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Conservadorismos, fundamentalismo protestante e democracia no Brasil: Uma compreensão em chave pós-estruturalista

Conservatism, Protestant fundamentalism and democracy in Brazil: A post-structuralist understanding

Resumos

Resumo: Este artigo tematiza as articulações entre conservadorismos, fundamentalismo protestante e democracia no Brasil. Destacam-se, numa perspectiva pós-estruturalista, três níveis distintos: (a) uma genealogia do conceito de conservadorismo; (b) uma problematização das formações discursivas neocalvinistas; (c) uma reflexão teórica acerca do lugar ocupado pela religião no espaço público brasileiro. Caminha-se primeiramente no sentido de desnaturalizar o conceito de conservadorismo, seja pela apresentação dos distintos significados assumidos pela categoria proposta, seja pela descrição dos processos ideológicos envolvidos no debate. Ao tomar como ponto de partida a política religiosa conservadora, a discussão se remete, finalmente, ao debate acerca das lógicas democráticas. A própria democracia, por sua vez, será compreendida a partir dos antagonismos inerentes ao pluralismo político e ao jogo democrático.

Palavras-chave:
conservadorismos; fundamentalismo protestante; democracia radical


Abstract: This article discusses the articulations between conservatism, Protestant fundamentalism and democracy in Brazil. It highlights, from a post-structuralist perspective, three distinct levels: (a) a genealogy of the concept of conservatism; (b) a problematization of neo-Calvinist discursive formations; (c) a theoretical reflection about the place occupied by religion in the Brazilian public space. The first part of this article aims to denaturalize the concept of conservatism, either by presenting the different meanings assumed by the proposed category, or by describing the ideological processes involved in the debate. By taking the conservative religious politics as a starting point, the discussion finally leads to the debate about democratic logics. Democracy itself, in turn, will be understood from the antagonisms inherent to political pluralism and the democratic game.

Keywords:
conservatism; protestant fundamentalism; radical democracy


Introdução

Inicialmente, o conceito de fundamentalismo surge no contexto religioso estadunidense. Por um lado, o conceito designava determinada corrente do protestantismo que se opunha ao liberalismo teológico. Por outro, traduzia as aspirações de uma busca por pontos teológicos em comum. Embora o termo “fundamentalismo” tenha sido engendrado no seio mesmo das instituições cristãs, atualmente vem sendo empregado em situações diversas, tanto no campo religioso como no campo político. Segundo Armstrong (2001ARMSTRONG, Karen. (2001), Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no Islamismo. São Paulo: Companhia das Letras.), a noção de fundamentalismo serve para rotular movimentos que, apesar de suas diferenças, guardam forte semelhança. Presente tanto no senso-comum como na academia, o uso contemporâneo da palavra geralmente tem sido reservado para representar a defesa agressiva de posturas assumidamente conservadoras. Seu espírito belicoso configura-se, na visão de muitos, como uma ameaça aos valores democráticos; a lógica presente em seu discurso está, de modo geral, atrelada a um tipo de subjetividade político-religiosa que promove o combate acirrado (e violento) às forças que são percebidas como inimigas.

O nosso interesse acadêmico pela temática do fundamentalismo protestante materializou-se, inicialmente, no nº 14 da Revista Mandrágora, uma publicação do Grupo de Estudos de Gênero e Religião Mandrágora/NETMAL - do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, que desenvolve pesquisas interdisciplinares na área de Gênero e Religião. De um ponto de vista socioanalítico, religiosidades, contrarreligiosidades, evangelicalismo, identidades, alteridades e papéis sociais de gênero, na modernidade, constituíram-se em categorias relevantes às autoras. Naquele contexto, os debates acadêmicos acerca do assunto ainda se pautavam em uma discussão que se dera na década anterior, “em chave” weberiana, mas que veio a se aprofundar após os atentados de 11 de setembro - as teses da “revanche de Deus” e da tensão entre sociedade secular e religião (Kepel 1991KEPEL, Gilles. (1991), A revanche de Deus: cristãos, judeus e muçulmanos na reconquista do mundo. São Paulo: Siciliano.; Pierucci 2003PIERUCCI, Antônio Flávio. (2003), O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo, Editora 34.).

Mal ou bem, a categoria “fundamentalismo”, ao funcionar como um tipo de “significante-mestre”, tentava dar conta, no plano teórico, de uma heterogeneidade de práticas que, entre outras coisas, sinalizava para uma diversidade historicamente conhecida por um conjunto de configurações discursivas distintas, tais como: dogmatismo, conservadorismo, anticatolicismo, autorreferencialidade e gradativo bloqueio do diálogo ecumênico (Alves 1979ALVES, Rubem. (1979), Protestantismo e repressão. São Paulo: Ática., 2004; Souza 2020SOUZA, Robson. (2020), “A tradição calvinista é intolerante? Uma breve contribuição à análise crítica da autorreferencialidade reformada”. Reflexão, vol. 45, 1-17. https://doi.org/10.24220/2447-6803v45e2020a4792.
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) - um tipo de discurso religioso que, totalmente distante do “princípio protestante” (Burity 2016BURITY, Joanildo. (2016), “Ainda uma chance para o ‘princípio protestante’? Sobre fé, ideologia e muitas histórias pelo meio… e nas margens”. In: I. A. Reblin; R. Von Sinner. (org.). Reforma: tradição e transformação. São Leopoldo: Sinodal. : 69-92.), em nada se assemelhava às estruturas dinâmicas (e dinamizadoras) do assim chamado “protestantismo histórico” (tanto de sua versão luterana quanto dos moldes calvinistas tradicionais). Caminha, portanto, a passos largos, na contramão das tendências mundiais de aggiornamento, salvo as raras exceções.

Como do protestantismo “liberal, ecumênico, revolucionário e pluralista” só se teve um “breve aceno” (Calvani 2015CALVANI, Carlos Eduardo Brandão. (2015), “Protestantismo liberal, ecumênico, revolucionário e pluralista no Brasil - um projeto que ainda não se extinguiu”. Horizonte - Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, vol. 13, nº 40: 1896-1929. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2015v13n40p1896/9041 . Acesso em: 17/06/20.
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), o fundamentalismo, “da caça às bruxas, passando por The Fundamentals, até chegar à queda das torres” (Campos 2009CAMPOS, Breno. (2009), “Sacerdócio fundamentalista na modernidade líquida”. In: J. C. Leonel Ferreira (org.). Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro. São Paulo: Fonte editorial; Paulinas editora.:105, grifos do autor), apresentou-se, muitas vezes, a alguns de nós, nos termos de Hobsbawm, como uma forma de “tradição inventada”, uma “gaiola religiosa feita com palavras”, para usar uma belíssima expressão de um saudoso teólogo brasileiro (Alves 2004ALVES, Rubem. (2004), Dogmatismo & tolerância. São Paulo: Edições Loyola.:9), a oferecer segurança ontológica e social de forma dogmática. Trata-se de um fenômeno que, a muitos, atravessa indistintamente as gerações.

Segundo uma sugestiva contribuição do pesquisador R. de Almeida (2018ALMEIDA, Ronaldo. (2018), “Deuses do parlamento: os impedimentos de Dilma”. In: R. Almeida; R. Toniol (org.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais. Campinas: Editora da Unicamp.), o específico do conservadorismo brasileiro, no pós-“Jornadas de junho de 2013”, resulta da combinação de 4 (quatro) linhas de forças: (a) a celebração dos esforços e méritos individuais no contexto de uma visão de mundo economicamente liberal; (b) a disputa pela moralidade pública em temáticas que dizem respeito, especialmente, a duas questões centrais (família e reprodução da vida); (c) esforços e movimentações que visam ao reforço dos aparelhos repressivos do Estado; (d) o desenvolvimento de uma militância político-religiosa que se ajusta perfeitamente ao que, na ausência de uma expressão melhor, convencionou-se chamar de “encolhimento da esfera pública”.

No entanto, ao ir às origens, buscando a radicalidade que faça entender o fenômeno, como sugere Boff (2002BOFF, Leonardo. (2002), Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante.), as pesquisadoras se deram conta que a categoria, em si mesma, demonstrou-se pouco produtiva (Souza 2015SOUZA, Robson. (2015), “Pós-estruturalismo e religião: as novas possibilidades analíticas nos estudos sobre as relações sociais de gênero”. Mandrágora, vol. 21. nº 2: 207-236. Disponível em: Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/MA/article/view/6007/5062 . Acesso em: 13/06/2020.
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, 2017). A propósito, Melander (2000MELANDER, Verônica. (2000), “Os limites da categoria ‘fundamentalismo’ para o estudo de religião e política na Guatemala”. Ciencias Sociales y Religión, Porto Alegre, vol. 2, nº 2: 87-118. Disponível em: Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/csr/article/view/13337/8725 . Acesso em: 8/07/20.
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) nos lembra que “The Fundamentalism Project”, um extenso estudo acadêmico sobre o que hoje se denomina “fundamentalismo”, foi dirigido por Martin E. Marty e R. Scott Appleby. Concebido como “resistência à modernidade”, o tratamento do assunto deixou a definição do termo bastante aberta aos autores dos diferentes artigos e tradições, permitindo que se incluísse, na problematização, uma diversidade de grupos e movimentos (do assim autodenominado “fundamentalismo” ao evangelicalismo, bem como os fundamentalist-likemovements).

