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Recomposições do passado: Memórias e histórias da festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos em Minas Novas - MG

Recompositions of the past: Memories and stories of the Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos from Minas Novas-MG

Resumos

Resumo: O objetivo deste artigo é debater as pontes construídas com o continente africano e as memórias mobilizadas pela Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas - MG. A escolha desse tema se relaciona diretamente com as narrativas sobre a história do município, a constituição do catolicismo negro na região e as suas relações com a África. Dessa maneira, apresentarei elementos da cosmologia banto presentes em alguns dos rituais que demonstram a criação de traços culturais afro-diaspóricos e as resistências negras ao longo do tempo.

Palavras-chave:
catolicismo negro; Vale do Jequitinhonha; historicidades


Abstract: the present article aims to discuss the construction of bridges from the Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos from Minas Novas-MG with the african continent, as well as the memories mobilized by the event. The choice of this theme is directly related to the narratives about the history of the municipality, the relations with the African continent and the constitution of black Catholicism in the region. In this way, I will present elements of Bantu cosmology, present in some of the rituals, which demonstrate the creation of Afro-Diasporic cultural traits and black resistance over time.

Keywords:
Black Catholicism; Jequitinhonha Valley; Historicities


Introdução

Todos os anos, entre os dias 23 e 26 de junho, a porta da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no município de Minas Novas, Vale do Jequitinhonha-MG, se torna palco de uma série de rituais e festividades. Trata-se da Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, cujo início remonta ao século XIX, ainda no período escravocrata brasileiro. Ao longo de minha pesquisa de doutorado1 1 A pesquisa, processo 2016/14467-6, foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), à qual agradeço o apoio recebido. Vale ressaltar que o foco da pesquisa são as relações entre memória e parentesco em quatro comunidades quilombolas da zona rural do município. Agradeço aos comentários e sugestões de minha orientadora, Ana Claudia Marques, que muito contribuíram para a escrita de uma primeira versão deste artigo e as contribuições significativas dos pareceristas anônimos. em antropologia social, pude acompanhar as edições de 2018 e 2019 do evento, que possibilitaram pontes e conexões entre a religiosidade ali exercida e as múltiplas questões sociais que permeiam o cotidiano dos moradores do município.2 2 A observação das duas edições da festa e a pesquisa de doutorado, de forma mais ampla, se baseiam em uma postura metodológica etnográfica. Desde 2009, realizo trabalhos de campo no município de Minas Novas, principalmente nas comunidades quilombolas Pinheiro, Macuco, Gravatá e Mata Dois. Para a observação específica de cada uma das festas, permaneci no município aproximadamente cinquenta dias em 2018 e trinta dias em 2019, com estadias na zona urbana, onde o evento se realiza, e nas comunidades quilombolas, na zona rural. Além da participação em todos os rituais, realizei entrevistas com membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, com antigos e atuais membros do Congado São Benedito e demais organizadores do evento, como os Juízes Maiores e membros de movimentos culturais. Dessa maneira, este artigo se dedica a analisar os desdobramentos atuais da origem africana da festa, bem como a tessitura das constantes relações entre passado, presente e futuro, evocadas nos discursos dos participantes.

