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Relações interétnicas, luta contra intolerância religiosa e produção de candidaturas no campo político: eleições municipais de São Gonçalo (RJ) de 2020

Inter-ethnic relations, struggle against religious intolerance and the production of candidates in the political field: municipal elections in São Gonçalo (RJ) in 2020

Resumo:

Este artigo analisa como o campo das religiões de matriz africana evoca o discurso racial como narrativa público-política em resposta a atos de intolerância religiosa, destacando o período das eleições municipais de 2020 na região de São Gonçalo (RJ). Como contraface desse processo, examinaremos também como o discurso racial é empregado pelos grupos evangélicos no dia a dia de suas igrejas, articulado com sua ação expansionista e missionária de forma geral e em São Gonçalo. Como suporte teórico para empreendermos a análise das relações entre racialidade, identidade e política, baseamo-nos no conceito de interseccionalidades, categoria que alude à multiplicidade de diferenciações.

Palavras-chave:
relações étnico-raciais; intolerância religiosa; eleições municipais; município de São Gonçalo

Abstract: This article analyses how the field of African religions evokes racial discourse as a public-political narrative in response to acts of religious intolerance, highlighting the period of the 2020 municipal elections in the region of São Gonçalo (RJ). As a counterpoint to this process, we will also examine how racial discourse is employed by evangelical groups in the daily life of their churches, articulated with their expansionist and missionary action in general and in São Gonçalo. As theoretical support for undertaking the analysis of the relations between raciality, identity and politics, we base ourselves on the concept of intersectionalities, a category which alludes to the multiplicity of differentiations.

Keywords:
racial ethnic relations; religious intolerance; municipal elections; municipality of São Gonçalo


Introdução

Este artigo evidencia como o campo das religiões de matriz africana evoca o discurso racial como narrativa público-política em resposta a atos de intolerância religiosa, destacando o período das eleições municipais de 2020 na região de São Gonçalo (RJ). Como contraface desse processo, examinaremos também como o discurso racial é empregado pelos grupos evangélicos no dia a dia de suas igrejas, articulado com sua ação expansionista e missionária de forma geral e em São Gonçalo.

Como suporte teórico para empreendermos a análise das relações entre racialidade, identidade e política, baseamo-nos no conceito de interseccionalidades, categoria que alude à multiplicidade de diferenciações. Esse conceito funciona como uma ferramenta analítica, para apreender a articulação de múltiplas diferenças e desigualdades. Não se destaca aqui apenas a diferença étnico-racial nem aquela entre raça, gênero, sexualidade e política, mas as interações entre possíveis diferenças presentes em contextos específicos, assim como nas agências dos sujeitos (McClintock 1995; Piscitelli 2008PISCITELLI, Adriana. (2008), “Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras”. Sociedade e Cultura, vol. 11, no 2: 263-274.:267).

Essa discussão irrompe de uma etnografia que descreve, primeiramente, posturas de segmentos afrorreligiosos na busca de legitimidade social e autodefesa contra violências desferidas contra eles no município de São Gonçalo. Em seguida, discorre sobre a candidatura, em 2020, do diretor social da União Espiritualista de Umbanda e Afro-Brasileiro do Rio de Janeiro, Waguinho Macumba, ao cargo de vereador pelo PSDB, assim como sobre a retórica racial utilizada por ele no decorrer de sua campanha. Como contraponto, estende a questão das interseccionalidades - entre raça, identidade e papel público/político - também ao meio evangélico majoritário.

A questão que se coloca para nós é de que modo, nessas situações aqui descritas, conjugam-se e articulam-se - em forma de polaridade, contradição e diferença - dimensões como: identidade negra, cultura, religião e política.

Tensões e diferenças nas apropriações do discurso racial por religiosos afro-brasileiros e evangélicos

As estatísticas demográficas têm mostrado que “há mais evangélicos negros do que praticantes das religiões afro-brasileiras[,] e as religiões evangélicas são as que mais crescem no Brasil das últimas décadas” (Pierucci 2006aPIERUCCI, Antônio Flávio. (2006a), “Bye bye, Brasil: o declínio das religiões tradicionais no Censo 2000. Estudos Avançados , vol. 18, no 52.; Silva 1993SILVA, Vagner Gonçalves da. (1993), “O terreiro e a cidade nas etnografias afro-brasileiras”. Revista de Antropologia, no 36: 33-79.). Por outro lado, Pierucci (2006bPIERUCCI, Antonio Flávio. (2006b), “Ciências sociais e religião: a religião como ruptura”. In: F. Teixeira; R. Menezes (org.). “As religiões no Brasil: continuidades e rupturas”. Rio de Janeiro: Vozes.) problematiza qual etnicidade se produzirá nos segmentos afrorreligiosos diante do aumento de brancos em seu seio, em especial na umbanda. Então, como poderia se estabelecer uma “afro-brasilidade” sem identidade étnica, ou sem africanidades?

Sansone (2003SANSONE, Livio. (2003), Negritude sem etnicidade: o global e o local nas relações raciais na produção negra do Brasil. Salvador: EDUFBA: Pallas.) mostra as relações raciais não em termos de identidade inscrita em sinais diacríticos, mas em uma “negritude sem etnicidade”. Essa ideia encontra-se explicitada no “Estatuto da Igualdade Racial”, que chegou a um consenso identificando “o negro não a partir de sua aparência ou de determinadas características étnicas, mas pelo fato de que historicamente o negro vem sendo discriminado na sociedade” (Santos 2013SANTOS, Adriana Martins dos. (2013), “Identidade negra e neopentecostalismo: o caso Reginaldo Germano”. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História. Natal: s. n.:13). Desse modo, o reconhecimento do negro passaria pelo fim do preconceito racial voltado contra ele, e não necessariamente pela afirmação de uma identidade constituída por elementos fixos, essencializantes (Cunha 2017aCUNHA, Manuela C. da. (2017a), “Etnicidade: da cultura residual, mas irredutível”. In: M. C. da Cunha. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Ubu, 235-244.). De fato, identidades são campos de negociação, não são fixas e dependem muito dos atores sociais em jogo e de como eles acionam suas múltiplas possibilidades identitárias (Barth 1969BARTH, Fredrik (ed.). (1969), Ethnic Groups and Boundaries: the Social Organization of Culture Difference. Londres: Universitetsforlaget: George Allen & Unwin.).

A complexidade desse quadro alarga-se quando projetamos a relação entre raça, religião e identidade do universo das religiões afro-brasileiras para o campo majoritário do cristianismo evangélico. Segundo Bastide (1995BASTIDE, Roger. (1995 [1960]), Les Religions Africaines au Brésil. Paris: Presses Universitaires de France.), quando negros passam a ocupar mais espaços no interior dessas igrejas, a própria produção de um discurso sagrado universalizante de aceitação de todos sem diferenças raciais ou de classe tende a mascarar uma suposta igualdade e ocultar práticas racistas (Floriano e Novaes 1985FLORIANO, Maria da Graça; NOVAES, Regina (org.). (1985), “O negro evangélico”. Comunicações do Iser, ano 4, Rio de Janeiro: Iser, ed. esp.). Por outro lado, constata-se a necessidade, em muitas igrejas cristãs, de abrir espaço para a interlocução, ou de rever as constantes demonizações da herança negra africana, como relatado por pesquisadores (Pinheiro 2007PINHEIRO, Márcia Leitão. (2007), “Música, religião e cor: uma leitura da produção de black music gospel”. Religião e Sociedade , vol. 27, no 2.; Reina 2017REINA, M. L. (2017). “Pentecostalismo e questão racial no Brasil: desafios e possibilidades do ser negro na igreja evangélica. Plural: Revista de Ciências Sociais, vol. 24, no 2: 253-275.; Silva 2017SILVA, Vagner Gonçalves da. (2017), “Religião e identidade cultural negra: afro-brasileiros, católicos e evangélicos”. Afro-Ásia, no 56: 83-128.). Não obstante haver uma discussão sobre racismo e questão racial (Souza 2015SOUZA, Cleinton. (2015/2), “Racismo estrutural, dissimulação do preconceito e pentecostalismo brasileiro”. Reflexus, ano IX, no 14.), a simples ideia de uma herança cultural africana e de sua religiosidade continua, nesses espaços, sendo problemática, tanto no plano das concepções quanto no plano da prática cotidiana (Pinheiro 2007; Silva 2017).