Nos últimos anos, portanto, o uso inflacionado do termo, sobretudo no campo dos direitos das mulheres e do tratamento da sexualidade, parece-nos consistir numa forma de reducionismo, seja no âmbito das Humanidades, seja no uso comum (ou mesmo “jornalístico”) da palavra (Cf.: Souza 2015SOUZA, Robson. (2015), “Pós-estruturalismo e religião: as novas possibilidades analíticas nos estudos sobre as relações sociais de gênero”. Mandrágora, vol. 21. nº 2: 207-236. Disponível em: Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/MA/article/view/6007/5062 . Acesso em: 13/06/2020.
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). Porém, pergunta-se, ainda hoje, a propósito do mesmíssimo problema: e se, em termos pós-estruturalistas, um mesmo (e único) significante “suturar”, no nível de uma mediação simbólica, algo que, para manter a aparência de sua consistência (e unidade), encobre uma ambiguidade inscrita no horizonte da própria realidade? E se, de fato, não houver uma definição precisa dos fenômenos descritos neste paper - fundamentalismo(s), conservadorismo(s), democracia etc.? E se, para fechar o argumento, a polissemia de vozes a produzir significados diferentes à compreensão dos processos sociais for inerente ao campo da política, impedindo indefinidamente o fechamento de qualquer formação social?

Vale lembrar que, desde a nossa redemocratização, dois projetos políticos distintos se encontram numa “confluência perversa”, para usar um argumento de Dagnino (2004DAGNINO, Evelina. (2004), “Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa”. Política & Sociedade: Revista de Sociologia Política, vol. 3, nº 5: 139-164. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/download/1983/1732 . Acesso em: 08/07/20.
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) - o alargamento da democracia e as sucessivas estratégias do Estado brasileiro para a implementação de um rígido ajuste neoliberal. Nas periferias urbanas de países como o Brasil e os Estados Unidos, a construção de redes religiosas de assistência e a formação de identidades políticas “descentradas” tornar-se-ão o subproduto da precarização (ou ausência) do Estado, “espaço vazio” a partir do qual os grupos de natureza religiosa, com forte poder de coesão, extraem suas mais poderosas energias. Nesse cenário, “a disputa política entre projetos políticos distintos assume então o caráter de uma disputa de significados para referências aparentemente comuns”, sugere a autora (2004:142).

A bem da verdade, o discurso religioso atua nesses espaços pela “verticalização” das relações sociais (em linguagem lacaniana, colaborando para a constituição do “discurso do Mestre”), naturalização do contingente, com fortes consequências políticas de legitimação da ordem, e produção de “sentidos” em face do desamparo, engendrando relações de “codependência” pela retroalimentação de um “circuito de afetos” segundo a lógica da formação de identidades sociais bastante concretas e delimitadas (Safatle 2020SAFATLE, Vladimir. (2020), Conferência com Vladimir Safatle. Disponível em: Disponível em: https://youtu.be/N-oCKyLwxug . Acesso em: 17/06/20
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). Nesse cenário fortemente marcado pelo afeto primordial do medo, o grupo tende a funcionar como o “lar da identidade, o porto de plena segurança e a confirmação de estar do lado certo” (Boff 2002BOFF, Leonardo. (2002), Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante.:47).

Entretanto, ainda que se considere o discurso religioso como “efeito das estruturas de poder pastoral e de autoridade” (Safatle 2020SAFATLE, Vladimir. (2020), Conferência com Vladimir Safatle. Disponível em: Disponível em: https://youtu.be/N-oCKyLwxug . Acesso em: 17/06/20
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), o campo religioso não está dado de antemão. No cenário brasileiro, o ativismo religioso de natureza progressista tem acionado discursos contra-hegemônicos por meio de dinâmicas religiosas minoritárias. Em trabalhos recentes, pesquisadores nas áreas de gênero e religião afirmam ter encontrado:

Mulheres (batistas, metodistas e anglicanas) com significativos papéis de liderança pautando o “debate de gênero” tanto nos espaços eclesiais, em meio ao serviço pastoral e/ou episcopal, quanto nos círculos acadêmicos, em eventos, artigos e livros associados muitas vezes ao chamado “feminismo cristão” (ativismo religioso de natureza progressista). De modo geral, demandas associadas à biografia dos indivíduos (problemas com relação à conjugalidade, crises familiares, violência de gênero, questões eclesiásticas, para citar algumas) permitiram o contato dessas mulheres com as redes religiosas de ativismo, exigindo delas uma certa interlocução com a temática de gênero. (Souza 2019SOUZA, Robson. (2019), Gênero e ideologia entre evangélicos brasileiros. São Paulo: Intermeios.:187)

Por isso, nosso artigo caminha no sentido de desnaturalizar o conceito de “conservadorismo”, seja pela apresentação dos distintos significados assumidos pela categoria proposta, internamente (ou não) ao campo religioso, desde uma aproximação histórica marcada por descontinuidades, como sugere a rica tradição foucaultiana, seja pela descrição dos processos ideológicos envolvidos na articulação entre religião e espaço público, no Brasil. Considerando as especificidades do protestantismo brasileiro, procura-se problematizar, na segunda seção, as relações entre o “conservadorismo” e as configurações ideológicas da matriz teológica que se tornou hegemônica entre parcela dos evangélicos brasileiros: o neocalvinismo.

A propósito, o interesse pela temática, em relação ao assunto do conservadorismo protestante, deu-se, principalmente, após duas polêmicas recentes no cenário político brasileiro envolvendo a participação de atores religiosos: (a) a nomeação do professor e engenheiro Benedito Guimarães Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), como presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes). Na ocasião, a “grande mídia” noticiou o fato de o presidente ser defensor do “design inteligente”, uma teoria de natureza religiosa que se contrapõe ao evolucionismo (Criticado... 2020); (b) ademais, o uso de uma igreja, em Londrina, e suas dependências, para conseguir “apoio” à campanha para a criação de um partido político (Weterman 2020WETERMAN, Daniel. (2020), “Pastor ‘desafia’ fiel a assinarem apoio a partido de Bolsonaro, em meio ao culto”. O Estado de S. Paulo. Disponível em: Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pastor-desafia-fieis-a-assinarem-apoio-a-partido-de-bolsonaro-em-meio-a-culto,70003176096 . Acesso em: 31/01/2020.
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), fomentou, novamente, o debate público acerca da questão da laicidade do Estado.

Além disso, a divulgação, nos perfis sociais do próprio presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (sem partido), de uma convocação para um “jejum nacional”, que contou com a participação de duas lideranças presbiterianas (Cunha 2020CUNHA, Magali. (2020), Pastor presbiteriano assume Ministério da Justiça: o que isso significa? Carta Capital . Disponível em: Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/pastor-presbiteriano-assume-ministerio-da-justica-o-que-isso-significa/ . Acesso em: 29/04/20.
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), a nomeação do então ministro da Advocacia Geral da União (AGU), André Mendonça, que é pastor presbiteriano, como ministro da Justiça e Segurança Pública (Cunha 2020CUNHA, Magali. (2020), A falaciosa representação evangélica no apoio ao bolsonarismo. Carta Capital, Disponível em: Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/a-falaciosa-representacao-evangelica-no-apoio-ao-bolsonarismo/ . Acesso em: 8/04/20.
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) e, finalmente, a publicação de uma matéria do teólogo R. Pacheco (2020PACHECO, Ronilso. (2020), “Quem são os evangélicos calvinistas que avançam silenciosamente no governo Bolsonaro”. The Intercept. Disponível em: Disponível em: https://theintercept.com/2020/02/04/evangelicos-calvinistas-bolsonaro . Acesso em: 04/02/20.
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) no portal The Intercept intensificaram a discussão sobre o apoio de evangélicos calvinistas à agenda moral do atual governo. Ao longo deste artigo, veremos se um campo de ação político-religioso engendra-se, entre parcela do segmento evangélico brasileiro, a partir das práticas discursivas oriundas do neocalvinismo (ver A teologia 2020). Dado o seu caráter tipicamente “racionalista”, trata-se de uma matriz teológica com forte poder de atração entre “parcelas da classe média evangélica” (Alencar 2018ALENCAR, Gustavo de. (2018), “Evangélicos e a Nova Direita no Brasil: os discursos conservadores do ‘neocalvinismo’ e as interlocuções com a política”. Teoria e Cultura. Juiz de Fora, vol. 13, nº 2: 101-117. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/12428/7491 . Acesso em: 16/06/2020.
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).

Pergunta-se neste ponto: como essa articulação se tornou possível no contexto de um protestantismo historicamente, ao menos no Brasil, estruturado não tanto pela orientação racional (em termos weberianos), mas pela ênfase nas experiências da conversão (e/ou do êxtase), isto é, marcadamente pietista/(neo-)pentecostal? No que diz respeito ao assunto, a existência de uma ética social cristã a nortear, internamente aos grupos religiosos calvinistas (brasileiros), a participação política de evangélicos tem suscitado, no campo das Ciências da Religião, de modo geral, e na área da Sociologia da Religião, de forma específica, a discussão acerca de um tipo de protestantismo que, até recentemente, fazia-se conhecer por sua rejeição ao desenvolvimento de uma racionalidade orientada ao desenvolvimento de uma concepção alternativa de sociedade brasileira (Cf.: Burity 2020aBURITY, Joanildo. (2020a), “Conservative Wave, Religion and the Secular State in Post-impeachment Brazil”. International Journal of Latin American Religions, vol. 4: 83-107. https://doi.org/10.1007/s41603-020-00102-6.
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, 2020bBURITY, Joanildo. (2020b). “El pueblo evangelico construcción hegemónica disputas minoritarias y reacción conservadora”. Encartes Antropológicos, vol. 3, nº 6: 1-35. Disponível em: Disponível em: https://ia601905.us.archive.org/18/items/encartes-vol-3-num-6/encartes-vol-3-num-6.pdf . Acesso em: 08/04/21.
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; Souza 2020SOUZA, Robson. (2020), “A tradição calvinista é intolerante? Uma breve contribuição à análise crítica da autorreferencialidade reformada”. Reflexão, vol. 45, 1-17. https://doi.org/10.24220/2447-6803v45e2020a4792.
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; ver também a intervenção de A. Brasil em: Iser50anos 2020ISER. (2020), ISER50ANOS: os evangélicos em casa, na igreja e na política. Disponível em: Disponível em: https://youtu.be/zjg3FszhgXw . Acesso em: 07/04/21.
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).

