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Trajetórias e temas emergentes: religião, raça e cidade na obra de Marcia Contins1 1 Este artigo é uma versão do texto apresentado em 21 de novembro de 2023, no ciclo de debates “Ciências Sociais na UERJ: Temas, Trajetórias e Perspectivas”, realizado em homenagem a Marcia Contins pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/UERJ).

Emerging themes and trajectories: religion, race and the city in the work of Marcia Contins

Resumos

Resumo: Neste artigo, desenvolvido no âmbito de um ciclo de homenagens, abordo o percurso intelectual da professora Marcia Contins e os diálogos que estabelecemos em nossas pesquisas. A partir das motivações suscitadas pelas reflexões sobre sua trajetória e produção intelectual, sem esgotar as possibilidades de aprofundamentos e a vasta produção existente, busco contextualizar sua produção no quadro geral dos debates realizados sobre os principais temas que orientam suas pesquisas: religiões (afro-brasileiras, pentecostalismo e catolicismo popular), raça/etnicidade, cidade. O intuito é trazer à cena a produção da homenageada, que em sua carreira apresentou contribuições relevantes, explorando nuances e especificidades nos temas pesquisados, sempre sensível àqueles que emergiam e se tornariam focos de interesse mais geral de outros pesquisadores.

Palavras-chave:
Marcia Contins; Raça; Cidade; Religião


Abstract: In this article, part of a tribute series, I approach the intellectual trajectory of professor Marcia Contins and the dialogues we engaged in our research. From the motivations arising from these reflections on her trajectory and production, yet without exhausting the possibilities of nuance and the vast production on the topics, I seek to contextualise her work in a broader context of the debates around key topics of her research: religions (Afro-Brazilian, Pentecostalism and Popular Catholicism), race/ethnicity, the city. Our objective is to highlight the work of Professor Contins, who, throughout her career, presented relevant contributions, exploring the nuances and specificities of the topics under analysis, always sensitive to those that would later emerge and become of more general interest among other scholars.

Keyword:
Marcia Contins; Race; The City; Religion


Introdução

O convite para explorar temas suscitados pela interlocução com Marcia Contins levou-me a relembrar que nosso relacionamento afetivo e intelectual teve início há três décadas, em 1993. Esse exercício permite homenageá-la e, também, montar fragmentos e peças em um tabuleiro, ação que logo indica que ali se conforma um conjunto expressivo de pesquisas sempre referenciadas ao tema da religião, mas que está recheado de atravessamentos de outras temáticas, como veremos. A tarefa solicitada impõe desafios, em especial, o de vasculhar na memória os entrelaçamentos que ocorreram ao longo desse percurso, considerando o próprio desenrolar das mudanças no cenário religioso brasileiro, e ratificando a relevância da produção de Contins nos estudos do campo. Assim, essa rememoração celebra sua trajetória e registra algumas de suas contribuições, sem pretensão de esgotar as discussões. Para tanto, esse processo demanda realizar uma parada no cotidiano corrido, fomentando momentos de reflexão para dar espaço ao movimento de (re)lembrar e ao exercício de montar uma espécie de quebra-cabeças da produção e dos afetos. São então retomados temas, teorias, conceitos e metodologias, que nem sempre foram seguidos ao mesmo tempo por nós, no compartilhamento de experiências mais próximas de pesquisa e de escrita conjunta, mas que apareceram como pontos de interesse mútuos ou que foram sugeridos/inspirados por leituras realizadas em nossas trajetórias, assim como em outras ocasiões. Neste texto, percorro temas que cruzaram nossos caminhos, que algumas vezes são apresentados em conjunto com inevitáveis memórias pessoais. São três os que marcadamente se destacam nessa interação: raça, religião (religiões afro-brasileiras e pentecostalismo) e cidade.

Essa trama de encontros possui variadas ramificações, experiências e parcerias, mas opto por apresentar algumas, nos tópicos a seguir. Trata-se de minhas percepções sobre o processo, que exigem um esforço de rememoração, sem qualquer pretensão de linearidade ou rígido detalhamento, mas contendo o sentido que a homenagem se propõe. Considero que fui convidada para refletir sobre nosso vínculo por alguns motivos, dentre eles, por ter sido sua primeira orientanda de doutorado, realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/UERJ), por termos compartilhado pesquisas e por prosseguirmos com vínculos de amizade. Vale louvar a organização deste tipo de ação de reconhecimento que promove a tão necessária gentileza acadêmica, muitas vezes deixada de lado, em contraponto ao estímulo à competição e à produtividade sem medidas.

Em 1996, Marcia Contins assumiu como professora de Antropologia no Departamento de Ciências Sociais do IFCH da UERJ. Nosso encontro no doutorado ocorreu logo na formação da primeira turma do curso, ainda no meado de 1999. À época, integrei-me à linha de pesquisa “Religião e Movimentos Sociais”, que era composta por pesquisadoras referências no campo específico dos estudos da religião, como Marcia Contins, Patricia Birman, Cecília Mariz, Clara Mafra, Sandra Carneiro e Marcia Leite. Nesse processo, o Núcleo de Estudos da Religião (NUER) foi constituído, e Marcia Contins esteve em sua coordenação. O núcleo tinha como objetivo a conexão de pesquisas que articulavam religião, etnicidade, movimentos sociais, cidade, política, entre outros temas, e que eram desenvolvidas individualmente ou entre as pesquisadoras, mas não somente, já que articulava uma rede de pesquisadores nacionais e internacionais, por meio de convênios e parcerias. O NUER também se voltou à organização, manutenção e ampliação do acervo bibliográfico doado pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER).

No entanto, o doutorado não foi o primeiro encontro em nossas trajetórias. A primeira vez em que tive contato com Marcia Contins foi em um processo seletivo, no qual ela estava na banca, em 1993. Tratava-se da seleção para uma bolsa de aperfeiçoamento da Fundação Ford, vínculo a ser exercido no Projeto Estudos Negros, realizado na Coordenação Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos (CIEC), sediado naquele momento na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Eu morava em São João de Meriti, cursava o primeiro ano do mestrado em Sociologia e Antropologia, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Esse processo seletivo parecia ser uma proposta interessante para aqueles dias de incertezas sobre o que a academia poderia representar em minha carreira profissional. Conjugava religião, relações raciais e direitos humanos. Estes me estimulavam inclusive antes de cursar a graduação em Ciências Sociais. Nossos interesses semelhantes de pesquisa e afetividade se consolidaram desde então.

Assim, este artigo propõe uma apresentação das principais contribuições de Marcia Contins ao debate sobre religião em suas articulações com temas como raça e cidade, considerando sua produção sobre religiões afro-brasileiras, catolicismo e evangélicos (em particular, os pentecostais). Evidentemente, estabeleço recortes considerando nossas vivências conjuntas ou paralelas, sem a pretensão de esgotar os debates e a extensa bibliografia existente. Com base nisso, pretendo contextualizar o campo de pesquisas voltadas à reflexão sobre os entrecruzamentos dessas temáticas ao longo do período das produções realizadas pela pesquisadora

Relações raciais e religião: silêncios e ressonâncias

Em uma reflexão recente (Gomes & Costa 2022GOMES, Edlaine de Campos & COSTA, Andrea. (2022), “Religião e Raça em articulações necessárias e insurgentes”. In: F. R. Farias & J. G. Hildebrand (orgs.). Memória e Resistência: nos interstícios do poder (Vol. 2 ). Rio de Janeiro: 7Letras.) problematizou-se a conexão memória, religião e raça como instrumentos de análise indissociáveis no contexto brasileiro. Trata-se de um recorte relevante para os estudos sobre o campo religioso no país a presença da população negra no catolicismo, no protestantismo e nas religiões afro-brasileiras, em particular. O investimento em análises que entrecruzam raça e religião permite problematizar aspectos mais amplos, no que concerne a complexidade da sociedade brasileira e as particularidades de cada segmento religioso específico.

O livro organizado por Pinho e Sansone (2008PINHO, Osmundo Araújo & SANSONE, Lívio (orgs.). (2008). Raça: novas perspectivas antropológicas. Salvador: EDUFBA. ) trouxe diversas reflexões sobre raça articulando temas e marcadores sociais, como: cor, gênero, sexualidade, saúde, biologia, nação. A relação entre religião e relações raciais é um dos tópicos abordados, sendo discutida por Silva (2008SILVA, Vagner Gonçalves. (2008). “Religião e etnicidade: religião e relações raciais na formação da antropologia do Brasil”. In: O. Pinho, L. Sansone (orgs.). Raça: novas perspectivas antropológicas [online]. Salvador: EDUFBA , 285-313. ), que elabora sua análise com base na conformação da própria antropologia brasileira e seus paradigmas, marcadamente, raça e cultura. Autores como Raimundo Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Roger Bastide são referências no entendimento do processo marcado pela hierarquização das raças e religiões, desde a perspectiva evolucionista até a crítica ao conceito de raça. Silva explora esse percurso no qual raça e religiões afro-brasileiras estão implicadas, e não somente elas, como será pontuado adiante, nos auxiliando a compor a memória dessa intersecção.