No que diz respeito à presença da questão racial no espaço público, reivindicações históricas de movimentos sociais, como o Movimento Negro Unificado (MNU), por meio de expedientes jurídicos, como a Lei no 10.639/2003, acabaram levando à inclusão de conteúdo pedagógico sobre a “história da África e das culturas afro-brasileiras” no Ensino Fundamental e Médio das escolas públicas e privadas, abrindo espaço para um projeto de reconhecimento da herança cultural africana e da identidade negra no Brasil. Isso se deu, no entanto, com clara objeção por parte de setores conservadores da sociedade. Consequentemente, muita resistência continua sendo produzida na esfera escolar e social, reflexo de uma visão intolerante, proveniente de segmentos evangélicos dessa comunidade em relação ao legado cultural da África e de sua religiosidade para a sociedade brasileira (Maia 2020MAIA, Alline A. X. (2020), Tá amarrado. Isso é macumba!: a recepção ao ensino de história da África pelos alunos evangélicos. Rio de Janeiro: Projeto de Qualificação de Doutorado em História Social, Uerj.). Essa perspectiva coloca o negro como tomado pelo espectro do filho de Cam,1 1 Essa associação dos negros com os filhos de Cam está presente no discurso teológico e racial produzido muito antes das chamadas teorias raciais do século XIX. Arendt (1989) mostra-nos que, antes do racismo científico, temos a construção das diferenças no campo das religiões, em especial na produção dos antissemitismos modernos, que seriam atrelados ao desenvolvimento do Estado-nação. Ver também: Leach (1982). e os africanos, como demônios amaldiçoados por Noé, como exposto pelo pastor Marco Feliciano (Loureiro 2017LOUREIRO, Gabriela. (2017), “Evangélicos se unem para combater preconceito dentro das igrejas”. BBC Brasil, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38637867 . Acesso em: 14/12/2020.
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), ou ainda a África como lugar de paganismo e barbárie, devendo ser redimida pela missão evangélica, como no livro escrito por Marcelo Crivella.2 2 Livro Evangelizando a África, publicado em inglês (1999) e depois em português (2002). Atualmente, difícil de ser obtido. Crivella tem sistematicamente publicado desculpas por sua publicação. Ver: Folha de S.Paulo (2016) e Jakobskind (2016). No decorrer de toda a sua campanha, comentou que as referências que fez ao catolicismo foram “lamentáveis”, e o pedido de desculpas vale também para a “homossexualidade”. O candidato se reuniu com representantes de religiões e de movimentos LGBT e assinou a Carta-compromisso com os direitos humanos contra a violência, o racismo e a intolerância religiosa, redigida pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.

No entanto, isso não significa que não haja na população (religiosa) negra brasileira, em relação ao papel da África, a construção de sua valorização pela autoestima (Burdick 2001BURDICK, John. (2001), “Pentecostalismo e identidade negra no Brasil: mistura impossível?”. In: Y. Maggie; C. B. Rezende (org.). Raça como retórica: a construção da diferença. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 185-212.:193-195) ou pela mediação positiva da música, ligando os domínios da raça ao do espiritual (Burdick 2001:201). As diferenças raciais e a escolha de símbolos étnicos de autoidentificação (Barth 1969BARTH, Fredrik (ed.). (1969), Ethnic Groups and Boundaries: the Social Organization of Culture Difference. Londres: Universitetsforlaget: George Allen & Unwin.) tanto se tornam fundamentais no campo das religiosidades afro-brasileiras quanto passam a despontar também em setores evangélicos mais progressistas. Mas esse movimento inicial não impediu atitudes de essencialização e/ou de estigmatização em relação à herança africana no país (Pinheiro 2007PINHEIRO, Márcia Leitão. (2007), “Música, religião e cor: uma leitura da produção de black music gospel”. Religião e Sociedade , vol. 27, no 2.), ou que buscassem ressignificá-la, transformando os sinais distintivos de identidade negra, como capoeira e acarajé, em identidade cristã, com a agregação do label “de Jesus” nessas manifestações (Mendel 2014MENDEL, Debora Simões de Souza. (2014), Tem, tem, a baianinha tem: de prática cotidiana, comida de orixás a patrimônio cultural. São Gonçalo: Dissertação de Mestrado em História Social, Uerj.; Silva 2017SILVA, Vagner Gonçalves da. (2017), “Religião e identidade cultural negra: afro-brasileiros, católicos e evangélicos”. Afro-Ásia, no 56: 83-128.; Reinhardt 2006REINHARDT, B. M. N. (2006), Espelho ante espelho: a troca e a guerra entre o neopentecostalismo e os cultos afro-brasileiros em salvador. Brasília, DF: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, UnB.:96-105). De todo modo, os símbolos afro não são os mesmos para os distintos grupos religiosos, sejam eles afro-brasileiros ou evangélicos, nem são pensados ou ressignificados do mesmo modo pelos últimos.

Grupos associativos, centros cívicos, jornais, clubes eram o modo como a política afro-brasileira organizava-se na República. Não havia sindicatos ou cooperativas, e por isso esses grupos desenvolviam atividades educativas e desportivas, muitas vezes de caráter assistencialista (Hanchard 2001HANCHARD, Michael George. (2001), Orfeu e o poder: movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1988). Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Eduerj.; Silva 2003SILVA, Joselina. (2003), “A união dos homens de cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50”. Estudos Afro-Asiáticos [online], vol. 25, no 2: 215-235. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-546X2003000200002&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em: 17/12/2020.
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; Domingues 2007DOMINGUES, Petrônio. (2007), “Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos”. Tempo, vol. 12, no 23: 100-122.). De 1940 a 1960, o Movimento retoma a atuação no campo político, educacional e cultural, juntamente com a representatividade da União dos Homens de Cor, da Frente Negra Brasileira e do Teatro Experimental do Negro (TEN), enfatizando a luta pela conquista dos direitos civis. Para Domingues (2007), a reorganização política do Movimento Negro se deu apenas em 1978,3 3 É digno de registro que uma história do associativismo político negro remonta a época colonial e imperial na forma das “Irmandades” e também dos “Quilombos” (Reis 1991; Munanga 1995-1996). com a fundação do MNU. A reorganização do Movimento se deu ainda sob a influência da correlação entre raça e classe (Gonzalez 1982GONZALEZ, Lélia. (1982), “O movimento negro na última década”. In: L. Gonzalez; C. Hasenbalg (org.). Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marcozero.), em que a derrocada do sistema levaria, consequentemente, a uma sociedade igualitária em todos os sentidos. Antes disso, a repressão política, a partir do golpe militar, em 1964, leva o Movimento a um refluxo e à sua consequente desmobilização, impondo a seus líderes uma clandestinidade (Gonzalez 1982; Hanchard 2001; Domingues 2007:111). Skidmore (1976SKIDMORE, T. (1976), Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) lembra-nos a ideia predominante na sociedade, disseminada pela elite, de que o Brasil era uma democracia racial. E, além dessa circulação de ideias, os partidos políticos brasileiros também minimizaram a política da diferença racial no Brasil (Hanchard 2001). Havia muita resistência no plano político em debater o racismo, pois os diferentes segmentos não o compreendiam como um problema fundamental (Hanchard 2001; Domingues 2007). Se, por um lado, os segmentos de esquerda resolveriam a questão do racismo ao dirimir os problemas sociais, por outro os mais conservadores acreditavam em uma sociedade sem raças, em que a mescla racial eliminava as diferenças (Hanchard 2001).

A partir dos anos 1980, há a reorganização da imprensa negra4 4 Desde 1915 pode-se constatar a existência de uma imprensa negra, com jornais como o Menelick e outros. Posteriormente na década de 1930, surge um outro conjunto, de onde se destaca A Voz da Raça (Bastide 1972). e surge a pauta do MNU para a desmistificação da democracia racial brasileira na crítica à mestiçagem, com a organização política da população negra construindo alianças e aproximando-se de sindicatos e partidos (Domingues 2007DOMINGUES, Petrônio. (2007), “Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos”. Tempo, vol. 12, no 23: 100-122.:121). Nessa agenda, também constava a ideia de introdução da história da África e do negro no Brasil nos currículos escolares, bem como a busca do apoio internacional contra o racismo no país. Se, nas primeiras décadas, o Movimento Negro era cristão e assimilacionista (Domingues 2007), a partir dos anos 1970 a nova geração de ativistas assumiu as religiões de matriz africana, em especial o candomblé, tomado como principal guardião da fé ancestral (Domingues 2007; Gonzalez 1981GONZALEZ, Lélia. (1981), “Beleza negra, ou ora yê-yê-ô”. Mulherio, ano 2, no 6: 4.; Siqueira 2006SIQUEIRA, José Jorge. (2006), “Entre Orfeu e Xangô: a emergência de uma nova consciência sobre a questão do negro no Brasil (1944-1968)”. Rio de Janeiro: Pallas.). Houve interseção entre este e o campo religioso afro-brasileiro, pois, de certo modo, o Movimento abrangia todos os lugares ocupados pelo negro, entre eles o terreiro de candomblé. Nesse sentido, as imagens das iabás serão acionadas nas discussões de gênero do período, especialmente por intelectuais feministas, como Lélia Gonzalez (Gonzalez 1981; Bahia 2018BAHIA, Joana. (2018), “O Rio de Iemanjá: uma cidade e seus rituais”. Revista Brasileira de História das Religiões, Anpuh, ano X, no 30: 177-215.:217).5 5 Nascida em fevereiro de 1935, morreu em julho de 1994. Participou da fundação de instituições como o MNU, o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), o Coletivo de Mulheres Negras N’Zinga e o Olodum. Sua militância em defesa da mulher negra levou-a ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), no qual atuou de 1985 a 1989. Foi candidata a deputada federal pelo PT, elegendo-se primeira suplente. Nas eleições seguintes, em 1986, candidatou-se a deputada estadual pelo PDT, novamente elegendo-se suplente. Entre os anos 1981 e 1984, Lélia Gonzalez compôs o conselho editorial do jornal Mulherio (1981-1988), uma das publicações mais importantes do movimento feminista brasileiro. No artigo “Beleza negra, ou ora yê-yê-ô”, a autora faz menção à imagem de Oxum para abordar, no uso da mitologia, a ideia de beleza negra e também uma construção de um feminismo identificado nas imagens da religião e de seu orixá de cabeça. Nesse sentido, as iabás terão algum papel na desconstrução de imagens do preconceito racial e na valorização identitária construída sob forte influência da religião (Bahia 2018:204-205).