Faz-se importante ressaltar que foi notável o surgimento de confrarias e irmandades negras no Brasil a partir do século XVI, havendo um aumento expressivo do final do século XVIII até meados do século XIX, principalmente em estados como Bahia e Minas Gerais. De acordo com Alberto da Costa e Silva (2003SILVA, Alberto da Costa e. (2003), Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.), a criação dessas confrarias foram marcos significativos para as resistências negras, possibilitando recriações religiosas e culturais significativas. De acordo com a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas, a festa é uma celebração que nasce em um passado marcado pela escravidão nas terras minas-novenses. Não há uma datação exata de seu início, apesar de Luis Santiago (2019SANTIAGO, Luis. (2019), “Minas Novas, a cidade-mãe”. In: O Vale dos Boqueirões - História do Vale do Jequitinhonha. Belo Horizonte: O Lutador. vol. 6. ), historiador regional, afirmar que ela surge juntamente com a fundação do primeiro arraial do município, em 1727. Oficialmente, o registro inicial do evento é do ano de 1810 e trata-se da descrição da festa por um arquidiocesano. Anos depois, em 1848, a Irmandade é registrada e passa a comandar formalmente toda a organização da festa. Naquele momento, as confrarias religiosas eram de suma importância para a institucionalização das vilas como núcleos jurídicos, uma vez que a estrutura estatal estava diretamente ligada à Igreja Católica e a existência das Irmandades garantia não apenas a burocracia religiosa, mas, principalmente, o desenvolvimento de uma estrutura burocrática jurídico-cartorial. De maneira geral, igrejas, assim como feiras e entroncamento de rotas, sempre foram importantes fatores na constituição de núcleos de povoamento no Brasil, como bem demonstrou Ana Claudia Marques (2013MARQUES, Ana Claudia. (2013), “Pioneiros de Mato Grosso e Pernambuco. Novos e velhos capítulos da colonização no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 28, nº 83.). De acordo com a autora, os povoadores de determinado aglomerado populacional se estabeleceram com base nesses três pilares fundamentais para a construção das histórias pessoais e coletivas desses pioneiros e dos lugares que surgiam.

Contudo, para além disso, as confrarias tinham relações centrais com a política local e atuavam em distintas dimensões da vida coletiva, como a economia e a assistência social. Segundo Julita Scarano (1978SCARANO, Julita. (1978). Devoção e escravidão: a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no Século XVIII. São Paulo: Brasiliana.), as confrarias ganhavam ainda mais destaque na província de Minas Gerais, dado que as Ordens Religiosas eram proibidas, diferentemente dos estados do Nordeste e outras partes do país. Essa proibição, que segundo a autora se relacionava com o receio do desvio de ouro e demais pedras preciosas, bem como a agitação de revoltas e contestação social, fazia das Irmandades as únicas formas de associação religiosa legalmente permitidas. Sendo assim, de acordo com Caio Boschi (1986BOSCHI, Caio César. (1986), Os leigos e o poder. Irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática.), as Irmandades surgem com um forte potencial revolucionário, sendo criadas pela população e não pelo Estado, constituindo espaços legais de encontro e socialização entre os diversos tipos de camadas sociais. Essa característica era essencial para os negros escravizados, que tinham as confrarias como únicas instituições nas quais eram reconhecidos como humanos e cujo pertencimento era fundamental para a inclusão na sociedade.

Assim, Liliana Porto (2007PORTO, Liliana. (2007), A ameaça do outro. Magia e religiosidade no Vale do Jequitinhonha- MG. São Paulo: Attar Editorial.) afirma que no período colonial e imperial, em Minas Gerais, “quem não pertencia a uma Irmandade não tinha lugar social definido” (Porto, 2007:60). As Irmandades agenciavam compra de alforrias, auxílio a irmãos doentes e a funerais, casas de aluguel e a outros tipos de benefícios, constituindo uma importante instituição de assistência social aos negros e às classes mais baixas. Até hoje, as Irmandades cumprem um papel importante no acompanhamento de seus membros doentes, bem como no auxílio aos funerais dos mais necessitados, e de maneira geral, criam uma pertença comunitária muito valorizada nos municípios mineiros. Em Minas Novas, atualmente, existem mais de trezentos membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, facilmente identificados pelo uso das opas amarelas nos dias da festa, bem como pelo cumprimento de suas obrigações anuais, como pagamento de anuidade, frequência nas reuniões e nas atividades de administração e organização da festa.