A temática racial, no contexto do campo religioso e político brasileiro, aparece tensamente interligada aos debates sobre nação e cultura brasileira, velada (silenciada e invisibilizada) na composição entre o mito da democracia racial e a hegemonia do catolicismo. A existência de um suposto “ser católico” universal, praticante ou não, que foi historicamente incorporado nas autodeclarações, processo que submeteu identidades, crenças e práticas à chamada “cultura católico-brasileira” (Sanchis 1994aSANCHIS, Pierre. (1994a). “Pra não dizer que não falei de sincretismo”. Comunicações do ISER , nº 45: 4-11.; Sanchis 1994bSANCHIS, Pierre. (1994b), “O repto pentecostal à cultura católico-brasileira”. In: A. Antoniazzi (org.). Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes .). Por outro lado, a literatura apontava concomitantemente uma certa “crença generalizada nos espíritos” (Maggie 1992MAGGIE, Yvonne. (1992). Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional.), identificando uma “religiosidade mínima brasileira” (Droogers 1987DROOGERS, André. (1987). “A religiosidade mínima brasileira”. Religião & Sociedade. Rio de Janeiro, vol. 14, nº 2: 62-86.), na qual todos de certa maneira compartilham algum conhecimento sobre o tema. No entanto, essas relações não impedem hierarquizações, estigmatizações, intolerâncias e racismo. Evidenciam complexas dinâmicas de disputas de significados, poder, dominação e resistências. Neste sentido, a adoção de uma identidade católica, colonizadora, pelos integrantes das religiões afro-brasileiras, também pode ser lida como estratégia de existência/resistência à dominação colonial, particularmente representada no processo de escravização e suas consequências sócio-históricas. Ferretti (1998FERRETTI, Sérgio E. (1998). “Sincretismo afro-brasileiro e resistência cultural”. Horizontes Antropológicos, vol. 4, nº 8: 182-198.) apontou que o sincretismo e suas repercussões estiveram presentes no catolicismo e nas religiões afro-brasileiras, aparecendo no debate em categorias como aculturação, enculturação, transculturação (Cf. Silva 2008SILVA, Vagner Gonçalves. (2008). “Religião e etnicidade: religião e relações raciais na formação da antropologia do Brasil”. In: O. Pinho, L. Sansone (orgs.). Raça: novas perspectivas antropológicas [online]. Salvador: EDUFBA , 285-313. ).

Abordar as temáticas raça e religião integra o campo analítico das Ciências Sociais, e, reconhecidamente, há centralidade em sua relação com as religiões afro-brasileiras. Embora este artigo não tenha intenção de fazer um apanhado do estado da arte dos estudos sobre essa conexão, cabe trazer dois aspectos para contextualizar a produção de Marcia Contins: o primeiro é a emergência e visibilização do debate público sobre racismo no país, fomentado pelos movimentos sociais negros, que atualizaram a luta antirracista em composição com movimentos de terreiro, especialmente, a partir dos anos 1980; e o segundo, diz respeito à incorporação/adesão massiva da população negra às denominações evangélicas, nos segmentos pentecostais e neopentecostais.

Nessa trajetória sobre a interface religião e raça (relações raciais), o trabalho seminal de Regina Novaes e Maria da Graça Floriano, O Negro Evangélico (1985NOVAES, Regina & FLORIANO, Maria da Graça. (1984). “O Negro Evangélico”. Comunicações do ISER , ano 4, edição especial.), rompe com o silenciamento sobre raça no campo protestante. O título da introdução da obra notabiliza o tema como protagonista: “Relações Raciais no Protestantismo Brasileiro”. Vale dizer que, até então, as discussões geralmente enfocavam muito mais a centralidade da cultura e o debate sobre sincretismo, do que traziam abertamente a temática racial, principalmente no que se refere ao catolicismo e às religiões afro-brasileiras. No caso do tema raça no protestantismo, a apresentação da publicação da década de 1980 confirma tal ausência, tratava-se de um tema “ainda quase virgem na literatura brasileira”. A pesquisa enfocou as denominações protestantes de origem missionária, que se integraram à sociedade brasileira ainda no século XIX: as igrejas Batista, Congregacional, Episcopal, Presbiteriana e Metodista; o estudo considerou os dados coletados no Grande Rio e em São Paulo.2 2 No mesmo período, encontramos a dissertação de Nádia Amorim (1986) sobre relações raciais entre os mórmons em Alagoas, posteriormente publicada pela FFLCH/USP. A análise aparece mencionada no texto de Novaes e Floriano (1985). A autora apresenta dados de seu trabalho de campo, realizado em dois períodos: antes e depois da “revelação”, que permitiu a entrada de negros na igreja, que antes mantinha o modelo de segregação racial e exercia um proselitismo seletivo. Com a mudança, identificou o rápido crescimento do grupo em Alagoas. As autoras apontaram que a questão racial aparecia em tensão, era um tema visível, dito, e na busca por interlocutores negros nas igrejas emergiam situações, como “para mostrar que os protestantes não fazem discriminação racial, os informantes citavam imediatamente um negro que ocupasse um cargo de destaque no momento ou um que já o tivesse ocupado no passado” (Novaes & Floriano 1985NOVAES, Regina & FLORIANO, Maria da Graça. (1984). “O Negro Evangélico”. Comunicações do ISER , ano 4, edição especial.:6).

No período de publicação do estudo, meado da década de 1980, podemos também apontar ao menos três pontos relevantes: 1) o recente surgimento do chamado neopentecostalismo, com a fundação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), em 1977, fato que gerou fortes mudanças não somente no campo religioso, como evidencia vastamente a produção acadêmica; 2) o país passava pelo processo de redemocratização, com todo o debate da Constituinte e a promulgação da Constituição Federal de 1988, e uma conjuntura imersa em reinvindicações e organização dos movimentos sociais; 3) para o momento, cabe trazer como terceiro ponto a reconfiguração dos movimentos negros e de terreiro, que tanto estavam diante do Centenário da Abolição, como reagiam às práticas belicosas e persecutórias do segmento neopentecostal, direcionadas às religiões afro-brasileiras. Para estabelecer uma conexão com os estudos de Contins, é interessante observar que, paralelamente a tais mudanças, em particular, com a emergência das igrejas neopentecostais, a pesquisadora realizava pesquisa de mestrado (1980-1983) sobre religiões afro-brasileiras, na qual abordava em diferentes níveis os estigmas sociais direcionados a elas por setores como mídias, polícia e judiciário, enfocando o chamado “caso da Pombagira”, o que evidencia um histórico bem anterior de tensões em relação a este campo, que será comentado mais adiante.

A vasta literatura que analisa o período evidencia a emergência dos estudos sobre o pentecostalismo (Cf. Rolim 1985ROLIM, Francisco Cartaxo. (1985). Pentecostais no Brasil: uma interpretação sócio-religiosa. Rio de Janeiro: Vozes.) e o recente neopentecostalismo iurdiano, que movimentou o campo religioso e a sociedade brasileira, investindo massivamente na política, na batalha espiritual performada nos púlpitos e nos programas televisivos, na ocupação do espaço público, entre outras características. O intuito não era ocupar as margens, mas sim os centros, estar visível nas cidades, marcando presença e disputando espaços. Tal investimento emergia como um motor das mudanças no campo, conforme indicaram Mariz e Machado (1998MARIZ Cecília L. & MACHADO, Maria das Dores C. (1998). “Mudanças Recentes no Campo Religioso Brasileiro”. Antropolítica, nº 5: 21-43.), diversificação e crescimento evangélico era a tônica, exigindo análises, por exemplo, sobre as várias nomenclaturas e classificações das denominações incluídas no rol das “evangélicas”. A obra Novo Nascimento: os evangélicos em casa, na igreja e na política (Fernandes et al. 1998FERNANDES, Rubem C. et al. (1998). Novo nascimento: os evangélicos em casa, na política e na igreja. Rio de Janeiro: Mauad.) é resultado dessa necessidade de compreender o fenômeno, que extrapolava o interior dos templos. São vastas as referências que assumem esse debate, incluindo os dados dos Censos (IBGE) como fonte para a análise dos distintos aspectos dos impactos e inflexões que este influenciou nas dinâmicas sociais (Cf. Jacob et al. 2003JACOB, César Romero et al. (2003). Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil. São Paulo/Rio de Janeiro: Loyola, Editora PUC-Rio, CNBB., 2013JACOB, César Romero; HEES, Dora & WANIEZ, Philippe (2013). Religião e Território no Brasil: 1991-2010. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio. ; Faustino & Menezes 2006TEIXEIRA, Faustino & MENEZES, Renata (orgs.). (2006). As religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes ., 2013TEIXEIRA, Faustino & MENEZES, Renata (Orgs.). (2013). Religiões em movimento: o censo de 2010. Petrópolis: Vozes .).