Finalmente, a problematização de nosso objeto, na última seção, inscreve-se em uma discussão mais ampla sobre religião e espaço público, no Brasil, passando pelas temáticas da laicidade e da secularização, em forte conexão com a presença/visibilidade do discurso religioso conservador na esfera pública brasileira, de um lado, e a ampliação das lógicas democráticas desde uma compreensão advinda de uma teoria da “democracia radical” (Chantal Mouffe), de outro. A propósito, S. Žižek et al. (2000ŽIŽEK, Slavoj et al. (2000), Contingency, hegemony, universality. London: Verso Books.), num rico diálogo acerca da radicalidade das lógicas democráticas, analisaram os processos de subjetivação política em termos pós-estruturais. Segundo essa perspectiva teórica, uma (re-)articulação discursiva se constitui em meio ao seu fracasso, isto é, pela exclusão radical de suas premissas fundamentais. Ou, dito de outro modo, o significado “positivo” de qualquer termo - e assim sua “identidade”, relaciona-se ao seu “exterior constitutivo” (Cf. Baron; Linhares 2020BARON, Letícia; LINHARES, Bianca de Freitas. (2020), “A política como conflito: a noção de antagonismo na teoria de Ernesto Laclau”. Em Tese, vol. 17, nº 2: 189-206. https://doi.org/10.5007/1806-5023.2020v17n2p189.
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:199). Portanto, a expectativa de um “sentido” é - em termos hegelianos - de uma só vez produzida (e contrariada) pelo ato formal de sua postulação.

No entanto a definição dos antagonismos não se limita à definição de uma exterioridade, habitada pela figura do Outro, mas envolve a incorporação dessa mesma lógica no interior mesmo das formações discursivas que disputam entre si a hegemonia na discursividade da vida social. Uma formação discursiva, ainda que seja capaz de formular as bases e a identidade de um discurso, não pode ser identificada com o lago de águas tranquilas e cristalinas. É no interior mesmo dos grandes sistemas de pensamento, por exemplo, que podemos identificar a ação da lógica do político.

Forças simbólicas historicamente reprimidas no contexto de emergência de uma formação discursiva podem “assombrar” os habitantes de um discurso. Considerando o fato de que uma “formação discursiva tem, em dado momento, bloqueada a produção de sentidos pela existência do corte antagônico” (Baron; Linhares 2020BARON, Letícia; LINHARES, Bianca de Freitas. (2020), “A política como conflito: a noção de antagonismo na teoria de Ernesto Laclau”. Em Tese, vol. 17, nº 2: 189-206. https://doi.org/10.5007/1806-5023.2020v17n2p189.
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:195), uma leitura sintomal se realiza “a contrapelo” (cf. Löwy 2005LÖWY, Michael. (2005), Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo .:74). Em termos metodológicos, busca-se partir do jogo “desconstrucionista” da différance (“toda identidade é sempre tolhida, frágil, fictícia”, reconhece Žižek 2016ŽIŽEK, Slavoj. (2016), O sujeito incômodo. São Paulo: Boitempo .:236), assumindo a noção de que as identidades sociais se constituem não apenas pela “diferencialidade”, mas também por uma diferença “pura” a “estruturar” o próprio campo do antagonismo (Souza 2019SOUZA, Robson. (2019), Gênero e ideologia entre evangélicos brasileiros. São Paulo: Intermeios.:87).

Partindo dessa compreensão pós-estruturalista, nosso percurso se inicia com uma breve arqueologia política do conservadorismo. De um ponto de vista teórico-analítico, a adoção do método genealógico procura trazer à tona as homologias existentes entre as formações discursivas contemporâneas e os regimes de verdade engendrados em outros contextos. Tendo por base uma problematização acerca das aspirações conservadoras de mundo, este artigo, ao tomar como ponto de partida uma formação discursiva que se apresenta em franca expansão entre os evangélicos brasileiros, remete-se, na última seção, ao debate acerca das identidades sociais e da visão unificadora de um “bem comum”.

O neoconservadorismo é um significante-vazio?

Aqueles que na França roubaram o clero, pensam que conciliar-se-ão facilmente com as nações protestantes porque o clero que foi por eles pilhado, diminuído e exposto ao ridículo pertence à Igreja Católica Romana, ou seja, a um credo que reprova as religiões protestantes. Creio que haja aqui, como em todos os lugares, carolas hipócritas que tenham, para com as seitas e partidos que diferem dos deles, ódio, já que não amam a essência mesma da religião. [...] (Burke 1982BURKE, Edmund. (1982), Reflexões sobre a revolução em França. Brasília: Ed. UnB.:152)

Nessa passagem das Reflexões sobre a Revolução em França, ao menos três características centrais do conservadorismo burkeano podem ser descritas: (a) a reprovação da Revolução de 1789 somada à criminalização de seu sujeito histórico; (b) o recurso ao tema do essencialismo como guia condutor das reflexões sobre política e religião e, finalmente, (c) o caráter reativo, no sentido nietzschiano da expressão, relativo aos ataques sofridos pela Igreja Católica no âmbito da Revolução Francesa. Mas nos enganaríamos se quiséssemos extrair dessa tríade, digamos, a essência do conservadorismo, pela simples razão de que nenhum enunciado conceitual pode se pretender a-histórico e, sobretudo porque o conservadorismo, tal como o compreendemos, é, em termos pós-estruturais, um significante vazio. Dizer isso significa aceitar o fato, relativamente perturbador, de que os sentidos de se ser ou não conservador só adquirem algum nível de positividade - ainda que precária, relacional e contingente -, no interior de determinada formação discursiva e, que, toda tentativa em cristalizar a contingência intrínseca ao nível dos conceitos comunica-se, em termos heideggerianos, com uma forma específica de metafísica da presença.

Os significados do conservadorismo, no caso de E. Burke, por exemplo, encontravam sua positividade no interior do núcleo do pensamento aristocrático inglês e francês dos séculos XVII e XVIII. Naquele contexto, o conservadorismo estava concretamente associado a uma ideologia de classe que lia no processo revolucionário não apenas uma ameaça concreta ao status quo, à ordem política e social constituída, mas a possibilidade real de perda da hegemonia. A aversão à mudança, descrita séculos depois pelo pensador conservador britânico M. Oakeshott como uma forma de proteção da identidade frente aos ventos “demoníacos” da transformação social, no caso da França do século XVIII estava longe de ser uma manifestação pura do espírito humano universal. Com efeito, não é apenas a “essência’’ das coisas que é ameaçada pela rebelião social, mas, sobretudo, e em grande medida, as posições ocupadas pelos atores sociais e a estrutura dos poderes estabelecidos pela tradição. Em defesa da presentificação da ordem social, Oakeshott sentencia: “a mudança gera mais tristeza que alegria” (Oakeshott 2020:9). É esse mesmo diagnóstico que levará R. Scruton (2015SCRUTON, Roger. (2015), O que é conservadorismo? São Paulo: É Realizações.) a conceber o idealismo político (identificado como linha mestra do socialismo) como uma ameaça àquilo que A. Giddens (2009GIDDENS, Anthony. (2009), A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes.) chamou de “segurança ontológica do sujeito”.

Entretanto, para além do aparente consenso, os significados do conservadorismo oscilam no tempo e no espaço. É Oakeshott (2020OAKESHOTT, Michael. (2020), Ser conservador. Disponível em: Disponível em: https://issuu.com/gegb/docs/conservador . Acesso em: 17/06/20.
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:4), por exemplo, que opera a dissociação entre conservadorismo, política e religião. Segundo esse autor, o conservadorismo “não é uma crença nem uma doutrina, mas uma forma de ser e estar”. A tese do autor não reconhece limites impostos pela antropologia dos povos, daí entender que é possível deduzir, universalmente, características gerais capazes de tipificar a genuína “conduta conservadora”. Segundo o autor, “ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o facto ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica” (Oakeshott 2020:5). O grande argumento aqui é a crença na existência de um sujeito universal naturalmente inclinado a ser e estar no mundo sem mediação alguma com o universo dos condicionamentos sociais. Sujeito que só é possível quando se abraça à tese encantada, metafísica e misteriosa da natureza humana.

Ao refugiar-se nas sombras do conceito de natureza, certa leitura do conservadorismo acabou por acorrentá-lo ao mofo do universalismo e do essencialismo. Mas se aprendemos a reconhecer a aversão à mudança como um traço característico da ideologia do conservadorismo, não foi em função da relação concreta entre o campo da ação e o domínio da palavra. A formulação do consenso implica, invariavelmente, o estabelecimento da hegemonia de determinada formação discursiva e a exclusão de outras, que são marginalizadas, silenciadas, expulsas da ordem legal do sentido - igualmente instituída hegemonicamente. Vejamos, por exemplo, um desses empasses produzidos no interior do debate acerca dos sentidos do conservadorismo, significante vazio, conforme temos defendido.

Ao que parece, as teses formuladas em 1855 por Comte (2018COMTE, Auguste. (2018), Appel aux conservateurs. Paris: Hachette Livre-Bnf.), em “Appel aux conservateurs”, não conseguiram convencer completamente os destinatários principais de sua mensagem, isto é, os conservadores políticos franceses. O positivismo comteano, enquanto uma formação discursiva, tentou lançar as bases para uma nova concepção do conservadorismo. Segundo Carvalho (2005CARVALHO, José Murilo de. (2005), Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora UFMG.:88):

O conceito de conservador neste texto de Comte provinha de sua visão particular da Revolução, que procurava fugir, de um lado, ao jacobinismo robespierrista, rousseauniano, chamado de metafísico, e, de outro, ao reacionarismo do restauracionismo clerical. Era conservador, na visão de Comte, aquele que conseguia conciliar o progresso trazido pela Revolução com a ordem necessária para apressar a transição para a sociedade normal, ou seja, para a sociedade positiva baseada na Religião da Humanidade.

