiões. O PIB era para ter uma representação de cada religião as quais poderiam distribuir os fundos através de projetos. A Igreja Católica, imediatamente disse que não participaria, argumentando que o governo estava se esforçando para miná-la e a seu papel histórico. Muitos líderes evangélicos também decidiram não participar, mas por uma razão diferente. Muitos evangélicos venezuelanos rejeitaram o termo "religião", o qual usam para se referir a crenças e práticas humanamente criadas, percebendo-se a si mesmos como seguidores de um caminho de salvação. Mais concretamente eles se recusam a sentarem à mesma mesa com grupos que consideram heréticos, como os Mórmons e as Testemunhas de Jeová, ou satanistas como os seguidores de Maria Lionza, uma religião popular venezuelana2 2 Informação obtida em entrevista concedida por Samuel Olson a David Smilde em 26/12/01. .

Diversidade no Engajamento Político Cristão

Em geral, quando as pessoas pensam sobre política e religião na Venezuela contemporânea o fazem em termos de uma simples díade: católicos se opõem a Chávez, evangélicos o apoiam. Mas isto nunca foi tão simples e a situação tem se tornado mais complexa ao longo do tempo. Em 2002, a relativa paz que a Venezuela vivenciara durante os três primeiros anos do governo Chávez deu lugar a uma fase de muito mais enfrentamento. E foi neste período que ambos, a Igreja Católica e o governo Chávez começaram a mostrar diferenças internas. Há vários eventos em que isto pode ser percebido (Smilde e Pagan 2011), mas aqui analisarei brevemente um no qual a complexidade do engajamento político do Cristianismo na Venezuela é especialmente evidente: o golpe de abril de 2002.

Em abril de 2002, um conflito entre o Governo Chávez e os funcionários da estatal do petróleo transformou-se numa greve com manifestações diárias pelas ruas. Em 11 de abril o movimento culminou numa pesada marcha de oposição que tentou chegar até o palácio presidencial. Partidários de Chávez se reuniram no local para tentar proteger o palácio presidencial e nas várias horas de confronto entre os manifestantes opositores, os partidários do governo e a polícia e as Forças Armadas, uma parte apoiando e outra se opondo ao Governo Chávez, dezenove pessoas morreram em circunstâncias que ainda não estão totalmente esclarecidas. Depois desta violência, alguns militares da alta cúpula entraram no palácio presidencial e exigiram que Chávez renunciasse. Ele se recusou mas foi preso e o levaram nas primeiras horas da manhã de 12 de abril. O empresário Pedro Carmona foi empossado como presidente interino algumas horas depois. No dia seguinte, o novo governo começou a ruir diante dos protestos de rua e da rebelião dos militares leais ao governo deposto. Quarenta e oito horas o presidente interino é preso, e Hugo Chávez retorna ao Miraflores a fim de restabelecer seu governo.

Indícios mostram que, desde então, a hierarquia da Igreja Católica sabia de antemão dos planos do golpe (Golinger 2005). Documentos mostram que embora soubesse de tais planos, ela de fato desencorajou o golpe. No entanto, os eventos do golpe dão realmente a impressão de envolvimento da hierarquia da Igreja. Quando os oficiais militares levaram Chávez do palácio presidencial para a principal base militar de Caracas, ele foi recebido lá por dois dos mais importantes bispos da Venezuela, presumivelmente chamados para aconselhar Chávez. E no dia seguinte, quando o decreto que constituía o governo interino foi assinado, uma das primeiras pessoas a assiná-lo foi o cardeal da Venezuela, Monseñor Ignacio Velasco. Assim, fica claro que se por um lado a Igreja não apoiou abertamente o golpe, ela parece ter de muita boa vontade colaborado com ele.

Um dos elementos chaves desse golpe foi o apagão da mídia – um acontecimento coberto em detalhes pelo documentário chamado A Revolução não será Televisionada. Depois de ser empossado, o governo interino chamou todos os representantes dos principais meios de comunicação e pediu a eles que não transmitissem notícias sobre o golpe, nem sobre a violência e os protestos que vinham ocorrendo nas ruas, enquanto o governo interino procurava estabelecer a ordem. Todos os maiores canais privados obedeceram. Todavia, um dos canais se recusou: a estação de rádio jesuíta Fe y Alegria (RFA). Fe y Alegria é uma organização jesuíta assistencialista que surgiu na Venezuela mas está agora presente em muitos países andinos. Possuem uma rede de rádio especializada em fornecer uma cobertura equilibrada de notícias, importante para os pobres, maioria dos venezuelanos. Nas quarenta e oito horas depois do golpe eles trabalharam nas ruas, cobrindo os protestos e entrevistando pessoas, inclusive membros do gabinete de Chávez. Estes últimos usaram a oportunidade para veicular a mensagem de que Chávez não havia renunciado e sim que fora afastado do poder por um golpe. Tal cobertura acelerou a mobilização que eventualmente trouxe Chávez de volta. Assim, enquanto a hierarquia da Igreja Católica desempenhou um importante papel no sentido de facilitar o golpe, um canal jesuíta teve um importante papel em miná-lo.

