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Memórias documentadas do grupo “Tradição dos Orixás”: reações, resistência e ressonâncias afro-brasileiras dos anos 1980

Documented memories of the “Tradition of the Orishas” group: Brazilian reactions, resistance and resonances in the 1980s

Resumos

Resumo: As religiões afro-brasileiras integram as lutas históricas de resistência às tentativas de apagamento da história e memória dos descendentes de africanos no Brasil. Entretanto, foi em fins dos anos 1980 e início dos anos 1990 que os terreiros e os seus integrantes, as chamadas comunidades de Egbé, passaram a exercer o protagonismo político na elaboração de estratégias político-jurídicas e epistemológicas de combate ao racismo. A partir da experiência do Projeto Tradição dos Orixás, constituído na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, analisa-se o movimento de afroperspectivação que ressignificou o papel de sacerdotes e sacerdotisas (autoridades civilizatórias) das religiões afro-brasileiras, deslocando-os do plano da representação simbólica e os inserindo na condição de interlocutores de um novo traçado de luta antirracista, que interpõe raça e religião. O objetivo deste artigo é apresentar essa trajetória singular, destacando a diversidade de estratégias de resistência, em particular, a perspectiva dos valores afrocentrados dentro dos terreiros e suas repercussões contemporâneas.

Palavras-chave:
memórias Afro-brasileiras; Tradição dos Orixás; racismo religioso; intolerância religiosa


Abstract: afro-Brazilian religions integrate a historical struggle against the attempted erasure of the history and memory of people of African descent in Brazil. However, it was in the late 1980s and in the early 1990s that the terreiros and their members, the “Egbé communities”, began to exercise the role of political protagonists in the elaboration of legal, political and epistemological strategies to counter racism. From the experience of the “Tradition of the Orishas Project”, constituted in the lowlands of the Rio de Janeiro state (Baixada Fluminense), the article analyses the movement of “afroperspectivation” that re-signified the role of priests and priestesses (civilisational authorities) of Afro-Brazilian religions, moving them beyond the realm of symbolic representation and toward the condition of interlocutors in a new trajectory of the anti-racist struggle, in which race and religion are intertwined. This article presents such singular trajectory, evincing the diverse strategies of resistance, particularly, the perspective of afrocentred values within the terreiros and their repercussion in the present.

Keywords:
afro-brazilian memories; Tradition of the Orishas; religious racism; religious intolerance


Este artigo integra um conjunto de reflexões dos autores sobre o campo religioso brasileiro, em especial, abordando suas transformações a partir do final dos anos 1970. O entrecruzamento dos temas religião e raça tem ocupado nossa agenda de pesquisas, mais sistematicamente, a partir de 2009, quando demos início ao levantamento de dados sobre o Projeto Tradição dos Orixás,1 1 Há menções à nomeação do grupo como Tradição dos Orixás, Nkicies e Voduns. De acordo com os entrevistados, Projeto Tradição dos Orixás é a forma pela qual o grupo ficou reconhecido. No entanto, as reflexões e avaliações sobre a hegemonia nagô e os impactos desta no contexto de legitimação no campo das chamadas religiões de matrizes africanas estão sempre no horizonte das discussões empreendidas. conduzido por um grupo diversificado de ativistas, entre 1987 e 1993.2 2 Identificamos 1993 como fim desse período de referência para a atuação do grupo no Rio de Janeiro, posto que o seu principal interlocutor, Jayro Pereira de Jesus, se encontra instalado no bairro Embu das Artes/SP, na casa da Iyalorixá Ana Rita Dias Encarnação, e detém a coordenação do Cenarab - Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira. O Cenarab fora idealizado por ocasião do 1º ENEN - Encontro Nacional das Entidades Negras, realizado em novembro de 1990, em São Paulo, e fundado no ano seguinte, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Atualmente, possui coordenações em diferentes unidades da federação. O objetivo deste artigo é apresentar essa trajetória, destacando a diversidade de estratégias de resistência, em particular, a perspectiva dos valores afrocentrados dentro dos terreiros3 3 Terreiro, comunidade de egbé, ilê são nomeações utilizadas por nossos interlocutores para designar seus respectivos espaços de culto, sendo que, como dito, há uma concepção epistemológica (civilizatória) sobre o que representa. Vale apontar que há diferentes formatos na grafia da língua yorubá. No caso dos nomes das lideranças e seus respectivos terreiros, procurou-se adotar a forma mais utilizada por eles para se autorreferir. e suas repercussões contemporâneas.

O Grupo tem sua gênese na região da Baixada Fluminense, sob a liderança do ex-seminarista baiano Jayro Pereira de Jesus, composto por ativistas do movimento negro, inicialmente reunidos em torno do Grupo Afro-Cultural Vinte de Novembro, sediado no município de Mesquita, Rio de Janeiro. É na pequena sala onde funcionava um tímido estúdio de fotografias do ativista Jorge Damião que se estruturam as conversas, as quais, mais adiante, desencadeariam um crescente processo de aglutinação de outros ativistas em torno do debate e da confluência entre racismo e religiões afro-brasileiras, como se verá adiante em relação à utilização dos termos racismo religioso e intolerância religiosa.

Com base na relação estabelecida com o primeiro terreiro de Candomblé, no mesmo município, o Ilê Omulu e Oxum, liderado pela Iyalorixá Meninazinha de Oxum, o Grupo, já institucionalizado sob a sigla IPELCY4 4 Em sua tese de doutorado, o Babalawô Ivanir dos Santos (2018) apresenta importante análise sobre a criação do Ipelcy e as dinâmicas da resistência dos movimentos afro-religiosos nos anos 1980, que repercutiram na organização atual da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa. Na mesma direção, analisou-se tal processo em trabalhos anteriores, nos quais foi destacado o papel crucial do Tradição dos Orixás como articulador e motor de reações efetivas às investidas (neo)pentecostais, pouco reconhecidas pela produção das Ciências Sociais (Gomes 2010; Gomes e Oliveira 2013, 2016, 2019). - Instituto de Pesquisa e Estudo da Língua e Cultura Yoruba - amplia crescentemente o seu raio e ação para o interior dos terreiros de Candomblé na região da Baixada Fluminense, e também, embora com menos intensidade, na zona oeste do Rio de Janeiro. Será o IPELCY que oferecerá um curso de língua Yoruba, ministrado por dois jovens nigerianos, estudantes da Universidade Federal Fluminense (UFF), e que atrairá muitos dos ativistas que se engajarão no Tradição dos Orixás. Esse foi o caso da historiadora Gésia de Oliveira, filiada ao campo evangélico, cuja dedicação ao conhecimento aprofundado da cosmovisão africana e ao planejamento e execução das atividades do Tradição dos Orixás a equiparou, na horizontalidade, ao comando intelectual exercido por Jayro Pereira de Jesus.

O intuito da pesquisa era reunir documentos que pudessem remontar a memória do período de atuação do grupo, como forma de fundamentar a contextualização do debate sobre racismo. Como pano de fundo, pretendia-se assinalar o caráter gestador presente nas ações empreendidas naquele momento, que repercutiram nas décadas seguintes em diferentes movimentos, manifestações, ações jurídicas e políticas antirracistas concernentes à temática religiosa. À época, chamava nossa atenção a emergência do termo “intolerância religiosa”, que ganhara espaço no início dos anos 2000, pelo fato de não encontrarmos, nas narrativas dos anos 1980, sua adoção como foco de luta no discurso desses movimentos. O combate ao racismo aglutinou os movimentos sociais negros e religiões afro-brasileiras, tendo como foco central o combate à perseguição religiosa. Somente mais adiante a noção de intolerância seria incorporada ao debate público.

Nesses mais de dez anos de pesquisa, houve alguns períodos de concentração na coleta de dados e escrita dos resultados. Foi acionada a rede de integrantes do Tradição dos Orixás, com o objetivo de registrar as memórias da gestação, a atuação e os impactos das ações desencadeadas pelo grupo. Com base nesse material passamos a inventariar outros documentos do período que estavam dispersos, bem como matérias de jornais com notícias das atividades realizadas e aquelas que mencionassem algum integrante do Tradição. Ocorreram três episódios fundamentais para a identificação dos atores e acontecimentos que conformaram a atuação do grupo inicial.

O primeiro foi a realização de 10 entrevistas, entre 2009 e 2010, com as seguintes lideranças: Mãe Beata de Iyemonjá, Mãe Meninazinha de Oxum e Mãe Palmira de Oyá; Babalorixá Adailton Moreira; Jorge d’Ogun; Uillian Portela; Iyalorixá Wanda de Omulu; Jorge Damião; Vanda Ferreira; Sérgio e Vera Ferreira. O segundo episódio se deu em dezembro de 2015, quando foram feitas duas entrevistas em profundidade com Jayro Pereira de Jesus, reconhecido e apresentado pelos demais entrevistados como o principal articulador e referência do Tradição. A primeira entrevista ocorreu em Florianópolis, no llê Àsé Olorunfúnmí/Centro de Estudos e Pesquisa de Cultura Afro-brasileira Orunmilá, comandado pelo Babalorixá Guaraci Fagundes. Meses após, realizamos um novo registro, dessa vez em vídeo, em fevereiro de 2016, que durou cerca de oito horas, nas instalações do laboratório de mídia da Faculdade de Formação de Professores, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,5 5 O espaço da Uerj foi sugerido pelo professor João Bodê, do Departamento de Geografia daquele Campus, que mobilizou todos os recursos humanos e tecnológicos necessários para desenvolver, futuramente, um documentário. Bodê participou ativamente de todos os encontros realizados pelo Tradição, na condição de colaborador e fotógrafo, não raro assumindo responsabilidades no cumprimento de tarefas à semelhança de outros ativistas do Grupo. Somos gratos por sua participação imprescindível na pesquisa, e pela cessão de parte de seu acervo fotográfico para a confecção do livro. Também não podemos deixar de pontuar a importância, para a pesquisa, do acesso ao acervo do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Pacc/ECO-UFRJ), em particular, as coleções Relações Raciais e Centenário da Abolição. em São Gonçalo. Essas trocas foram cruciais para alinhavar diversos acontecimentos, temas e atores que estiveram presentes na montagem do quadro de ações do grupo, sua fundamentação teórica e suas repercussões. Ambos produziram um material de 125 páginas transcritas, com passagens que vão de sua biografia à conformação do ideário afroepistêmico que pautou a atuação do grupo.6 6 As entrevistas apontaram que, desde os anos 1970, havia grande interesse no aprofundamento de debates dentro dos terreiros, impulsionados pela leitura de autores como Roger Bastide e Pierre Verger. As produções de Frans Fanon (1968), Muniz Sodré (1988) e Juana Elbein (1986), em particular, são constantemente acionadas por diferentes interlocutores dessa pesquisa. Esse período de efervescência contém diferentes componentes que interagem e complexificam o campo religioso, dentre estes: o fortalecimento do processo de africanização dos terreiros, o incremento da circulação e incorporação de debates acadêmicos (Prandi 1998).