O final da década de 1970 também é marcado pelo esgotamento do chamado “milagre econômico” da ditadura civil-militar. Nesse contexto, a “teologia da prosperidade”, provinda do (neo)pentecostalismo,6 6 O pentecostalismo é uma variação do protestantismo histórico, mas sua peculiaridade está em pregar a crença na contemporaneidade dos dons do Espírito Santo, entre os quais se destacam os dons de línguas (glossolalia), cura e discernimento de espíritos, e em defender a retomada de crenças e práticas do cristianismo primitivo, como a cura de enfermos e a expulsão de demônios. Temos como exemplo de denominações pentecostais: Congregação Cristã no Brasil, Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo, Deus É Amor, Casa da Bênção e outras (Mariano 2004). Já o neopentecostalismo assume a utilização de gestão empresarial, mídia, para o trabalho de proselitismo em massa e propaganda religiosa, e “centralidade da teologia da batalha espiritual contra as outras denominações religiosas, sobretudo as afro-brasileiras e o espiritismo”, a partir dos anos 1970, quando a palavra “pentecostalismo” vai ser acrescida do prefixo “neo”. Em contexto nacional, destacamos: Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra, entre outras de menor visibilidade (Silva, V. 2007). surge como alternativa simbólica/social para populações em situação de carência. Isso é promovido pela lógica de “mercado religioso”, no qual consumo, prosperidade e espiritualidade estão associados como forma de “eleição” dos fiéis. O acirramento da concorrência entre os disputantes no “mercado religioso” leva gradativamente à desqualificação do competidor (Camurça 1999CAMURÇA, Marcelo Ayres. (1999), “Entre sincretismos e ‘Guerras Santas’: uma tentativa de tipologia das relações travadas no cenário religioso brasileiro”. Grande Sinal: Revista Espiritualidade, 533-553.; Sanchis 1997SANCHIS, Pierre. (1997), “O campo religioso contemporâneo no Brasil”. In: A. P. Oro; C. A. Steil (org.). Globalização e Religião. Petrópolis: Vozes. 103-117.) e, mais além, à vontade de sua eliminação. É de “guerra religiosa” que se trata (Mariz 1999MARIZ, Cecília Loreto. (1999), “A teologia da batalha espiritual: uma revisão da literatura”. BIB, no 47, 1º sem.: 33-48.). Diante disso, Silva (2006SILVA, Vagner Gonçalves da. (2006), “Continuidades e rupturas entre neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras”. In: F. Teixeira; R. Menezes (org.). As religiões no Brasil: continuidades e rupturas . Petrópolis: Vozes . 207-228.:208) levanta um questionamento do porquê igrejas neopentecostais, como a Universal do Reino de Deus, com “apurado tino empresarial e administrativo”, voltadas para a “conversão em massa”, teriam interesse em combater religiões, como as afro-brasileiras, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somam 1,7% da população. Para o autor, o combate explica-se pelo desejo da Universal de monopolizar esse bem mágico, da possessão e do êxtase, expropriando o candomblé e a umbanda dele e “transformando-o em um valor interno do sistema neopentecostal” (Silva 2006:208). Como consequência disso, segundo Mariano (2004MARIANO, Ricardo. (2004), “Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal”. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 18, nº 52.), a “centralidade da teologia da batalha espiritual contra as […] [religiões] afro-brasileiras” torna-se um dos elementos principais da expansão dos (neo)pentecostais.

Desdobrando do campo religioso para o campo político, vê-se que é nessa esfera, a da política, em que se observa a culminância da tensa confluência entre religião, identidade e raça. Os evangélicos (neo)pentecostais, por meio de suas redes e articulações políticas com governos nos quais têm influência, atuam de forma clientelista sobre indivíduos que não são assistidos pelo Estado, obtendo para eles acesso aos serviços, além de fazer com que esses fiéis da periferia social e racial de nossa sociedade sintam-se pertencentes a uma “comunidade de irmãos” (Camurça 2020CAMURÇA, Marcelo Ayres. (2020), “Um poder evangélico no Estado brasileiro? Mobilização eleitoral, atuação parlamentar e presença no governo Bolsonaro”. Revista do Nupem, vol. 12, nº 25.).

Retornando à questão racial, constata-se que nessas igrejas evangélico-pentecostais pode ser percebido o estabelecimento de certa hierarquia ideológica entre brancos e negros, quando os convertidos negros alegam que “não conseguem eliminar os esforços das pessoas de pele mais clara para manter seu próprio domínio” (Burdick 1998). Por outro lado, setores das igrejas evangélicas mais preocupados com a conscientização sobre as questões raciais, de classe e identitárias, embora francamente minoritários no leque maior desse campo, criam o Movimento Negro Evangélico (MNE), iniciando um trabalho de reflexão sobre a questão racial e de elaboração de uma identidade negra em uma perspectiva cristã (Silva 2017SILVA, Vagner Gonçalves da. (2017), “Religião e identidade cultural negra: afro-brasileiros, católicos e evangélicos”. Afro-Ásia, no 56: 83-128.). Esse movimento é inspirado no modelo estadunidense de ação política e deveu-se à iniciativa de pastores negros. A criação do Moneba, Associação Nacional do Movimento Negro Evangélico, inscreve-se nessa mesma perspectiva e permitiu a Reginaldo Germano, deputado federal no estado da Bahia de 1999 a 2007, entrar “na militância da causa negra sem abandonar algumas de suas convicções (ou preconceitos)” e sem ter que cultivar algum tipo de reconhecimento às religiões de matriz africana (Santos 2013SANTOS, Adriana Martins dos. (2013), “Identidade negra e neopentecostalismo: o caso Reginaldo Germano”. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História. Natal: s. n.:6).

No caso das religiões de matriz africana no Brasil, constatou-se, nesses últimos anos, um avanço em sua articulação organizacional e uma intervenção pública em defesa de sua liberdade contra a intolerância religiosa. Iniciativas como a constituição da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), em 2008, no Rio de Janeiro (Miranda 2009-2/2010MIRANDA, Ana Paula Mendes de. (2009-2/2010), “Entre o privado e o público: considerações sobre a (in)criminação da intolerância religiosa no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico, 125-152. Disponível em: Disponível em: https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/6103/2/06-anuarioantropologico-anapaulamiranda1.pdf. Acesso em: 18/12/2020.
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:131), e a criação da Comissão de Defesa das Religiões Afro-Brasileiras (CDRAB), em 2002, no Rio Grande do Sul, durante a XI Semana da Consciência Negra, são indicadores desses avanços. Da mesma forma, são avanços a demanda para a elaboração de um Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, a aplicação da lei que introduz nos currículos escolares do ensino público a disciplina “História e cultura afro-brasileira” e a constituição de uma delegacia especializada no Rio de Janeiro em crimes étnicos e raciais (Miranda 2009-2/2010:131-134). Ainda nesse registro, houve a organização da “Caminhada em defesa da liberdade religiosa”, que passou a ser realizada anualmente na orla da praia de Copacabana, Rio de Janeiro (Miranda 2009-2/2010:132).

Relações entre diferenças raciais, de identidade e presença pública/política no contexto de São Gonçalo

Passamos a analisar o contexto de São Gonçalo, 15o lugar no ranking dos municípios brasileiros que mais contabilizam evangélicos pentecostais, além de aparecer, no contexto nacional, como o menos católico da Federação (Pierucci 2006aPIERUCCI, Antônio Flávio. (2006a), “Bye bye, Brasil: o declínio das religiões tradicionais no Censo 2000. Estudos Avançados , vol. 18, no 52.:21). A Região Metropolitana do Rio de Janeiro assume a quarta posição entre as metrópoles brasileiras (não capitais) com o maior percentual de religião evangélica pentecostal do país, correspondendo a 20,5% da população.

De acordo com os dados do IBGE (2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). (2010), “Censo amostra - religião. São Gonçalo”. Disponível em: Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/sao-goncalo/pesquisa/23/22107?detalhes=true . Acesso em: 14/12/2020.
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), São Gonçalo tem destacada concentração de residentes que se declaram evangélicos pentecostais (155.767 pessoas). Em escala regional, entre os municípios metropolitanos do Rio de Janeiro, São Gonçalo ocupa a quarta posição no número de fiéis da Assembleia de Deus (78.722). É o terceiro município em fiéis que se declaram membros da Igreja Universal do Reino de Deus (17.814) e ocupa o segundo lugar no quantitativo de fiéis de “outras” denominações pentecostais (38.862) (IBGE 2010). Considerando essa presença demográfica, tanto a Assembleia de Deus quanto a Igreja Universal do Reino de Deus aumentam significativamente suas influências na arena política e nos espaços públicos do município. No que se refere às religiões afro-brasileiras, os dados do IBGE apontam para um diminuto número de adeptos (7.826) (IBGE 2010), se tomarmos a comparação com a escala avultada das igrejas evangélicas mencionadas.

O aumento da influência pentecostal no município de São Gonçalo pode ser percebido como uma das respostas às ausências do Estado. Essa constatação aparece quando analisamos o histórico econômico do município em conjunto com a crescente influência do pentecostalismo no contexto nacional a partir da década de 1980. Em São Gonçalo, a infraestrutura da cidade não acompanhou seu crescimento populacional, somado ao declínio industrial a partir da década de 1970, gerando uma esfera de pobreza na cidade. É válido ressaltar que, enquanto São Gonçalo passava por um período de declínio socioeconômico, o país contabilizava o crescimento pentecostal nos dados oficiais (Braga 2006BRAGA, Maria Nelma Carvalho. (2006), O município de São Gonçalo e sua história. Niterói: Nitpress, 3ª ed.).