O movimento evangélico mostrou sua própria complexidade durante estes eventos. No dia seguinte ao golpe houve um culto em memória daqueles que morreram. Foi um evento tendencioso, organizado pelo movimento que tinha acabado de derrubar o governo Chávez, cujo palco foi a praça que tinha servido como a base operacional desse movimento. Quem proferiu as palavras de condolência e a oração foi o líder do Conselho Evangélico Venezuelano, Pastor Samuel Olson. Este culto foi transmitido pela televisão em rede nacional imediatamente antes da tomada de posse do presidente interino, que, por sua vez, também foi igualmente transmitida em rede nacional. Naquele evento um dos mais proeminentes signatários da declaração foi o ex-deputado Godofredo Marin do único partido evangélico da Venezuela. Então aqui, tal como no caso da Igreja Católica, embora os líderes do movimento evangélico não estivessem diretamente envolvidos no golpe, eles claramente parecem ter colaborado com seus organizadores. No entanto, o movimento evangélico na Venezuela, assim como na maior parte da América Latina, é diverso e suas fissuras começaram a aparecer.

Quando os oficiais de Chávez recuperaram o canal estatal de televisão e quando se tornou claro que Chávez voltaria, foram convidados pastores e padres para virem ao referido canal a fim de darem algumas palavras de paz. Um pastor neopentecostal pro-Chávez disse que a Venezuela viveu uma tragédia, mas anunciou o retorno de Chávez: "Pela intervenção divina, hoje vivemos em uma Venezuela livre e que pertence a todos os venezuelanos". Assim, nesse momento crucial, podemos ver que os evangélicos também divergiam em suas posições sobre o governo Chávez. Em uma publicação anterior mostrei a mesma diversidade em vários outros eventos subsequentes (Smilde e Pagan 2011; Smilde 2011).

Entendendo a Diversidade

O objetivo da minha pesquisa sobre religião e política na Venezuela contemporânea é compreender a diversidade do engajamento político e social dos cristãos. Como podemos explicar quem apoia e quem se opõe ao governo? Não é tão simples quanto podemos supor inicialmente. Por exemplo, enquanto no período anterior a Chávez, os membros da Companhia de Jesus eram todos de centro-esquerda, durante o período Chávez alguns deles têm sido fortes partidários do governo ao passo que outros se tornaram opositores virulentos. E embora geralmente seja dito que o que está em jogo no apoio evangélico a Chávez é simplesmente uma questão de classe – os pobres apoiam Chávez e a maioria dos evangélicos são pobres – os evangélicos que mais tem apoiado ativamente o governo Chávez na verdade tem sido oriundos das classes médias, não das classes baixas. Na sessão seguinte, analisarei tanto o catolicismo quanto o protestantismo e identificarei as duas tendências gerais dentro de cada um.

A Oposição Católica: Hierarquia Eclesiástica e Leigos

A oposição pública, forte e ativa da hierarquia da Igreja ao governo Chávez não deve necessariamente surpreender, dada a oposição de hierarquias nacionais católicas a outros governos revolucionários de esquerda3 3 Veja, por exemplo, Dodson 1986 para o caso da Nicarágua Sandinista , contudo esta franqueza seja uma ruptura com a história recente da Venezuela. Durante os quarenta anos de democracia que precederam Chávez a Igreja venezuelana era conhecida como pobre, fraca e cautelosa. Recebia dezenas de milhões de dólares anualmente em subsídios governamentais para tudo, desde as instituições de ensino católicas até a manutenção de templos e assim procurava não ofender os poderes constituídos (Levine 1981; 1992). Não obstante, Levine argumenta que a Igreja venezuelana não é inerentemente quiescente. Em dadas conjunturas históricas particulares, ela pode protestar e se voltar contra as autoridades políticas. De fato, na segunda metade dos anos cinquenta, ela desempenhou um importante papel no movimento que eventualmente derrubaria o ditador Marcos Perez Jimenez do poder.

Durante a maior parte do século XX a Igreja venezuelana procurou se fortalecer concentrando-se em estabelecer relações institucionais com as elites políticas, econômicas e sociais. Criou estruturas participativas dentro de suas paróquias; na sociedade como um todo, se concentrou nas instituições educacionais. Todos esses esforços se concentraram desproporcionalmente na elite. Tal foco fazia sentido uma vez que o Partido Social Cristão (COPEI) realizava iniciativas sociais e participativas com uma ampla gama de seguimentos sociais. COPEI também serviu como a voz política da Igreja dentro do Estado. O período Chávez coincidiu com o declínio do COPEI, significando que a Igreja perdera sua voz e deveria defender-se frente ao Estado. Em parte, isto conta como mais uma voz presente na política venezuelana. Também, a hierarquia está simplesmente mais próxima dos setores de elite da sociedade mais ameaçados pelo governo Chávez e, portanto, mais afetada por interesses e sentimentos dessa elite.