O terceiro episódio ocorreu nos dias 12 e 13 de março de 2016. O I Encontro do Grupo Culturas Negras e Valores Civilizatórios, assim intitulado pelos remanescentes do Projeto Tradição dos Orixás, realizado no Ilê Àṣẹ Egi Omim, em Ilha de Guaratiba, cidade do Rio de Janeiro. Foram filmados, fotografados e transcritos os relatos, as reuniões e a confraternização, com a autorização dos presentes. Cerca de 100 pessoas, entre religiosos, vinculados ou não ao Tradição no passado, e ativistas estiveram presentes para partilhar lembranças e discutir perspectivas de atuação. A ata do encontro evidencia a importância desse momento:

Os debates refletiram a expectativa do grupo quanto à necessidade de reafirmar uma nova dinâmica de atuação social dos Terreiros, em confluência com um novo olhar do movimento negro, para a defesa e disseminação dos pressupostos civilizatórios da tradição africana. Considerou-se que os elementos estruturais neles contidos - teórico-conceituais e epistemológicos, filosóficos e teológicos - devem consolidar uma reorientação dos enfrentamentos ao racismo, bem como dos seus desdobramentos, em especial o racismo religioso, comumente denominado intolerância religiosa (...) Foi consensual entre o grupo que as suas ações deverão contribuir para restabelecer os Terreiros como o principal lugar de referência da tradição africana, para além, portanto, da ritualística religiosa, levando a uma revisão das posturas personalistas que acabam por fortalecer o servilismo e a subalternidade, operados pela lógica revigorada do colonialismo. A ancestralidade deve ser reconhecida como o caminho para a reorganização da vida e da existência, restituindo, assim, o modelo de racionalidade que valoriza o “nós”. (Ata, 13 de março de 2016)

Esse encontro possibilitou reafirmar um dos motores de nossa pesquisa, que era não só verificar a existência de reações das religiões afro-brasileiras aos ataques sofridos, mas frisar sua efetividade e ressonância dentro e fora dos movimentos negros e dos terreiros. O banco de dados resultante da pesquisa evidencia, nos diálogos e nas propostas apresentadas, o acúmulo e a diversidade de ideias do movimento erigido há mais de trinta anos, e disseminado em diferentes regiões do Brasil. Uma das propostas de retomada das atividades do grupo consiste no estímulo, a partir do escopo da Lei nº 10.639/2003,7 7 Esta Lei, sancionada em 2003, altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1995), e cria a obrigatoriedade no currículo escolar do ensino de História e cultura africana e afro-brasileira. à recriação de encontros semelhantes àqueles realizados no passado, mas agora em unidades escolares, configurados como projetos pedagógicos com eixo no debate sobre filosofia e mitologia africana. A proposta, sugerida no âmago de um debate efervescente sobre o que o grupo denomina “pedagogia civilizatória de terreiro”, traduz o esforço em atualizar o movimento de reação e resistência ao racismo implementado pelo Tradição dos Orixás.

Durante o período de execução do Tradição dos Orixás, iyalorixás e babalorixás, denominados pelo ideário do grupo como “autoridades civilizatórias”, recepcionaram o Projeto em seus terreiros e se engajaram, realizando atividades e ampliando a rede de contatos, nomeadamente: Joaquim Mota, José Flávio Pessoa de Barros, Nilsson de Osaniyn, Rubens, Reinaldo de Sangó. As iyalorixás mais proeminentes foram: Gisèle Omindarewa, Florinda de Yansan (Mãe Flor), Meninazinha de Oxum, Beata de Iyemonjá e Palmira de Oyá, estas compunham o Conselho Religioso. Décadas depois, dentre as “autoridades civilizatórias”8 8 O termo tem ganhado robustez nas falas de iyalorixás e babalorixás, ativistas dos movimentos negros e acadêmicos. Sua construção parece corresponder às seguintes premissas: os terreiros são depositários de memórias, de tempos longínquos, de escravizados que ali resguardaram saberes e fazeres confluentes com os valores civilizatórios da tradição africana; os sacerdotes exercem uma autoridade civilizatória, porque as práticas a presidirem as relações entre os indivíduos da comunidade do terreiro devem estar para além do manejo dos elementos constitutivos dos rituais. Tais práticas devem se reconstituir como espaços de preservação e disseminação de uma ética própria e, portanto, de uma comportamentalidade coadunada com a cosmovisão alicerçada no princípio da filosofia Ubuntu (palavra em língua xhosa que significa eu sou porque nós somos). Assim, a autoridade civilizatória deve ter como missão primordial zelar pelo terreiro como lugar de acolhida, de aconselhamento qualificado a cada indivíduo da comunidade do Egbè e das comunidades circunvizinhas, porque o indivíduo somente se realiza na plenitude quando o coletivo se fortalece. presentes, merecem destaque a Iyalorixá Wanda de Omulu, que recepcionou o I Encontro, e o babalorixá Paulo de Ogun, do Ilê Asè Ògún Alàkòrò. Estes, na juventude, participaram intensamente dos eventos promovidos pelo Tradição dos Orixás, e atualmente são inovadores em seus terreiros.9 9 Meninazinha de Oxum, Beata de Iyemonjá e Palmira de Oyá eram as únicas vivas no contexto da realização deste Encontro de 2016. Mãe Beata não pôde comparecer. Foi representada por seu filho carnal, o então Bàbá Ẹgbẹ́ Adailton Moreira, que também integrou o surgimento e a atuação do projeto nos anos 1980. No curso da pesquisa, Mãe Beata faleceu em 27 de maio de 2017, aos 86 anos. Dentre as várias homenagens prestadas por grupos religiosos, o movimento negro em nível nacional e poderes públicos, está a adoção de seu nome para a rua em que está localizado o Ilê Omi Oju Aro, atualmente sob a liderança dos seus quatro filhos carnais, respondendo pela Casa o agora Babalorixá Adailton Moreira. Em 8 de novembro de 2020, faleceu Palmira de Oyá. Lembramos aqui a importância dessas iyás, inclusive no campo das reações jurídicas. No início da década de 1990, Iyá Palmira, processou judicialmente o jornal Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus, por calúnia e difamação. A decisão judicial foi favorável levando à indenização pela publicação de imagens de crianças do terreiro na matéria “Filhos do demônio”. Recebeu nova indenização no processo movido contra a editora do livro Candomblés, caboclos e guias: deuses ou demônios?, de autoria de Edir Macedo (Silva 2007:233).

No mesmo compasso, em 2016, discutiu-se também a atualização dos modelos de resistência e a necessidade de retomar o investimento nos valores afrocentrados dentro dos terreiros, no sentido de sua efetiva incorporação e transmissão às novas gerações. Acentua-se que, para avançar nessa direção, é exigível a superação da visão imposta pelo conhecimento produzido ao longo do processo de colonialidade (Quijano 2005QUIJANO, Aníbal. (2005), “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”. In: E. E. Lander (ed.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso.), que estabeleceu, mais que a racionalidade do sistema político e econômico no Ocidente, as lógicas de cognição e de existência. Como efeito, no encontro o Grupo alega criticamente que tem cabido ao terreiro a representação, acima de tudo, de lugar de assistência, tratamento e cura espirituais do indivíduo consumidor de fé.10 10 Esta discussão foi apontada por Prandi (1998), quando este aborda a tensão entre africanização, sincretismo, branqueamento e mercado religioso em relação às religiões afro-brasileiras. Este considera que o terreiro é, antes, lugar de reafirmação de uma tradição ancestral, reconfigurada na diáspora africana (Sodré 2017SODRÉ, Muniz. (2017), Pensar nagô. Rio de Janeiro: Vozes .), que possui, portanto, os seus próprios elementos filosóficos, constituintes de uma outra “existencialidade afroperspectivada”, o que a nomeação como simples espaço de culto não consegue expressar seu significado. Essa reflexão coincide com a fundamentação de políticas públicas levadas a cabo por governos com forte inclinação ao reconhecimento das lutas antirracistas, entre os anos 2000 e 2010.

Em artigo anterior (Gomes 2010GOMES, Edlaine de Campos (2010), “Dinâmica religiosa e trajetória das políticas de patrimonialização: reflexões sobre ações e reações das religiões afro-brasileiras”. Interseções: Revista de Estudos Interdisciplinares (UERJ), 12: 131-158.) articulam-se as políticas culturais e de preservação da memória, como o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Planapir 2006BRASIL. Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). (2006), Plano nacional de promoção da igualdade racial - PLANAPIR. Brasília.), às trajetórias de reivindicações dos movimentos negros e de terreiros, anunciando dados iniciais da pesquisa sobre o Tradição do Orixás. Dentre as linhas de atuação do Plano, constavam políticas dedicadas à preservação das denominadas “comunidades tradicionais de terreiro”, em especial, à proteção de seu patrimônio material e imaterial, articulado ao reconhecimento do Estado laico, da liberdade de credo e do combate à intolerância religiosa. Em certa medida, a presença dessa temática no Plano Nacional foi associada por um de nossos interlocutores como resultado do processo desencadeado pela organização das reações das religiões afro-brasileiras nos anos 1980, contexto de surgimento do Tradição.

Tais conexões constam em várias das narrativas coletadas, mas a recordação das origens do Tradição dos Orixás perpassa diretamente pela relação conflituosa estabelecida com o segmento neopentecostal, estando incorporada nas falas pessoais de cada entrevistado. Apontou-se em outro artigo (Gomes e Oliveira 2013GOMES, Edlaine de Campos; OLIVEIRA, Luís Cláudio. (2013), “Narrativas compartilhadas: cultura e conflito entre afro-brasileiros e neopentecostais”. In: M. Sepúlveda et al. (org.), Cultura, memória e poder: diálogos interdisciplinares. Rio de Janeiro: EdUERJ/FAPERJ.) que as comunidades-terreiros da Baixada Fluminense se organizaram tendo como veio a organização de reações às práticas neopentecostais emergentes à época, que atingiam a elas e a seus integrantes diretamente. Não é sem fundamento que a noção de preservação das religiões afro-brasileiras tem presença significativa nas políticas mencionadas, que equacionam “diversidade cultural”, “intolerância religiosa” e “igualdade racial”. A “preservação”, assim articulada, apresenta cruzamentos entre conteúdos amplos, com inscrição no campo do racismo, e singulares, concernentes às transformações do próprio campo religioso brasileiro a partir da década de 1970.