Nota-se que há uma bibliografia qualificada e extensa sobre o assunto, que em grande parte analisa a questão a partir da perspectiva da “guerra santa” e da “batalha espiritual”, ou seja, das ações ritualísticas ou cotidianas dessas igrejas e de seus integrantes, que expressam violência simbólica e material para com as comunidades de terreiro. No entanto, respostas político-religiosas emergiram no período a partir da reunião de militantes dos movimentos negros e de terreiro, reações que têm repercussões até os dias atuais (Cf. Gomes & Oliveira 2019GOMES, Edlaine de Campos & OLIVEIRA, Luís Claudio. (2019). O Tradição dos Orixás: valores civilizatórios afrocentrados. Rio de Janeiro: Mar de Ideias/IPEAFRO.; Gomes & Oliveira 2021). Aqui, é possível identificar a indissociabilidade entre raça e religião. Os argumentos destes ativistas denunciavam que tais ataques colocavam em evidência o racismo da sociedade brasileira, que passava de sua característica “velada” à explicitada pelo segmento neopentecostal, notabilizado pela IURD. Assim, à época a relação “raça-religião” estava submetida ao debate mais amplo sobre racismo, enquanto na atualidade a categoria “racismo religioso” emerge fortemente como um tipo específico de racismo (Silva 2008SILVA, Vagner Gonçalves. (2008). “Religião e etnicidade: religião e relações raciais na formação da antropologia do Brasil”. In: O. Pinho, L. Sansone (orgs.). Raça: novas perspectivas antropológicas [online]. Salvador: EDUFBA , 285-313. ; Gomes & Oliveira 2021; Miranda, Correa e Almeida 2017MIRANDA, Ana Paula Mendes de; CORREA, Roberta de Mello & ALMEIDA, Rosiane Rodrigues. (2017), “Intolerância Religiosa: A Construção de um Problema Público”. Revista Intolerância Religiosa, vol. 2: 1-19.).

Essa efervescência no campo da religião e dos movimentos sociais na década de 1980, e suas repercussões, ampliaram o interesse de pesquisadores do fenômeno religioso brasileiro e a intensidade de sua diversificação. Vemos tanto a preocupação em compreender o pentecostalismo - a produção seminal de Francisco Cartaxo Rolim (1985ROLIM, Francisco Cartaxo. (1985). Pentecostais no Brasil: uma interpretação sócio-religiosa. Rio de Janeiro: Vozes.) sobre o pentecostalismo no Brasil é um exemplo - quanto a urgência de se discutir aspectos que atravessam a religião, como a temática racial. Ou seja, há uma visibilização irrompida pelos movimentos sociais da própria temática, fato que impõe a realização de análises também no campo da religião, como representa para o contexto protestante a obra de Novaes e Floriano (1985NOVAES, Regina & FLORIANO, Maria da Graça. (1984). “O Negro Evangélico”. Comunicações do ISER , ano 4, edição especial.).

Dando um salto no tempo, a reunião de artigos do Dossiê Religiões e Raça, organizado por Reis e Teixeira (2021REIS, Lívia & TEIXEIRA, Jaqueline M. (2021). “Religiões e Raça”. Religião & Sociedade , vol. 41, nº 3: 11-23.) na revista Religião & Sociedade, expõe o atravessamento da temática racial na diversidade de segmentos religiosos, como afro-brasileiro, evangélico e católico, ratificando, mais de três décadas depois, a emergência de discussões que entrecruzem marcadores sociais (classe, raça, gênero, religião, entre outros). Houve muitas mudanças no período, como mostram os dados do Censo do IBGE, a diversificação e crescimento das igrejas evangélicas, o campo político, as legislações e políticas públicas, o debate público sobre intolerância e racismo religioso, entre outras. Ainda assim, as autoras apontam a necessidade de maior investimento em pesquisas que interseccionem raça e religião, além de outros marcadores sociais. Neste artigo, sem perder de vista o contexto mais amplo dessas discussões, faço um recorte específico, direcionando o olhar para o caso evangélico, particularmente o pentecostal.

Perseguição, objetos sagrados e “o caso da Pombagira” em contexto.

Outra conexão importante na trajetória de Marcia Contins, ainda no âmbito do complexo campo brasileiro, consiste em sua experiência de pesquisa com religiões afro-brasileiras, ocorrida anteriormente ao seu estudo com pentecostais negros norte-americanos e brasileiros. Na tese, de 1995, ela assinala que o “outro” dos pentecostais, representados pela Assembleia de Deus (AD), se voltava à Umbanda, em especial, suas crenças e práticas, recorrentemente demonizadas. Anteriormente, em 1983, sua dissertação de mestrado, intitulada O caso da Pombagira: reflexões sobre crime, possessão e imagem feminina, abordava como as atribuições de conotações negativas às religiões afro-brasileiras estavam enraizadas na sociedade brasileira. Para além de tal posicionamento, indicava que tais considerações extrapolavam a esfera religiosa, com sua ampla difusão pelas mídias, tornando visíveis os estigmas e estereótipos associados a elas, bem como no âmbito de instituições de Estado:

Essas religiões podem ser acusadas de “mistificadoras”, e propiciadoras da criminalidade entre outros atributos negativos. No drama que pretendo focalizar é notável a associação entre esses cultos e criminalidade, razão pela qual me pareceu necessária uma discussão específica a respeito desse problema. Este parece ser um caminho fértil para se tornar inteligível uma das modalidades de inserção sócio-cultural dessas religiões na sociedade brasileira (Contins 1983CONTINS, Marcia. (1983). O Caso da Pombagira: reflexões sobre crime, possessão e imagem feminina. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, UFRJ.:2).

O registro das reflexões constantes na pesquisa nos jornais O Dia e O Globo e nos autos do processo do “caso da pombagira”, com laudos psiquiátricos, inquérito policial, documentos do julgamento em si, aponta que o teor “sobrenatural” do crime ressoou muito mais do que o assassinato em si: o ato de uma esposa matando seu marido. O caso analisado na dissertação foi um crime, mas revelava a complexa construção do imaginário em torno das religiões afro-brasileiras, principalmente sobre “entidades” da Umbanda. Entretanto, o fato em si foi suplantado pelo papel crucial da possessão, discutida por diferentes atores, provenientes dos campos médico, jurídico, em diálogos com distintos códigos com o religioso, que indicava englobar o caso.

Vale lembrar que naquele período da pesquisa sobre o “caso da pombagira” estava em construção um tipo específico de pentecostalismo, conforme mencionado, chamado de “terceira onda” (Freston 1994FRESTON, Paul. (1994). “Breve história do pentecostalismo brasileiro”. In: A. Antoniazzi (org.). Nem anjos, nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes .). Tratava-se do neopentecostalismo, que escolhia abertamente as religiões afro-brasileiras como antagonistas preferenciais em sua visão de mundo, sob a égide da “batalha espiritual” (Mariz 1999MARIZ, Cecília. L. (1999). “A teologia da batalha espiritual: uma revisão da bibliografia”. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, nº 47: 33-48. ), visibilizada nos programas de TV e ocupando lugar central no calendário de cultos, em particular, nos dedicados à libertação e ao descarrego, promovidos pela Igreja Universal do Reino de Deus. Fundada em 1977, essa igreja desempenhou relevante papel na conformação do campo religioso brasileiro desde então, mas não somente.

Para além da nem tão inusitada presença de aspectos religiosos em situações críticas como a analisada, que indica a existência de uma “religiosidade mínima brasileira” (Droogers 1987DROOGERS, André. (1987). “A religiosidade mínima brasileira”. Religião & Sociedade. Rio de Janeiro, vol. 14, nº 2: 62-86.) ou, ainda, de uma “crença generalizada em espíritos” (Maggie 1992MAGGIE, Yvonne. (1992). Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional.), o “caso da pombagira” evidencia o que outras análises observam sobre a criminalização constante dessas religiões no antes e no pós-abolição, com impactos e reverberações que se mantêm até os dias atuais (Gomes & Oliveira 2021OLIVEIRA, Rosenilton Silva de. (2021), “‘Hoje eu orei, Ele é negro’: a gêneses do movimento negro evangélico no Brasil”. Religião & Sociedade , vol. 41, nº 3: 169-191.). Este processo contou com leis e políticas de Estado que promoveram perseguições aos terreiros perpetradas pelas forças policiais, por exemplo. Ações que, em conjunto a outras, confluem no que autores como Abdias Nascimento nomeiam de genocídio (1978NASCIMENTO, Abdias. (1978). O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um Racismo Mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) e menticídio 1980NASCIMENTO, Abdias. (1980). O Quilombismo. Petrópolis: Vozes .), e Sueli Carneiro (2005CARNEIRO, Sueli. (2005). A Construção do Outro como Não-Ser como Fundamento do Ser. São Paulo: Tese de Doutorado em Educação, USP.) denomina como epistemicídio. Identificando conexões com as temáticas abordadas por Marcia Contins, em duas produções recentes (Gomes & Oliveira 2021CONTINS, Marcia. (2021). “Memorial - Marcia Contins”. Interseções - Revista de Estudos Interdisciplinares, vol. 23: 1-42.; Gomes & Costa 2022), retomando temas de interesse que articulam religião e raça, discuto tais conexões no contexto do campo religioso brasileiro, tomando como elementos centrais as religiões afro-brasileiras e as igrejas evangélicas (neo)pentecostais. Noções como intolerância religiosa e racismo religioso recebem atenção nas discussões empreendidas, evidenciando a indissociação entre os dois campos religiosos mencionados, bem como articulando os dois temas (religião e raça) à própria dinâmica histórica do cristianismo (católico e protestante/evangélico) no país.