Nesse cenário de pobreza, percebemos que a atuação dos pentecostais em São Gonçalo aumenta. Eles atraem indivíduos que migraram para São Gonçalo na década de 1950 e romperam com seus antigos vínculos com o lugar de origem, tornando-se, com isso, mais suscetíveis à adesão a uma nova religião e a seu antídoto para uma situação de anomia (Gracino Jr. 2008GRACINO JR., Paulo. (2008), “Surtos de aconselhamento e soluções biográficas: a igreja Universal e a nova face do fenômeno religioso na sociedade contemporânea”. Revista Anthropológicas, ano 12, vol. 19, no 1: 43-66.).

Dessa forma, os dois mandatos da figura centralizadora e carismática da professora evangélica e pentecostal Aparecida Panisset,7 7 Aos 12 anos, ingressou na Igreja Nova Vida. Ainda adolescente, mudou-se com a família para o município de São Gonçalo. É professora de história. Depois de carreira política exitosa, candidatou-se a deputada federal nas eleições de 2014, mas teve o registro indeferido com base na Lei da Ficha Limpa, já que foi condenada por improbidade administrativa, em janeiro daquele ano, pela 20a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. à frente da prefeitura de São Gonçalo em 2005-2008 e 2008-2012, revelaram como a ex-prefeita projetou sua imagem político-religiosa no município.

Antes da candidatura de Aparecida Panisset, os grupos políticos hegemônicos do município de São Gonçalo já articulavam e reestruturavam o quadro de grandes coligações por meio dos discursos de cunho personalista, populista e clientelista. Ao longo dos anos que antecederam o surgimento da liderança de Panisset na política municipal, as alterações espaciais no território da cidade já haviam se tornado objeto de barganha dos candidatos locais. Jaime Campos, por exemplo, exercendo o mandato como prefeito de São Gonçalo entre 1977 e 1979, conquistou seu eleitorado com a urbanização, lançando seu mais famoso programa de governo, conhecido como “Sábado é dia de inauguração”, no qual o prefeito certificava-se de “que teria sempre uma obra a inaugurar, um dia inaugurando uma rua, outro uma travessa, em outro a iluminação e assim sucessivamente, fazendo com que sempre tivesse um comício por final de semana” (Silva, S. 2007SILVA, Stanley Plácido da Rosa. (2007), “‘Sábado é dia de inauguração’: política e apropriação espacial em São Gonçalo/RJ à luz dos periódicos locais (1977-1979)”. Caderno de Resumos do XXIV Simpósio Nacional de História - História e Multidisciplinaridade: Territórios e Deslocamentos. São Leopoldo: Oikos, 73-74.:5).

Na década de 1990, temos como exemplo o ex-prefeito de São Gonçalo por dois mandatos Edson Ezequiel de Matos, do PDT (1989-1992 e 1997-2000). Ezequiel foi eleito por uma coligação que abrangia nove partidos (PPS, PV, PSB, PTB, PST, PSD, PRN, PSL, PR), além do próprio (Modesto 2008MODESTO, Nilo Sérgio D’avila (2008), A (re)produção espacial em marcha na consolidação dos grupos de poder hegemônico em São Gonçalo. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Geografia, UFF.:75).

Já na primeira década dos anos 2000, podemos observar em São Gonçalo o estabelecimento de grandes projetos desenvolvidos pelo Governo Federal, seguidos de práticas políticas que atraíram diversos segmentos da sociedade. É nesse contexto que, em 2005, Aparecida Panisset surge como opção para o poder executivo do município. Panisset foi vereadora (1996-2001) do município pelo PDT, deputada estadual (2002-2004) do Rio de Janeiro pelo PPB, e assumiu a prefeitura de São Gonçalo por dois mandatos seguidos (2005-2008 pelo PFL e 2008-2012 pelo DEM). Utilizando práticas populistas, defendendo obras públicas e associando-se à imagem de políticos que marcaram a cidade, como Joaquim Lavoura e Jaime Campos,8 8 Panisset intitulava-se “Lavoura de Saia”, em referência à figura de Joaquim Lavoura e suas atuações em obras públicas à frente do município de São Gonçalo. Durante sua primeira campanha, em 2004, adotou o discurso assistencialista e obteve 50.338 votos. Suas ações corroboram estudos sobre a atuação das parlamentares brasileiras com dedicação especial a projetos na chamada “área social”, como saúde, educação e assistência social (Machado 2006:133). Usou como símbolo de sua primeira campanha a imagem de um tijolo, simbolizando a proposta de reconstrução de São Gonçalo. À época, pequenos tijolos de borracha foram distribuídos nas ruas do município (Aguiar 2018). Aparecida Panisset faz uso da imagem tradicional dos candidatos de São Gonçalo, propondo inauguração de praças e diversos comícios.

Ela também aparece no cenário político com forte associação religiosa pentecostal e operando o “voto de cajado”, para conquistar a maioria do eleitorado municipal (Mateus 2014MATEUS, Marília Gabriela de Souzas. (2014), “O voto dos evangélicos na América Latina: a influência da religião na determinação do voto”. Anais do 5o Congresso Uruguayo de Ciência Política: ¿Qué ciência política para qué democracia?. Uruguai: Associação Uruguaia de Ciência Política.:12). Nas campanhas eleitorais para a prefeitura de São Gonçalo, Aparecida Panisset foi acusada pelos adversários de usar contra eles argumentos religiosos. Apesar de sua autoria não ser comprovada, a página on-line do jornal Extra refere-se a Panisset como “a prefeita que adora uma guerra santa” (Gomes 2011GOMES, Antero. (2011), “Aparecida Panisset: a prefeita que adora uma Guerra Santa”. Extra, 8 out. 2011. Disponível em: Disponível em: http://extra.globo.com/noticias/religiao-e-fe/aparecida-panisset-prefeita-que-adora-uma-guerra-santa-2734123.html . Acesso em: 14/12/2020.
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).9 9 As expressões “guerra santa” e “guerra religiosa” fazem menção ao debate público na década de 1980 sobre um conjunto de igrejas pentecostais que incentivaram seus adeptos a praticar ataques às religiões afro-brasileiras. Segundo Bortoleto (2014), a “guerra santa” é um sintoma que indica a diminuição do protagonismo religioso católico na esfera pública e um considerável crescimento da gramática pentecostal próximo dos setores mais pobres da sociedade brasileira. Aparecida Panisset fazia constante uso da produção musical gospel durante os eventos políticos, como a participação da missionária Flordelis.

Além de utilizar os mesmos discursos de cunho populista e clientelista que seus antecessores, Panisset vai ressaltar pautas evangélicas ao surgir no cenário municipal, representando uma coalizão política pentecostal e apresentando-se como personagem bíblica, capaz de liderar o “povo de Deus”.

Afirmava liderar um movimento representando o povo evangélico. Ao discursar publicamente sobre “melhorias à terra de São Gonçalo”, podemos identificar, a seu convite, a presença de pastores nesses eventos. Assim, o projeto de Panisset mostrava-se atrelado ao prestígio das lideranças religiosas pentecostais, favorecendo não só a identificação dos eleitores com candidaturas confessionais, como também a defesa dos interesses dessas instituições religiosas nos diferentes níveis de poder político (Machado 2006MACHADO, Maria das Dores Campos. (2006), Política e religiões: a participação dos evangélicos nas eleições. Rio de Janeiro: Editora FGV .:31). A partir de São Gonçalo, percebemos que, na medida em que as diversas denominações evangélicas crescem, aumenta o número de representantes políticos vinculados a elas, expondo publicamente suas concepções religiosas e a necessidade de liderarem na “batalha contra o mal”, personificado, muitas vezes, nas religiões afro-brasileiras. Com isso, reforçam-se as associações históricas entre as imagens da religiosidade afro-brasileira, principalmente o candomblé, e a criminalidade. Em contraponto, esse aumento da influência das denominações pentecostais contribui para que os templos evangélicos sejam percebidos como espaços de “proteção material, emocional e espiritual”, fazendo com que o indivíduo disponha “de alguma sensação de segurança” (Machado 2006:28).

Ao longo da história política e social de São Gonçalo, as religiões de matriz africana também exerceram o papel de desenhar, no espaço da cidade, sua marca própria, principalmente no que tange a uma presença simbólico-cultural. Ao lado disso, no sentido de enfrentar o processo de estigmatização a que estavam submetidas por longos anos, desenvolveram ações de legitimação de suas práticas e crenças no espaço público.

Entre essas ações, expressivas autoridades do candomblé e da umbanda do município aparecem articulando reivindicações para a manutenção de seu espaço sagrado, defendendo construções de lugares de memória, como o “Marco Zero da Umbanda”. Esse projeto, a despeito de ter sua gênese nos pais e nas mães de santo locais, terminará sendo incorporado à candidatura de Waguinho Macumba. Em 2019, os terreiros envolvidos nesse empreendimento conseguiram inaugurar um monumento para celebrar o “marco inicial” da umbanda em São Gonçalo. Após a instauração do monumento, também foi defendido pelo depois candidato Waguinho, em 2020, o Projeto de Lei no 0213/2019, que altera o nome da praça de Neves para praça Zélio Fernandino de Moraes, médium fundador da umbanda no Brasil (Macumba 2019MACUMBA, Waguinho. (2019), “Postagem”. Facebook. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/waguinhomacumba/photos/gm.1381671758665928/2424164287871202/?type=3&theater . Acesso em: 14/12/2020.
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).