Não pretendemos destrinchar esse complexo panorama amplamente discutido pelas Ciências Sociais. Há, entretanto, um importante agente sem o qual não é possível realizar nosso debate: a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), fundada em 1977, precursora do segmento evangélico neopentecostal. Pode-se dizer que a Iurd passa a ser referência na conformação desse campo propriamente dito e do campo religioso brasileiro mais amplo. Ocupa também lugar de protagonista em controvérsias públicas que envolveram a mídia, o judiciário, a Receita Federal, a Igreja Católica, sendo objeto de incontáveis produções das Ciências Sociais dos últimos 40 anos (Giumbelli 2002GIUMBELLI, Emerson. (2002), O fim da religião: dilemas da liberdade religiosa no Brasil e na França. São Paulo: Attar.; Almeida 2007ALMEIDA, Ronaldo. (2007), “Dez anos do ‘chute na santa’: a intolerância com a diferença”. In: V. G. Silva (ed.). Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: EDUSP.; Gomes 2011GOMES, Edlaine de Campos. (2011), A era das catedrais da IURD: a autenticidade em exibição. Rio de Janeiro: Garamond.; entre outros). É inegável que tal antagonismo se expande para o campo que se conformou em torno do termo “evangélico”. Contudo, também é inegável que a Iurd é agente essencial nesse processo, mesmo sem haver propriamente inventado a demonização das religiões afro-brasileiras, historicamente perseguidas e mesmo criminalizadas no país. Nota-se que há uma concomitância histórica desse acirramento com a fundação das primeiras igrejas neopentecostais. O ponto central para a presente análise é a centralidade do “mal” em seu sistema de crenças, diretamente associado às religiões afro-brasileiras, assumidas e visibilizadas como o seu “outro” mais imediato, a quem se deve combater. Não cabe apresentar a trajetória controversa dessa igreja, mas referir que esta atuou como motor preponderante no processo de organização original do Tradição dos Orixás.

É relevante assinalar que o Tradição dos Orixás teceu uma aliança política entre ativistas do movimento negro e líderes religiosos do Candomblé, em particular, e de outras vertentes do campo afro-brasileiro, em torno do desenvolvimento de ações para a preservação de religiões de matriz africana no país. As várias estratégias de se repensar a identidade negra tinham como fundamentos o resgate da história, a valorização da tradição e a memória baseadas na afrocentricidade. Nosso objetivo é contribuir para o debate sobre formas e ressonâncias da organização e da luta contra o racismo, em particular, em sua combinação com a temática da religião, muitas vezes invisibilizadas, e possíveis impactos no processo de transmissão de memórias e formas de resistência contemporâneas.

A visibilização dos Terreiros e as lutas antirracistas dos anos 1980 e 1990

Durante o período do desenvolvimento do Projeto Tradição dos Orixás no Rio de Janeiro, entre meados dos anos 1980 e início dos anos 1990, foi sendo construída uma nova ótica sobre o lugar dos Terreiros. Houve um processo de visibilização impulsionada pela notoriedade, dada pelos meios de comunicação, principalmente pela mídia escrita. Foi um período emblemático de resistência dos cultos afro-brasileiros, que legou aos tempos atuais a narrativa firmada na luta contra a intolerância religiosa. Para a melhor compreensão dessa afirmação, cabe contextualizar brevemente a onda de visibilização dos terreiros de candomblé que os inscrevem no cenário das lutas antirracistas.

É importante sublinhar que um braço estratégico essencial para dar visibilidade às ações estava por conta das relações construídas entre o Grupo e a grande imprensa, especialmente a imprensa escrita. Essa relação foi favorecida pelo contexto do centenário da abolição, que tinha considerável apelo nas redações, e principalmente, porque era ainda uma novidade de interesse midiático o crescimento vertiginoso do setor do campo evangélico que elegia os cultos afro como alvo principal de sua perseguição. A habilidade do Grupo consistiu em atrair jornalistas, inicialmente para informar sobre o curso de Yoruba na Baixada Fluminense. Pouco a pouco, jornalistas do peso de Fernando Molica, Chico Alves, Tim Lopes e Carlos Nobre passaram a pautar o Tradição dos Orixás,11 11 Chico Alves é atualmente colunista do UOL. À época, era editor-assistente da revista Isto É, depois, editor-chefe do jornal O Dia. Fernando Molica é atualmente editor da revista Veja e âncora da CNN Brasil. À época, atuou no jornal O Globo e Folha de São Paulo. Tim Lopes, ganhador de vários prêmios, era repórter investigativo da Rede Globo quando foi violentamente assassinado, durante uma investigação contra o abuso e prostituição infantil e tráfico de drogas em um baile funk da Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Carlos Nobre, falecido em 2019, cobriu, pelo jornal O Dia, todos os eventos organizados pelo Tradição dos Orixás. então alçado, para a opinião pública, à condição de mediador da interlocução entre movimento negro e terreiros, e articulador das lutas que vinculavam racismo e religião.

Considera-se aqui o caráter histórico, processual e dinâmico das lutas antirracistas. O recorte temporal adotado diz respeito às narrativas de lideranças e integrantes do autodenominado Tradição do Orixás, que identificam aquela década como marco fundamental no investimento da conexão política e temática entre religiões afro-brasileiras e combate ao racismo, conduzida dentro e fora dos terreiros. Nossa pesquisa apontou vetores que orientam esse percurso: epistemológico, jurídico e político. A centralidade do vínculo entre religião e racismo no âmbito das reações dos atores sociais envolvidos na organização das ações e reações, marcadamente de integrantes de terreiros e militantes do movimento negro; a relevância do acionamento do dispositivo jurídico no combate ao racismo/intolerância religiosa/racismo religioso; e a formação de redes de discussão e fundamentação, fundadas na perspectiva afrocentrada, que traça uma distinção em relação ao conceito ocidental de religião.

Os anos 1980 marcaram o período de redemocratização, com ênfase nos debates em torno de uma nova Constituição Federal, a Constituição Cidadã, assim como foi a década dos Cem Anos da Abolição da Escravidão, ambos ocorrendo em 1988. Dez anos passados desde o ato de protesto nas escadarias do Theatro Municipal, em São Paulo, de onde surge o Movimento Negro Unificado - MNU com a expectativa de criar a unidade nacional da luta antirracista amparada no binômio raça e classe, não se tinha visto ainda tamanha mobilização.12 12 A fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, desdobra da reação à discriminação sofrida por quatro atletas negros no Clube Tietê e à morte de um trabalhador negro, Robson Silveira da Luz, devido a torturas policiais. O ato reivindicava melhores condições de vida e denunciava o racismo e as dificuldades encontradas pelos negros no acesso ao mercado de trabalho (Hanchard 2001; Pereira 2013). Também, marca a convergência de um setor do movimento negro, com grande poder de influência, ao ideário marxista, representado, na literatura nacional, na obra de autores como Florestan Fernandes (2007; 2008). Dessa vez, com um nível mais elevado de relações institucionais e, portanto, com mais recursos, os preparativos para os protestos em razão das condições de vida marginal da maioria da população negra após o fim da escravização jurídica ganharam em magnitude. As ações antirracistas foram articuladas em diferentes níveis, em conjunto à criação de órgãos públicos (consultorias, conselhos, assessorias), principalmente nas administrações de estados e municípios. Várias atividades foram realizadas em museus, centros culturais, clubes, escolas e universidades. Além de tais atividades de reflexão em ambientes controlados, também ocorreram as manifestações de rua, especialmente com o apoio de sindicatos, setores progressistas da igreja católica e algumas agências de cooperação internacional, que àquela época mantinham interlocução com instituições e lideranças negras.13 13 Por exemplo, desde 1986 a Asseaf, a associação dos ex-alunos da extinta Funabem, que deu origem ao Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, o Ceap, já mantinha relações de cooperação com pelo menos duas agências ligadas ao ecumenismo internacional, a alemã Pão para o Mundo (Brot für die Welt), e a britânica Christian Aid. O Ceap, atualmente detém a coordenação executiva do movimento conhecido como Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada desde 2008, no Rio de Janeiro. Burity (2017) desenvolve uma análise sobre instituições e redes ecumênicas no âmbito cristão, entre as quais as duas agências mencionadas, que atuaram diretamente no apoio à organização dos movimentos sociais no período, em diferentes partes do então chamado “terceiro mundo”.

A Marcha Contra a Farsa da Abolição foi o evento culminante da série de protestos de menor envergadura que vinham sendo realizados nos diferentes municípios do estado do Rio de Janeiro. Marca também a ocupação do espaço público por manifestações antirracistas de massa, com repercussões nos anos posteriores (Rios 2012RIOS, Flavia. (2012), “O protesto negro no Brasil contemporâneo (1978-2010)”. Lua Nova, São Paulo, nº 85: 41-79, Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452012000100003&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 16/12/2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). O mote orientador era a mobilização para a desconstrução do mito da democracia racial, dando visibilidade às reivindicações dos movimentos. Os discursos das lideranças, na tarde de 11 de maio de 1988, da mesma forma, denunciavam a profunda desigualdade social entre negros e brancos, unificando diversas vozes dos movimentos negros e de outros segmentos. O forte aparato policial presente desde o início da Marcha, ocorrida na Avenida Presidente Vargas, com concentração na Candelária, teve seu percurso impedido. A frase “Vamos caminhar até onde o racismo deixar” se tornou slogan nos discursos. Repetida várias vezes como denúncia. Tais imagens podem ser acessadas ainda hoje, por meio do documentário “Marcha de 88 - Reflexão 125 anos”.14 14 O site do Cultne apresenta um rico acervo dedicado à cultura negra, disponibilizando documentos imprescindíveis ao entendimento dos movimentos e trajetórias negras, o documentário citado neste artigo está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gbbm0MeNxk4, acesso em: 10/12/2020.