Comparado a suas contrapartes em outros países latino americanos, os bispos da Venezuela são tradicionais e conservadores. Sua formação tende a ser em teologia abstrata e disciplinas filosóficas, e sua visão social tende à escolástica, enfatizando uma ordem imutável e hierárquica na qual tudo tem seu próprio lugar. Desordem e instabilidade sendo consideradas puramente em termos negativos (Levine 1981:104). Uma grande parte de suas motivações é com a saúde de sua própria hierarquia e com as ameaças feitas à mesma. Tais questões falam mais alto que qualquer questão social. Isto não significa que a Igreja esteja cinicamente motivada por seus próprios interesses; ao contrário, sua motivação é a de que a hierarquia é a espinha dorsal do bom funcionamento da sociedade católica. Logo no início da administração Chávez, os bispos disseram que não colaborariam com o governo, mas que desempenhariam uma "função crítica", papel que têm frequentemente cumprido, criticando as políticas do governo Chávez (El Universal Digital 1999).

Quando falamos da oposição católica, também precisamos ter em mente os setores da elite leiga católica que encontrou forças em suas práticas religiosas durante os tumultuados anos do governo Chávez. Durante o ponto alto dos conflitos de 2002-2004 a Praça Francia de Altamira, no próspero lado leste de Caracas, foi declarada uma "zona liberada" e decorada com imagens da Virgem e com crucifixos. O palco era montado de tal forma que servia para a missa de domingo. Leigos católicos dos setores médio e de alta renda da sociedade viam e ainda vêem a Virgem Maria como sua fonte de força frente ao governo. Isto lhes proporciona um meio de demonstrar justiça, pureza e nobreza em suas lutas. As marchas da oposição frequentemente tem pessoas carregando estátuas ou imagens da Virgem e a oposição dos católicos leigos contam histórias de como Chávez teme a Virgem.

Catolicismo Alternativo

Ao longo da segunda metade do século XX, a Igreja na América Latina se diversificou dramaticamente, deixando de ser apenas uma estrutura eclesiástica, tornando-se uma hierarquia complementada por uma colagem de grupos, movimentos e iniciativas que estão muito além do controle da Hierarquia (Levine 1992:8). No caso da Venezuela, chamo de Catolicismo "Alternativo" ao invés de Catolicismo "pró-Chávez" porque este não necessariamente apoia abertamente o governo. Ao invés disso, eles se distanciam da postura de oposição agressiva da Hierarquia. Esses grupos estão fora da influência radial da Hierarquia seja porque representam movimentos de base ou porque eles são liderados por padres que pertencem a ordens religiosas ou dioceses estrangeiras e por isso não precisam responder à hierarquia nacional da Igreja. E esta não se preocupa muito com tais padres porque, ao contrário daqueles de origem venezuelana, eles não têm muito futuro na hierarquia como bispos, que por lei devem ser nascido na Venezuela.

Para estes católicos, "a Igreja" não corresponde à estrutura eclesiástica, mas sim à histórica comunidade de crentes a qual é, por natureza, múltipla e diversa (Levine 1992:9). Sua perspectiva, a qual Levine denominou "transformação sociocultural" significa que eles evitam uma confrontação política aberta, mas trabalham para expressar seus valores religiosos através da organização da comunidade. Tais grupos tendem a não trabalhar diretamente através da igreja, mas sim através de suas iniciativas comunitárias e quando eles dão um passo na esfera pública, fazem-no através de ações ou proclamações paralelas. Este caráter pode ser visto no papel da Radio Fe y Alegria durante o golpe de 2002, conforme descrito acima. Em retrospecto, dois jornalistas da RFA escreveram que buscavam não o apoio para Chávez, mas sobretudo os valores de equidade e justiça. Isto os levou a confrontar os excessos da oposição durante o golpe de 2002. Naquele documento eles diziam "apesar do medo; valores de cidadania e valores do Cristianismo vieram à tona na conduta e no comportamento dos jornalistas da RFA, trabalhando para garantir que o país não ficasse sem informação e debate" (Barrios e Urdaneta Jayaro 2002).

Igreja Evangélica Tradicional

O movimento evangélico na Venezuela é, sem dúvida, tão diverso que é difícil lhe atribuir uma descrição única de qualquer tipo. Ele contém tudo, desde grupos pentecostais em ascensão em meio à pobreza, a igrejas batistas e presbiterianas concentradas nas classes médias e altas, até igrejas protestantes históricas como a Luterana que estão associadas a enclaves de imigrantes. O grupo mais representativo de "los evangélicos" é o Conselho Evangélico que traz consigo cerca de metade dessas congregações. A diversidade política, cultural e de classe das igrejas que esse Conselho representa tem feito sua posição frente ao governo Chávez ser repleta de dificuldades porque qualquer posição que tomarem pode dividi-los.