Se olharmos com atenção, veremos que o conservadorismo de A. Comte (1798-1857) não apenas não era avesso à mudança, mas lia justamente no movimento contínuo da sociedade a condição sine qua non para a transição última em direção a uma forma de política positiva “contendo o progresso” (Löwy 2007LÖWY, Michael. (2007), As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Cortez Editora, 9 ed.:23). Nesse projeto maior, os conservadores franceses não deveriam, no entender de Comte, adotar uma postura reacionária frente aos efeitos da Revolução. Para vencer a anarquia - identificada ontologicamente como uma invenção jacobina -, os conservadores teriam que se despir de certos preconceitos.

“Mil oceanos” separam os significados atribuídos ao conservadorismo por E. Burke (1729-1797), aristocrata, simpático ao regime monárquico e à tradição do pensamento católico, e o conservadorismo de Comte, pensador “revolucionário”, assumidamente ateu e defensor radical da separação entre Igreja e Estado, que serviu de inspiração para muitos atores que estiveram envolvidos no processo que culminou na Proclamação da República, no Brasil, em 1889. Aliás, o caso brasileiro é fértil, verdadeiro mosaico empírico em que se debateram diversas formações discursivas em torno da positividade desse conceito. Em “terras tupiniquins”, há tantos conservadorismos que somos tentados a recuperar a tese nietzschiana segundo a qual “não há fatos, só interpretações” - ou, nos termos mais recentes de G. Vattimo (2010VATTIMO, Gianni. (2010), Diálogo com Nietzsche. São Paulo: Martins Fontes .:87), “a ‘má infinitude’ do fato, sua reprodutibilidade nunca perfeita, nos põe em guarda, por assim dizer a partir de dentro, contra a concepção de verdade (historiográfica, por enquanto) como conformidade perfeita ao dado”.

Dos conservadorismos católicos dos tempos coloniais, ao conservadorismo da Casa dos Bragança e de um Imperador simpático à República, passando pelo conservadorismo dos positivistas republicanos como Deodoro da Fonseca (militar) e Benjamim Constant (civil), até os conservadorismos protestantes, se fez no Brasil verdadeira escola (nas artes, na historiografia, no “DNA” do pensamento sociológico brasileiro) da qual todos nós, em alguma medida, somos um subproduto.

Em muitas formações discursivas, o conservadorismo político se expressa na ideia de uma sociedade como “totalidade orgânica harmoniosa, em que cada membro afirma a sua ‘igualdade’ com os outros realizando o seu dever particular, ocupando o seu lugar peculiar e contribuindo, desse modo, para a harmonia da Totalidade” (Žižek 2006ŽIŽEK, Slavoj. (2006), A marioneta e o anão: o cristianismo: entre perversão e subversão. Lisboa: Relógio D’Água Editores.:36). Mas o conservadorismo moderno, segundo Žižek (2016), diferencia-se das formas meramente orgânicas, tradicionais e comunitaristas de identificação. Em termos schmittianos, uma distinção conservadora entre o princípio de ordem e a ordem concreta se explicita no interior de um marco de referência fundamentalmente vazio, no horizonte da modernidade. Nessa perspectiva, a imposição de uma ordem simbólica normativa, enquanto expressão excessiva, violenta, puramente formal e autorreferente de um gesto Soberano, constitui-se segundo a lógica de uma autoridade (incondicional) que não consegue se legitimar, facilmente, pela positividade de uma norma legal.

Aqui, a crítica conservadora à democracia liberal ganha contornos bastante precisos: a ordem jurídica, tal como toda e qualquer ordem, deve necessariamente basear-se num ato soberano de decisão (e não em uma norma consensual).1 1 No campo da economia política, por exemplo, o conservadorismo de autores como Ludwig von Mises se traduz numa crítica radical à ingenuidade naturalista do pensamento liberal clássico, que idealizava a existência real de uma natureza humana disposta, per se, à vida na sociedade de mercado, e, sobretudo, ao modelo de democracia pensada com base em uma lógica de incorporação do povo na administração das coisas públicas. Segundo Mises, que era acompanhado, nesse sentido, por autores como Friedrich Hayek, “é fato que as massas não pensam. Mas é precisamente por essa razão que seguem os que pensam por si mesmos” (von Mises apud Dardot; Laval 2016:149). A tradição do pensamento conservador que poderíamos denominar de “escola economicista”, portanto, pode ser caracterizada por uma desconfiança radical relativa aos efeitos da conversão do indivíduo em cidadão da pólis, e, por essa razão, tem a democracia, no sentido amplo desse termo, como um inimigo sempre presente no horizonte da batalha ideológica. Se, por um lado, a ausência de um espaço soberano de decisão, no universo político liberal, traduz-se no esvaziamento do político, por outro, a compreensão schmittiana de um antagonismo político inerente exterioriza-se, de forma fetichizada, em um Inimigo a ser combatido a todo custo em um conflito bélico heroico. Ao longo deste ensaio, veremos que as formações discursivas conservadoras não sobrevivem sem a existência dessas relações marcadas por antagonismos.

Segundo Žižek (2013ŽIŽEK, Slavoj. (2013), Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético. São Paulo: Boitempo ., 2016), o problema dos comunitaristas, de um ponto de vista meramente teórico, reside numa total incompreensão acerca de sua posição de enunciação na ordem do Capital (e da relação moderna de uma particularidade com o Todo mais amplo). De Hegel a Marx, os indivíduos vivenciam-se sempre como “desconjuntados” com relação a uma situação social particular: “O capitalismo não é apenas Em-si universal, ele é Para-si universal enquanto um tremendo poder corrosivo que destrói mundos, culturas e tradições de vida particulares, atravessando-as e sugando-as para dentro de seu vórtice” (Žižek 2013:209).

Aqui vale lembrar que a “universalidade concreta” do Estado-nação surgiu por meio de uma violenta abstração das comunidades locais e suas tradições (colonialismo, imperialismo etc.), embora uma esfera livre da intervenção do Estado tenha sido assegurada aos cidadãos no desenvolvimento mesmo da “modernidade política”, considerando-se as complexas relações entre Estado e Igreja, no Ocidente. “Tolerância” e “benevolência”, conceitos caros ao ideário liberal, concernem, em última análise, ao comportamento do Estado com respeito aos conflitos religiosos (Agamben 2016AGAMBEN, Giorgio. (2016), O tempo que resta: um comentário à Carta aos Romanos. Belo Horizonte: Autêntica Editora.:69).

Ao tratar da “subjetivação política e suas vicissitudes”, Žižek (2016ŽIŽEK, Slavoj. (2016), O sujeito incômodo. São Paulo: Boitempo .) argumenta que a universalidade moderna possibilitou, por outro lado, a “reinscrição” de modos de vida locais em uma nova “tradição inventada” mais abrangente, “suprassumindo” (Aufheben), em termos hegelianos, as formas locais orgânicas de identificação numa unidade superior. Nesse processo, exige-se, apenas, que a religião aceite, no nível cognitivo, seu lugar relativo na “estruturação” da vida dos indivíduos (pluralismo liberal).

Daí porque, em variadas edições, a modernidade também (re)inaugurar a proximidade entre os conceitos (conservadorismo/religião, conservadorismo/política, conservadorismo/ideologia), ampliando consideravelmente o “campo da significação” e, por extensão, agindo como uma força a exorcizar a fantasmática essência/origem/verdade da noção de conservadorismo. Eis, então, a ambiguidade desse enunciado, o de ser, simultaneamente, espécie de acessório estratégico a serviço de discursos constituintes (política e religião, especialmente) que disputam a hegemonia; e o de ser, invariavelmente, um significante vazio, ainda que útil a interesses dos mais variados.

Ao que parece, o advento da modernidade se fez acompanhar por uma espécie de mutação, digamos, da “atitude conservadora” relativa ao tema da luta política propriamente dita. Se as primeiras tentativas de definição dessa atitude resistiam em aceitar o tema do conflito, da contradição e dos antagonismos como intrínsecas ao ordenamento da vida social (daí suas querelas históricas com a tradição do pensamento marxista), esse significante, na contemporaneidade, passa a circular num ambiente profundamente marcado pela presença de lógicas sociais absolutamente comprometidas com a definição de ordens hegemônicas. É o que tentaremos demonstrar nas próximas seções.

Neocalvinismo, democracia e política religiosa conservadora

Em A Marioneta e o Anão, o teórico esloveno Žižek (2006ŽIŽEK, Slavoj. (2006), A marioneta e o anão: o cristianismo: entre perversão e subversão. Lisboa: Relógio D’Água Editores.) inicia sua obra acerca da importância do legado cristão problematizando o estatuto da crença na modernidade.2 2 No rico diálogo travado com Boris Gunjević, S. Žižek, na obra O sofrimento de Deus: inversões do apocalipse, (2015:24) defende que “o que caracteriza a modernidade não é mais a figura-padrão do crente que nutre em segredo dúvidas íntimas sobre sua crença e se envolve em fantasias transgressoras”. Para o filósofo esloveno, as antigas gaiolas de ferro do moralismo, tão bem descritas em O mal-estar na Civilização, por Sigmund Freud, na década de 1929, são, na modernidade, gaiolas de um tipo renovado. Elas agem no próprio inconsciente de um sujeito “que se apresenta como hedonista tolerante dedicado à busca da felicidade”. E, como sugere Žižek, os defensores radicais da religião começam pelo ataque feroz à cultura secular e terminam decretando o fim da crença: “para eles, as afirmações religiosas e as afirmações científicas pertencem à mesma modalidade de conhecimento positivo” (Žižek 2011:50). Uma vez que a religião não está mais integrada na ordem social nem identificada a uma forma particular de vida cultural, as crenças circulam com mais facilidade em culturas diferentes. Com relação à subjetivação dos códigos de crenças, o modo dominante de experiência religiosa envolve, no horizonte moderno, certo distanciamento “irônico”, repousando na figura de um Outro que “crê verdadeiramente” (Žižek 2006:11). A fetichização contemporânea da “crença” passa, portanto, por um grande “Outro virtual” que crê, que compartilha os mesmos pressupostos religiosos, ainda que nenhum indivíduo empírico, de fato, creia, em termos absolutos, nesse conjunto de princípios religiosos. Nenhum cristão compartilha o mesmo e único conjunto de percepções acerca do mundo e da sociedade como um todo, para ir ao extremo (Souza 2020SOUZA, Robson. (2020), “A tradição calvinista é intolerante? Uma breve contribuição à análise crítica da autorreferencialidade reformada”. Reflexão, vol. 45, 1-17. https://doi.org/10.24220/2447-6803v45e2020a4792.
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).