De forma geral, essas lideranças de terreiro vão procurar entabular formas de resistência para o povo de axé. Seus discursos unem a retórica racial e religiosa na busca em fortalecer uma identidade espiritual negra. Esse procedimento aponta para uma afinidade eletiva com as consignas defendidas pelo Movimento Negro organizado, uma vez que este considera a intolerância religiosa contra povos tradicionais de terreiro a “outra face do racismo” (Siqueira 1997).

É dentro dessa afinidade e conjunção construída entre negritude, religião e identidade que se explica a autoapresentação da ialorixá Márcia d’Oxum (s. d.)MÃE MÁRCIA DOXUM. [s. d.], “Quem sou eu”. Mãe Márcia d’Oxum. Disponível em: Disponível em: http://maemarciadoxum.blogspot.com . Acesso em: 14/12/2020.
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, referência religiosa do candomblé no município, em sua rede social como “mulher, brasileira, negra, apaixonada pelo candomblé e todo o Movimento Negro que foi preservado no interior das Matrizes Africanas, ativista contra o racismo, preconceito de qualquer instância e intolerância religiosa”.

A aproximação entre os terreiros de São Gonçalo e o Movimento Negro recebe ainda mais destaque quando se levam em conta as instâncias que financiam os projetos desenvolvidos pelas casas de axé e como essas lideranças conseguem abertura política para negociar suas demandas. Observamos, assim, que os projetos desenvolvidos pelos terreiros recebem reconhecimento majoritariamente a partir de financiamentos governamentais, com o intuito de diminuir a igualdade racial, ou de iniciativas de secretarias de governos municipais e estaduais que visam à promoção de igualdade racial, como a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Dando seguimento a essas articulações surgidas no seio da comunidade afro-brasileira de São Gonçalo, destacamos que, a partir de 2000, ela abraça uma estratégia por via institucional, expressando “uma crença em um poder do Estado, através do sistema de justiça, para resolver esses conflitos” (Miranda; Correa; Almeida 2017MIRANDA, Ana Paula Mendes de; CORREA, Roberta de Mello; ALMEIDA, Rosiane Rodrigues. (2017), “Intolerância religiosa: a construção de um problema público”. Revista Intolerância Religiosa, vol. 2: 1-19.:10).

As lideranças religiosas de terreiros em São Gonçalo encontraram brechas para suas reivindicações em normas federais, estaduais e municipais que propugnam a igualdade racial. Porém essas articulações não estarão livres de questionamentos, hierarquizações e conflitos de poder. Tal foi o caso de Cristiano d’Oxalá: liderança de terreiro, umbandista, olhos azuis e declarante da raça branca. Ele enfrentou por dois anos a tentativa de desapropriação de seu terreiro durante o governo de Aparecida Panisset, mas, por não corresponder aos estereótipos negros reconhecidos na comunidade de terreiro, o umbandista é citado apenas nas demandas que tratam de investidas contra a religião afro-brasileira.

Cristiano d’Oxalá nunca era convidado para reuniões, mesas de debate ou atuações políticas quando a pauta era “racismo religioso”. Por sua vez, ele reclama que sua condição de pai de santo é evidenciada apenas para sublinhar questionamentos sobre sua legitimidade à frente de um terreiro. Afirma que sua pele é branca, mas a espiritualidade que o precede é negra, alegando que a dimensão religiosa deve predominar sobre a racial, pois “a umbanda não tem cor”.

É nesse quadro de domínio evangélico-pentecostal do controle da política local e das iniciativas das religiões afro-brasileiras de busca de reconhecimento e luta contra a discriminação que se faz necessário analisar a candidatura de Waguinho Macumba para vereador do município de São Gonçalo nas eleições de 2020. Durante a construção de seu personagem político, Waguinho Macumba afirma-se como um “legítimo representante das religiões afro-brasileiras do município”, sendo capaz de construir na máquina política municipal canais para a sobrevivência do povo de axé. O candidato buscará entrelaçar religião, política e identidades raciais.

A persona pública de Waguinho Macumba na articulação tensa das conjunções e diferenças raciais, identitárias e políticas

O ano 2020 expõe abertamente a questão da relação entre religião e política como tema de discussão urgente. Isso em razão do crescimento avassalador de candidaturas montadas sobre um entrecruzamento étnico-racial, de gênero, religioso e partidário.

Foi interessante detectar um crescimento das candidaturas ligadas ao universo religioso. A partir de dados levantados pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser 2020INSTITUTO DE ESTUDOS DA RELIGIÃO (ISER). (2020), “Partidos têm aumento de até 163% em candidaturas com nomes religiosos nas urnas em 2020”. Religião e Política, Iser. Disponível em: Disponível em: http://religiaoepolitica.com.br/partidos-aumento-candidaturas-religiosos/ . Acesso em: 14/12/2020.
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), de 2016 para 2020, em todo o Brasil, cresceu em 24% o número de candidatos que voltam a concorrer às eleições utilizando o nome religioso, como “irmão, pastor, missionário, bispa, padre”, entre outros (Reis 2020REIS, Lívia. (2020), “Do voto evangélico ao cristão: o que as eleições de 2020 têm a nos dizer?”. Nexo, 10 nov. 2020 Disponível em: Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/Do-voto-evang%C3%A9lico-ao-crist%C3%A3o-o-que-as-elei%C3%A7%C3%B5es-de-2020-tem-a-nos-dizer?utm_medium=Social&utm_campaign=Echobox&utm_source=Twitter#Echobox=1604513888 . Acesso em: 14/12/2020.
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). No caso das candidaturas do estado do Rio de Janeiro, Lívia Reis aponta que, dos 12.759 candidatos que utilizam nomes religiosos, 4.938 utilizam designações cristãs, como “pastor”, “pastora” ou “padre”, e apenas 312 remetem-se às religiões de matriz africana. Para a autora, a baixa utilização da nomenclatura de axé por seus representantes indica que esses candidatos aparentam receio de preconceito ao reivindicarem a religião nas urnas. Outro ponto levantado é que, de acordo com sua percepção, há falta de união dos praticantes de religião de matriz africana em comparação aos evangélicos. Esse fato já foi observado por autores que têm se dedicado ao estudo desse grupo religioso (Prandi 1991PRANDI, Reginaldo. (1991), Os candomblés de São Paulo. São Paulo: Hucitec.) e será discutido na conclusão deste texto.

Dessa forma, os dados apresentados pela pesquisadora levam-nos à hipótese de que o uso das identidades religiosas, principalmente entre os cristãos evangélicos, funciona como estratégia eficiente desde as primeiras eleições para a Constituinte de 1986. Elas alcançaram seu ápice nas eleições de 2018, subordinadas à eleição de Bolsonaro (Damé 2018DAMÉ, Luiza. “Em crescimento, bancada evangélica terá 91 parlamentares no Congresso”. Agência Brasil, 18 out. 2018. Disponível em: Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/em-crescimento-bancada-evangelica-tera-91-parlamentares-no-congresso . Acesso em: 14/12/2020.
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). Isso indica que, ao adotar uma identidade religiosa evangélica no pleito, os candidatos identificam-se com valores característicos de determinado tipo de cristianismo conservador.

Contudo, ao se analisar as articulações da umbanda e do candomblé para as eleições subsequentes de 2020 em São Gonçalo, observamos que alguns candidatos dessas religiões passaram a apresentar suas pertenças religiosas de maneira mais explícita, fazendo uso de nomes ou roupas que se referem a suas posições como sacerdotes. Esses personagens políticos afirmam elaborar seus discursos em resposta às intolerâncias sofridas nesse município.

Assim, acompanhamos a construção da candidatura a vereador de São Gonçalo de Waguinho Macumba, uma vez que o candidato se afirma como um “legítimo representante das religiões afro-brasileiras do município”, “capaz de construir dentro da máquina política municipal canais para a sobrevivência do povo de axé”. Nessa perspectiva, ele busca aprofundar debates voltados às identidades raciais, ao elaborar seus discursos em defesa do povo negro, afrorreligioso e pobre de São Gonçalo.

Waguinho Macumba é líder do terreiro “Centro Espírita Xangô das Almas”, no bairro Boa Vista, em São Gonçalo. O Centro foi fundado por seu pai consanguíneo, Enílton Machado, em 1994. Nesse mesmo bairro, o pai de Waguinho Macumba era conhecido pela alcunha de “Macumba”, pois tinha ali uma loja de ervas e artigos.

Ao analisar o discurso de Waguinho, percebemos que o nome político projetado, “Waguinho Macumba”, remete a um resgate da imagem de seu pai, uma vez que este era uma figura carismática no bairro e reconhecida religiosamente pelos moradores de São Gonçalo. O irmão mais novo de Waguinho Macumba, Victor Hugo, de 32 anos, é um ogã ativo nos afazeres religiosos e na construção do discurso político e racial de sua campanha. Ele é músico profissional e atua como produtor em seu estúdio particular. Victor Hugo testemunha que a incorporação dos discursos raciais por Waguinho Macumba se deu principalmente depois que ele ingressou na União Espiritualista de Umbanda do Estado do Rio de Janeiro (Ueuaerj), em 2014.

Segundo Victor Hugo, foi na Federação Umbandista que ele e Waguinho perceberam “como funcionam as questões levantadas pelos movimentos sociais, como consciência política e racial”. Victor Hugo afirma que Waguinho Macumba passou a construir outro ideário de militância político-religiosa, em que não é preciso ser do Movimento Negro, mas “precisa deixar de ser somente pedinte para ocupar o espaço de poder, ser um agente de transformação dentro do poder político”.