Além disso, o que o governo Chávez representa para os evangélicos é complexo. De um lado, os evangélicos têm tradicionalmente se opostos a projetos políticos revolucionários de esquerda e favorecido contextos políticos pluralistas nos quais eles acreditam que poderão praticar sua religião livremente. Mas por outro lado, eles apreciam o modo como a administração Chávez tem contemplado os evangélicos, favorecendo-os com certas iniciativas políticas e consultando-os antes de certas tomadas de decisão. Inicialmente o Conselho Evangélico manteve uma atitude aberta acerca do governo e participou de várias iniciativas do mesmo. No entanto, o relacionamento começou a se tornar mais tenso ao longo do tempo, particularmente em resposta à expulsão dos missionários "New Tribes" que trabalhavam com os povos indígenas na Amazônia.

Neo-Pentecostalismo

Por toda América Latina ao longo das últimas duas décadas, o cristianismo não-católico tem sido consideravelmente diversificado pelo crescimento das igrejas neo-pentecostais. Enquanto igrejas evangélicas, estas congregações dão forte ênfase em Jesus Cristo e na crítica à Igreja Católica, mas diferem entre si num certo número de aspectos relevantes. Os neo-pentecostais são guiados pela chamada "teologia do domínio", a ideia de que Deus retornará para estabelecer o seu reino aqui na Terra, sendo a tarefa dos cristãos preparar o caminho se afirmando em posições de poder. Isto pode ser visto, por exemplo, no nome de uma das principais federações neo-pentecostais: "Centro de Cristo para las Naciones". Isto os leva a criticar a tradicional aversão evangélica à política e ao poder, hierarquias e estruturas. Então, por exemplo, enquanto os pentecostais tradicionais sempre evitam o termo "reverendo" em favor de "pastor", ou melhor ainda "irmão", muitos líderes neo-pentecostais assumem títulos como "bispo" e "apóstolo". Um líder neo-pentecostal, apóstolo Elias Rincón, disse que enquanto um "pastor" se refere ao líder de uma congregação, "o 'apóstolo' cuida de toda a nação e tem a capacidade de receber a revelação divina em determinados momentos" (Rincón apud Quintero 2003).

Estas tendências teológicas subjazem o engajamento político das igrejas neopentecostais no Governo Chávez. O Bispo Ávila comparou Chávez com Nabucodonosor, o rei da Babilônia, o qual, de acordo com o Velho Testamento, Deus usou para punir e purificar Israel. Do mesmo modo, eles dizem que Deus está usando Chávez para purificar a nação. Como resultado, em contraste com o jogo cauteloso de colaboração e distância levado a cabo pelo Conselho Evangélico Venezuelano, os líderes e grupos neopentecostais tem ansiosamente se agarrado às oportunidades proporcionadas pelo Governo Chávez, incluindo o suporte financeiro para seus programas sociais.

Estudo sobre Padres e Pastores

Os quatro arranjos já descritos mostram as quatro orientações básicas sobre Cristianismo e política na Venezuela durante a Era Chávez. Nesta sessão, avançaremos numa análise mais acurada sobre alguns casos particulares de padres, pastores e líderes leigos, a fim de compreender como eles relacionam sua doutrina social cristã com o projeto político revolucionário de esquerda. Os casos consistem em pastores evangélicos e padres católicos que fizeram declarações públicas sobre a política venezuelana. As entrevistas giram em torno de suas tendências teológicas, seus pontos de vista políticos e indaga sobre seus históricos profissionais e suas aspirações, que população eles mais atendem como profissionais da religião, bem como o conjunto de suas ligações pessoais e profissionais. A análise dos dados levou-me a construir o que chamei de o "dilema do padre" e o "dilema do pastor" – formulações que eu adaptei da expressão "o dilema do bispo", cunhada por Francis Hagopian (2009).

O Dilema do Padre

Começo com a suposição de que todo padre tem um interesse de carreira na instituição. Como muitos profissionais, os padres tendem a querer ganhar mais poder, mais autoridade e controle sobre mais recursos. Isto não deve ser visto como uma redução radical da religiosidade aos interesses materiais. Ao contrário, mais autoridade e mais recursos significam que determinado padre está em melhor posição de levar a cabo sua visão moral e religiosa. Aliado a este interesse institucional competem ênfases doutrinárias distintas. A primeira é a "moralização da sociedade", a tradicional e conservadora ideia católica de que a meta da Igreja deveria ser evangelizar, trazer mais pessoas para o seio da fé e se não cristianizar, ao menos moralizar a nação. A versão concorrente, com ênfase progressista, é aquela da doutrina social católica, uma tendência mais visível na Teologia da Libertação, mas que na verdade é muito mais ampla. A ideia básica desta doutrina é a "opção preferencial pelos pobres", a ideia de que a Igreja tem que trabalhar para resolver a pobreza extrema e a desigualdade social que caracterizam a América Latina. Descrevo estas ênfases doutrinárias como "concorrentes" mas não significa que sejam mutuamente excludentes. Aliás, a grande maioria dos padres lançam mão de ambas, mas com intensidades diferentes. Mesmo os bispos mais conservadores que focam quase exclusivamente na moralização da sociedade ainda incluem a doutrina social católica em sua prática. E mesmo o padre mais progressista trabalhando com as comunidades de base ainda vai se referir à necessidade de a Igreja moralizar a sociedade. O "dilema" equivale à situação particular em que cada sacerdote se encontra. Idealmente ele gostaria de perseguir cada um desses interesses ao mesmo tempo, mas em contextos particulares sente necessidade de enfatizar mais um desses interesses do que outros.