Os estudos de Marcia Contins contribuem com esse entrecruzamento, que apresenta ao mesmo tempo complexidades singulares. Em especial, com destaque para a relação entre raça e religião, realizando análise comparativa entre pentecostais negros no Estados Unidos e no Brasil; a identificação de estigmas sociais/raciais reproduzidos em mídias e no âmbito do sistema de justiça, com o “caso da Pombagira”, que afinal está inscrito no escopo do racismo estrutural; além de citar sua participação no estudo seminal coordenado por Yvonne Maggie, sobre o então chamado “Museu de Magia Negra”, que produziu a publicação Arte ou magia negra? Uma análise das relações entre a arte nos cultos afro-brasileiros e o Estado (Maggie, Contins & Monte-Mor 1979MAGGIE, Yvonne; CONTINS, Marcia & MONTE-MOR, Patrícia. (1979). Arte ou magia negra? Uma análise das relações entre a arte nos cultos afro-brasileiros e o Estado. Rio de Janeiro: Funarte ).

O caso dos “objetos sagrados”, hoje nomeado “Acervo Nosso Sagrado”, 3 3 Cabe salientar que, após décadas de lutas para a transferência do acervo para outro local, a coleção foi “libertada”, saindo do Museu da Polícia, sendo acolhida pelo Museu da República em 2020. Somente em março de 2023 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) alterou o nome “Museu da Magia Negra” para “Acervo Nosso Sagrado” (Cf. Pereira 2017, 2023). expõe a violência histórica sistemática perpetrada pelo Estado contra as religiões afro-brasileiras, com objetos sagrados sendo compreendidos pela polícia como “provas de crime”. Essa é mais uma evidência do teor de malignidade e perigo que foi atribuído a essas religiões no país, continuamente perpetuando o racismo religioso. Trata-se de um discurso materializado em práticas de instituições policiais e museológicas pautadas nas desigualdades raciais e sociais secularmente reproduzidas no país, como recurso de controle, desde ao menos o período pós-abolição, já que em vez de ocorrer a adoção pelo Estado brasileiro de políticas de inclusão, foram implementadas formas jurídicas de perpetuação da subalternização das populações negras, estratégia que atingiu direta e violentamente os terreiros. Em grande parte, repercutem até os dias atuais, não mais em decorrência direta de leis, mas manifestadas em violências simbólicas e físicas produzidas pelo racismo estrutural e por discursos religiosos que se apoiam na batalha espiritual e na demonização.

No entanto, tais discursos e práticas estavam espraiados pela sociedade mais ampla e não ficavam sem respostas de movimentos sociais organizados. Nas décadas de 1980 e 1990 foi desenvolvida uma série de projetos sobre raça, gênero, educação, implementados por grupos de pesquisa, em particular, da UFRJ, com suporte de agências de fomento como CNPq e Fundação Ford. Entre 1994 e 1998, em pesquisa já mencionada realizada no CIEC/ECO, em parceria com o Núcleo da Cor/IFCS/UFRJ, foram coletados 25 depoimentos de lideranças negras, 13 mulheres e 12 homens (Cf. Contins 1998CONTINS, Marcia. (1998). Lideranças do Movimento Negro no Rio de Janeiro / Série Cadernos de Depoimentos. Rio de Janeiro: PACC/CIEC/UFRJ.). Relevante mencionar também a publicação do livro Quase catálogo: Visões da Abolição 1988, organizado por Yvonne Maggie, Ilana Strozemberg e Marcia Contins em 1997MAGGIE, Yvonne; STROZEMBERG, Ilana & CONTINS, Marcia. (1997). Visões da Abolição: 1988 / Série Quase Catálogo. Rio de Janeiro: PACC/CIEC/UFRJ . , que abordava os eventos ocorridos no período de organização e realização dos eventos em torno dos Cem Anos da Abolição (Cf. Maggie, Strozemberg & Contins 1997).

O período foi marcado pela intensidade dos debates dos movimentos negros, que incluía a reivindicação de políticas de ação afirmativa. Marcia Contins registra que o tema também foi contemplado naquele momento nas pesquisas desenvolvidas junto ao CIEC/ECO e o Núcleo da Cor. Sobre essa experiência, comenta que

Outro produto gerado pelo material desta coleção foi a elaboração de uma pesquisa intitulada “Os movimentos negros no Rio de Janeiro e a questão do Estado”, que depois ramificou-se no estudo sobre “O Movimento Negro e a questão da ação afirmativa” (Contins 2021CONTINS, Marcia. (2021). “Memorial - Marcia Contins”. Interseções - Revista de Estudos Interdisciplinares, vol. 23: 1-42.:243).

Poucos anos depois, entre 1998 e 2000, Marcia Contis realizou a pesquisa “As Estratégias de Combate à discriminação racial no Brasil: Perspectivas e dilemas da ação afirmativa”, desenvolvendo as pistas produzidas nos projetos anteriores, já mencionados, que geraram o livro Lideranças Negras (2005). Novamente, traz a perspectiva comparativa entre Brasil e Estados Unidos, investigando “as representações da desigualdade embutidas nos discursos étnicos nos Estados Unidos e no Brasil como parte dos processos de construção de autoimagens pessoais e coletivas por coletividades identificadas com alguns programas de ação afirmativa” (Contins 2021CONTINS, Marcia. (2021). “Memorial - Marcia Contins”. Interseções - Revista de Estudos Interdisciplinares, vol. 23: 1-42.:260). À época, enquanto nos Estados Unidos há tempos havia investimento governamental em políticas afirmativas, no Brasil, a autora pesquisava ações provenientes da sociedade civil, em especial, o “Pré-vestibular para negros e carentes” (PVNC), de 1993, e os “pré-vestibulares comunitários”. O tema das ações afirmativas integrou seus interesses de pesquisa desde então, sendo manifestado em artigo recente sobre contextos religiosos e ações afirmativas (Cf. Contins 2022CONTINS, Marcia. (2022). “Da Aflição aos Direitos: reflexões sobre contextos religiosos e os discursos de “ação afirmativa””. Revista Anthropológicas, vol. 32: 141-167.). Vale dizer que a religião perpassa a discussão, já que agentes religiosos estiveram presentes em sua conformação.

As atividades realizadas pelos movimentos negros para os Cem Anos da Abolição produziram documentos, imagens e escritos sobre o período. As comemorações organizadas para o 13 de maio de 1988 foram questionadas e antecedidas por uma grande manifestação ocorrida dois dias antes. A Abolição vista como farsa. Em 11 de maio de 1988, a “Marcha contra a farsa da Abolição” repudiava e denunciava o racismo entranhado na sociedade brasileira. Tive a oportunidade de estar presente, e essa experiência marcou substancialmente minha vida. Esse evento conjugou diferentes personagens e movimentos sociais, caracterizando-se como um significativo marco na história das lutas antirracistas no país. Grupos provenientes de várias regiões do estado do Rio de Janeiro se concentraram na Candelária para caminhar pela Avenida Presidente Vargas, em direção à Central do Brasil. Estive no evento, saindo da Baixada Fluminense, com um grupo da Pastoral Negra, da Igreja Católica. O forte aparato policial presente desde o início da Marcha impediu seu avanço pela avenida. A frase “Vamos caminhar até onde o racismo deixar”, foi repetida diversas vezes por Amauri Mendes, em um megafone. Em seu discurso, retomou a organização e os acordos feitos, considerando que o confronto com a força policial não era o caminho:

Se diz que se mata negro porque são marginais, porque não tem reflexão, porque não tem consciência. Por que querem nos oprimir? Essa é a pergunta que o comando da marcha deixa. Por que querem nos oprimir, nós que sabemos que nossa marcha deve ser pacífica? Isso é uma humilhação que o mundo inteiro tem que ver. Mas nós somos responsáveis. Nós somos responsáveis perante essa força policial. Teremos que reforçar muito mais nossas forças. Ainda não é hora desta confrontação. (Amauri Mendes, 11 de maio de 1988, Marcha Contra a Farsa da Abolição).4 4 Conferir no documentário Marcha de 88 — Reflexão 125 anos, produzido pelo Cultne, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gbbm0MeNxk4. Acesso em: 10/12/2020. Há uma análise desse evento, da organização e do entrelaçamento dos movimentos negros e movimentos de terreiro no período em Gomes e Oliveira (2021).