Victor Hugo esclarece como a entrada em uma federação religiosa, de âmbito nacional, foi primordial para o desenvolvimento das habilidades políticas de Waguinho Macumba. Ao tornar-se uma das lideranças destacadas do estado do Rio na Federação Umbandista, ele encontrou oportunidades para elaborar discursos, estimulando a resistência do povo de axé ao cerco que sofre pela intolerância religiosa. Dessa forma, a figura de Waguinho Macumba apresenta-se como uma “legítima” opção para o povo de axé de São Gonçalo. Sua campanha para vereador é analisada aqui como uma das formas de tentar utilizar dispositivos jurídicos para produzir “moldes de esperança” em face dos constantes ataques de intolerância religiosa (Giumbelli 2008GIUMBELLI, Emerson. (2008), “A presença do religioso no espaço público: modalidades no Brasil”. Religião e Sociedade, vol. 28, no 2: 80-101.).

A decisão da candidatura de Waguinho visa a contrapor-se à escalada das ações do tráfico de drogas contra os terreiros afro-brasileiros, fato que se espalhou com muita rapidez pela localidade. Em aproximadamente um ano, sua família recebeu a ordem de que os traficantes não queriam “macumba” na comunidade, e logo depois o chefe do tráfico foi à sua casa, com um fuzil, chamando por sua mãe: “Ô tia, ô tia, chega aqui que eu quero falar com a senhora!” Wagner esclarece que a mãe ficou com receio de atender e se expor, mas os traficantes foram diretos e afirmaram que “não queriam ninguém com roupa de santo na rua nem no terreno do lado”, referindo-se ao espaço no qual os membros do terreiro realizavam festas esporadicamente.

Waguinho Macumba afirma que, para defender seu terreiro, foi necessário entrar na política e surgir como candidato a vereador, uma vez que, para ele, só um representante legítimo de terreiro, que vive os problemas e as aspirações da comunidade afrorreligiosa, pode entender o drama a que estão eles submetidos. Por ser de comunidade pobre, ter origem espiritual e herança consanguínea no mesmo terreiro de umbanda desde que nasceu, Waguinho acredita diferenciar-se dos demais candidatos, que aparecem nas casas de axé apenas no período eleitoral, trocando voto por “cerveja para festa”. Porém, para que sua candidatura alcançasse êxito e conseguisse atingir os objetivos, ele alerta para a necessidade de união entre as lideranças de terreiro e entre os terreiros de umbanda e candomblé.

Com sua campanha restrita pela pandemia da Covid-19, a formação da imagem política de Waguinho Macumba ficou praticamente dedicada às redes sociais e às mídias eletrônicas. Sua atuação midiática revela que, na contemporaneidade, os afrorreligiosos também encontram nas mídias digitais não oficiais um território no qual podem ser ouvidos e buscar a efetivação de seus projetos (Cunha 2017bCUNHA, Magali. (2017b), “Política, mídia e religião: o ativismo progressista entre evangélicos brasileiros por meio do Facebook e do Twitter”. São Bernardo do Campo, C&S, vol. 39, no 3: 217-244.).

Dessa forma, a campanha de Waguinho Macumba organizou circuitos virtuais, transbordando as fronteiras do religioso, abrindo canais de discussão sobre a educação básica de crianças, jovens e adultos, temas raciais, problemáticas de saneamento básico e ocupação do espaço público (Macumba s. d.).

O núcleo de campanha do candidato buscava a todo instante notícias que traziam a cobertura sobre temas raciais, com o objetivo de produzir vídeos, lives e apresentações públicas midiáticas que pudessem destacar a atuação de Waguinho Macumba como um candidato atualizado, sempre preparado para falar em nome do povo de terreiros de São Gonçalo. O Instagram oficial (Macumba s. d.) do candidatoMACUMBA, Waguinho. [s. d.], “@waguinhomacumbaoficial”. Instagram. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/waguinhomacumbaoficial/ . Acesso em: 14/12/2020.
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buscava trazer informações, como a discussão sobre a importância, para o povo negro, do adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2020), além de trazer para o contexto municipal propostas que explicitassem a necessidade de construir marcos afrorreligiosos no espaço público, como o Marco Zero da Umbanda, já enunciado.

As repercussões dos movimentos estadunidenses Vidas Negras Importam também foram debatidas em suas redes sociais, fazendo sempre um paralelo entre os movimentos de superação do racismo fora do país e os enfrentamentos raciais encontrados no município. Assim, Waguinho Macumba também recebeu notoriedade internacional, ao ser matéria do The Associated Press, de Nova York, em que aparece em fotos, discutindo com um evangélico, que mostra a Bíblia e afirma que ele, Waguinho, iria para o inferno por estar preparando uma cerimônia aberta para a comemoração nacional da umbanda em São Gonçalo (Sousa 2020SOUSA, Marcelo Silva de. (2020), “AP Photos: Afro-Brazilian Religious Leaders Run for Office”. AP News. Disponível em: Disponível em: https://apnews.com/article/religion-brazil-rio-de-janeiro-municipal-elections-elections-fbd9eba22f6f7f67a4448534c9083642 . Acesso em: 14/12/2020.
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).

Esse site, que se apresenta como organização de notícias global independente dedicada a reportagens factuais, cobriu as eleições no Brasil em 2020 e destacou falas de lideranças religiosas que apontam episódios de racismo ocorridos no município de São Gonçalo contra o povo de axé. Assim, Waguinho Macumba aparece na reportagem como um produtor relevante de conteúdo para sua religião, criando movimentos em torno das necessidades religiosas, como a diminuição do processo burocrático para legalizar as casas e o impacto financeiro na manutenção dos terreiros no município de São Gonçalo.

A campanha de Waguinho Macumba também elaborou lives que abordavam diversos temas voltados ao sagrado do candomblé e da umbanda. Adotou como principal viés político o discurso de luta contra a intolerância religiosa, defendendo a garantia da entrada da temática racial e religiosa afro-brasileira nas escolas municipais, a elaboração de discursos e vínculos políticos que fortaleçam sua imagem política, tendo como inspiração o babalorixá Ivanir dos Santos (Macumba s. d.; Bentes 2015BENTES, Ivana. (2015), Mídia-multidão: estéticas da comunicação e biopolíticas. Rio de Janeiro: Mauad X.). Nem sempre sua estratégia de diálogo com outros segmentos sociais funcionou em um plano político mais amplo. Além das divergências internas aos movimentos sociais, sabemos que há um dissenso entre o chamado “povo de santo”, que se organiza e se articula de modo fragmentário (Aguiar 2018AGUIAR, Camilla Fogaça. (2018), “Deus abençoe São Gonçalo!”: uma prefeita na linha de frente da guerra santa. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em História Social, Uerj.), buscando alcançar, em alguns momentos, uma unidade, não obstante suas divergências (Miranda; Boniolo 2017MIRANDA, Ana Paula Mendes de; BONIOLO, Roberta M. (2017), “‘Em Público, é preciso se unir’: conflitos, demandas e estratégias políticas entre religiosos de matriz afro-brasileira na cidade do Rio de Janeiro”. Religião e Sociedade , vol. 37, no 2.). Dessa forma, o candidato e sua equipe tentam enfrentar o desafio de dar visibilidade e reconhecimento a um personagem que traz em sua identidade política a demarcação da religiosidade afro-brasileira, em um município de destacado crescimento evangélico.

Waguinho Macumba elabora seus discursos e palavras de ordem para o “povo de axé”, afirmando ser como um “corpo da multidão”, criando sua própria metodologia. Desse modo, adquire um perfil informativo “midialivrista”, diferenciado do rigor e da hierarquização presentes nas mídias produzidas por empresas de comunicação (Bentes 2015BENTES, Ivana. (2015), Mídia-multidão: estéticas da comunicação e biopolíticas. Rio de Janeiro: Mauad X.).

A “midialivrista” produz a cultura advinda de “periferias e das bordas, apontando para a emergência de uma cultura popular digital”. Assim, Waguinho Macumba confere visibilidade às necessidades afro-brasileiras no município de São Gonçalo, ressaltando suas carências e segregações em relação a segurança, projetos políticos, reconhecimento como instituições religiosas, entre outras. Enquanto projeta as necessidades de sua comunidade religiosa pelas redes sociais, Waguinho Macumba também nos permite perceber um novo processo formativo de organização entre o povo de candomblé e umbanda, no qual as mídias e seu alcance apresentam-se como o principal território de constante movimentação entre os povos de axé, proporcionando novos desafios para os pesquisadores da religião (Bentes 2015BENTES, Ivana. (2015), Mídia-multidão: estéticas da comunicação e biopolíticas. Rio de Janeiro: Mauad X.).

Conclusão

Se formos examinar as interseções conflitivas e confluentes entre os indicadores de raça, identidade e religião, no sentido de avaliar as apropriações que as distintas religiões - afro-brasileiras e evangélicas -, no contexto de São Gonçalo, fazem desses elementos, poderemos chegar também a uma conclusão que abarca diferenciados níveis.

No caso, Burdick (1998) chama a atenção para o fato de o maior contendor do povo afrorreligioso, o pentecostalismo, também ser uma religião de maioria negra, em que há “uma visão compartilhada entre os crentes de todas as identificações raciais de que os negros da Assembleia [de Deus] estão ‘mais próximos de Deus’ que qualquer outro” (Burdick 1998:137). O autor destaca que também podemos encontrar no pentecostalismo a interseção entre a retórica racial e a espiritual. Assim como as religiões afro-brasileiras, o pentecostalismo, de maneira peculiar, também estabelece uma conexão entre raça e espiritualidade, em que os negros conseguem cargos de destaque na religião pelo artifício de se considerarem mais “espirituais” que os de pele mais clara (Burdick 1998:139).