Entre os evangélicos neocalvinistas, esse grande “Outro virtual”, assim denominado de “Cosmovisão Cristã” (ou, de forma mais específica, cosmovisão calvinista), encarna, entre parcela dos protestantes históricos brasileiros (presbiterianos, batistas, entre outros), e até mesmo entre alguns pentecostais e neopentecostais, em um sugestivo processo de “despentecostalização” (Fernandes Silva 2017FERNANDES SILVA, Clemir. (2017), Despentecostalização: um estudo sobre mudanças sócio-religiosas na Igreja Cristã Nova Vida. Rio de Janeiro: Tese de doutorado em Ciências Sociais, UERJ.), as aspirações conservadoras de uma visão religiosa de mundo que se contrapõe às Luzes.

Enquanto as lógicas fundamentalistas se desenvolvem, segundo Armstrong (2001ARMSTRONG, Karen. (2001), Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no Islamismo. São Paulo: Companhia das Letras.), a partir de uma tensão entre dois regimes distintos de verdade - os mythoi e os logoi, sendo os últimos aquele conjunto de “narrativas factualmente precisas e fenômenos passíveis de investigação científica” - pouco se problematiza a tradição vinculada ao nome de Kuyper (1837-1920), teólogo e político holandês. Portanto, insistimos na necessidade de se fazer, nesta seção, uma “arqueologia”, em termos foucaultianos, dessa moderna reapropriação político-teológica do pensamento do reformador francês João Calvino (1509-1564).

Embora as questões envolvendo a temática religiosa da confessionalidade sejam razoavelmente tardias, vale lembrar que a “terceira cultura confessional moderna” encontrou no termo “calvinismo”, de uso controverso até, digamos, o século XVIII, mas fortemente presente entre os “religiosamente” interessados, uma forma legítima de autodesignação religiosa (em oposição ao catolicismo tridentino e ao luteranismo). A propósito, o estudo das ideias religiosas se vinculou ao resgate histórico-sociológico da importância da espiritualidade dita “reformada” (leia-se aqui: calvinista…) na formação do mundo moderno - e aos processos históricos de “modernização” e secularização, materializando-se, nos últimos 120 anos, em diversos “padrões de interpretação”, na Alemanha e no mundo de fala inglesa.

Antes mesmo que as pesquisas da “troika” Troeltsch-Weber-Jellinek acerca da relação entre protestantismo e mundo moderno se tornassem conhecidas (Pierucci 2003PIERUCCI, Antônio Flávio. (2003), O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo, Editora 34.; Weber 2004; Mata 2008MATA, Sérgio da. (2008), “Religião e modernidade em Ernst Troeltsch”. Tempo Social [online], vol. 20, nº 2: 235-255. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702008000200012&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 16/06/20. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200012.
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; Graf 2011GRAF, Friedrich Wilhelm. (2011), “Calvin in the Plural, The Diversity of Modern Interpretations of Calvinism, Especially in Germany and the English-Speaking World”. In: I. Backus; P. Benedict. Calvin and His Influence, 1509-2009. New York: Oxford University Press.), A. Kuyper alimentava a crença conservadora de que as promessas revolucionárias de liberdade, igualdade e fraternidade eram simplesmente irrealizáveis. Para A. Kuyper, os grandes ideais iluministas não apenas se expressaram, no Terror, em formas políticas totalitárias, seja pela supressão das liberdades individuais, seja pela segmentação da sociedade em classes, como também eram nada menos do que o subproduto de lógicas subjacentes ao universo liberal do mundo anglo-saxão - economia de mercado e utilitarismo (Bratt 2014BRATT, James. (2014), “Abraham Kuyper and the French Revolution”. In: G. Harinck; J. Eglinton. Neo-Calvinism and the French Revolution. London, New York: Bloomsbury T&T Clark. http://dx.doi.org/10.5040/9780567662415.0006.
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).

De um lado, o neocalvinismo político e religioso moderno, resultado de um segundo período histórico de “confessionalização (Graf 2011GRAF, Friedrich Wilhelm. (2011), “Calvin in the Plural, The Diversity of Modern Interpretations of Calvinism, Especially in Germany and the English-Speaking World”. In: I. Backus; P. Benedict. Calvin and His Influence, 1509-2009. New York: Oxford University Press.), apresentou-se, no contexto holandês, como uma importante fonte moral de reação aos resultados da Revolução Francesa (van der Kooi 2011VAN DER KOOI, Cornelis. (2011), “Calvin, Modern Calvinism, and Civil Society: The Appropriation of a Heritage, with Particular Reference to the Low Countries”. In: I. Backus; P. Benedict. (org.). Calvin and His Influence, 1509-2009. New York: Oxford University Press .) - racionalismo, individualismo e um ateísmo sem precedentes na história. De outro, vinculou-se a um imaginário mais amplo que procurava associar a ética calvinista a uma força social moral dotada de um tipo especial de racionalidade a “atravessar” todos os meandros da vida cotidiana, disciplinando indivíduos, famílias, instituições sociais e nações. Portanto, uma ética religiosa radicalmente mais lógica, racional e dotada de eficiência política (quanto ao assunto, ver, especialmente, a discussão desenvolvida em: Mata 2008MATA, Sérgio da. (2008), “Religião e modernidade em Ernst Troeltsch”. Tempo Social [online], vol. 20, nº 2: 235-255. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702008000200012&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 16/06/20. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200012.
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).

Vale lembrar que, na teoria política “calvinista” do século XIX, tanto na Alemanha como em países de fala inglesa, as afinidades existentes entre conceitos e instituições de natureza religiosa (destacam-se as noções teológicas de vocação, “Imago Dei”, liberdade cristã; as formas eclesiais independentes e autônomas - sínodos e presbitérios; uma ênfase exacerbada na ideia de indivíduo etc.) e as outras esferas de existência constituíram-se em uma “formação discursiva” a articular política, economia, ética e religião (Graf 2011GRAF, Friedrich Wilhelm. (2011), “Calvin in the Plural, The Diversity of Modern Interpretations of Calvinism, Especially in Germany and the English-Speaking World”. In: I. Backus; P. Benedict. Calvin and His Influence, 1509-2009. New York: Oxford University Press.). Procurava-se, assim, imputar ao calvinismo os ganhos e conquistas sociais modernas (republicanismo; a teoria dos “contratos sociais”; a separação entre a igreja e o Estado; organização política e popular, entre outros).

Não sem razões, as modernas noções de “universalidade” e soberania popular (liberdades civis, federalismo, republicanismo, moralidade cívica, assim como a ênfase na noção de “direitos humanos”) estarão associadas, em diversos contextos sociais do final do século XIX e início do XX, inclusive o acadêmico, aos desenvolvimentos históricos, em meio à “ascese intramundana” de calvinistas piedosos (Weber 2004WEBER, Max. (2004), A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras .), de uma “esfera religiosa” relativamente autônoma com relação às outras esferas de vida e ação (política, economia, artes etc.). A contrapartida óbvia desse argumento, entre teólogos e juristas calvinistas, residia na controversa noção de que, no contexto do desenvolvimento das nossas liberdades democráticas, a virtude constitucional, contra toda uma tradição baseada no formalismo liberal, tem em certas premissas ideais morais um “porto seguro” - liberdade religiosa e liberdade civil tornam-se verso e anverso de uma mesma moeda. Ainda sobre o assunto, Graf (2011GRAF, Friedrich Wilhelm. (2011), “Calvin in the Plural, The Diversity of Modern Interpretations of Calvinism, Especially in Germany and the English-Speaking World”. In: I. Backus; P. Benedict. Calvin and His Influence, 1509-2009. New York: Oxford University Press.:256), com efeito, sugere que os estudos do calvinismo são uma espécie de discurso autoconsciente de uma modernidade cujos fundamentos se tornaram incertos.