Podemos desenvolver ainda mais nuances em nosso entendimento, levando em consideração que dentro da doutrina social católica, o modo como se pretende assumir a desigualdade radical pode ter duas diferentes ênfases: promover a igualdade na participação política – dando voz a todos, certificando-se de que as pessoas podem participar do processo político – ou promovendo a igualdade social e econômica – certificando-se que todos têm as suas necessidades básicas contempladas. Aqui, mais uma vez, estas duas ênfases não são mutuamente excludentes e a maioria dos padres utilizam-se de ambas. Tendem, porém, a priorizar mais uma que a outra, além de existir uma certa tensão sociológica entre as mesmas. A história tem mostrado que a igualdade política não necessariamente conduz à igualdade social e econômica. Além disso, muitos esforços históricos que pretendiam promover a igualdade socioeconômica através de redistribuição ou de expansão de políticas sociais tem gerado conflitos que às vezes leva os Estados a aumentar seu poder às custas da sociedade.

Estas diferentes prioridades – que tem sido vistas como "aprofundamento" (i.e. promovendo a igualdade política) versus "expansão" (i.e. promovendo a igualdade sócio-econômica) da democracia (Roberts 1998) – são especialmente importantes para entender os Jesuítas da Venezuela. Embora todos eles priorizem a doutrina social católica sobre a moralização da sociedade e todos tenham sido formados na Teologia da Libertação, suas atitudes acerca do Governo Chávez dependem largamente se este enfatiza a igualdade política ou a igualdade econômica e social. Os que se opõem ao Governo Chávez o criticam simplesmente por ser um governo clientelista e corporativista que vem progressivamente concentrando poder e assim submetendo o povo. Os que o apoiam enfatizam tudo que tem sido feito para amenizar a pobreza que eles vêem ao redor deles todos os dias.

Minhas entrevistas com vinte e um padres mostram que os únicos que não são fortemente anti-Chávez são aqueles que ao mesmo tempo não têm fortes laços com a hierarquia (porque são estrangeiros ou membros de ordens religiosas) e trabalham diretamente com os setores populares. O fato de terem estes setores como seu principal círculo de influência leva a esses padres a priorizarem a igualdade socioeconômica sobre a igualdade política, tal como o fazem as pessoas com as quais trabalham. E sem um futuro na Conferência Episcopal Venezuelana, esses padres não ameaçam a hierarquia e nem aspiram serem estimados por ela.

Antes de começar minhas entrevistas, esperava descobrir que aqueles que apoiam Chávez ou ao menos resistem ao caráter anti-Chávez da hierarquia fossem estrangeiros e tendessem a morar nos chamados barrios4 4 Optou-se por deixar em espanhol o termo "barrios", como o autor o fez, pois em Caracas significa um tipo de bairro carente ou favela (NT). . Mas quando analisei os dados, tornou-se claro que não importava muito se eles viviam em um barrio, mas sim se as pessoas de setores populares neste lugar formavam ou não seu círculo de fiéis. Muitos padres na Venezuela tem múltiplas atividades profissionais. Talvez trabalhem como paroquianos pela manhã, dêem aulas numa universidade católica à tarde e à noite mantenham um círculo de estudos bíblicos com seus colegas. Mas com a maioria deles, se pode deduzir quem seria seu principal círculo de fiéis. Por exemplo, Padre Luis Ugalde, que foi reitor da Universidade Católica por cerca de vinte anos, morou numa bairro muito pobre de Caracas chamada La Veja e escreveu sobre a Teologia da Libertação. Ainda assim, ele é violentamente anti-Chávez. Ugalde é um jesuíta nascido na Espanha e não tem fortes laços com a Conferência Episcopal Venezuelana, que podiam restringir suas opiniões. Contudo até 2011 ele era o diretor da Universidade Católica de Caracas e seu círculo principal de fiéis eram católicos com alto nível de educação das classes médias e médias altas. Isto afeta que tipos de diálogos ele tece, o que ele ouve, o que ele fala e isto, por sua vez, tem impacto sobre que elementos da doutrina social católica ele enfatiza. Quando discute democracia e política venezuelana, ele fala sobre participação política, achando, com razão, que Chávez está concentrando o poder em lugar de democratizá-lo.

Ao contrário, padres pró-Chávez, ou que são ao menos críticos da postura de oposição da hierarquia católica, possuem todos duas características: não têm fortes laços com a Conferência Episcopal e trabalham principalmente com os setores populares. Assim, têm independência para fazer e pensar o que quiserem porque a Conferência Episcopal não tem poder sobre eles. Além disso, as pessoas que eles escutam, conversam e encontram dia após dia, são pessoas de classes populares que se beneficiaram dos programas sociais do Governo Chávez.