Amauri Mendes, que anos mais tarde se tornou orientando de doutorado de Marcia Contins, está entre os entrevistados e seu depoimento consta no livro Lideranças Negras (2005CONTINS, Marcia. (2005). Lideranças Negras. Rio de Janeiro: FAPERJ, Aeroplano.), importante obra organizada por ela, que também incorpora os relatos das seguintes lideranças, apresentadas pelo tópico “história de vida”, abordando temas como “tornar-se negro e militante”, “limites do movimento”, “mulher negra e militante”, “sentindo na pele” e “política pela via cultural”: Abdias Nascimento, Arcélio Faria, Aurelina Gomes, Cristina Ferreira Gomes, Carlos Alberto Medeiros, Jurema da Silva, Vanda Ferreira, Azoilda Trindade, Joselina da Silva, Frei Davi, Ivanir dos Santos, Joel Rufino, Feliciano Pereira, Helena Teodoro, Irani Maia, Jorge Damião, Èle Semog, Lucia Xavier, Maria Lucia de Carvalho, Ruth Pinheiro, Togo Ioruba, Yedo Ferreira, Marilene e Vera Lúcia. A reunião desse conjunto de falas de homens e mulheres com trajetórias de militância e reflexão sobre a população negra do país é um documento imprescindível para aqueles que desejam compreender o racismo e a organização dos movimentos negros no país.

Destaco esse livro por, novamente, expressar aspectos dos cruzamentos que se somam aos caminhos de pesquisa nessa longa relação. Em 2009, iniciei um levantamento de dados e entrevistas com lideranças que participaram do movimento organizado a partir dos terreiros da Baixada Fluminense com o objetivo de combater os ataques que sofriam, provenientes do segmento neopentecostal, ainda nos anos 1980. Em grande parte, essas lideranças também participaram da “Marcha contra a farsa da Abolição”. Estes integravam movimentos negros e de terreiro, e foi chamado de Projeto Tradição dos Orixás.5 5 O livro Tradição dos Orixás: valores civilizatórios afrocentrados (Gomes & Oliveira 2019) retomou a história desse grupo, utilizando como uma das fontes o material disponibilizado pelo PACC. Alguns dos entrevistados que constam no livro Lideranças Negras participaram da organização das ações do Tradição e estiveram presentes no reencontro do grupo ocorrido em 2016, documentado pela pesquisa. Produziram reflexões conjuntas, documentos e planos de ação de combate ao racismo, no que tange diretamente às religiões afro-brasileiras. O acervo digital (jornais, documentos, cartazes, entrevistas) disponibilizado pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC/ECO-UFRJPACC/ECO-UFRJ. “Dossiê Relações Raciais”. Acervo de Cultura Contemporânea. Disponível em: Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=arq_cultura&pagfis=21828 . Acesso em 20/02/2023.
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), que reúne o material de grande parte das pesquisas mencionadas neste texto como, por exemplo, a Coleção Centenário da Abolição, e as entrevistas com as lideranças que foram base para a publicação do livro de Marcia Contins. Esse acervo foi uma das fontes utilizadas para identificar as ressonâncias da atuação dos integrantes e das ações do Projeto Tradição dos Orixás nas mídias do período. O termo “racismo religioso” não era então utilizado, tampouco a noção de “intolerância religiosa” era amplamente acionada, como seria disseminada nos anos posteriores. Os entrevistados e a documentação da época mostraram que os ataques dirigidos às religiões afro-brasileiras por segmentos evangélicos, marcadamente neopentecostais, tendo a Igreja Universal como principal antagonista, era compreendido como efeitos do racismo existente na sociedade brasileira.

Pentecostais e religiões afro-brasileiras: a temática racial nas pesquisas de Marcia Contins

Em 1993, Marcia Contins desenvolvia a etapa brasileira de sua tese “Tornando-se pentecostal: um estudo comparativo sobre pentecostais negros no Brasil e nos Estados Unidos”, inovadora no conjunto de estudos que entrecruzavam raça/etnicidade e religião em contextos nacionais distintos (Cf. Contins 1995CONTINS, Marcia. (1995). Tornando-se pentecostal: um estudo comparativo sobre pentecostais negros no Brasil e nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Comunicação e Cultura, UFRJ.). Novaes e Floriano (1985) haviam abordado tal aspecto em denominações protestantes missionárias históricas, com predominância branca, segundo os dados apresentados; já Contins analisou o pentecostalismo negro nestes dois contextos nacionais. Tal fato reunia características importantes para aprofundamento no âmbito do projeto “Estudos Negros”, desenvolvido no CIEC, com participação dos bolsistas já mencionados. Sua pesquisa considerou um viés relevante neste campo ao entrecruzar raça e evangélicos (em seu caso, o pentecostalismo), que até o momento ainda permanece pouco explorado a meu ver, embora emergente nos últimos anos, conforme evidenciam as pesquisas de Rosenilton Oliveira (2017OLIVEIRA, Rosenilton da Silva de. (2017) A cor da fé: “identidade negra” e religião. São Paulo: Tese de Doutorado em Antropologia Social, USP. ) sobre negros no catolicismo, no protestantismo, e nas religiões afro-brasileiras, e sobre o ativismo negro evangélico em particular (Oliveira 2021; Medeiros 2022MEDEIROS, Vítor Gonçalves Queiroz de (2022). Ativismo negro evangélico no Brasil contemporâneo. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Sociologia, USP.); assim como Reina (2017REINA, Morgane Laure. (2017) “Pentecostalismo e questão racial no Brasil: desafios e possibilidades do ser negro na igreja evangélica”. PLURAL, vol. 24, nº 2: 253-275.) sobre o negro no campo evangélico pentecostal. Cabe mencionar a significativa produção de John Burdick (1989BURDICK, John. (1989). “A queda do profeta negro: O Significado ambivalente de raça no pentecostalismo”. Comunicações do ISER, vol. 33: 43-63., 2002BURDICK, John. (2002). “Pentecostalismo e identidade negra no Brasil: mistura impossível?”. In: Y. Maggie & C. B. Rezende (orgs.). Raça como retórica: a construção da diferença. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., 2005BURDICK, John (2005), “Why is the Black Evangelical Movement growing in Brazil?”. Journal of Latin American Studies, vol. 37, nº 2: 311-332., entre outros), que investiu na discussão sobre identidade negra, movimentos negros e religiões no Brasil.

A partir do método comparativo adotado nas pesquisas que desenvolveu, Contins realizou trabalho de campo em contextos nacionais distintos, marcadamente, em duas congregações: Bible Way (Virgínia, Estados Unidos) e Assembleia de Deus (Rio de Janeiro, Brasil). Esse aspecto caracteriza a especificidade e a originalidade de sua pesquisa à época, ao aborda o tema racial entrecruzado com o pentecostalismo. Em artigo posterior à tese, mas baseado na análise constante desta, Contins apresenta uma caracterização da congregação americana:

[...] pertence a grupos religiosos que têm como especificidade o fato de pertencerem a um setor pentecostal de negros. De uma certa forma, podemos dizer que este grupo religioso possui uma ‘narrativa étnica’. Os membros desta comunidade criam e recriam uma ‘cultura religiosa’: como uma linguagem comum, uma maneira de se vestir, uma moral, um relacionamento entre seus membros muito intenso, uma valorização muito grande do aspecto econômico individual e do grupo religioso etc. (Contins 2008CONTINS, Marcia. (2008). “Religião, Etnicidade e Globalização: uma comparação entre grupos religiosos nos contextos brasileiro e norte americano”. Revista de Antropologia, vol. 51: 66-106.:74).

Duas de suas produções (Contins 2004CONTINS, Marcia. (2004). “Subjetividade e Alteridade: os pentecostais negros no Brasil e nos Estados Unidos”. Logos, vol. 11, nº 21: 150-174. 2008CONTINS, Marcia. (2008). “Religião, Etnicidade e Globalização: uma comparação entre grupos religiosos nos contextos brasileiro e norte americano”. Revista de Antropologia, vol. 51: 66-106.) contribuem para a atualização do debate, ao explorar o processo de diferenciação nesses contextos, observando que, no caso dos Bible Way, isso ocorria especialmente em relação aos batistas, brancos, em um movimento de afirmação como negros e pentecostais. Como afirma Contins em seu memorial: “O ponto central da análise era que, ao se diferenciarem étnica e religiosamente de outros grupos, os pentecostais negros americanos criavam uma identidade que se fazia permanentemente ameaçada por esse outro do qual eles queriam obsessivamente diferenciar-se” (Contins 2021:241). No caso brasileiro estudado pela autora, uma congregação brasileira da Assembleia de Deus, com predominância de integrantes negros, localizada na zona sul do Rio de Janeiro, também ocorria uma “projeção da diferença para fora das fronteiras de uma subjetividade individual e coletiva” (Contins 2004:173). Contudo, “o outro” diferencial não se identificava abertamente segundo a perspectiva racial e estava situado em outro campo religioso, no caso, o afro-brasileiro, representado pelos umbandistas. Entre esses grupos havia forte presença negra, inclusive na hierarquia das igrejas pesquisadas no Rio de Janeiro. Embora não houvesse:

[...] delimitação estritamente étnica ou racial de uma religião, a questão da cor se faz presente no discurso desses pentecostais. Assim, mesmo que não exista predominantemente ‘negros’, ou exclusivamente ‘brancos’, a questão da cor associada à religião continua sendo relevante, sobretudo quando se apresenta, durante os testemunhos e os sermões, narrativas relacionadas à pobreza no Brasil (Contins 2008CONTINS, Marcia. (2008). “Religião, Etnicidade e Globalização: uma comparação entre grupos religiosos nos contextos brasileiro e norte americano”. Revista de Antropologia, vol. 51: 66-106.:82).