Pelo lado dos afrorreligiosos, em outra forma de apropriação desses signos, Siqueira (2006SIQUEIRA, José Jorge. (2006), “Entre Orfeu e Xangô: a emergência de uma nova consciência sobre a questão do negro no Brasil (1944-1968)”. Rio de Janeiro: Pallas.) destaca que se encontra na figura da escravidão o papel fundamental na (re)construção de “certa alteridade negra”, em que os candomblés têm o papel de unir o que a diáspora separou. Assim, as religiões de base africana, por meio de lideranças como a de Waguinho Macumba, buscam construir seus discursos com base no desejo de desempenhar uma função significativa de construção social por meio da resistência cultural e política do negro, configurando-se uma insubordinação de cunho étnico diante da imposição de outras culturas dominantes.

No entanto, devemos considerar níveis de desacordo entre as lideranças de axé, de suas casas entre si, de sua relação com indivíduos que se querem porta-vozes do grupo. Tudo isso revela margens de liberdade e de coerção nas quais se constituem as formas de solidariedade do povo de santo e sua projeção no espaço público (Levi 2006LEVI, Giovanni. (2006), “Usos da Biografia”. In: J. Amado; M. de M. Ferreira. Usos e abusos da História oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 8ª ed.:182). Neste artigo, não buscamos apenas as características que privilegiam a coerência e a coesão do grupo, pois estaríamos subestimando sua constituição, sua amplitude, além de esvaziar as questões existentes entre os indivíduos e os coletivos.

Assim, entendemos que o fato de não estar plenamente assegurada uma total identificação da imagem de Waguinho Macumba com a comunidade afrorreligiosa de São Gonçalo, com distanciamentos e desconfianças, não inviabiliza suas propostas de representação, principalmente quando os casos de racismo religioso emergem. Consideramos que experimentos como a candidatura de Waguinho e outras congêneres buscam superar a dificuldade diagnosticada por pesquisadores de que a desarticulação “os penetra e determina[,] [sendo] tentativas sempre dispersas e isoladas de resolução dos [seus] problemas”, e que, pela “ausência de uma ótica social mais ampla”, estão distantes “de quaisquer práticas coletivas” (Negrão 1996NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1996), “Magia e religião na umbanda”. Revista USP , vol. 31: 76-89.:89). Por iniciativas como essa, podemos avaliar que as religiões afro-brasileiras não se encontram apenas em estado de inércia perante os ataques que recebem de evangélicos pentecostais.

É fato que Oro afirma que existe uma fraca reação dos afrorreligiosos a esses ataques. Para o autor, por se tratar de religiões fortemente centradas em comunidades segmentadas dos terreiros e na ascendência que pais e mães de santo têm com cada indivíduo afilhado, seus membros parecem não se sentir pessoalmente atingidos quando a agressão é desfechada contra membros de outra casa de santo (Oro 1997ORO, Ari Pedro. (1997), “Neopentecostais e afro-brasileiros: quem vencerá esta guerra?”. Debates do NER , ano 1, no 1.:12).

Entretanto, no caso de São Gonçalo, com as iniciativas descritas, nos planos cultural e do patrimônio histórico, lideranças afro-brasileiras vão “procurar produzir reações, alianças e elaborar discursos políticos que eram quase insignificantes há duas décadas e agora têm despontado” (Silva, V. 2007SILVA, Vagner Gonçalves da. (2007), “Neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras: significados do ataque aos símbolos da herança religiosa africana no Brasil contemporâneo”. Rio de Janeiro, Mana, vol. 13, no 1. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132007000100008 . Acesso em: 17/12/2020.
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). Parece-nos que, em estado inicial, mas crescente, as lideranças afro-brasileiras em São Gonçalo e uma de suas expressões políticas, como a de Waguinho Macumba, procuram avançar esse processo.

O resultado das eleições de 2020 para a Câmara dos Vereadores de São Gonçalo, todavia, não confirmou a eleição do candidato Waguinho Macumba. Resultado similar ao de outras candidaturas afrorreligiosas resenhadas por pesquisadores no Rio Grande do Sul, que também não obtiveram êxito, como a de Tony de Oxalá, líder da Federação Afroconesul, de Vera Soares, mãe de santo e militante do Movimento Negro há 25 anos, e do babalorixá Pedro de Oxum Docô (Mariano; Oro 2010MARIANO, Ricardo; ORO, Ari Pedro. (2010), “Eleições 2010: religião e política no Rio Grande do Sul e no Brasil. Debates do NER, nº 18: 11-38.:18). Segundo os autores, a despeito da presença de alguns deles “na mídia televisiva” e de “sua constante presença na internet”, suas votações foram insuficientes para assegurar a vitória na ocupação desses cargos. Como explicação para o insucesso, “obstáculos internos e externos” conjugam-se. Do lado interno, a “histórica e endêmica rivalidade entre os líderes deste segmento religioso” (Mariano; Oro 2010:19). Do lado externo, a proeminência evangélico-pentecostal no campo político e, sequencialmente, nos campos social e cultural, promovendo decretos legislativos de defesa dos animais e de limpeza urbana, que, aprovados, constrangem práticas religiosas sacrificiais e cultuais das religiões afro-brasileiras e causam uma imagem desfavorável dessas religiões na sociedade.

Passando para o caso específico do insucesso eleitoral de Waguinho, a hipótese prévia que levantamos gira em torno do quanto a alcunha “Macumba” gerou preconceito no partido em que Waguinho hospedou sua candidatura. Além disso, do lado das lideranças afrorreligiosas locais, elas não o viam como o único candidato capaz de representar os terreiros do município.

Na eleição presidencial, muitos segmentos do povo de santo apoiaram candidatos da esquerda, e ainda o fizeram nessas últimas eleições municipais. Não obstante o povo de santo ter votado em peso em Haddad (PT), no âmbito das eleições presidenciais vimos uma polarização intensa em 2018. Os votantes em Haddad, segmentos das classes média e baixa, porém mais liberais e muitos com formação acadêmica completa, associavam a produção de intolerâncias de todos os tipos ao candidato apoiado pelas igrejas pentecostais e neopentecostais. Já para os outros eleitores, muitos pertencentes aos segmentos policiais e militares, seus discursos davam aval à ideia de uma sociedade “sem valores morais” e com problemas de segurança pública, temas presentes no discurso do atual presidente da República.10 10 Essas informações constam no Datafolha de 25 de outubro de 2018. Nas religiões umbanda e candomblé (juntas), Haddad tinha 70% dos votos, e Bolsonaro, 30%. Em números absolutos, Haddad obteve 7.558.087 votos, e Bolsonaro, 3.129.075.

Por fim, ao tentar, sob a bandeira da negritude, atrair votos negros da comunidade evangélica de São Gonçalo, sua origem no candomblé também produziu resistências de ambos os lados. Para nós, pesou consideravelmente o fato de o partido pelo qual Waguinho se candidatou, o PSDB, ser considerado, pelos grupos afrorreligiosos locais, um partido que não defende, nacionalmente, os interesses dos negros. Para nós, parece que a candidatura de Waguinho Macumba pagou o preço de almejar articular muitas diferenças.

De todo esse imbróglio, fica a constatação de que é dentro da dinâmica dos conflitos, das controvérsias e das diferenças entre o povo de axé e os pentecostais, mas também entre o povo de axé entre si, que se dão os arranjos e as articulações, expressando complexidades e contradições da presença pública das religiões afro-brasileiras. E, em uma primeira aproximação do caso de Waguinho Macumba, a apreciação que fazemos de sua campanha é de que esta parece apontar para a capacidade de resistência e reação do povo de axé contra assédios dos evangélico-pentecostais. Dentro dessa dinâmica, há potencialidades, como em outras candidaturas negras, em uma próxima eleição, de adquirir uma condição “proporcionalmente mais eficaz, a julgar por seu estado atual e crescimento numérico duradouro” (Silva, V. 2007SILVA, Vagner Gonçalves da. (2007), “Neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras: significados do ataque aos símbolos da herança religiosa africana no Brasil contemporâneo”. Rio de Janeiro, Mana, vol. 13, no 1. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132007000100008 . Acesso em: 17/12/2020.
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:24).

Vemos que os marcadores sociais, como os étnico-raciais, de religião e de classe, não são âmbitos diferentes de experiência que existem isoladamente uns dos outros nem podem ser simplesmente construídos em um único conjunto, como se fosse uma única obra. Essas categorias existem em e por meio das relações entre si, ou seja, relações interétnicas, raciais e religiosas são percebidas nos vínculos entre si, não são automaticamente referidas ou vistas de modo isolado, mas articuladas. As categorias de diferenciação não são idênticas entre si, mas existem em relações, íntimas, recíprocas e contraditórias (McClintock 1995MCCLINTOCK, Anne. (1995), Imperial Leather: Race, Gender and Sexuality in the Colonial Contest. Nova York: Routledge.).

Nas controvérsias, nos paradoxos na articulação entre esses marcadores, é possível percebermos resistências e a agência diversificada dos sujeitos. A percepção da articulação dessas categorias mostra-nos que há a possibilidade de diversos modos de agência dos sujeitos (Piscitelli 2008PISCITELLI, Adriana. (2008), “Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras”. Sociedade e Cultura, vol. 11, no 2: 263-274.:268), produzindo mais contradições e paradoxos.