Nossas assembleias sempre foram realizadas no subúrbio e na Baixada Fluminense, essa deliberação foi que a marcha passasse pacificamente pela Presidente Vargas até a Central do Brasil. Isso foi deliberado por assembleias constituídas por mais de 200 companheiros do subúrbio e da Baixada Fluminense, mobilizadas pelos comitês do movimento negro que organizaram essa marcha. Nesse momento nos vemos barrados pela força policial. Estamos sentindo que esse é o limite imposto pelo racismo aos negros brasileiros. O que fazemos? O que fazemos? Sabemos que esse racismo é capaz de nos eliminar. Sabemos que esse racismo é capaz de nos eliminar. Isso é feito individualmente. Neste momento, é necessário frisar, que agora como estamos organizados não podemos mesmo assim determinar nossos caminhos. Agora estamos organizados nas favelas, em todo lugar onde o negro é massacrado. Se diz que se mata negro porque são marginais, porque não tem reflexão, porque não tem consciência. Aqui por que querem nos oprimir? Essa é a pergunta que o comando da marcha deixa. Por que querem nos oprimir, nós que sabemos que nossa marcha deve ser pacífica? Isso é uma humilhação que o mundo inteiro tem que ver. Mas nós somos responsáveis. Nós somos responsáveis perante essa força policial. Teremos que reforçar muito mais nossas forças. Ainda não é hora desta confrontação. (Amauri Mendes, 11 de maio de 1988, Marcha Contra a Farsa da Abolição)

A fala proferida por Amauri Mendes durante a Marcha evidenciou todo o processo de silenciamento violento imposto à população negra no país, condensado naquele momento, no qual a manifestação esteve ostensivamente cercada pela polícia militar. A centralidade das ações policiais nas periferias do Rio de Janeiro, em sua região metropolitana, expunha na principal avenida da cidade (personagem icônica das manifestações políticas daqueles anos pós-ditatura) a violência contra os movimentos antirracistas e populares. Revela também as estratégias de organização e mobilização dos movimentos negros à época, com forte ramificação na Baixada Fluminense, o que repercute na junção entre os movimentos negros e os terreiros.15 15 Vale referir que havia esse debate e ações em segmentos católicos e protestantes, que inclusive se organizaram e participaram da Marcha Contra a Farsa da Abolição, de 1988, conforme pode ser notado nas imagens do documentário, como foi o caso dos Agentes de Pastoral Negros (Rocha 1998). Conferir também a tese de Rosenilton Oliveira (2017), que analisa a relação raça e religião, trazendo para o debate instituições de diferentes segmentos religiosos que articulam ações políticas e religiosas. O Rio de Janeiro se deparou com ações efetivas de enfrentamento ao racismo no período. Acionar a memória da Marcha é importante para nossa reflexão, justamente por esta expor à sociedade mais ampla a presença de instituições e atores sociais organizados em torno da temática negra. Ali estavam representados diversos segmentos dos movimentos negros, em sua diversidade política e religiosa.

Essa diversidade foi apontada naquele mesmo ano por um catálogo organizado pelo Iser (Damaceno, Santos e Giacomini 1988DAMACENO, Caetana; SANTOS, Micenio; GIACOMINI, Sonia. (1988), “Catálogo de entidades de movimento negro no Brasil: precedido de um perfil das entidades dedicadas à questão do negro no Brasil”. Comunicações do ISER, nº 29: 1-27.), que identificou instituições fundantes para a formação das redes que conformaram as ações antirracistas contemporâneas, em particular, as que incorporam as religiões afro-brasileiras como agentes essenciais. O Tradição dos Orixás aparece nesse documento em suas origens vinculadas ao Ipelcy (Instituto de Pesquisa e Estudos da Língua e Cultura Yoruba). A criação do IPCN em 1976, no Rio de Janeiro, também listado no catálogo, provém de uma intensa mobilização para a retomada da “luta racial no Brasil” como se dizia à época, sob a inspiração do movimento anticolonialista na África e do panafricanismo, que conduziriam às lutas de libertação nacional e despontariam líderes reconhecidos com marcada base no pensamento marxista. O instituto foi referência para a fundação do Ipelcy, nove anos mais tarde, em 1985.

A orientação era estimular a militância e a articulação dentro dos terreiros para fazer frente às investidas neopentecostais. Não se tratava de fazer pesquisas, mas de militar junto ao povo de santo, no sentido da valorização de seu modo de vida e combate ao racismo. Além disso, era acionado o poder civilizatório sugerido pelo ensino da língua yoruba. Em poucos anos, depois da participação no Primeiro Encontro Estadual do Movimento Negro do Rio de Janeiro, realizado no Centro de Formação de Líderes, no bairro Moquetá, Nova Iguaçu, o instituto passou a ser identificado como de Grupo de Trabalhos da Religião e, em seguida, de Instituto de Articulação das Religiões Afro-Brasileiras (Inarab) e, logo a seguir, Centro Nacional das Religiões Afro-Brasileiras (Cenarab).16 16 O Inarab foi criado por Jayro Pereira e conferiu ao trabalho um maior alcance, para além da região da Baixada Fluminense, à época, na condição e fellow da Ashoka. A sigla seria substituída por Cenarab a partir de um grupo de religiosos afro de Minas Gerais, dissidentes no I Enen (Primeiro Encontro Nacional do Movimento Negro), em São Paulo, em novembro de 1991, em razão da pauta aprovada não incluir debate específico sobre esse campo, mesmo tendo como tema orientador: Avaliação. Concepções. Desafios e Perspectivas do Movimento Negro, e promover a abertura do Encontro com um “culto à ancestralidade” liderado pela Iyalorixá Sylvia de Oxalá. O Cenarab, institucionalizado em 1992, por sugestão de Jayro Pereira, mais adiante seguiria um caminho independente do Tradição dos Orixás. Atualizaria a extensão da Sigla a renomeando, durante um Encontro em Santa Catarina, para Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, na tentativa de aglutinar e incorporar outros segmentos à luta. Segundo Célia Gonçalves, a Macota Celinha, atual coordenadora nacional da instituição, a proposta era se diferenciar de setores representados, por exemplo, pelo Intecab (Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro Brasileira) que à época eram remarcadamente voltados para o terreiro apartadamente das questões políticas mais amplas. Na concepção do Cenarab era necessário promover ações com dimensão politicamente mais enfronhada com outros setores considerados essenciais para a visibilidade da questão do direito à liberdade religiosa. Após esse processo ficou identificado como Projeto Tradição dos Orixás, hoje reconhecido como precursor do movimento de combate ao racismo, em particular, aquele direcionado às religiões afro-brasileiras.

O intuito da ação do ativismo nos terreiros, revelado pelos interlocutores da pesquisa ao longo da última década, era organizar uma reação estruturada contra os ataques de igrejas neopentecostais, sendo representadas particularmente pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), a principal expoente desse campo. Recém-fundada, em 1977, alcançou rapidamente visibilidade ao adotar o discurso da batalha espiritual, a teologia da prosperidade e a ocupação de espaços centrais nas cidades, na política e em outros eventos da vida. Os impactos dos discursos que demonizavam diretamente as religiões afro-brasileiras se faziam visíveis no cotidiano de seus integrantes na década seguinte. De acordo com as narrativas coletadas, havia agressão física e simbólica, que ocorria contra os terreiros e seus adeptos. Tais ações foram acompanhadas de reações e convergências com as reivindicações dos movimentos negros, em plena década dos Cem Anos da Abolição. A conexão entre essa movimentação e organização internas e o embate com as igrejas neopentecostais é fundamental na reflexão desses atores sociais sobre a trajetória do grupo.

Emerge nesse contexto o objetivo de organizar, a partir de dentro dos terreiros, a luta contra o racismo e os ataques sofridos, ocorrendo uma conexão imediata entre os dois. Esse movimento contava com um engajamento na organização dessa rede de militância, com a realização de diversas reuniões, em diferentes espaços. O grupo colocava em ação o objetivo de impulsionar reflexões sobre a própria conformação interna dos terreiros, questionando a concepção de “religião” como conceito colonizador, e inserindo a noção de “valores religiosos afrocentrados”.

Os relatos dos ativistas dos movimentos negros informam que as religiões afro-brasileiras, que antes eram percebidas à sua margem, passam a ocupar lugar central, marcadamente no que tange a questões relativas à memória do conflito com o seu “outro” contrastivo, os evangélicos neopentecostais. O Tradição dos Orixás foi forjado nesta junção, que não foi realizada sem tensões. Evidenciam a importância da formação de duas comissões: religiosa e administrativa. Embora reconheçam os vários atravessamentos, a primeira era integrada pelas autoridades religiosas, dentre estas as iyalorixás: Meninazinha de Oxum, Palmira de Oyá e Beata de Iyemonjá, figuras basilares nas décadas seguintes nos debates públicos sobre racismo e religiões afro-brasileiras. A comissão administrativa era composta basicamente por integrantes dos movimentos negros, dentre os quais as intelectuais Gésia de Oliveira e Azoilda Trindade, a ekede Tânia Moreira e os egbomi17 17 Egbomi (meu irmão mais velho) são pessoas que já cumpriram o período de sete anos da iniciação, autorizados a conduzir os iniciados. Ver em Lody (1995). Ednaldo, Jutaí, Odilon e Micênio Santos - todos esses já falecidos - e também Vera e Vanda Ferreira, Sergio Dias, Monica Miranda, presentes no Encontro de 2016 no Rio de Janeiro, dentre outros.18 18 Vale referir que essa militância forjou a trajetória de lideranças que ainda hoje atuam, em diferentes instâncias, e influenciou vários pesquisadores e ativistas em diferentes campos e saberes. Dessas referências, podemos citar, por exemplo: Jayro Pereira, atualmente coordenador da Escola Ubuntu, Aldeia Ubuntu, Vale do Akoko, na localidade de Mata de São João - BA. Monica Miranda, mestra e doutoranda e em Antropologia, pesquisa o feminismo negro na década de 1980. Atualmente é doutoranda em Antropologia pela Unicamp. Sérgio Dias e Luiz Bruno, são professores de História com reconhecida influência no debate sobre docência, racismo e currículo escolar. Luís Cláudio de Oliveira, professor da Uerj, pesquisador com produção científica marcada por reflexões sobre temáticas afro. Ivanir dos Santos, professor, pesquisador, Babalawó referido nacional e internacionalmente, que assim como Wanda Araújo, Paulo Reis e Adailton Moreira são hoje lideranças reconhecidas como continuadores das ideias estruturadas pelo Tradição dos Orixás.