Como afirma Marina de Mello e Souza (2006SOUZA, Marina de Mello e. (2006), Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação do rei Congo. Belo Horizonte: Editora UFMG.), é importante historicizar a origem dessas festas, que não nasceram em terras brasileiras, mas são originárias da região do antigo Reino do Congo, marcado pela cultura banto.3 3 De acordo com Prandi (2000), a cultura banto deriva de povos que ocupam desde a África meridional até o sul do continente, falando entre 702 mil línguas aparentadas. Não existe uma unidade banto delimitada no continente, e o próprio termo foi uma criação utilizada para indicar os povos que compõem o mesmo tronco linguístico e apresentam determinadas semelhanças culturais. No Brasil, há uma intensa participação dos povos bantos na cultura afro-diaspórica, principalmente na região sudeste. Assim, o estudo dessas festas nos direciona para as pontes estabelecidas entre Brasil e África, muito evidentes quando pensamos no catolicismo negro. De acordo com a autora, essas festas se iniciaram ainda no século XV, dada a cristianização do principal chefe do Congo, Mbanza Congo, batizado em 1491. Com a diáspora para o Brasil, prossegue ela, essas festas foram recriadas aqui, invocando a África ancestral em sua versão cristianizada, representada pelo Rei do Congo. Nesse sentido, é importante frisar que, ao contrário do que muitos autores afirmaram, principalmente uma vertente folclorista, as congadas e reinados não são uma forma de adequação direta ao catolicismo branco e muito menos uma representação pura e simples do Rei de Portugal e de sua corte. Marina de Mello e Souza (2002SOUZA, Marina de Mello e. (2002), “Catolicismo negro no Brasil: santos e minkisi, uma reflexão sobre miscigenação cultural”. Afro-Ásia, nº 28: 125-146.; 2006; 2018SOUZA, Marina de Mello e. (2018), Além do visível. Poder, catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp.) é enfática ao afirmar que as festas negras assumiam a estrutura de organização católica e europeia para expressar valores culturais próprios, fundamentados em elementos das cosmologias africanas. Dessa maneira, essas festas foram e, ainda são, importantes marcos de resistência negra, principalmente em um momento em que a expressão da religiosidade de origem africana era proibida no Brasil. No caso de Minas Gerais, especificamente, essa resistência é notável, dado que, de acordo com Laura de Mello e Souza (2004SOUZA, Laura de Mello e. (2004), Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal.), Minas Gerais era a província campeã em conflitos causados entre escravizados e senhores, motivados por práticas religiosas de origem africana, entendidas como feitiçaria.

Inspirada por essa e outras questões, encontrei ressonâncias significativas entre algumas bibliografias sobre cosmologias da África Centro-Ocidental e a festa em questão, dado que a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas reconhece as origens banto do evento. Inicialmente, é preciso dizer que o município de Minas Novas se formou a partir da mineração de ouro, no início do século XVIII. Grande parte da mão de obra era escravizada, formada por africanos que tinham experiência com a mineração em seus territórios de origem, como descrevem Fogaça & Sydow (2017FOGAÇA, Sérgio; SYDOW, Evanize. (2017), “Devoção ao Rosário e conhecimento aurífero dos escravos: a história de Minas Novas - Entrevista de Cesário de Souza e Teonília Moreira Vieira”. Quilombos do Vale do Jequitinhonha: Música e Memória. São Paulo: Nota Musical Comunicação.). Longe de querer estabelecer uma relação de busca de autenticidade ou origem, tentei compreender como essa tradição banto se revela ao longo dos dias da festa, sendo evocada por parte dos membros da Irmandade.

Assim, apresentarei os elementos mais evidenciados desse encontro transatlântico, tentando visibilizar memórias e histórias que remetem diretamente a elementos da cultura afro-brasileira. Sobre a exploração de alguns elementos de origem banto que estão presentes nos rituais, gostaria de ressaltar que essa aproximação com a literatura da área de História da África não se trata de uma tentativa de descobrir traços africanos diacríticos, numa espécie de busca de uma origem autêntica desses rituais e dessa população, mas, sim, incorporar simetricamente esse arcabouço com as análises etnográficas que venho construindo. De maneira geral, gostaria aqui de demonstrar alguns dos legados afro-diaspóricos que fazem parte das festividades religiosas de Minas Novas, assim como podem se fazer presentes, de outras formas, em demais manifestações semelhantes.