Não sendo monolíticas, as formações discursivas calvinistas assumiram configurações distintas ao longo dos séculos XIX e XX.3 3 Na obra Cartas a um jovem calvinista, James K. A. Smith indica a existência de duas tradições que, bebendo de uma fonte comum, assumem caminhos distintos — a holandesa e a escocesa (Smith 2014:41-42). Historicamente, a hibridização dessas matrizes, no Brasil, forjou-se, por um lado, em meio à recepção acrítica do pensamento teológico da “Old Princeton” (Charles Hodge, B. B. Warfield e A. A. Hodge) nos seminários teológicos confessionais. Por outro lado, destaca-se o prestígio adquirido por autores mais contemporâneos como Francis Schaeffer, J. I. Packer e John Piper. Há décadas a influência da teologia neopuritana se faz sentir nos círculos teológicos reformados mais conservadores. No que diz respeito ao contexto brasileiro, Souza (2020SOUZA, Robson. (2020), “A tradição calvinista é intolerante? Uma breve contribuição à análise crítica da autorreferencialidade reformada”. Reflexão, vol. 45, 1-17. https://doi.org/10.24220/2447-6803v45e2020a4792.
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) argumenta que o conservadorismo protestante recente se origina da combinação de duas grandes matrizes religiosas distintamente “desencantadas”, para usar uma expressão cara à sociologia weberiana da religião (Pierucci 2003PIERUCCI, Antônio Flávio. (2003), O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo, Editora 34.) - o kuyperianismo e o fundamentalismo. Com essa afirmação, não se quer negar as sucessivas tentativas de “aggiornamento” do discurso teológico reformado ao longo do século XX, e mesmo entre os evangélicos da “missão integral”. Porém, parcela significativa do protestantismo missionário, caminhando em sentido contrário, irá extrair, não somente durante a época do Regime Militar (1964-1985) como também após os processos de redemocratização, seus recursos simbólicos do fundamentalismo estadunidense, avesso ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso (Cf. Souza 2020:12).

No caso brasileiro, o pretenso suporte ideológico “neocalvinista” à agenda moral do atual governo (Cf. A Teologia 2020) deve ser entendido mais nos termos de uma “afinidade eletiva” entre o discurso que vem ganhando hegemonia entre parcela significativa das lideranças religiosas reformadas, via a leitura de teólogos como Francis Schaeffer, e a direita religiosa estadunidense (evangélica/ “reconstrucionista”).4 4 A recepção do pensamento de A. Kuyper, no Brasil, é relativamente recente, datando do final do século XX (ver Gouvêa 2013). Além disso, a tradução tardia dos pensadores mais alinhados à teologia hegemônica nas mainline (Karl Barth, Rudolf Bultmann, Jürgen Moltmann, Emil Brunner, entre outros) dificultou o desenvolvimento de novos canais teológicos de mediação, distanciando o protestantismo brasileiro de origem missionária de suas respectivas igrejas-mães estadunidenses. Como se sabe, o desenvolvimento dessa articulação terá rebatimentos na política eclesiástica.

A propósito, pesquisas qualitativas sobre o protestantismo de origem missionária trazem dados acerca das lutas internas às instituições eclesiásticas. Em segmentos do presbiterianismo brasileiro, por exemplo, as disputas eclesiásticas geralmente se apresentavam de modo velado, exprimindo-se, ideologicamente, no duelo pelos sentidos políticos dos símbolos teológicos (ou até dos sentidos teológicos do engajamento político). Em momentos de tensão, a política de “equidistância teológica dos extremos” funcionava, entre presbiterianos, como um “Significante Mestre” - a qualquer um dos grupos envolvidos numa polêmica eclesiástica o conceito de equidistância estava sempre à disposição (Cf. Souza 2009SOUZA, Robson. (2009), Discursos e práticas fundamentalistas na Igreja Presbiteriana do Brasil (2002-2008): uma análise da pretensa posição de equidistância dos extremos fundamentalistas e liberais. São Bernardo do Campo: Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, UMESP. Disponível em: Disponível em: http://tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/493/1/Robson_Costa_Souza.pdf . Acesso em: 11/01/21.
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).

Entretanto, nas últimas décadas, houve uma significativa mudança no centro de gravidade do protestantismo brasileiro na medida em que a designação de um inimigo a ser combatido (leia-se: “cristãos progressistas”) passa gradativamente a incorporar os elementos de uma agenda supostamente “de esquerda” (ver, por exemplo, Ferreira 2020FERREIRA, Franklin. (2020). “A Infiltração dos ‘Cristãos Progressistas’ na Igreja Cristã”. Coalizão pelo Evangelho. Disponível em: Disponível em: https://coalizaopeloevangelho.org/article/a-infiltracao-dos-cristaos-progressistas-na-igreja-crista/ . Acesso em: 04/04/21.
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). Engendra-se, pois, um campo de oposição marcado pelo antagonismo - no interior dessas formações discursivas, “liberais”, “neo-ortodoxos”, “libertinos” e “neopentecostais” constituíram o Outro responsável pela “falência do evangelicalismo brasileiro” (Cf. Nicodemus 2008NICODEMUS, Augustus. (2008), O que estão fazendo com a Igreja: ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro. São Paulo: Mundo Cristão.:11).

Aos propósitos deste paper, pode-se sugerir o seguinte argumento à luz dos recentes tensionamentos provocados pela presença-visibilidade da religião no espaço público brasileiro: a autopercepção de alguns evangélicos piedosos (Pacheco 2020PACHECO, Ronilso. (2020), “Quem são os evangélicos calvinistas que avançam silenciosamente no governo Bolsonaro”. The Intercept. Disponível em: Disponível em: https://theintercept.com/2020/02/04/evangelicos-calvinistas-bolsonaro . Acesso em: 04/02/20.
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), bem como as representações históricas produzidas por teólogos (e historiadores) de todas as confissões cristãs, diga-se de passagem, economistas, advogados, juristas, acadêmicos (e mesmo atores políticos), muitas vezes agem na constituição de um tipo de discurso dominado pela relação “nós”-“eles”, em meio às paixões de natureza político-religiosa. É justamente no interior dessas paixões que podemos localizar o significante vazio - conservadorismo -, objeto de disputas e, simultaneamente, espécie de muleta metafísica a serviço da hegemonia de discursos Outros. Por isso, a seção a seguir envolve a necessária problematização da relação entre religião e esfera pública, no Brasil.

A emergência de um debate sobre religião e espaço público

Em textos recentes, Souza (2017SOUZA, Robson. (2017), “Religião, gênero e pluralismo: uma análise acerca da condição feminina no protestantismo brasileiro”. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 41, 2017, Caxambu. Anais [...]. Caxambu: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Disponível em: Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/41-encontro-anual-da-anpocs/gt-30/gt24-18/10828-religiao-genero-e-pluralismo-uma-analise-acerca-da-condicao-feminina-no-protestantismo-brasileiro/file . Acesso em: 15/06/2020.
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), caminhando com as autoras que tratam do caráter transnacional da produção científica, sugere que a noção de “fundamentalismo religioso” está vinculada à determinada compreensão acerca do lugar social das religiões na contemporaneidade - o conceito que associa a modernidade à ciência e ao “declínio da religião” chegou até nós por meio dos fluxos das ideias e das trocas culturais com os pensadores europeus e estadunidenses (Machado 2009MACHADO, Maria das Dores. (2009), “Identidade, globalização e secularização”. In: V. Liszt. (org.). Identidade e globalização. Rio de Janeiro: Record.).

A propósito, o movimento mais significativo do programa moderno foi, segundo autores como Eisenstadt (2001EISENSTADT, Shmuel. (2001), “Modernidades múltiplas ”. Sociologia, problemas e práticas, oeiras, nº 35: 139-163. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0873-65292001000100007&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 17/06/20.
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) e Pierucci (2003PIERUCCI, Antônio Flávio. (2003), O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo, Editora 34.), o desenvolvimento autônomo de todas as arenas institucionais - econômica, política e cultural. Por outro lado, a Razão moderna, muitas vezes identificada como o núcleo central do projeto iluminista, subsumia, em termos weberianos, a “racionalidade orientada para valores”, ou a “racionalidade substantiva”, à “racionalidade instrumental”. Nessa forma de representação do mundo, as “esferas de valor”, autonomizadas e obedientes a uma lógica interna própria, agem independentemente das fundamentações axiológicas religiosas. Consequentemente, uma leitura pouco cuidadosa de M. Weber, profundamente devedora do liberalismo político, diga-se de passagem, logo procurou associar o universo das religiões ao uso “privado” da razão, empurrando, no plano epistemológico, a experiência religiosa para o espaço da intimidade.5 5 Para uma problematização acerca da oposição entre Kant e Richard Rorty, ver, especialmente, Žižek (2014). Na tradição kantiana, a verdadeira liberdade se estabelece no “uso público” da razão em todas as questões, até mesmo quando os argumentos estão sendo formulados na privacidade de nossa mente. Em contrapartida, filósofos como Habermas colocam entre parênteses a questão ontológica, afirmando o primado da dimensão comunicacional (Borradori 2004). Ver, também, essa discussão em Souza (2019: 54-55).

Seguindo uma tendência cada vez maior entre os cientistas sociais e filósofos contemporâneos (Berger 2000BERGER, Peter. (2000), “A dessecularização do mundo: uma visão global”. Religião & Sociedade, vol. 21, nº 1: 9-23. Disponível em: Disponível em: http://www.uel.br/laboratorios/religiosidade/pages/arquivos/dessecularizacaoLERR.pdf . Acesso em: 17/06/20.
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; Habermas 2007HABERMAS, Jürgen. (2007), Dialética da secularização: sobre razão e religião. Aparecida, SP: Ideias & Letras.; Casanova 2010CASANOVA, José. (2010), “O Problema da religião e as ansiedades da democracia secular europeia”. Revista de Estudos da Religião - REVER, ano 10: 1-16. Disponível em: Disponível em: http://www.pucsp.br/rever/rv4_2010/t_casanova.pdf . Acesso em: 10/05/2012.
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etc.), autoras brasileiras (Machado 2009MACHADO, Maria das Dores. (2009), “Identidade, globalização e secularização”. In: V. Liszt. (org.). Identidade e globalização. Rio de Janeiro: Record.; Montero 2006MONTERO, Paula. (2006), “Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil”. Novos estudos CEBRAP , nº 74: 47-65. https://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002006000100004.
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, 2009) passaram a questionar a ideia de uma experiência unívoca de modernidade, seja para o Ocidente como um todo, seja no caso específico da Europa. Numa sociedade profundamente hierarquizada e ruralizada como a do Brasil colônia, a religião oficial atuou durante muito tempo na manutenção de um tipo de ethos familista, e da cultura que o materializa, obstaculizando relações horizontais de tipo associativo (Holanda 1995HOLANDA, Sérgio Buarque de. (1995), Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 26 ed.; Machado 2008).