Em compasso com suas pesquisas, consolidavam-se investigações que focavam na produção de dados quanti-qualitativos sobre os chamados “evangélicos”, categoria muitas vezes útil, mas passível de críticas devido às suas limitações e ao englobamento de instituições tão diversas. O entrecruzamento de indicadores sociais, como classe, raça e religião, é mencionado nas análises do estudo Novo Nascimento (Fernandes et al. 1998FERNANDES, Rubem C. et al. (1998). Novo nascimento: os evangélicos em casa, na política e na igreja. Rio de Janeiro: Mauad.). À época, 51% dos membros deste campo religioso foram identificados como pretos e pardos, por exemplo. Os dados do Censo 2000 (IBGE), analisados no Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil, na mesma direção, mostravam que

do ponto de vista demográfico, os pentecostais habitam mais as zonas urbanas do que as rurais, congregam mais mulheres do que homens, mais crianças e adolescentes do que adultos, e mais negros, pardos e indígenas do que brancos (Jacob et al. 2003JACOB, César Romero et al. (2003). Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil. São Paulo/Rio de Janeiro: Loyola, Editora PUC-Rio, CNBB.:40).

Portanto, vale considerar dados qualitativos e quantitativos para refletir sobre as conexões entre esses marcadores sociais, que não cabem aqui aprofundar, mas é importante indicar, pela pertinência das questões emergentes na pesquisa qualitativa coordenada por Marcia Contins, no mesmo período. Essa pesquisa indicava a centralidade da noção raça/cor, em conexão com classe social, e o campo evangélico, marcadamente na congregação da AD na qual realizou etnografia, e em um escopo mais amplo em outras denominações, conforme dados obtidos em etnografias realizadas pela equipe de pesquisadores. A predominância de homens e mulheres pretos e pardos era notadamente presente e, em alguns casos, maior que as porcentagens mencionadas pelas investigações quantitativas.

É instigante complementar o quadro comparativo exposto por Marcia Contins com a centralidade da temática racial/étnica no âmbito do pentecostalismo norte-americano, e a constatação de uma maioria negra nas igrejas deste campo no Brasil, considerando a história da inserção dessas igrejas no país. Uma observação feita por Rolim nesse sentido sempre me chamou a atenção. Em uma passagem de Pentecostais no Brasil: uma intepretação sócio-religiosa (Rolim 1985), o autor lançava luz sobre o tema, aludindo à sua origem no pentecostalismo norte-americano. Rolim trazia a questão ao apontar uma ruptura fundante entre pentecostais negros e brancos, sendo a versão branca e conservadora do movimento pentecostal a que se estabeleceu no Brasil, na primeira década do século XX. Segundo o autor, os primeiros não dissociavam fé e política, exercendo-a em compasso com as lutas por direitos. Ao contrário destes, a vertente que se dirigiu ao país, em diferentes denominações, segundo o autor, apresentava como característica a nítida separação entre o religioso e o social, aqui englobando a esfera política. Além disso, as igrejas que inauguraram o pentecostalismo no Brasil implementaram e disseminaram sua obra missionária pelas margens e periferias, ocupando espaços relegados pela Igreja Católica. Somente mais tarde é que começaram a ocupar outros espaços. Posteriormente, em conjunto com outras denominações que emergiam, disputaram poder nos locais em que a Igreja Católica predominava, configurando um campo religioso diversificado, em crescimento e produtor de mudanças significativas no cenário sócio-político-religioso nacional.

A reflexão sobre religião e raça remonta, em termos conjunturais da época da implementação do pentecostalismo no início do século XX, ao contexto de políticas de imigração, que fomentavam a vinda de brancos para o país, em detrimento de possíveis políticas de inclusão dos negros no período pós-abolição. O objetivo que orientava tais políticas era o branqueamento da população, por meio de incremento da miscigenação que, sob a égide da eugenia, previa sua total predominância no decorrer do tempo. Neste sentido, o movimento religioso que chegava não era caracterizado como um grupo de “imigrantes indesejáveis” (Ramos 1996RAMOS, Jair de Souza. (1996). “Dos males que vêm com o sangue: as representações raciais e a categoria do imigrante indesejável nas concepções sobre a imigração da década de 20”. In: M. Chor & R.V. Santos (orgs.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz.), embora relatos “nativos” mostrem que houve perseguição religiosa aos missionários e convertidos nesse período (Cf. Conde 2000CONDE, Emilio. (2000). História das Assembleias de Deus no Brasil. São Paulo: Editora CPAD.). No decorrer do século XX, ocorreram transformações significativas, com reformas que impunham políticas de higienização, criminalização, remoção, demolição, periferização e exclusão social da população negra e pobre, incidindo nas comunidades de terreiro.

Um recorte se faz necessário nessa linha do tempo marcada por tantos acontecimentos, dando um salto para os anos 1980, quando a relação Religião e Política emerge como ponto crítico capaz de influir em muitos níveis na sociedade brasileira. Fato relevante foi a emergência do investimento na participação política de determinadas instituições religiosas, o que desnaturalizava em vários níveis tanto a hegemonia católica também nesta esfera quanto o entendimento de que a relação política e religião seria uma impossibilidade dicotômica para os evangélicos, em especial os pentecostais. Tal articulação começava a ser notada por sua rápida incorporação e disseminação nos discursos então difundidos pelas igrejas neopentecostais, que abertamente enfatizavam a necessidade de participação política, como estratégia de autodefesa.

Participei como auxiliar, entre 1989 e 1992, de pesquisas desenvolvidas por Francisco Cartaxo Rolim voltadas a analisar tanto o uso dos meios de comunicação como a participação política de pentecostais e neopentecostais. A abordagem focava na compreensão das mudanças de direcionamento do papel dessas denominações na Política. À época, sinais desse processo emergiam, mas ainda havia uma clara distinção nas respostas de integrantes da AD entrevistados, por exemplo, em relação aos da IURD. Os primeiros mantinham a opinião de que religião e política não podem se misturar, uma estaria no âmbito do sagrado e a outra do profano. No segundo caso, as respostas defendiam a participação na política, em grande medida como forma de defesa diante da perseguição que diziam sofrer. No entanto, sabe-se do investimento da AD neste campo, ainda na década de 1980, com consequências institucionais, como a ruptura e surgimento de convenções nacionais, que divergiam quanto ao processo de modernização, mas o discurso de grande parte dos membros ainda não estava em compasso com o institucional, o que mudou sensivelmente nas décadas posteriores, com investimento na composição de quadros de representantes para o exercício político.

O (neo)pentecostalismo institucional, branco e conservador, assumia com efetividade seu papel político no espaço público brasileiro, com a busca por representação nas esferas do Poder Legislativo, especialmente, e, mais adiante, com mais vigor, no Executivo e, também, em setores do Judiciário. No entanto, o movimento continuava a reproduzir o discurso predominante desde sua origem, basicamente conservador, embora vozes dissonantes se apresentassem no caminho.

Novamente é possível efetuar articulações entre Brasil e Estados Unidos, comparação realizada por Marcia Contins em sua tese sobre pentecostais negros em ambos os países, agora trazendo outro pesquisador do fenômeno religioso. Ao analisar o período, Rolim (1985ROLIM, Francisco Cartaxo. (1985). Pentecostais no Brasil: uma interpretação sócio-religiosa. Rio de Janeiro: Vozes.:69) destaca uma fala de um pentecostal negro norte-americano, George M. Perry, indicando a questão racial para a análise: “Cremos no que diz a mensagem de (Billy) Graham, mas não podemos aceitar sua orientação de burguês branco que não diz nada aos pobres e à gente de cor”. Considerando essa fala, é válido apontar que houve intensa influência de Billy Graham e Jimmy Swaggart, entre os anos 1960 e 1980, como pastores midiáticos muito conhecidos no Brasil. Havia transmissão de seus cultos em programas de TV e realização de megaeventos em estádios no país. Eles investiam massivamente nessa forma de evangelização, que ficou conhecida como “igreja eletrônica” (Cf. Assmann 1986ASSMANN, Hugo. (1986). A Igreja Eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis: Vozes.).

Os temas raça e religião abordados por Marcia Contins estão atrelados aos processos mais amplos do campo religioso brasileiro. Em certos aspectos, suas pesquisas tornaram visíveis conteúdos que posteriormente receberiam maior atenção de outros pesquisadores. O estudo sobre duas igrejas predominantemente negras em dois contextos nacionais singulares, como Brasil e Estados Unidos, trouxe contribuições efetivas para além das especificidades do campo religioso contemporâneo.