Conforme explicações concedidas por duas lideranças, naquele momento o trabalho do grupo alcançou uma proporção política significativa. A abertura de redes e espaços de atuação cresciam por conta da adesão às propostas encaminhadas pelo Tradição, incorporando integrantes dos terreiros, militantes e simpatizantes. A organização e o fortalecimento eram necessários na medida em que viria “chumbo grosso, porque estava mexendo com coisas que até então estavam quietinhas no seu canto” (Vera Ferreira. Entrevista: Julho, 2010FERREIRA, Vera. (2010), Entrevista: Julho, 2010.). A primeira casa a ser procurada foi a de Meninazinha de Oxum, em São Mateus, município de São João de Meriti. O Ilê Omolu e Oxum recebeu o grupo e foi ali que se irradiou para outros terreiros a proposta de ações coordenadas e organizadas para visibilizar as perseguições, reagir, resistir.19 19 Conforme as entrevistas, os ativistas asseguram que tudo começou a partir da consulta oracular feita no Ilê de Omolu e Oxum de Iyá Meninazinha de Oxum, quando ela fornece uma lista de outros sacerdotes e outras sacerdotisas, com os respectivos contatos, alertando, porém, das possíveis dificuldades que encontrariam.

“A Guerra Santa Fabricada”: ações de organização e resistência

A pesquisa mostrou um rápido poder de organização e disseminação das reações organizadas pelo Projeto Tradição dos Orixás, que ainda em 1988 propôs as duas comissões mencionadas (administrativa e religiosa), a divulgação de um dossiê e o mapeamento de terreiros na Baixada Fluminense. A primeira reunião da Comissão Oju Obá composta por 12 membros, foi divulgada em matéria de Carlos Nobre, no jornal O Dia, de 5 de junho daquele ano (Nobre, 1988NOBRE, Carlos. “Grupo protegerá cultos afro contra deturpações”. Jornal O Dia, edição de 05 de junho,1988.). A articulação para compor esse grupo segue a lógica inicial de identificar e acionar integrantes-chave da rede de terreiros, com o objetivo de colocar em práticas as ações. Jayro Pereira de Jesus é o porta-voz sobre seus objetivos, dizendo:

Vamos processar judicialmente todos os agressores das religiões afro-brasileiras, com base no capítulo sobre os Direitos e Garantias Individuais da Constituição, que assegura a todos os cidadãos a liberdade de religião. Queremos ver se alguém prova que as religiões afro são coisa do diabo. (Nobre 1988)

Figura 1
Cópia da versão do dossiê em poder da Iyalorixá Palmira de Iansã.

Profissionais da área jurídica e integrantes dos terreiros foram convidados a compor a comissão, como as ekedes Tânia Maria Sales Moreira, Luzia da Silva, a iyalorixá Dulceia Alves da Silva, e Valdir Falbo, ogã. Tal estratégia, em particular, evidencia o teor político-jurídico da comissão Oju Obá. Além desses, os demais eram historiadores, escritores e antropólogos. Dentre estes, destaca-se Micênio Santos, antropólogo coautor do catálogo referido neste artigo, que ressalta a organização e a formação intelectual dos integrantes da comissão. Menciona também um processo de institucionalização da comissão, com a ocupação de uma sala na Associação dos Ex-Alunos da Funabem (Asseaf), que à época era presidida por Ivanir dos Santos, e de onde se originou, em 1989, o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP). É nessa instituição que o ativista se consolidará como liderança central no debate público sobre intolerância religiosa, anos depois.

A Comissão Oju Obá não tardou a organizar uma agenda de trabalho para receber denúncias de “discriminação contra os cultos afro”, sendo previstas coordenações regionais e registro das ocorrências nas delegacias. Esse aprendizado seria reproduzido, como modelo mais sofisticado, nos primeiros passos da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), criada no Rio de Janeiro em 2008, sob a interlocução de Ivanir dos Santos, que aceitou o convite no contexto da I Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, instituída sob sua liderança, em resposta a uma situação de violência criada no Morro do Dendê, na capital (Santos 2018SANTOS, Carlos Alberto Ivanir dos. (2018), Marchar não é Caminhar: Interfaces políticas e sociais das religiões de matrizes africanas no Rio de Janeiro contra os processos de Intolerância Religiosa (1950-2008). Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em História Social, UFRJ.).

Na reportagem de Carlos Nobre, referida anteriormente, aparece mencionado o dossiê que foi entregue a Nilo Batista, advogado reconhecido e ex-secretário de polícia civil do estado do Rio de Janeiro, sendo descrito como “dossiê sobre as agressões que os terreiros e comunidades vêm sofrendo por parte dos membros das igrejas evangélicas e eletrônicas”. O dossiê A Guerra Santa Fabricada aparece, assim, em seu percurso político-jurídico, sendo posteriormente entregue ao Ministério Público. Esse balanço documentado sobre as ações contra as comunidades de terreiro visibilizou o projeto Tradição dos Orixás no Brasil e suas repercussões posteriores. Tivemos acesso físico a uma versão do dossiê, em 2018. A data impressa na capa é novembro de 1988, com título Dossiê de Notícias sobre as realizações do projeto Tradição dos Orixás, tendo como instituições responsáveis o Instituto de Articulação das Religiões Afro-brasileiras (INARAB) e o Instituto de Pesquisa e Estudos da Língua e Cultura Yoruba (IPELCY), indicando os atravessamentos das trajetórias dessas instituições e personagens na organização do combate ao racismo e à intolerância religiosa.

O jornal Maioria Falante,20 20 O jornal Maioria Falante foi idealizado no início dos anos 1970 por um intelectual que matinha o pseudônimo Togo Ioruba, e que teve o apoio de outros escritores e ativistas como Ele Semog e Helio de Assis. O diferencial de outras experiências da denominada Imprensa Negra era a inovação da pauta, aberta para os demais temas que compõem os marcadores sociais de diferença, como a questão indígena, de gênero, do “menor abandonado”, ciganos e outros. Posteriormente, já mais para o final da década seguinte, o Maioria Falante se ampliaria e passaria a abarcar o debate sobre raça e religião, na trilha aberta pelo Tradição dos Orixás. A prática desse Jornal, uma célula cofundadora do Ceap, exerceria destacada influência na criação da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa no Rio de Janeiro, em 2008. A frase “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, atribuída a Ângela Davis, aparece corporificada na reportagem que antecipa o debate contemporâneo. edição de julho/agosto de 1988, apresenta uma entrevista com Jayro PereiraMAIORIA Falante. (1988), “Candomblé e anti-racismo”. Entrevista com Jayro Pereira. Edição de julho/agosto de 1988., identificado como representante do Ipelcy. Na matéria “Candomblé e anti-racismo”, Pereira aborda o papel singular das religiões afro-brasileiras nesse processo e suas características, enfatizando como a questão racial é compreendida internamente, embora destaque a diversidade desse campo religioso. Observa que o entendimento de hierarquias religiosas sobre a questão racial se apresentava mais receptiva do que o movimento negro, que à época não reconhecia o papel das religiões afro-brasileiras nas lutas antirracistas. Esse ponto de tensão é importante para a compreensão do trajeto percorrido pelo Tradição dos Orixás no reconhecimento destas no âmbito do ativismo político.

Analisando a documentação, identificamos um artigo do jornal O Dia, edição de 18 de dezembro de 1988, de autoria do ativista, com o título “Religiões Afro-brasileiras”. O texto explica o processo de configuração do Tradição dos Orixás, iniciado com o Ipelcy. Conta que em 16 de novembro de 1983 o instituto foi fundado, em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. A ideia era “investir ideologicamente contra os preconceitos, discriminações e estereótipos introjetados nas mentes da população brasileira”, informando a opinião pública sobre os ataques e, ao mesmo tempo, sobre “a riqueza e a complexidade das religiões de origem africana” (Pereira de Jesus 1988PEREIRA DE JESUS, Jayro. As religiões afro-brasileiras. Jornal O Dia , edição de18 de dez/1988.). A metodologia adotada foi a de documentar as perseguições das religiões afro-brasileiras desde o período colonial. No entanto, se deparavam com o crescimento dos ataques provenientes de “Igrejas Evangélicas do ramo Pentecostal ou Igrejas Eletrônicas”, nas palavras do ativista.

Esse material compilado foi distribuído e analisado nas Comunidades-Terreiro da Baixada Fluminense, e depois o organizamos com o nome de Subsídios para o Estudo do Recalque da Religião Afro-Brasileira pela Ideologia Cristã. Essas visitas às Comunidades-Terreiro se constituíram no primeiro passo para o surgimento do projeto Tradição dos Orixás, que culminou com a mobilização e articulação política de 3 mil adeptos das Religiões Afro-Brasileiras com a realização do primeiro ciclo de Encontros Regionais da Tradição dos Orixás, ocorrido entre 11 de outubro de 1987 a 18 de setembro de 1988 em várias regiões do estado, em especial na Baixada Fluminense, por abrigar um maior número de Comunidades-Terreiro. (Pereira de Jesus 1988)

O material coletado na pesquisa evidencia a intensidade do movimento realizado dentro e fora dos terreiros, incluindo a produção de documentos e o investimento na visibilização das ações empreendidas. Davam-se assim as bases do dossiê A Guerra Santa Fabricada, que foi anexado ao processo encaminhado ao Ministério Público, em 1989, em Brasília. Era basilar a materialização-registro dessa memória do vilipêndio por meio do inventário de situações violentas impingidas, sejam elas materiais (físicas) ou imateriais (simbólicas). Os relatos mencionam que se tratava de um conjunto de duzentos e cinquenta e seis páginas, entre texto escrito e anexos. O período de coleta de dados para a composição do dossiê foi entre 1983 e 1988. A meta era reunir e registrar informações sobre as agressões sofridas pelo “povo de santo”, fundamentando as denúncias e as ações no âmbito jurídico. Seu significado para a visibilização da intolerância religiosa foi amplamente narrado pelos entrevistados, no entanto, só tivemos acesso a uma cópia dele já no final da escrita do livro sobre o grupo (Gomes e Oliveira 2019GOMES, Edlaine de Campos. (2019), O tradição dos orixás: valores civilizatórios afrocentrados. Vol. 1. Rio de Janeiro: Mar de Ideias /IPEAFRO, 11º ed.). Mãe Palmira de Oyá há décadas guardava como relíquia uma cópia do documento. Nele constava a fundamentação jurídica e os registros de jornais, que noticiavam os ataques aos terreiros e as controvérsias entre o segmento evangélico neopentecostal, particularmente.