O dilema do Pastor

Construí o "dilema do pastor" ligeiramente diferente do dilema do padre. Os pastores, assim como os padres, têm interesses de carreira institucionais. Eles logicamente querem ter mais recursos e poder para realizar seus interesses e objetivos profissionais. Eles também enfatizam a cristianização da esfera pública. De fato, uma das maneiras mais comuns dos pastores responderem questões sobre suas perspectivas na política é dizer que eles visam trazer pessoas em posição de autoridade para Jesus Cristo e assim leva-los a lidar com problemas como violência, pobreza e corrupção. Porém, os elementos de sua doutrina social são diferentes. Se por um lado enquanto estão inclinados a reforçar o papel do esforço pessoal na superação da pobreza e seus efeitos, frequentemente apoiam políticas governamentais de redistribuição de renda. Por outro lado, evangélicos são zelosos guardiões da liberdade religiosa. Eles estão plenamente conscientes de que vivem e atuam em um país cuja religião oficial é frequentemente o Catolicismo, e onde a liberdade religiosa é recente e não deve ser tomada como garantida. Assim eles estão sempre atentos à existência de liberdade para praticar e exercer sua religião.

Os doze pastores entrevistados revelaram um processo ligeiramente diferente do que vimos com os padres. As características do conjunto de fieis de um pastor parece não importar. De fato, se um pastor trabalha com membros das camadas mais populares, isto parece não afetar seu apoio ao Governo Chávez. Em vez disso, ter laços estreitos com o Conselho Evangélico da Venezuela se correlaciona diretamente com a visão política de um pastor. Todos os pastores entrevistados que eram próximos ao Conselho Evangélico se opunham ao governo Chávez, enquanto todos os que não eram, o apoiavam. Porém, o que parece um claro caso de determinação por rede de contatos é realmente mais complexo. Os próprios círculos de contato resultam de um compromisso ideológico e religioso mais amplo.

O Conselho Evangélico possui uma composição diversificada e por isso não impõe uma unidade doutrinal. Ao contrário, seu principal objetivo tem sido representar os interesses de uma minoria religiosa perante o Estado e portanto priorizar a liberdade religiosa. Portanto, como já citado, tem sido muito cético com a iniciativa do Governo Chávez de incorporar em seu projeto político, grupos religiosos. Ele também criticou publicamente quando o governo Chávez baniu os missionários New Tribes (Novas Tribos) do trabalho na Amazônia Venezuelana (Smilde e Pagan 2011). Em contraste, a "teologia do domínio", como já citada, parece levar os pastores Neopentecostais a uma forte afinidade com o projeto nacionalista de Chávez. A controvérsia a respeito desta colaboração os distanciou do Conselho Evangélico Venezuelano. A diferença entre as igrejas Neopentecostais e esse Conselho é também reforçada por sua postura diferente em relação à cristianização da esfera pública. Há uma tensão interna entre a cristianização da esfera pública e a proteção da liberdade religiosa. Iniciativas de cristianização da esfera pública implicam simultaneamente na redução da liberdade de outras religiões ou outras versões do Cristianismo. Os Neopentencostais estão muito mais comprometidos com a cristianização da esfera pública do que com a liberdade religiosa. Os evangélicos tradicionais são mais comprometidos com a liberdade de culto enquanto os neo-pentecostais com a cristianização. Assim, enquanto o apoio ou a oposição ao governo Chávez parece um resultado direto das redes de influência, dando um passo atrás percebemos como engajamentos específicos podem ter impacto sobre como essas redes de influência são construídas (Smilde 2012).

Conclusão

Duas observações gerais sobre o Cristianismo e a política na América Latina podem ser feitas nessa pesquisa. Primeiramente, o caso da Venezuela mostra as complexas relações com a nova esquerda Latino-americana com a religião. Enquanto o Marxismo Leninista clássico considerava a religião como o ópio das massas que impede o progresso, o esquerdismo de Hugo Chávez e de outros na região encara a religião como um canal para suas críticas morais ao neoliberalismo tecnocrático. A partir de sua primeira campanha em 1998, Chávez teceu discursos evangélicos e católicos com teor nacionalista, esquerdista, feminista, indigenista, afro-Venezuelano, terceiro-mundista, dentre outros simbolicamente ricos para criticar o status-quo e inspirarem a reconstrução da nação. Isto mostra uma clara ruptura com o discurso esquerdista que encara a religião como um simples obstáculo a ser superado e revelam uma transição para as ideologias políticas em que as instituições e movimentos religiosos são considerados como parte integrante do campo político. Em segundo lugar, na Venezuela a Igreja tem se reinserido na esfera pública através do colapso do antigo pacto democrático elitista. O colapso do sistema partidário deixou-a sem representação política e criou a necessidade de que ela defendesse seus interesses por conta própria. Além disso, o anti-liberalismo do governo Chávez gerou um contexto complexo tanto para a Igreja Católica quanto para o movimento evangélico. Por um lado criou novas oportunidades e atenção do publico para o papel da religião na construção da nação. Mas por outro, promoveu um novo conjunto de perigos relacionados à politização, incorporação e controle de ambos esses atores político-religiosos. Somente pesquisas futuras poderão determinar se este mesmo conjunto de oportunidades e perigos se apresentam em formas variadas nos outros países da América Latina dominados pela "nova esquerda", tais como Brasil, Argentina, Bolívia, Equador e Nicarágua.