A investigação que empreendeu com o grupo de pesquisa que coordenava, formado no início dos anos 1990, localizou o tema raça e religião como componente significativo para a compreensão do fenômeno religioso. O grupo de assistentes de pesquisa reunido naquele momento, privilegiou a busca por dados sobre raça e igrejas evangélicas em geral, realizando trabalho de campo e entrevistas, no Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense. Foram várias incursões por diferentes denominações religiosas, cultos, conversas informais e outros eventos, realizadas individualmente ou em grupo. Em entrevistas que realizei, por exemplo, questionei o lugar da “questão racial” entre os interlocutores. No entanto, as respostas eram evasivas, com foco no pertencimento religioso, na reprodução do argumento da “democracia racial” e na meritocracia. As respostas não reconheciam ou até mesmo rechaçavam a possibilidade de existência de racismo no interior das respectivas igrejas, afinal “somos todos irmãos”. Mas a temática do racismo aparecia em determinadas situações, como já havia elaborado Burdick (1989BURDICK, John. (1989). “A queda do profeta negro: O Significado ambivalente de raça no pentecostalismo”. Comunicações do ISER, vol. 33: 43-63.), menos formais, em relatos de pessoas que viam nas conversas um espaço seguro de compartilhamento de temas críticos:

Por um lado, sem dúvida, a ênfase dos crentes na igualdade de todas as almas diante do plano de salvação de Deus, o seu reconhecimento do fervor religioso especial dos negros e a sua aceitação de liderança negra podem encobrir, para alguns, o profundamente enraizado racismo que flagela o Brasil (Burdick 1989BURDICK, John. (1989). “A queda do profeta negro: O Significado ambivalente de raça no pentecostalismo”. Comunicações do ISER, vol. 33: 43-63.:55).

No âmbito da minha participação, os deslocamentos por esses lugares também envolviam a observação sobre a maneira como essas denominações passavam a ocupar cada vez mais espaço na paisagem, demarcando seu lugar na disputa por um público ampliado, o que envolve diversos aspectos, como a própria noção de “público” e “privado”, assim como classe social, raça, gênero, território. Alguns estudos mostravam que, historicamente, essas igrejas estavam localizadas em regiões periféricas, junto a populações majoritariamente provenientes de camadas populares e negras, ampliando seu alcance em compasso às próprias dinâmicas e transformações desse campo religioso durante o século XX (Gomes 2023GOMES, Edlaine de Campos. (2023). “Campo Religioso Brasileiro”. In: L. Reis et al. (orgs.). Dicionário para entender o campo religioso (vol. 1). Rio de Janeiro: ISER.), que se apresentava notadamente diversificado, em crescimento constante e impactante nas distintas esferas da sociedade brasileira.

De certa maneira, a junção entre o que eu havia pesquisado durante os anos de graduação e a participação no projeto Estudos Negros confluiu no que desenvolvi em minha dissertação de mestrado, concluída anos depois, em 1998, sob a orientação de José Reginaldo Gonçalves, e defendida no PPGSA/UFRJ. A participação nas pesquisas de Marcia Contins enriqueceu as perspectivas que adotei para analisar os percursos singulares de instituições (neo)pentecostais na Baixada Fluminense, permitindo sistematizar os dados e as impressões que explorei naquele momento. As percepções sobre o chamado “campo evangélico” apareciam tendencialmente condensadas/homogeneizadas nas mídias e, inclusive, em algumas análises especializadas, em uma espécie de identidade religiosa unidimensional, perspectiva que sempre me incomodou, desde as pesquisas realizadas na graduação, já que não convergia com o que vivenciava em experiências de pesquisa e na vida cotidiana, como moradora da região. Tal perspectiva ainda permanece com força atualmente, em especial no senso comum e na forma como as mídias abordam o tema, sendo os polos diversidade e homogeneização recortes ainda interessantes para o debate sobre evangélicos e espaço público.

Catolicismo, manifestações populares e cidade

Até aqui foi possível verificar a forte presença dos temas raça, etnicidade e religiões (afro-brasileiras e evangélicos pentecostais), segundo a perspectiva teórico-metodológica e os objetivos da produção de Marcia Contins, especificamente, assim como em nossos caminhos de pesquisa. No entanto, em sua carreira, os interesses de pesquisa não seguiram um tema único, e tampouco focaram em apenas um aspecto do campo religioso. Marcia Contins seguia com seu interesse comparativo, analisando outras características, como a comparação entre o catolicismo popular e o pentecostalismo. Em pesquisa desenvolvida com José Reginaldo Santos Gonçalves a partir do final dos anos 1990, analisou a Festa do Divino Espírito Santo nos Estados Unidos e no Brasil, especialmente a tradição açoriana (Cf. Gonçalves & Contins 2008GONÇALVES, José Reginaldo & CONTINS, Marcia. (2008). “Entre o Divino e os Homens: A arte nas festas do Divino Espírito Santo”. Horizontes Antropológicos , vol. 14: 67-94.). Notava-se que havia o “tempo das festas”, no qual ocorriam rezas, missas e procissão. Tomando como base tais estudos, buscou compreender as especificidades da categoria “espírito santo”, e os rituais em torno dele, no catolicismo popular e no pentecostalismo. A temática da prece, elaborada por Mauss (1979MAUSS, Marcel. (1979). “A Prece”. In: R. C. Oliveira (org.). Marcel Mauss: Antropologia. São Paulo: Ática.), fundamentou parte de sua discussão (Cf. Contins, 2004). Esse “tempo da festa” e do “espírito” é composto, de acordo com sua abordagem, por

[...] uma série de alterações espaciais, comportamentais, emocionais, fisiológicas, usos de objetos materiais e que vêm estabelecer simbolicamente uma delicada e progressiva separação em relação a um tempo cotidiano, um tempo profano, voltado para atividades mundanas (Contins 2021CONTINS, Marcia. (2021). “Memorial - Marcia Contins”. Interseções - Revista de Estudos Interdisciplinares, vol. 23: 1-42.).

A compreensão das alterações espaciais, dos comportamentos dos agentes sociais, e os usos de espaços da cidade pelas diversas instituições religiosas e seus integrantes, é um objetivo comum em nossas trajetórias de pesquisa. Cidade e religião recebem grande atenção em nossas análises conjuntas ou individuais. Tal conexão foi consolidada em algumas produções. Como assinalei no início deste texto, fui sua orientanda no doutorado, entre 1999 e 2004. Naquele período, Contins desenvolvia pesquisas com católicos carismáticos, articuladas ao tema cidade e deslocamentos, dentre outros interesses de pesquisa. Tempos após a defesa de minha tese, ocorrida em 2004, realizamos experimentos de comparação entre pentecostais e católicos carismáticos, no sentido das estratégicas de ocupação e dos usos de espaços religiosos, no caso das edificações propriamente religiosas, e do espaço público. Organizamos dois dossiês (Contins & Gomes 2006CONTINS, Marcia & GOMES, Edlaine de Campos. (2006). “Dossiê: Experiências Religiosas na Contemporaneidade”. Interseções, vol. 8: 71-76., 2008aCONTINS, Marcia & GOMES, Edlaine de Campos. (2008a). “Debate contemporâneo sobre experiências religiosas”. Os Urbanitas, vol. 5.) sobre temas convergentes, e escrevemos um artigo (Contins & Gomes 2008bCONTINS, Marcia; GOMES, Edlaine de Campos. (2008b). “Autenticidade e Edificações Religiosas: Comparando carismáticos católicos e neopentecostais”. Revista Anthropológicas , vol. 19, nº 1: 169-200.), comparando edificações e fluxos de fiéis em dois espaços religiosos do Rio de Janeiro, a Igreja do Loreto e a então Sede Mundial da IURD.

Em minha tese analisei o projeto de construção das “catedrais da fé” da IURD, em particular de sua sede mundial no Rio de Janeiro, o “Templo da Glória do Novo Israel” e posteriormente, do “Templo de Salomão”, em São Paulo (Cf. Gomes 2004GOMES, Edlaine de Campos. (2004). A Era das Catedrais da IURD: a autenticidade em exibição. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Ciências Sociais, UERJ.). Além da monumentalidade, entre outros elementos, em sua concepção contava-se com o objetivo de se tornarem locais de convergência de fiéis, tendo como foco de interesse a ligação com a memória (material e imaterial) do “Israel mítico”. Afora tais metas, esperava-se que se tornassem atrativos no sentido turístico. Após a defesa, prossegui com as pesquisas, investindo no acompanhamento de grandes manifestações religiosas e deslocamentos de fiéis pela/na cidade e região metropolitana do Rio de Janeiro, no intuito de refletir sobre diversidade religiosa e usos de equipamentos, deslocamentos e paisagem urbana. Vinha de investigações sobre a construção de espaços monumentais, que comportavam milhares de pessoas, no caso da IURD, que anteriormente realizava encontros em estádios de futebol, por exemplo, e apontava em um de seus slogans a característica de ser “uma igreja de multidões”. Em compasso, Marcia Contins realizava etnografia na Igreja Nossa Senhora do Loreto, localizada em Jacarepaguá, zona oeste carioca, entre outras atividades de pesquisa. Trata-se de uma igreja associada à Igreja Nossa Senhora da Penha, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). À época, a Igreja do Loreto passava por processo de tombamento pelo estado do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, ocorria a construção e o uso de um espaço auxiliar, o Loretão, edificado no local para comportar o aumento do fluxo de participantes de missas comandadas pela Renovação Carismática Católica.