A importância deste dossiê reside basicamente em dois aspectos. Em primeiro lugar, ao folheá-lo, podemos ter uma visão geral do que tem sido feito até hoje. Em segundo lugar demonstra a potencialidade do nosso trabalho, já que temos conseguido atingir a chamada grande imprensa e, portanto, influir de alguma forma na opinião da sociedade mais ampla. A partir disso podemos concluir que somente a nossa unidade e organização poderá preservar o espaço das religiões afro-brasileiras na sociedade e modificar a visão deturpada que sempre tiveram das mesmas. (Dossiê A Guerra Santa Fabricada, fragmento do texto de apresentação)

O teor jurídico do dossiê, publicizado no ano seguinte à Marcha Contra a Farsa da Abolição, foi conferido por Tânia Maria Sales Moreira, promotora de justiça e ekede.21 21 Tornou-se referência no Rio de Janeiro após condenar o primeiro policial PM, soldado Andrade, por participar de um “grupo de extermínio de menores” na Região da Baixada Fluminense. A partir de então, viveu sob constante escolta e proteção. Foi promovida a Procuradora de Justiça Titular, da 2ª Procuradoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Faleceu em fins de 2000 depois de longa batalha contra um câncer. Ao dossiê, foram anexados três livros, tidos como constatação da “guerra santa” produzida por igrejas pentecostais. São eles: Orixás, Caboclos e Guias, de Edir Macedo, Os deuses da Umbanda, de Neuza Itioka, e Por que crescem os pentecostais, de Peter Wagner. O eixo dessas obras é a chamada “batalha espiritual”, cujo opositor a ser vencido é o maligno, diretamente relacionado pelos autores às religiões de matriz africana. A repercussão foi intensa, sendo divulgada pelo jornal Correio Braziliense (1989CORREIO Brasiliense. (1989), “Briga entre religiões chega à Procuradoria”, Brasília, 31 de agosto de 1989.), com a matéria “Briga entre religiões chega à Procuradoria”, que lista como ponto central do documento entregue ao subprocurador Claudio Lemos Fonteles “a articulação político-jurídica para defender os direitos das religiões afro-brasileiras”. Outro jornal, o Tribuna da Bahia (1989TRIBUNA da Bahia. “Dom Lucas recebe dossiê dos negros”, Salvador, 09 de setembro de 1989.), noticia a entrega do dossiê ao cardeal primaz do Brasil, o arcebispo Lucas Moreira Neves, ainda em setembro de 1989. De acordo com os relatos do percurso do dossiê junto aos setores externos ao movimento, a Igreja Católica foi acionada por haver o reconhecimento de que a instituição também era foco de ataques, se constituindo como uma parceira nas lutas. A reportagem informa que o dossiê teria sido iniciado em 1980 e finalizado em novembro de 1988. Anos depois, o jornal Folha de São Paulo (1996FOLHA DE SÃO PAULO. (1996), “Entidade acusa fiéis de racismo”, São Paulo, 23 de janeiro de 1996. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/1/23/brasil/35.html . Acesso em: 06/12/2021.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/1...
) noticiou a solicitação do Cenarab (antigo Inarab) para que o dossiê fosse encaminhado à Procuradoria Regional de São Paulo. Estava em curso a investigação do caso conhecido como “Chute na Santa”, envolvendo o bispo Sérgio Von Helder, da Igreja Universal do Reino de Deus, e a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil (Almeida 2007ALMEIDA, Ronaldo. (2007), “Dez anos do ‘chute na santa’: a intolerância com a diferença”. In: V. G. Silva (ed.). Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: EDUSP.).

O Cenarab (Centro Nacional da Africanidade e Resistência Afro-brasileira) acusa fiéis da Universal de praticar racismo e intolerância religiosa. O coordenador nacional da entidade, Jayro Pereira, disse que adeptos da Universal invadiram um terreiro de candomblé e atacaram os presentes com golpes de Bíblia. O ataque ao terreiro teria ocorrido em 5 de outubro de 1988, na cidade de São João de Meriti (a 10km do Rio, na Baixada Fluminense), durante um culto. De acordo com Jayro Pereira, os agredidos eram negros. “O pessoal da Universal batia com as bíblias nas costas das pessoas”, afirmou. (Folha de São Paulo, 23 de janeiro, 1996)

A trajetória do dossiê A Guerra Santa Fabricada registra o percurso mais amplo do racismo estrutural (Silvio Almeida 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. (2018), O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento.), se constituindo como uma contundente reação no plano político-jurídico das religiões afro-brasileiras, que lembra a intervenção de Amauri Mendes na Marcha Contra a Farsa da Abolição, impedida de prosseguir pela Avenida Presidente Vargas pelas forças repressoras do Estado. “Vamos marchar até onde o racismo deixar” não pode ser lida como mero reconhecimento dos limites impostos, mas como denúncia dessa imposição necropolítica (Mbembe 2018MBEMBE, Achille. (2018). Necropolítica. São Paulo: n-1 edições.). A atualidade do dossiê pode ser evidenciada por diversos exemplos de vilipêndio e destruição impostos às religiões afro-brasileiras e seus integrantes, tendo como base argumentos “cristãos”, denunciados por instituições, analisados em artigos acadêmicos e visibilizados em diferentes mídias.

Nota-se a intensidade dos eventos ocorridos em 1988 e nos primeiros anos da década de 1990. São inesgotáveis as possibilidades de análise de cada um deles, diante da diversidade de grupos, ações e propostas decorrentes das lutas antirracistas. Somente para exemplificar, em um curto espaço de tempo após a realização da Marcha Contra a Farsa da Abolição e, quase que concomitantemente à visibilização do dossiê A Guerra Santa Fabricada, foi organizado o I Encontro Estadual de Tradição dos Orixás no auditório do DCE da UFF, em Niterói, em novembro de 1988, que reuniu cerca de 3 mil pessoas que por lá circularam nos três dias do Encontro.

Figura 2
Cartaz de divulgação.

Figura 3:
Cartaz do I Encontro Estadual

Considerações finais: racismo, Intolerância Religiosa e/ou Racismo Religioso?

Os dados da pesquisa evidenciam que há uma assimilação desses três termos em momentos distintos da representação que ativistas fazem da relação entre racismo e religiões afro-brasileiras. O Projeto Tradição dos Orixás surge pautado pela interpretação comum ao movimento negro de que a perseguição aos terreiros era racismo. A militância que primeiro se lançou aos terreiros o fez se desviando da umbanda, inicialmente, e em direção ao candomblé, porque é nesse espaço que conjecturava encontrar homens e mulheres pretos e pretas. No entanto, esse pressuposto se choca com a identificação de integrantes dos terreiros de candomblé, que não se vêm necessariamente vitimadas pelo racismo. Outro dado relevante, é que na busca por articular novos atores ao Tradição, por exemplo, seus ativistas se depararam com o apoio de terreiros cujas lideranças eram brancas, mas que também acolheram o ideário do projeto e se tornaram reconhecidas parcerias, assumindo responsabilidades na sua difusão. É o caso do Ilê Asè Atará Magba, da Iyalorixá Omindareuá, Gisèle Cossard Binon (1943-2016), e do Ilê Omo Oya Leji, da Iyalorisá Palmira de Oya, Palmira Navarro (1945-2020). Em ambos, durante os encontros ali sediados à época, as iyalorixás e as centenas de filhos de santo demonstravam um sentimento em comum com os demais terreiros mobilizados, qual seja: a afetação das violências sofridas em função da manifestação de sua identidade religiosa, independentemente da classificação racial.

Essa tensão sempre latejou mais ou menos intensamente no âmbito do Tradição, embora não tenha sido tomada como objeto de discussão com vistas a alterar o formato da sua organização. Nesse sentido, no período marcado pela presença do Tradição na arena dos enfrentamentos, e na mídia, não se reconhecia o neologismo intolerância religiosa; falava-se, objetivamente, em racismo como justaposição das representações de toda agressão baseada na hierarquização por classificação racial. Tal contexto seria fundamental para a construção do discurso político exercido nos alvores dos anos 2000.

Antes disso, porém, a partir de meados dos anos 1990, as lideranças que se projetaram no rastro do trabalho político erguido pelo Tradição fizeram a interpretação dessa realidade à luz da percepção do potencial de crescimento daquelas manifestações públicas. Ao que parece, no intuito de promover maior visibilidade, passou-se a enfatizar um neologismo que impulsionaria e amplificaria o movimento para além dos limites da luta contra o racismo. A luta contra o que se entendia até então como racismo impregnado nos ataques aos terreiros assumiria uma nova configuração. Atraindo diferentes setores da sociedade civil organizada e da mídia corporativa, a coalizão de forças políticas então estabelecida se multiplicou, acomodando a luta específica contra o racismo na aba da defesa dos Direitos Humanos, contra a intolerância religiosa.

Não houve consenso, gerando afastamentos e críticas contundentes, sobretudo da parte dos ativistas diretamente ligados ao Tradição, como evidencia um de seus quadros, entrevistado dois anos depois da criação da Comissão Contra a Intolerância Religiosa no Rio de Janeiro, em 2008.

Eu não defendo isso. Porque nós é que somos discriminados duramente. Não é um judeu. Não é um Hare Krishna[...]. Esse Movimento Contra a Intolerância Religiosa, ele busca o quê? Tá claro? Eu não consigo ver o Norte disso. Ele quer objetivar o quê? Espaço? [...] Em termos de espaço, a base de uma sociedade democrática é o espaço de posicionamento. É medição de forças. Agora, você precisa ter pautas e agendas. Só que isso não é um problema só dos religiosos. Isso é um problema do Movimento Negro[...]. Eu acho que nós temos que definir uma agenda a partir do que foi a nossa participação nesse país, e dialogar com autonomia[...]. Quando eu falo, eu tenho que fazer um resgate da tradição, pois para mim, o que vai me faltar são esses valores. Então, eu vou ter que ter muita responsabilidade. Porque nessa minha experiência no viver, uma coisa que eu aprendi é isso: você não pode trair a história de luta do seu povo. Isso é cobrado da gente pelos nossos ancestrais. (Entrevista: Jorge d’Ogun, jun. 2010D’OGUN, Jorge. (2010), Entrevista: junho de 2010.)