Compreendido aqui como uma mediação importante na integração dos indivíduos aos hábitos, costumes e normas de ação de nossa sociedade, o catolicismo foi a expressão religiosa que se impôs como hegemônica durante séculos, sendo capaz de produzir, até muito recentemente, nas sociedades de matriz histórica europeia, os nexos simbólicos e institucionais mediadores das diversas eticidades. Especialmente no caso brasileiro, a ausência de limites claros entre o “sagrado” e o “profano” fez do catolicismo brasileiro um importante referencial de “publicização legítima” (Montero 2006MONTERO, Paula. (2006), “Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil”. Novos estudos CEBRAP , nº 74: 47-65. https://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002006000100004.
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).

Por outro lado, não podemos desprezar o fato de que, a partir da segunda metade do século XX, a Igreja Católica passou a conviver com um amplo leque de instituições culturais e sujeitos coletivos na “esfera pública”. O pós-1960 caracterizou-se, entre outras coisas, pela emergência das chamadas “políticas de identidade”, multiculturalismo, múltiplos processos de democratização política e diversas “injunções ao estar junto” (Burity 2018BURITY, Joanildo. (2018), “A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder?” In: R. Almeida; R. Toniol (org.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais . Campinas: Editora da Unicamp .: 22).

Nesse contexto, destaca-se o surgimento de um novo ator religioso. No campo confessional, as instituições que mais ganharam visibilidade apresentavam traços pentecostais: a acelerada proliferação das igrejas evangélicas, sobretudo pentecostais e neopentecostais, nas periferias metropolitanas e nos pequenos centros urbanos, tornou efetivamente explícita e pública a legitimidade do “não ser católico”. Além disso, a “publicização” dos símbolos vinculados às religiões afro-brasileiras, sob a forma de “cultura”, facilitará, no caso brasileiro, o tensionamento da arena pública. Consolida-se, portanto, após a redemocratização, “um regime de publicização da religião que é irredutível às categorias ‘fundamentalismo’, conservadorismo’ ou ‘fascismo’”, posto que, segundo J. Burity (2018BURITY, Joanildo. (2018), “A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder?” In: R. Almeida; R. Toniol (org.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais . Campinas: Editora da Unicamp .: 20), a “Religião pública” se constituirá por três vias distintas: (a) político-eleitoral; (b) ecumênico-ativista; (c) o caminho da culturalização.

Em um contexto global marcado pela desregulação dos mercados, o fenômeno da globalização e o estabelecimento de ondas migratórias, a imbricação entre religião e política, em países como o Brasil e os Estados Unidos, tencionou, de um ponto de vista teórico, os limites da narrativa da secularização e da noção weberiana de desencantamento do mundo (Machado 2009MACHADO, Maria das Dores. (2009), “Identidade, globalização e secularização”. In: V. Liszt. (org.). Identidade e globalização. Rio de Janeiro: Record.). Em nosso país, os processos de subjetivação de crenças e de ampliação da autonomia dos atores sociais com relação às estruturas eclesiásticas (Machado 2009; Montero 2009MONTERO, Paula. (2009), “Jürgen Habermas: religião, diversidade cultural e publicidade”. Novos estudos CEBRAP, nº 84: 199-213. https://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002009000200011.
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) ocorreram simultaneamente a uma tendência de reforço da atuação de instituições eclesiásticas na esfera pública e a inserção de especialistas do sagrado nos poderes legislativos e executivos do país. Paradoxalmente, a secularização e as vias místicas de acesso ao sagrado passaram a se reforçar de maneira mútua, permitindo a produção de um fiel emocionalmente engajado, mas sem vínculos ideológicos com o discurso religioso que lhe serviu de base (Souza 2020SOUZA, Robson. (2020), “A tradição calvinista é intolerante? Uma breve contribuição à análise crítica da autorreferencialidade reformada”. Reflexão, vol. 45, 1-17. https://doi.org/10.24220/2447-6803v45e2020a4792.
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).

A propósito da complexidade acerca do debate sobre o campo das práticas políticas, C. Mouffe (2015MOUFFE, Chantal. (2015), Sobre o político. São Paulo: Martins Fontes .) nos lembra que a fronteira entre o social e o político é essencialmente instável, exigindo constantes deslocamentos e renegociações entre os agentes sociais. Inicialmente, grupos e atores religiosos consideraram a esfera política como um espaço de disputa das comunidades confessionais frente aos privilégios da Igreja Católica no país (Machado 2008MACHADO, Maria das Dores. (2008), “Religião e as assimetrias de gênero na América Latina”. In: A. P. Oro (org.). A latinidade da América Latina: enfoques sócio-antropológicos. São Paulo: Aderaldo & Rothschild.). Mas, ao longo dos anos, as pautas passaram a girar em torno de propostas tradicionalistas e de temas fundamentalmente morais e familiares. Nesse nível do debate, o significante conservadorismo encontra-se irremediavelmente deslocado de sua “origem” histórica, e passa a ser subsumido a pautas estritamente morais e dos costumes; redução tão radical que o conceito de conservadorismo se tornou espécie de irmão gêmeo, no nível semântico, do tradicionalismo.

Igrejas Protestantes que, até recentemente, pensavam exclusivamente na vida no “além” e na salvação das “almas”, em que pese o histórico alinhamento do protestantismo brasileiro ao ideário político liberal (Souza 2020SOUZA, Robson. (2020), “A tradição calvinista é intolerante? Uma breve contribuição à análise crítica da autorreferencialidade reformada”. Reflexão, vol. 45, 1-17. https://doi.org/10.24220/2447-6803v45e2020a4792.
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), tornaram-se reféns, no pós-impeachment de Dilma (Burity 2018BURITY, Joanildo. (2018), “A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder?” In: R. Almeida; R. Toniol (org.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais . Campinas: Editora da Unicamp .), de um jogo de articulação política sem precedentes na história religiosa deste país, considerando-se o apoio expressivo do segmento evangélico a uma candidatura de extrema-direita. Tendo em conta os limites dessa articulação hegemônica, a circulação de demandas identitárias (religiosas ou não) na arena pública brasileira, segundo as noções laclaunianas das diferenças e da equivalência (Žižek et al. 2000ŽIŽEK, Slavoj et al. (2000), Contingency, hegemony, universality. London: Verso Books.), pautar-se-á pela lógica do dissenso: gramáticas distintas de subjetivação político-religiosa, bem como concepções conflitantes do que vem a ser o significado de democracia, engendraram um tipo de comunidade discursiva na qual as disputas identitárias não se resolverão facilmente, nem pelo formalismo normativo legal das lógicas democráticas, nem pela velha solução política, liberal, de tolerância (Habermas 2004HABERMAS, Jürgen. (2004), “Fundamentalismo e terror: um diálogo com Jürgen Habermas”. In: G. Borradori. Filosofia em tempo de terror: diálogos com Jürgen Habermas e Jacques Derrida . Rio de Janeiro: Jorge Zahar .). Como o espaço público se configura pelo entrecruzamento das lógicas política, social e fantasmática, nos termos de Howarth e Glynos (2007GLYNOS, Jason; HOWARTH, David. (2007), Logics of Critical Explanation in Social and Political Theory. London/New York: Routledge.), atores religiosos manifestam apoio (ou não) à agenda moral do governo Bolsonaro (sem partido), guiando-se por gramáticas religiosas distintas (ou mesmo conflitantes). Mesmo tendo profundas divergências doutrinárias entre si, lideranças religiosas carismáticas e segmentos neocalvinistas, por exemplo, associaram-se no combate ao marxismo (cultural) e à assim chamada “ideologia de gênero” (a esse respeito, ver, por exemplo, Lopes e Nicodemus: 2021LOPES, Hernandes Dias; NICODEMUS, Augustus. (2021), O cristão e a ideologia de gênero. Disponível em: Disponível em: https://youtu.be/U6uEGwM2iaw . Acesso em: 08/04/21.
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). O que, de fato, os une nesse campo de oposição marcado pela precariedade e pela contingência é a existência de um Inimigo comum a ser derrotado, não importando o nome que se lhe dê.

Sob uma perspectiva que se quer “crítica”, a aposta liberal não apenas ignora a essência fundamentalmente antagônica e conflitiva do campo político, como também tende a desprezar um elemento importante de nossas democracias liberais: as premissas compartilhadas com respeito a valores e princípios constitucionais são, elas mesmas, o resultado de uma constante disputa pela hegemonia política. Ao se constituir em um “espaço de poder”, o campo das políticas democráticas em qualquer formação social hegemônica resulta de uma “articulação temporária e precária de práticas contingentes” (Mouffe 2015MOUFFE, Chantal. (2015), Sobre o político. São Paulo: Martins Fontes .). Como seus problemas não se resolvem facilmente como questões técnicas de especialistas, espera-se dos atores o reconhecimento de que há uma incessante luta pelo modo de articulação dos significantes que compõem um universo social dado:

Uma formação hegemônica é uma configuração de práticas sociais de diferentes naturezas: econômica, cultural, política e jurídica, cuja articulação é assegurada em torno de alguns significantes simbólicos centrais que formam o “senso comum” e fornecem a estrutura normativa de uma dada sociedade. O objetivo da luta hegemônica consiste em desarticular práticas sedimentadas de uma formação existente e, através da transformação dessas práticas e da instauração de outras novas, estabelecer pontos nodais de uma nova formação social hegemônica. Esse processo é um passo necessário, bem como a rearticulação dos significantes hegemônicos e seu modo de institucionalização. (Mouffe 2019MOUFFE, Chantal. (2019), Por um populismo de esquerda. São Paulo: Autonomia literária., on-line)

Aqui, os autores sugerem, em chave pós-estruturalista, que as temáticas do conservadorismo protestante e do fundamentalismo religioso não fogem ao debate mais amplo acerca das identidades sociais e da visão unificadora de um “bem comum”. Em nosso universo político liberal, a negação paradoxal da política e a comunitarização da esfera pública se expressam, ideologicamente, segundo o “formalismo” de um aparato jurídico-político pretensamente neutro (e isento de “distorções” políticas, diga-se de passagem).