Em termos de estudo da religião, esta pesquisa também sublinha a complexidade interna do Catolicismo e do Protestantismo. A equação do Catolicismo que se opõe a Chávez e do protestantismo que o apoia é bastante simples. Ao longo da segunda metade do século passado a Igreja Católica se tornou incrivelmente diversa enquanto instituição, diversidade esta expressa nas crenças, práticas, políticas e no engajamento social.

Desse modo, o movimento evangélico latino Americano sempre foi diversificado e nunca seguiu completamente os estereótipos conservadores dos seus irmãos norte-americanos. Na América Latina suas políticas tem sido diversas mas com uma base consistente de conservação da liberdade religiosa. Contudo, a recente ascensão das igrejas neo-pentecostais tem alterado significativamente este quadro. Representando uma nova geração, estas não parecem preocupadas em manter independência frente ao Estado, abraçando a colaboração com o mesmo.

Isto também sublinha a importância de uma pesquisa histórica concreta que busque não apenas uma múltipla causalidade, mas sim uma "causalidade conjuntural" (Ragin 1987). Tanto para os padres quanto para os pastores, elaborei um modelo que inclui interesses de carreira tanto quanto interesses teológicos diversos. Tal explicação também contempla a origem social desses atores. Suas posições políticas não são nem resultado direto de seus posicionamentos teológicos nem são simplesmente resultado de um cálculo de interesses pessoais. Tais interesses racionais, comprometimentos ideológicos e relações sociais todos desempenham um papel para entender as tendências políticas de padres e pastores. Não apenas os fatores causais são múltiplos, mas tais fatores também agem de forma diferente no caso de padres e pastores. Entre os padres, a origem social de seus fiéis é importante, contudo com os pastores não parece ter tanta relevância. Para os pastores, as tendências teológicas parecem ter um impacto fundamental. Ainda com os padres, parece que a classe social com a qual trabalham determina suas preferências teológicas. Estas diferenças não devem ser vistas como características do "Catolicismo" e do "Protestantismo", mas sim como uma indicação de que a pesquisa precisa olhar para contextos empíricos concretos para compreender como as diversas causas em questão se entrelaçam.

Tradutor: Welington Pinheiro da Silva

Revisora: Cecília Loreto Mariz

Referências Bibliográficas

BARRIOS, Javier e URDANETA JAYARO, Belkis. (2002), "Desenredando los Nudos del Silencio". Radio Fe y Alegría. Online library, junho. Disponível em www.feyalegria.org. Acesso em 23/09/03.

DODSON, Michael. (1986), "Nicaragua: The Struggle for the Church". In: D. Levine (ed.). Religion and Political Conflict in Latin America. Chapel Hill: University of North Carolina Press.

ELLNER, Stephen e HELLINGER, Daniel C. (eds.). (2003), Venezuelan Politics in the Chávez Era. London: Lynne Rienner Publishers.

EL UNIVERSAL DIGITAL. (1999), "Obispos analizarán cómo participar". Caracas, 7 jan. Disponível em http://noticias.eluniversal.com/1999/01/07/apo_art_07112CC.shtml. Acesso em 23/09/03.

GOLINGER, Eva. (2005), El Código Chávez: Descifrando la Intervención de los Estados Unidos en Venezuela. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales.

HAGOPIAN, Francis. (2009), Religious Pluralism, Democracy, and the Catholic Church in Latin America. Notre Dame: University of Notre Dame Press.

LEVINE, Daniel H. (1981), Religion and Politics in Latin America: The Catholic Church in Venezuela and Colombia. Princeton: Princeton University Press.

_______________. (1992), Popular Voices in Latin American Catholicism. Princeton: Princeton University Press.

MCCOY, Jennifer e MYERS, David (eds.). (2004), The Unraveling of Representative Democracy in Venezuela. Baltimore: Johns Hopkins University Press.

QUINTERO, Manuel. (2003), "La Iglesia no puede ser neutral". Agencia Latinoamericana y Caribeña de Comunicación (ALC). Entre Ríos, 24 dez. Disponível em http://www.alcnoticias.net/ . Acesso em 24/12/03.

RAGIN, Charles. (1987), The Comparative Method: Moving Beyond Qualitative and Quantitative Strategies. Berkeley: University of California Press.

ROBERTS, Kenneth. (1998), Deepening Democracy? The Modern Left and Social Movements in Chile and Peru. Stanford: Stanford University Press.