A crítica desse ativista emparelha com a movimentação de uma engrenagem que tem procurado reverter, no plano conceitual, a perda de substância da abordagem que elucidava, na base desse conflito, a vigência do racismo e não da intolerância religiosa. Atualmente, a adjetivação “racismo religioso” emerge, tal qual racismo ambiental, racismo institucional, racismo cultural, racismo individual e outros racismos, em decorrência da revalorização da análise empírica para o aprofundamento do debate teórico, que tem sido carreada pela presença progressiva de ativistas, negros e negras atuando na construção de novos horizontes epistemológicos.

A adoção dos termos “intolerância religiosa” ou “racismo religioso” evidenciam tensões e estratégias políticas concernentes à ampliação do debate público e aos agentes que operam as dinâmicas antirracistas e anti-intolerância religiosa. Fato é que o processo de legitimação das religiões afro-brasileiras sempre foi historicamente tensionado pelo racismo, em suas diversas repercussões (Prandi 1998PRANDI, Reginaldo. (1998), “Referências sociais das religiões afro-brasileiras: sincretismo, branqueamento, africanização”. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 4, nº. 8: 151-167, jun. 1998 Referências sociais das religiões afro-brasileiras http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71831998000100008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71831998...
). A bipartição entre intolerância e racismo vale aprofundamentos teórico-conceituais, assim como observações no campo dos movimentos sociais implicados. As negociações em torno da adesão de tal ou qual sentido podem ser identificadas na conformação da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), criada em 2008 (Miranda e Boniolo 2017MIRANDA, Ana Paula Mendes de; BONIOLO, Roberta Machado. (2017), “Em público, é preciso se unir: conflitos, demandas e estratégias políticas entre religiosos de matriz afro-brasileira na cidade do Rio de Janeiro”. Religião e Sociedade, vol. 37, nº. 2: 86-119.). Adotar “intolerância” ou “racismo” relativizaria limites, parcerias institucionais e impactos, descentralizando ou não o lugar das religiões afro-brasileiras e, consequentemente, do racismo direcionado à população negra, da pauta política.

Tomando por base as subsequentes reconfigurações do Tradição dos Orixás, compreendemos que a organicidade do grupo original que o instituiu, e que se reencontrou em 2016, foi fragmentada. Entretanto, os enraizamentos dele derivados são constitutivos da permanência do seu legado, traduzido na sua dimensão política (produzindo discursos e ativistas engajados e estimulando o surgimento de novos atores), jurídica (utilizando-se dos instrumentos legais para reagir aos ataques) e epistêmica (ratificando a ineficácia do combate ao racismo sem a reconceituação das práticas relacionais, por dentro e de dentro para fora dos terreiros, reafirmando a sua gênese civilizatória, e não a ritualística religiosa).

A luta antirracista no Brasil parece ter incorporado definitivamente os terreiros como lugar de afirmação, transmissão e disseminação dos sentimentos e concepções que regem as relações humanas em consonância com os valores civilizatórios afrocentrados. Líderes religiosos dos terreiros e ativistas dos movimentos negros vão costurando o binômio raça e religião, potencializando o diálogo, orientado por novas demandas, direcionadas a todas as esferas da administração pública. Enquanto resultado consequente da aliança entre terreiros e movimentos negros, o Tradição dos Orixás criou suas próprias estratégias de combate ao racismo, vinculando agentes internos e externos à luta. Essa dimensão continua a estruturar as reflexões e as ações de diferentes líderes e grupos remanescentes diretos ou não da sua primeira arquitetura. Há novas experiências surgindo em diferentes regiões do país, inclusive na Baixada Fluminense, a região do nascedouro de todo esse processo, caracterizadas por essa visão, que estão sendo observadas, mas que precisam ser mais bem discutidas e visibilizadas.

Novos interlocutores constituem-se, de forma cada vez mais incisiva, em personagens de referência para a formulação de políticas públicas de interesse para a população negra, bem como se articulam com outras forças sociais pela ampla garantia de direitos, com foco na eliminação do racismo. É no diálogo com essas outras forças sociais, no plano da institucionalidade, e com a participação da mídia, que têm sido recontextualizados os termos racismo, racismo religioso e intolerância religiosa.

Em nossos dados, consta recorrentemente a ideia de que “ninguém é obrigado a tolerar ninguém, mas respeitar todo mundo tem obrigação” (Iyá Meninazinha de Oxum, entrevista concedida em outubro de 2010). Também está fortemente presente a memória do racismo que atravessa a história das religiões afro-brasileiras, incorporando a relevância dos entrecruzamentos entre militância e religião, incrementada nos anos de atuação do Tradição dos Orixás. Outro fator importante é a dimensão epistemológica existente na adesão dos terreiros à luta antirracista, na medida em que é referido como espaço por excelência da transmissão dos “valores civilizatórios afrocentrados”, estruturalmente combatido nos termos do racismo. Vale dizer que dentre as três estratégias identificadas no percurso do Tradição, essa é a que mais gera tensões, já que se apresenta como uma proposta que se contrapõe visceralmente à concepção hegemônica, pautada no que Abdias Nascimento (1978NASCIMENTO, Abdias. (1978), O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) qualificou como epistemicídio. Promover, portanto, o reposicionamento das comunidades tradicionais de terreiros nos parâmetros da afrocentricidade parece exigir um longo processo no qual o avanço de não mais que duas gerações, demonstra que talvez não se tenha feito mais que o iniciar.