Logo, a aposta laicista que, em vários contextos, procura privar o espaço público de referências religiosas passa ao largo do problema. O próprio “universo da lei”, ao estabelecer as distinções as mais diversas no campo das práticas sociais, testemunha contra a pseudouniversalidade dos mercados (Badiou 2009BADIOU, Alain. (2009), São Paulo: a fundação do universalismo. São Paulo: Boitempo .). Em um regime constitucional, medidas e procedimentos destinados à proteção da ordem democrática muitas vezes se manifestam sob a forma da supressão dos direitos individuais dos cidadãos, instaurando, pela lógica da excepcionalidade, um Estado de Exceção permanente (Agamben 2004AGAMBEN, Giorgio. (2004), Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo.).

Por outro lado, as formas sociais orgânicas de identificação particular, fora da esfera pública universal, agem no “subterrâneo” das práticas políticas, colocando sempre para nós o desafio de pensar, no que concerne ao discurso público, tanto a problemática da secularização quanto os limites da gramática religiosa na “produção de consensos” (Habermas 2007HABERMAS, Jürgen. (2007), Dialética da secularização: sobre razão e religião. Aparecida, SP: Ideias & Letras.). Portanto, essa relação entre as representações religiosas de mundo (conservadoras ou não), o discurso público e noções contemporâneas de laicidade não se resolve facilmente na arena pública, seja porque as identidades sociais se definem por uma instabilidade intrínseca, seja porque o conteúdo das formações discursivas não é dado de antemão.

Conclusão

À guisa de conclusão, gostaríamos de agrupar o conjunto dos argumentos apresentados neste texto com base na seguinte ordem hipotética: (a) o advento da modernidade presenciou uma espécie de mutação, digamos, da “atitude conservadora” relativa ao tema da luta política propriamente dita, na medida em que esse significante passou a circular, cada vez mais, no âmbito de formações discursivas radicalmente comprometidas com a construção da hegemonia política; tornou-se, portanto, subserviente às ideologias seculares; (b) essa mesma modernidade se fez acompanhar pela incorporação da lógica do político, e, portanto, do antagonismo, no interior de práticas discursivas identificadas, sobretudo, com o fenômeno religioso; (c) o conceito de fundamentalismo encontra-se, nesse cenário, atrelado a um tipo de subjetividade político-religiosa que promove o combate acirrado (e violento) às forças que são percebidas como inimigas; e, finalmente, (d) significantes como conservadorismo, fundamentalismo e democracia encontram-se, atualmente, profundamente articulados e a serviço da estruturação de um discurso político-religioso que visa ao estabelecimento da hegemonia. Em alguns casos, os grupos se veem na necessidade de travar uma “guerra” político-cultural, no sentido schmittiano, por todos os meios e caminhos possíveis.

Ao recuperar o pluralismo e os antagonismos presentes na noção conflitiva de político, procurou-se não apenas transcender certa visão política orientada pelo viés liberal, como também houve a problematização do modo pelo qual a dimensão relacional das identidades político-religiosas possibilita a construção contextual de articulações hegemônicas contingentes em face das práticas anti-hegemônicas. O conceito de democracia radical surge, nesse contexto, como um campo de articulação de demandas e de lógicas plurais, no qual participam ativamente os atores religiosos. Tal compreensão rearticula, inclusive, as fronteiras entre o social e o político, relativizando uma visão de mundo baseada na disjunção das esferas de valor e na ideia weberiana de secularização. Ou seja, os duelos se dão a cada momento como disputas pelos sentidos das premissas compartilhadas pelos atores na medida em que a ordem política, como tal, estrutura-se por relações específicas de poder.

Finalmente, cabe um comentário sobre os sentidos de nossa democracia, espécie de “pedra angular” que, implicitamente, percorreu as entrelinhas desse texto (e nos guiou até aqui). Com base nos argumentos e hipóteses que levantamos, diríamos que ela se tornou um significante flutuante. Os laços umbilicais que unem as palavras às coisas, como sabemos, nunca resultaram de um acordo orquestrado pela natureza, pela força dos deuses ou pelo acaso; e, não obstante, a democracia encontra-se perdida num “mar de incertezas”, indefinições, e, aparentemente, infindáveis batalhas em nível ideológico; conservadores, fundamentalistas, liberais, protestantes, católicos, democratas ou não, todos a um, disputam, desde cadeias discursivas muitas vezes opostas, o verdadeiro significado da democracia; as definições formuladas no interior dessas cadeias, múltiplas, variadas, excludentes entre si, parecem apontar para um momento único em nossa história: o da antinomia da própria democracia idealizada após a redemocratização do país. Essa antinomia aponta, paradoxalmente, para o excesso de sentido das lógicas democráticas (e, em termos pós-estruturalistas, para o esvaziamento quase que absoluto delas mesmas).

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  • 1
    No campo da economia política, por exemplo, o conservadorismo de autores como Ludwig von Mises se traduz numa crítica radical à ingenuidade naturalista do pensamento liberal clássico, que idealizava a existência real de uma natureza humana disposta, per se, à vida na sociedade de mercado, e, sobretudo, ao modelo de democracia pensada com base em uma lógica de incorporação do povo na administração das coisas públicas. Segundo Mises, que era acompanhado, nesse sentido, por autores como Friedrich Hayek, “é fato que as massas não pensam. Mas é precisamente por essa razão que seguem os que pensam por si mesmos” (von Mises apud Dardot; Laval 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo.:149). A tradição do pensamento conservador que poderíamos denominar de “escola economicista”, portanto, pode ser caracterizada por uma desconfiança radical relativa aos efeitos da conversão do indivíduo em cidadão da pólis, e, por essa razão, tem a democracia, no sentido amplo desse termo, como um inimigo sempre presente no horizonte da batalha ideológica.
  • 2
    No rico diálogo travado com Boris Gunjević, S. Žižek, na obra O sofrimento de Deus: inversões do apocalipse, (2015ŽIŽEK, Slavoj; GUNJEVIC, Boris. (2015), O sofrimento de Deus: inversões do Apocalipse. Belo Horizonte: Autêntica Editora .:24) defende que “o que caracteriza a modernidade não é mais a figura-padrão do crente que nutre em segredo dúvidas íntimas sobre sua crença e se envolve em fantasias transgressoras”. Para o filósofo esloveno, as antigas gaiolas de ferro do moralismo, tão bem descritas em O mal-estar na Civilização, por Sigmund Freud, na década de 1929, são, na modernidade, gaiolas de um tipo renovado. Elas agem no próprio inconsciente de um sujeito “que se apresenta como hedonista tolerante dedicado à busca da felicidade”. E, como sugere Žižek, os defensores radicais da religião começam pelo ataque feroz à cultura secular e terminam decretando o fim da crença: “para eles, as afirmações religiosas e as afirmações científicas pertencem à mesma modalidade de conhecimento positivo” (Žižek 2011ŽIŽEK, Slavoj. (2011), Em defesa das causas perdidas. São Paulo: Boitempo .:50).
  • 3
    Na obra Cartas a um jovem calvinista, James K. A. Smith indica a existência de duas tradições que, bebendo de uma fonte comum, assumem caminhos distintos — a holandesa e a escocesa (Smith 2014SMITH, James K. A. (2014), Cartas a um jovem calvinista. Brasília: Editora Monergismo.:41-42). Historicamente, a hibridização dessas matrizes, no Brasil, forjou-se, por um lado, em meio à recepção acrítica do pensamento teológico da “Old Princeton” (Charles Hodge, B. B. Warfield e A. A. Hodge) nos seminários teológicos confessionais. Por outro lado, destaca-se o prestígio adquirido por autores mais contemporâneos como Francis Schaeffer, J. I. Packer e John Piper. Há décadas a influência da teologia neopuritana se faz sentir nos círculos teológicos reformados mais conservadores.
  • 4
    A recepção do pensamento de A. Kuyper, no Brasil, é relativamente recente, datando do final do século XX (ver Gouvêa 2013GOUVÊA, Ricardo Quadros. (2013), O lado bom do calvinismo. São Paulo: Fonte editorial.). Além disso, a tradução tardia dos pensadores mais alinhados à teologia hegemônica nas mainline (Karl Barth, Rudolf Bultmann, Jürgen Moltmann, Emil Brunner, entre outros) dificultou o desenvolvimento de novos canais teológicos de mediação, distanciando o protestantismo brasileiro de origem missionária de suas respectivas igrejas-mães estadunidenses.
  • 5
    Para uma problematização acerca da oposição entre Kant e Richard Rorty, ver, especialmente, Žižek (2014ŽIŽEK, Slavoj. (2014), Violência: seis reflexões laterais. São Paulo: Boitempo .). Na tradição kantiana, a verdadeira liberdade se estabelece no “uso público” da razão em todas as questões, até mesmo quando os argumentos estão sendo formulados na privacidade de nossa mente. Em contrapartida, filósofos como Habermas colocam entre parênteses a questão ontológica, afirmando o primado da dimensão comunicacional (Borradori 2004BORRADORI, Giovanna. (2004), Filosofia em tempo de terror: diálogos com Jürgen Habermas e Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.). Ver, também, essa discussão em Souza (2019: 54-55).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jul 2020
  • Aceito
    10 Maio 2021
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