Comparar esses dois casos parecia pertinente em decorrência dos regimes de autenticidade que manifestavam em seus projetos de edificações, que oscilavam entre aurático e não-aurático, conforme sugere Walter Benjamin (Cf. Benjamin 1985BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. (vol. 1) São Paulo: ed. Brasiliense, 1985.; Gonçalves 1996GONÇALVES, José Reginaldo Santos. (1996). A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN.); bem como possibilitavam a discussão emergente sobre memória e patrimônio, além de investigar os deslocamentos e circulação de fiéis por espaços da cidade considerados como detentores de “um poder mais forte”, frase costumeira nas entrevistas sobre a sede mundial da IURD, que também funcionava para o caso do Loretão. Para que chegassem a esses locais, havia a necessidade de deslocamentos consideráveis de parte desse contingente de fiéis. Tanto no Loretão como na Sede Mundial, encontrava-se uma diversidade de pessoas provenientes de diferentes regiões.

Em termos de localização, os dois contextos se aproximavam justamente por sua relação orgânica com a cidade do Rio de Janeiro, em localização privilegiada, central, com grande aporte de transportes. A Paróquia do Loreto, instalada em lugar alto, no topo de uma montanha, e de fácil localização, concentra um extenso número de atividades, tanto religiosas quanto sociais. Da mesma maneira, o templo da IURD, em Del Castilho, é acessível a pessoas do subúrbio, de distintos bairros da cidade e de outros municípios do Rio de Janeiro, sendo visitado por brasileiros e estrangeiros. Ambos possuem como característica o fato de serem pontos de referência na paisagem urbana, ainda que em termos temporais sejam representantes de épocas diferentes do processo de ocupação das respectivas regiões, assim como do modelo de relação entre igreja e cidade, que antes era permeado pela centralidade e hegemonia católica, que dominava a paisagem como referência social e espacial.

Essas manifestações, deslocamentos, usos de espaços propriamente religiosos ou das ruas da cidade pelos diversos segmentos que compõem o campo religioso brasileiro, integram as pesquisas de Marcia Contins. As análises realizadas evidenciam sua busca em compreender como estavam se conformando novas relações sociais e subjetividades individuais e coletivas nesse amplo conjunto de temas abordados.

Considerações finais: sobre temas de pesquisa e afetos

As possibilidades abertas pelas mudanças e pela complexidade do campo religioso brasileiro, em seu intenso diálogo e sua indissociável relação com a sociedade englobante, abre sempre novas perspectivas de pesquisa, gerando uma vasta produção. Neste artigo, o intuito foi trazer a produção de Marcia Contins, que apresenta contribuições relevantes para o campo de estudos sobre religião, raça/etnicidade e cidade, por explorar nuances, especificidades e temas, algumas vezes antecipando o interesse mais geral dos pesquisadores sobre eles. Assim, as temáticas sobre religiões afro-brasileiras, pentecostalismo e catolicismo popular, ações afirmativas, lideranças negras, performance, entre outras, atravessam as pesquisas desenvolvidas por essa pesquisadora. Percebe-se que seu percurso acadêmico acompanhou sensivelmente a dinâmica dos temas abordados pelas Ciências Sociais, como os que foram destacados, em suas várias particularidades: raça e religião.

Marcia Contins elaborou análises sobre raça e religião que envolveram religiões afro-brasileiras e evangélicas (neo)pentecostais, e também outros estudos sobre ações afirmativas e lideranças negras, situando-se nesse âmbito das ações concretas de visibilização da temática racial a partir do campo acadêmico. Em sua carreira, produziu e compartilhou publicações importantes de documentos e entrevistas, que visibilizam o debate de questões críticas, como os livros já mencionados Quase catálogo: Visões da Abolição e Lideranças Negras, dentre outras obras abordadas neste artigo.

O presente texto levantou algumas possibilidades de articulação de temas em nossos percursos de pesquisa, buscando contextualizá-los dentro de um conjunto de produções, apenas mencionadas devido aos limites e objetivo deste artigo, mas reconhecidas como fundamentais, assim como outras tantas que poderiam ser listadas.

Acredito ser importante trazer outra dimensão, a afetiva, para fechar esse texto-homenagem. Retomo um episódio pessoal, envolvendo nós duas, que serve para ilustrar o debate atualmente visibilizado sobre mães-pesquisadoras/cientistas. Quando defendi minha dissertação de mestrado, em 1998, eu estava grávida, mas ainda não sabia. Pouco tempo depois fui participar da Reunião Brasileira de Antropologia, em Vitória, no Espírito Santo. Lembro como se fosse hoje, fui até um local no qual os participantes do evento faziam lanches, lá estavam colegas e falei sobre a gravidez. Um ar de constrangimento pairou sobre o grupo de jovens pesquisadores. Ouvi frases como “você acabou com sua carreira”. Ao contrário dessas “pérolas”, ao encontrar com Marcia no corredor, logo após esse momento no mínimo estranho, contei a novidade. Sorrimos e nos abraçamos. O que senti foi seu afeto naqueles instantes. Estava ainda meio chocada com a recepção anterior. Quando entrei no doutorado, no ano seguinte, minha filha estava com 10 meses, seguimos nossa relação orientadora-orientanda com tranquilidade durante todo o curso até sua conclusão. Não estou aqui romantizando a realização do doutorado, não é nada fácil, mas ressalto que o cuidado na relação de orientação é valioso, algo que vários relatos evidenciam que não é usual. Marcia Contins teve isso de sobra em nossa relação, e acredito que docentes, pesquisadores e estudantes que passaram por seu caminho também puderam compartilhar de saberes e afetos durante sua trajetória profissional.

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    » https://www.youtube.com/watch?v=gbbm0MeNxk4
  • 1
    Este artigo é uma versão do texto apresentado em 21 de novembro de 2023, no ciclo de debates “Ciências Sociais na UERJ: Temas, Trajetórias e Perspectivas”, realizado em homenagem a Marcia Contins pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/UERJ).
  • 2
    No mesmo período, encontramos a dissertação de Nádia Amorim (1986AMORIM, Nádia. (1986). Os mormons em Alagoas: religião e relações raciais. São Paulo: FFLCH/USP, Coleção Religião e Sociedade Brasileira.) sobre relações raciais entre os mórmons em Alagoas, posteriormente publicada pela FFLCH/USP. A análise aparece mencionada no texto de Novaes e Floriano (1985NOVAES, Regina & FLORIANO, Maria da Graça. (1984). “O Negro Evangélico”. Comunicações do ISER , ano 4, edição especial.). A autora apresenta dados de seu trabalho de campo, realizado em dois períodos: antes e depois da “revelação”, que permitiu a entrada de negros na igreja, que antes mantinha o modelo de segregação racial e exercia um proselitismo seletivo. Com a mudança, identificou o rápido crescimento do grupo em Alagoas.
  • 3
    Cabe salientar que, após décadas de lutas para a transferência do acervo para outro local, a coleção foi “libertada”, saindo do Museu da Polícia, sendo acolhida pelo Museu da República em 2020. Somente em março de 2023 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) alterou o nome “Museu da Magia Negra” para “Acervo Nosso Sagrado” (Cf. Pereira 2017PEREIRA, Pamela. (2017). Novos olhares sobre a coleção de objetos sagrados afro-brasileiros sob a guarda do museu da polícia: da repressão à repatriação. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Memória Social, UNIRIO., 2023PEREIRA, Pamela. (2023). “Respeitem o Nosso Sagrado”: técnicas em museus e saberes tradicionais em negociação. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Memória Social, UNIRIO.).
  • 4
    Conferir no documentário Marcha de 88 — Reflexão 125 anos, produzido pelo CultneCULTNE. (2013). Marcha de 88 - Reflexão 125 anos. YouTube: Cultne. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gbbm0MeNxk4 . Acesso em: 10/12/2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=gbbm0MeN...
    , disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gbbm0MeNxk4. Acesso em: 10/12/2020. Há uma análise desse evento, da organização e do entrelaçamento dos movimentos negros e movimentos de terreiro no período em Gomes e Oliveira (2021GOMES, Edlaine de Campos & OLIVEIRA, Luís Claudio. (2021). “Memórias documentadas do grupo “Tradição dos Orixás”: reações, resistência e ressonâncias afro-brasileiras dos anos 1980”. Religião & Sociedade , vol. 41, nº 3: 25-49.).
  • 5
    O livro Tradição dos Orixás: valores civilizatórios afrocentrados (Gomes & Oliveira 2019) retomou a história desse grupo, utilizando como uma das fontes o material disponibilizado pelo PACC.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2024
  • Aceito
    04 Abr 2024
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