SMILDE, David. (2004), "Contradiction without Paradox: Evangelical Political Culture in the 1998 Venezuelan Elections". Latin American Politics and Society, v. 46, n. 1: 75-102.

____________. (2008), "The Social Structure of Hugo Chávez". Contexts, 7 (1): 38-42.

____________. (2011), "Public Rituals and Political Position among Venezuelan Evangelicals". Practicing the Faith: Ritual in Charismatic Christianity. New York: Berghahn Books.

____________. (2012), Razão para crer. Agência cultural no movimento evangélico latino-americano. Rio de Janeiro: EdUERJ.

SMILDE, David e PAGAN, Coraly. (2011), "Christianity and Politics in Venezuela's Bolivarian Democracy: Catholics, Evangelicals, and Political Polarization". In: D. Smilde e D. Hellinger (eds.). Venezuela's Bolivarian Democracy: Participation, Politics and Culture under Chávez. Durham NC: Duke University Press.

Notas

Recebido em janeiro de 2012

Aprovado em junho de 2012

  • BARRIOS, Javier e URDANETA JAYARO, Belkis. (2002), "Desenredando los Nudos del Silencio". Radio Fe y Alegría Online library, junho. Disponível em www.feyalegria.org Acesso em 23/09/03.
  • DODSON, Michael. (1986), "Nicaragua: The Struggle for the Church". In: D. Levine (ed.). Religion and Political Conflict in Latin America Chapel Hill: University of North Carolina Press.
  • ELLNER, Stephen e HELLINGER, Daniel C. (eds.). (2003), Venezuelan Politics in the Chávez Era London: Lynne Rienner Publishers.
  • EL UNIVERSAL DIGITAL. (1999), "Obispos analizarán cómo participar". Caracas, 7 jan. Disponível em http://noticias.eluniversal.com/1999/01/07/apo_art_07112CC.shtml Acesso em 23/09/03.
  • GOLINGER, Eva. (2005), El Código Chávez: Descifrando la Intervención de los Estados Unidos en Venezuela. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales.
  • HAGOPIAN, Francis. (2009), Religious Pluralism, Democracy, and the Catholic Church in Latin America. Notre Dame: University of Notre Dame Press.
  • LEVINE, Daniel H. (1981), Religion and Politics in Latin America: The Catholic Church in Venezuela and Colombia Princeton: Princeton University Press.
  • _______________. (1992), Popular Voices in Latin American Catholicism. Princeton: Princeton University Press.
  • MCCOY, Jennifer e MYERS, David (eds.). (2004), The Unraveling of Representative Democracy in Venezuela Baltimore: Johns Hopkins University Press.
  • QUINTERO, Manuel. (2003), "La Iglesia no puede ser neutral". Agencia Latinoamericana y Caribeña de Comunicación (ALC). Entre Ríos, 24 dez. Disponível em http://www.alcnoticias.net/ . Acesso em 24/12/03.
  • RAGIN, Charles. (1987), The Comparative Method: Moving Beyond Qualitative and Quantitative Strategies Berkeley: University of California Press.
  • ROBERTS, Kenneth. (1998), Deepening Democracy? The Modern Left and Social Movements in Chile and Peru. Stanford: Stanford University Press.
  • SMILDE, David. (2004), "Contradiction without Paradox: Evangelical Political Culture in the 1998 Venezuelan Elections". Latin American Politics and Society, v. 46, n. 1: 75-102.
  • ____________. (2008), "The Social Structure of Hugo Chávez". Contexts, 7 (1): 38-42.
  • ____________. (2011), "Public Rituals and Political Position among Venezuelan Evangelicals". Practicing the Faith: Ritual in Charismatic Christianity. New York: Berghahn Books.
  • ____________. (2012), Razão para crer. Agência cultural no movimento evangélico latino-americano. Rio de Janeiro: EdUERJ.
  • SMILDE, David e PAGAN, Coraly. (2011), "Christianity and Politics in Venezuela's Bolivarian Democracy: Catholics, Evangelicals, and Political Polarization". In: D. Smilde e D. Hellinger (eds.). Venezuela's Bolivarian Democracy: Participation, Politics and Culture under Chávez. Durham NC: Duke University Press.
  • 1
    Gostaria de agradecer a David Gutiérrez pela sua assistência na produção desse artigo.
  • 2
    Informação obtida em entrevista concedida por Samuel Olson a David Smilde em 26/12/01.
  • 3
    Veja, por exemplo, Dodson 1986 para o caso da Nicarágua Sandinista
  • 4
    Optou-se por deixar em espanhol o termo "barrios", como o autor o fez, pois em Caracas significa um tipo de bairro carente ou favela (NT).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      Jan 2012
    • Aceito
      Jun 2012
    Instituto de Estudos da Religião ISER - Av. Presidente Vargas, 502 / 16º andar – Centro., CEP 20071-000 Rio de Janeiro / RJ, Tel: (21) 2558-3764 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: religiaoesociedade@iser.org.br