Os modos de se ver como sujeito negro são produzidos nas interações dos segmentos internos do povo de santo, que mostram diferenças na cor da pele, na herança espiritual e familiar, na hierarquia espiritual (tempo de conhecimento no santo), como no caso de Cristiano de Oxalá (Aguiar 2018AGUIAR, Camilla Fogaça. (2018), “Deus abençoe São Gonçalo!”: uma prefeita na linha de frente da guerra santa. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em História Social, Uerj.). Sua posição hierárquica e sua herança familiar e espiritual atestam, em parte, uma negritude que lhe falta aos olhos dos líderes locais. Sua herança familiar e a agência espiritual do terreiro lhe dão suporte diante de líderes negros, mas não todo o tempo, e isso precisa ser negociado entre esses segmentos. Porém observamos que, nos casos de intolerância, há pausas nessas diferenças, para se unirem contra os segmentos pentecostais que os atacam (Aguiar 2018; Miranda; Boniolo 2017MIRANDA, Ana Paula Mendes de; BONIOLO, Roberta M. (2017), “‘Em Público, é preciso se unir’: conflitos, demandas e estratégias políticas entre religiosos de matriz afro-brasileira na cidade do Rio de Janeiro”. Religião e Sociedade , vol. 37, no 2.). Vemos o candidato a vereador Waguinho Macumba associar-se a grupos políticos, ao mundo acadêmico e situar-se entre as leituras sobre negritude de seu irmão e as imagens da religiosidade afro-brasileira presentes em sua trajetória familiar, em especial da umbanda, em que ele constrói suas atitudes diante do mundo da política. Entretanto, ao mediar entre um campo pentecostal e afrorreligioso, os modos de pensar e fazer políticas são atravessados, constituindo-se de modo paradoxal. Não obstante afirmar-se como candidato pobre, negro e afro-brasileiro, o modus operandi vigente em São Gonçalo, influenciado pela gramática de muitos anos de disputa eleitoral dos candidatos pentecostais, faz com que Waguinho use uma linguagem política mais próxima a esse universo religioso e que tente circular entre distintos segmentos, a fim de obter mais votos. Porém, sua construção de negritude e de herança familiar e espiritual, pautada pelo léxico dos orixás, não atinge seu eleitorado, que ainda gravita em torno da presença pentecostal de longos anos na política local.

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  • SOUZA, Cleinton. (2015/2), “Racismo estrutural, dissimulação do preconceito e pentecostalismo brasileiro”. Reflexus, ano IX, no 14.
  • 1
    Essa associação dos negros com os filhos de Cam está presente no discurso teológico e racial produzido muito antes das chamadas teorias raciais do século XIX. Arendt (1989ARENDT, Hanna. (1989), Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras.) mostra-nos que, antes do racismo científico, temos a construção das diferenças no campo das religiões, em especial na produção dos antissemitismos modernos, que seriam atrelados ao desenvolvimento do Estado-nação. Ver também: Leach (1982LEACH, Edmund. (1982), A Diversidade da antropologia. Lisboa: Edições 70.).
  • 2
    Livro Evangelizando a África, publicado em inglês (1999) e depois em português (2002). Atualmente, difícil de ser obtido. Crivella tem sistematicamente publicado desculpas por sua publicação. Ver: Folha de S.Paulo (2016FOLHA DE S. PAULO. (2016), “Crivella pede perdão por trechos de livro em que critica católicos, homossexuais e religiões africanas”. Folha de S. Paulo, Do Rio. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1823337-crivella-pede-perdao-por-trechos-de-livro-em-critica-igreja-catolica-religioes-africanas-e-homossexuais.shtml , 16 out. 2016. Acesso em: 14/12/2020.
    https://www1.folha.uol.com.br/poder/elei...
    ) e Jakobskind (2016JAKOBSKIND, Mário Augusto. (2016), “Crivella não assume que pregava ideologia colonial na África”. Brasil de Fato. Disponível em: Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2016/10/18/crivella-nao-assume-que-pregava-ideologia-colonial-na-africa . Acesso em: 14/12/2020.
    https://www.brasildefato.com.br/2016/10/...
    ). No decorrer de toda a sua campanha, comentou que as referências que fez ao catolicismo foram “lamentáveis”, e o pedido de desculpas vale também para a “homossexualidade”. O candidato se reuniu com representantes de religiões e de movimentos LGBT e assinou a Carta-compromisso com os direitos humanos contra a violência, o racismo e a intolerância religiosa, redigida pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.
  • 3
    É digno de registro que uma história do associativismo político negro remonta a época colonial e imperial na forma das “Irmandades” e também dos “Quilombos” (Reis 1991REIS, João José. (1991), A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Cia. das Letras.; Munanga 1995-1996MUNANGA, Kabengele. (1995-1996) Origem e histórico do quilombo na África. Revista USP, vol. 28, dez./fev.).
  • 4
    Desde 1915 pode-se constatar a existência de uma imprensa negra, com jornais como o Menelick e outros. Posteriormente na década de 1930, surge um outro conjunto, de onde se destaca A Voz da Raça (Bastide 1972BASTIDE, Roger. (1972). “A imprensa negra do estado de São Paulo”. In: R. Bastide, O negro na imprensa e na literatura. São Paulo: ECA/USP.).
  • 5
    Nascida em fevereiro de 1935, morreu em julho de 1994. Participou da fundação de instituições como o MNU, o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), o Coletivo de Mulheres Negras N’Zinga e o Olodum. Sua militância em defesa da mulher negra levou-a ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), no qual atuou de 1985 a 1989. Foi candidata a deputada federal pelo PT, elegendo-se primeira suplente. Nas eleições seguintes, em 1986, candidatou-se a deputada estadual pelo PDT, novamente elegendo-se suplente. Entre os anos 1981 e 1984, Lélia Gonzalez compôs o conselho editorial do jornal Mulherio (1981-1988), uma das publicações mais importantes do movimento feminista brasileiro. No artigo “Beleza negra, ou ora yê-yê-ô”, a autora faz menção à imagem de Oxum para abordar, no uso da mitologia, a ideia de beleza negra e também uma construção de um feminismo identificado nas imagens da religião e de seu orixá de cabeça. Nesse sentido, as iabás terão algum papel na desconstrução de imagens do preconceito racial e na valorização identitária construída sob forte influência da religião (Bahia 2018:204-205).
  • 6
    O pentecostalismo é uma variação do protestantismo histórico, mas sua peculiaridade está em pregar a crença na contemporaneidade dos dons do Espírito Santo, entre os quais se destacam os dons de línguas (glossolalia), cura e discernimento de espíritos, e em defender a retomada de crenças e práticas do cristianismo primitivo, como a cura de enfermos e a expulsão de demônios. Temos como exemplo de denominações pentecostais: Congregação Cristã no Brasil, Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo, Deus É Amor, Casa da Bênção e outras (Mariano 2004). Já o neopentecostalismo assume a utilização de gestão empresarial, mídia, para o trabalho de proselitismo em massa e propaganda religiosa, e “centralidade da teologia da batalha espiritual contra as outras denominações religiosas, sobretudo as afro-brasileiras e o espiritismo”, a partir dos anos 1970, quando a palavra “pentecostalismo” vai ser acrescida do prefixo “neo”. Em contexto nacional, destacamos: Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra, entre outras de menor visibilidade (Silva, V. 2007SILVA, Vagner Gonçalves da. (2007), “Neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras: significados do ataque aos símbolos da herança religiosa africana no Brasil contemporâneo”. Rio de Janeiro, Mana, vol. 13, no 1. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132007000100008 . Acesso em: 17/12/2020.
    https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
    ).
  • 7
    Aos 12 anos, ingressou na Igreja Nova Vida. Ainda adolescente, mudou-se com a família para o município de São Gonçalo. É professora de história. Depois de carreira política exitosa, candidatou-se a deputada federal nas eleições de 2014, mas teve o registro indeferido com base na Lei da Ficha Limpa, já que foi condenada por improbidade administrativa, em janeiro daquele ano, pela 20a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
  • 8
    Panisset intitulava-se “Lavoura de Saia”, em referência à figura de Joaquim Lavoura e suas atuações em obras públicas à frente do município de São Gonçalo. Durante sua primeira campanha, em 2004, adotou o discurso assistencialista e obteve 50.338 votos. Suas ações corroboram estudos sobre a atuação das parlamentares brasileiras com dedicação especial a projetos na chamada “área social”, como saúde, educação e assistência social (Machado 2006:133). Usou como símbolo de sua primeira campanha a imagem de um tijolo, simbolizando a proposta de reconstrução de São Gonçalo. À época, pequenos tijolos de borracha foram distribuídos nas ruas do município (Aguiar 2018).
  • 9
    As expressões “guerra santa” e “guerra religiosa” fazem menção ao debate público na década de 1980 sobre um conjunto de igrejas pentecostais que incentivaram seus adeptos a praticar ataques às religiões afro-brasileiras. Segundo Bortoleto (2014BORTOLETO, Milton. (2014), Não viemos para fazer aliança: faces do conflito entre adeptos das religiões pentecostais e afro-brasileiras. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, USP.), a “guerra santa” é um sintoma que indica a diminuição do protagonismo religioso católico na esfera pública e um considerável crescimento da gramática pentecostal próximo dos setores mais pobres da sociedade brasileira.
  • 10
    Essas informações constam no Datafolha de 25 de outubro de 2018. Nas religiões umbanda e candomblé (juntas), Haddad tinha 70% dos votos, e Bolsonaro, 30%. Em números absolutos, Haddad obteve 7.558.087 votos, e Bolsonaro, 3.129.075.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2020
  • Aceito
    10 Dez 2021
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