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  • TRIBUNA da Bahia. “Dom Lucas recebe dossiê dos negros”, Salvador, 09 de setembro de 1989.
  • 1
    Há menções à nomeação do grupo como Tradição dos Orixás, Nkicies e Voduns. De acordo com os entrevistados, Projeto Tradição dos Orixás é a forma pela qual o grupo ficou reconhecido. No entanto, as reflexões e avaliações sobre a hegemonia nagô e os impactos desta no contexto de legitimação no campo das chamadas religiões de matrizes africanas estão sempre no horizonte das discussões empreendidas.
  • 2
    Identificamos 1993 como fim desse período de referência para a atuação do grupo no Rio de Janeiro, posto que o seu principal interlocutor, Jayro Pereira de Jesus, se encontra instalado no bairro Embu das Artes/SP, na casa da Iyalorixá Ana Rita Dias Encarnação, e detém a coordenação do Cenarab - Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira. O Cenarab fora idealizado por ocasião do 1º ENEN - Encontro Nacional das Entidades Negras, realizado em novembro de 1990, em São Paulo, e fundado no ano seguinte, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Atualmente, possui coordenações em diferentes unidades da federação.
  • 3
    Terreiro, comunidade de egbé, ilê são nomeações utilizadas por nossos interlocutores para designar seus respectivos espaços de culto, sendo que, como dito, há uma concepção epistemológica (civilizatória) sobre o que representa. Vale apontar que há diferentes formatos na grafia da língua yorubá. No caso dos nomes das lideranças e seus respectivos terreiros, procurou-se adotar a forma mais utilizada por eles para se autorreferir.
  • 4
    Em sua tese de doutorado, o Babalawô Ivanir dos Santos (2018) apresenta importante análise sobre a criação do Ipelcy e as dinâmicas da resistência dos movimentos afro-religiosos nos anos 1980, que repercutiram na organização atual da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa. Na mesma direção, analisou-se tal processo em trabalhos anteriores, nos quais foi destacado o papel crucial do Tradição dos Orixás como articulador e motor de reações efetivas às investidas (neo)pentecostais, pouco reconhecidas pela produção das Ciências Sociais (Gomes 2010; Gomes e Oliveira 2013, 2016GOMES, Edlaine de Campos. (2016), “O terreiro e os valores civilizatórios: tradição dos orixás e patrimônio afro-brasileiro”. In: E. C. Gomes e P. L. de Oliveira. (eds.). Olhares sobre o patrimônio religioso - Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mar de Ideias, 418-451., 2019).
  • 5
    O espaço da Uerj foi sugerido pelo professor João Bodê, do Departamento de Geografia daquele Campus, que mobilizou todos os recursos humanos e tecnológicos necessários para desenvolver, futuramente, um documentário. Bodê participou ativamente de todos os encontros realizados pelo Tradição, na condição de colaborador e fotógrafo, não raro assumindo responsabilidades no cumprimento de tarefas à semelhança de outros ativistas do Grupo. Somos gratos por sua participação imprescindível na pesquisa, e pela cessão de parte de seu acervo fotográfico para a confecção do livro. Também não podemos deixar de pontuar a importância, para a pesquisa, do acesso ao acervo do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Pacc/ECO-UFRJ), em particular, as coleções Relações Raciais e Centenário da Abolição.
  • 6
    As entrevistas apontaram que, desde os anos 1970, havia grande interesse no aprofundamento de debates dentro dos terreiros, impulsionados pela leitura de autores como Roger BastideBASTIDE, Roger. (1978), O candomblé da Bahia: rito nagô. São Paulo: Nacional. e Pierre VergerBERGER, Peter L. (1973), Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes.. As produções de Frans Fanon (1968FANON, Franz. (1968), Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.), Muniz Sodré (1988SODRÉ, Muniz. (1988), O terreiro e a cidade: a formação social negro brasileira. Rio de Janeiro: Vozes.) e Juana Elbein (1986SANTOS, Juana Elbein dos. (1986), Os nagô e a morte: pàde, asèsè, e o culto égun na Bahia. Petrópolis: Vozes .), em particular, são constantemente acionadas por diferentes interlocutores dessa pesquisa. Esse período de efervescência contém diferentes componentes que interagem e complexificam o campo religioso, dentre estes: o fortalecimento do processo de africanização dos terreiros, o incremento da circulação e incorporação de debates acadêmicos (Prandi 1998).
  • 7
    Esta Lei, sancionada em 2003, altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1995), e cria a obrigatoriedade no currículo escolar do ensino de História e cultura africana e afro-brasileira.
  • 8
    O termo tem ganhado robustez nas falas de iyalorixás e babalorixás, ativistas dos movimentos negros e acadêmicos. Sua construção parece corresponder às seguintes premissas: os terreiros são depositários de memórias, de tempos longínquos, de escravizados que ali resguardaram saberes e fazeres confluentes com os valores civilizatórios da tradição africana; os sacerdotes exercem uma autoridade civilizatória, porque as práticas a presidirem as relações entre os indivíduos da comunidade do terreiro devem estar para além do manejo dos elementos constitutivos dos rituais. Tais práticas devem se reconstituir como espaços de preservação e disseminação de uma ética própria e, portanto, de uma comportamentalidade coadunada com a cosmovisão alicerçada no princípio da filosofia Ubuntu (palavra em língua xhosa que significa eu sou porque nós somos). Assim, a autoridade civilizatória deve ter como missão primordial zelar pelo terreiro como lugar de acolhida, de aconselhamento qualificado a cada indivíduo da comunidade do Egbè e das comunidades circunvizinhas, porque o indivíduo somente se realiza na plenitude quando o coletivo se fortalece.
  • 9
    Meninazinha de Oxum, Beata de Iyemonjá e Palmira de Oyá eram as únicas vivas no contexto da realização deste Encontro de 2016. Mãe Beata não pôde comparecer. Foi representada por seu filho carnal, o então Bàbá Ẹgbẹ́ Adailton Moreira, que também integrou o surgimento e a atuação do projeto nos anos 1980. No curso da pesquisa, Mãe Beata faleceu em 27 de maio de 2017, aos 86 anos. Dentre as várias homenagens prestadas por grupos religiosos, o movimento negro em nível nacional e poderes públicos, está a adoção de seu nome para a rua em que está localizado o Ilê Omi Oju Aro, atualmente sob a liderança dos seus quatro filhos carnais, respondendo pela Casa o agora Babalorixá Adailton Moreira. Em 8 de novembro de 2020, faleceu Palmira de Oyá. Lembramos aqui a importância dessas iyás, inclusive no campo das reações jurídicas. No início da década de 1990, Iyá Palmira, processou judicialmente o jornal Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus, por calúnia e difamação. A decisão judicial foi favorável levando à indenização pela publicação de imagens de crianças do terreiro na matéria “Filhos do demônio”. Recebeu nova indenização no processo movido contra a editora do livro Candomblés, caboclos e guias: deuses ou demônios?, de autoria de Edir Macedo (Silva 2007:233).
  • 10
    Esta discussão foi apontada por Prandi (1998), quando este aborda a tensão entre africanização, sincretismo, branqueamento e mercado religioso em relação às religiões afro-brasileiras.
  • 11
    Chico Alves é atualmente colunista do UOL. À época, era editor-assistente da revista Isto É, depois, editor-chefe do jornal O Dia. Fernando Molica é atualmente editor da revista Veja e âncora da CNN Brasil. À época, atuou no jornal O Globo e Folha de São Paulo. Tim Lopes, ganhador de vários prêmios, era repórter investigativo da Rede Globo quando foi violentamente assassinado, durante uma investigação contra o abuso e prostituição infantil e tráfico de drogas em um baile funk da Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Carlos Nobre, falecido em 2019, cobriu, pelo jornal O Dia, todos os eventos organizados pelo Tradição dos Orixás.
  • 12
    A fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, desdobra da reação à discriminação sofrida por quatro atletas negros no Clube Tietê e à morte de um trabalhador negro, Robson Silveira da Luz, devido a torturas policiais. O ato reivindicava melhores condições de vida e denunciava o racismo e as dificuldades encontradas pelos negros no acesso ao mercado de trabalho (Hanchard 2001HANCHARD, Michael George. (2001). Orfeu e o poder: movimento negro no Rio de Janeiro e em São Paulo. Rio de Janeiro: EdUERJ.; Pereira 2013PEREIRA, Amilcar A. (2013), “O mundo negro”: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas.). Também, marca a convergência de um setor do movimento negro, com grande poder de influência, ao ideário marxista, representado, na literatura nacional, na obra de autores como Florestan Fernandes (2007FERNANDES, Florestan. (2007), O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global, 2º ed.; 2008FERNANDES, Florestan. (2008), A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Globo, 5º ed.).
  • 13
    Por exemplo, desde 1986 a Asseaf, a associação dos ex-alunos da extinta Funabem, que deu origem ao Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, o Ceap, já mantinha relações de cooperação com pelo menos duas agências ligadas ao ecumenismo internacional, a alemã Pão para o Mundo (Brot für die Welt), e a britânica Christian Aid. O Ceap, atualmente detém a coordenação executiva do movimento conhecido como Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada desde 2008, no Rio de Janeiro. Burity (2017BURITY, Joanildo. (2017), “Formação, convencimento e mobilização: a construção do povo nas instituições e redes ecumênicas”. In: Anais do II Simpósio Pós-Estruturalismo e Teoria Social. Pelotas/RS: UFPEL.) desenvolve uma análise sobre instituições e redes ecumênicas no âmbito cristão, entre as quais as duas agências mencionadas, que atuaram diretamente no apoio à organização dos movimentos sociais no período, em diferentes partes do então chamado “terceiro mundo”.
  • 14
    O site do Cultne apresenta um rico acervo dedicado à cultura negra, disponibilizando documentos imprescindíveis ao entendimento dos movimentos e trajetórias negras, o documentário citado neste artigo está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gbbm0MeNxk4, acesso em: 10/12/2020.
  • 15
    Vale referir que havia esse debate e ações em segmentos católicos e protestantes, que inclusive se organizaram e participaram da Marcha Contra a Farsa da Abolição, de 1988, conforme pode ser notado nas imagens do documentário, como foi o caso dos Agentes de Pastoral Negros (Rocha 1998ROCHA, José Geraldo da. (1998), Teologia e negritude: um estudo sobre os agentes de pastoral negros. Santa Maria: Pallotti. v. 3.000. 278p.). Conferir também a tese de Rosenilton Oliveira (2017OLIVEIRA, Rosenilton. (2017), A cor da fé: “identidade negra” e religião. São Paulo: Tese de Doutorado em Antropologia, USP.), que analisa a relação raça e religião, trazendo para o debate instituições de diferentes segmentos religiosos que articulam ações políticas e religiosas.
  • 16
    O Inarab foi criado por Jayro Pereira e conferiu ao trabalho um maior alcance, para além da região da Baixada Fluminense, à época, na condição e fellow da Ashoka. A sigla seria substituída por Cenarab a partir de um grupo de religiosos afro de Minas Gerais, dissidentes no I Enen (Primeiro Encontro Nacional do Movimento Negro), em São Paulo, em novembro de 1991, em razão da pauta aprovada não incluir debate específico sobre esse campo, mesmo tendo como tema orientador: Avaliação. Concepções. Desafios e Perspectivas do Movimento Negro, e promover a abertura do Encontro com um “culto à ancestralidade” liderado pela Iyalorixá Sylvia de Oxalá. O Cenarab, institucionalizado em 1992, por sugestão de Jayro Pereira, mais adiante seguiria um caminho independente do Tradição dos Orixás. Atualizaria a extensão da Sigla a renomeando, durante um Encontro em Santa Catarina, para Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, na tentativa de aglutinar e incorporar outros segmentos à luta. Segundo Célia Gonçalves, a Macota Celinha, atual coordenadora nacional da instituição, a proposta era se diferenciar de setores representados, por exemplo, pelo Intecab (Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro Brasileira) que à época eram remarcadamente voltados para o terreiro apartadamente das questões políticas mais amplas. Na concepção do Cenarab era necessário promover ações com dimensão politicamente mais enfronhada com outros setores considerados essenciais para a visibilidade da questão do direito à liberdade religiosa.
  • 17
    Egbomi (meu irmão mais velho) são pessoas que já cumpriram o período de sete anos da iniciação, autorizados a conduzir os iniciados. Ver em Lody (1995LODY, Raul (1995), Povo do santo. Rio de Janeiro: Pallas Editora.).
  • 18
    Vale referir que essa militância forjou a trajetória de lideranças que ainda hoje atuam, em diferentes instâncias, e influenciou vários pesquisadores e ativistas em diferentes campos e saberes. Dessas referências, podemos citar, por exemplo: Jayro Pereira, atualmente coordenador da Escola Ubuntu, Aldeia Ubuntu, Vale do Akoko, na localidade de Mata de São João - BA. Monica Miranda, mestra e doutoranda e em Antropologia, pesquisa o feminismo negro na década de 1980. Atualmente é doutoranda em Antropologia pela Unicamp. Sérgio Dias e Luiz Bruno, são professores de História com reconhecida influência no debate sobre docência, racismo e currículo escolar. Luís Cláudio de Oliveira, professor da Uerj, pesquisador com produção científica marcada por reflexões sobre temáticas afro. Ivanir dos Santos, professor, pesquisador, Babalawó referido nacional e internacionalmente, que assim como Wanda Araújo, Paulo Reis e Adailton Moreira são hoje lideranças reconhecidas como continuadores das ideias estruturadas pelo Tradição dos Orixás.
  • 19
    Conforme as entrevistas, os ativistas asseguram que tudo começou a partir da consulta oracular feita no Ilê de Omolu e Oxum de Iyá Meninazinha de Oxum, quando ela fornece uma lista de outros sacerdotes e outras sacerdotisas, com os respectivos contatos, alertando, porém, das possíveis dificuldades que encontrariam.
  • 20
    O jornal Maioria Falante foi idealizado no início dos anos 1970 por um intelectual que matinha o pseudônimo Togo Ioruba, e que teve o apoio de outros escritores e ativistas como Ele Semog e Helio de Assis. O diferencial de outras experiências da denominada Imprensa Negra era a inovação da pauta, aberta para os demais temas que compõem os marcadores sociais de diferença, como a questão indígena, de gênero, do “menor abandonado”, ciganos e outros. Posteriormente, já mais para o final da década seguinte, o Maioria Falante se ampliaria e passaria a abarcar o debate sobre raça e religião, na trilha aberta pelo Tradição dos Orixás. A prática desse Jornal, uma célula cofundadora do Ceap, exerceria destacada influência na criação da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa no Rio de Janeiro, em 2008. A frase “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, atribuída a Ângela Davis, aparece corporificada na reportagem que antecipa o debate contemporâneo.
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    Tornou-se referência no Rio de Janeiro após condenar o primeiro policial PM, soldado Andrade, por participar de um “grupo de extermínio de menores” na Região da Baixada Fluminense. A partir de então, viveu sob constante escolta e proteção. Foi promovida a Procuradora de Justiça Titular, da 2ª Procuradoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Faleceu em fins de 2000 depois de longa batalha contra um câncer.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2021
  • Aceito
    10 Dez 2021
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