Salve o Povo de N’goma: passado, presente e futuro conectados pelo som dos tambores

Robert Slenes (1992SLENES, Robert. (1992), “Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do Brasil”. Revista USP, (12): 48-67.), em seu texto “Malungu, ngoma vem: África coberta e descoberta do Brasil” destrincha relações e processos históricos fundamentais para a compreensão das características da população africana escravizada do sudeste brasileiro, principalmente no último quartel do século XIX. Esse texto é considerado clássico na área de História da África4 4 O subcampo disciplinar de História da África se desenvolveu muito recentemente no Brasil. Vanicléia Santos (2012) aponta que a década de 1990 foi fundamental para a expansão dos estudos da área, sendo que o texto de Robert Slenes, assim como o livro Um Rio chamado Atlântico, de Alberto da Costa e Silva, ambos de 1992, constituem umas das primeiras publicações de maior difusão e alcance. Vale ressaltar que as primeiras teses defendidas na área são de 1993 e que só após o estabelecimento da Lei nº 10.639/2003 que há uma expansão significativa de pesquisas nesse subcampo. De acordo com Santos (2012), de 2003 a 2012, houve um aumento de 560% no número de dissertações e teses defendidas no país sobre a temática da História da África. no Brasil, uma vez que revela dimensões até então inexploradas sobre o tema. Um dos principais motes do artigo é a discussão linguística de palavras de origem banto, bem como a exposição do tronco linguístico protobanto, que permite que populações de distintos grupos étnicos da África Central se comuniquem a partir de palavras e expressões similares. O argumento central de Slenes é que a África foi redescoberta no Brasil pelos próprios escravizados e não apenas por estudiosos que buscavam as influências do continente nas práticas dos seus nativos. Assim, os escravizados teciam sociabilidades pela palavra, criando uma nova identidade banto no país. De acordo com o autor, com a morte dos africanos mais velhos, a língua franca banto foi desaparecendo e o desenvolvimento de uma interlíngua, formada por interconexões entre as línguas umbundu, kimbindu, kikongo permitiu não apenas a comunicação alargada entre escravizados de regiões diferentes da África centro-sul, mas também gerou palavras fundantes do português que falamos no Brasil.

Essa discussão, que de início pode parecer deslocada, nos fornece indícios historiográficos e antropológicos interessantes não apenas sobre a comunicação e a interação entre os escravizados do sudeste brasileiro, que apesar de advirem de distintos grupos e regiões étnicas, conseguiam estabelecer uma comunicação eficiente, mas também de uma cosmologia compartilhada entre eles. Parte significativa desses africanos que chegavam nessa região eram de origem banto, embarcados em Angola, principalmente na última metade do século XIX, como demonstra José Felipe Alencastro (2000ALENCASTRO, Luis Felipe de. (2000), O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul- séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras.). Estima-se que nesse período, mais de 3,5 milhões de pessoas embarcavam nos portos de Angola para o Brasil, que recebeu 5 dos 12 milhões de africanos escravizados que vieram para as Américas ao longo dos três séculos e meio de escravidão transatlântica. Portanto, conhecer e explorar as relações estabelecidas entre eles, bem como as simbologias compartilhadas é fundamental para compreendermos grande parte da formação social de nosso país.

O meu interesse sobre o texto se deu não apenas pela importância das discussões, mas pelo reconhecimento de uma das palavras do título, n’goma, evocada às portas da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas sempre que o cortejo e os tamborzeiros se aproximavam. Aos gritos de “Salve o povo de Ngoma!”, os tamborzeiros anunciavam a chegada das procissões, bem como da imagem da santa. Nas primeiras vezes que ouvi a palavra, não consegui compreender o que significava, e foi com o auxílio de Rodrigo, mestre da Guarda de Honra da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, que pude compreender a saudação. De acordo com Rodrigo, n’goma é o mesmo que tambor, algo que Slenes também explicita em seu texto:

N’goma é a palavra praticamente universal nas línguas banto para “tambor”. No Brasil, a ngoma era um tipo de tambor (em meados deste século geralmente chamado de “tambu”) utilizado para acompanhar as danças associadas aos jongos feitos durante as horas de lazer. (Slenes1992SLENES, Robert. (1992), “Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do Brasil”. Revista USP, (12): 48-67.:62)

Aos poucos, ouvi de outros minas-novenses que o “tambor é o princípio e o fim”, ele anuncia a vida e a morte, celebrando a continuidade da festa ao longo do tempo. De acordo com os Irmãos do Rosário, os tambores promovem a memória por meio da saudação e do chamado a todos os reis e rainhas que realizam a festa ao longo dos anos. Os reis e rainhas, também denominados Juízes Maiores, para sempre serão lembrados como tais e, quando falecidos, serão acompanhados até o cemitério pelo toque dos tambores, que anunciam a importância desses reis, mas também fazem a ligação entre o mundo terreno e o sobrenatural. De acordo com vários minas-novenses, “quando um tambor toca na terra, ele ecoa no céu”, ligando presente e passado, mortos e vivos, perpetuando a celebração ao longo de gerações.

Ainda de acordo com Rodrigo, que além de Chefe da Guarda de Honra da Irmandade, tal como José Henrique, membro da diretoria da Irmandade e advogado que se especializou nos estudos históricos sobre a festa, há três tambores sagrados de posse da Irmandade. Eles três têm tamanhos diferentes, cada qual com um nome e um significado. O maior é Santa Ana, conhecida na igreja católica como avó de Jesus, mãe de Maria. O mediano é denominado Santa Aninha, em referência a própria Santa Ana, e o pequeno é Jeremias, uma referência ao “profeta chorão”. Faz-se interessante perceber a relação que se estabelece entre o tamanho dos tambores e a simbologia de Santa Ana e de Jeremias, entendidos como representantes de grupos etários distintos. Santa Ana, avó de Jesus, é representada dentro da Igreja Católica como uma velha sábia e experiente. O dia das avós é comemorado no seu dia de celebração anual: 26 de julho. Nas religiões de matriz africana, Santa Ana encontra correspondências com Nanã, a orixá mais antiga, representada por uma velha que segura um cipó em forma de bastão, no qual se apoia. Nanã também é marcada pela sua sabedoria ancestral, pelo trabalho com o barro que produz a vida e a morte. Já Jeremias é marcado pela juventude e infantilidade, algo que pode se aproximar da compreensão do que são os erês, entidades infantis para as religiões de matriz africana. Ele foi promovido a profeta quando ainda era muito menino e se sentia incapaz de exercer o cargo, o que o fez ser conhecido como “profeta chorão”. Não por acaso, o tambor destinado a Jeremias é tocado apenas por uma criança ou um jovem. Além de seu tamanho inferior, ele possui uma estrutura saliente, uma espécie de alça, que o diferencia dos outros dois. De acordo com Rodrigo, os três tambores vieram da África, sendo fabricados de madeira e consagrados em solo africano. Apesar de não saber explicar ao certo quando esses tambores vieram, ele afirma que, ao longo dos anos, eles passaram por inúmeras reformas, mas a estrutura de madeira nunca foi alterada. De acordo com os Irmãos do Rosário, os tambores são vivos, não são simples instrumentos musicais, mas são animados, tema recorrente na literatura sobre religiões de origem africana, o que demonstra a centralidade da música dos atabaques para a conexão com o mundo dos espíritos, discussão encontrada, por exemplo, em Goldman (2003GOLDMAN, Marcio. 2003. “Os tambores dos mortos, os tambores dos vivos. Etnografia, Antropologia e Política em Ilhéus, Bahia”. Revista de Antropologia. São Paulo: vol. 46, nº 2.), Ferreira (2001FERREIRA, Luiz. 2001. “La música afrouruguaya de tambores en la perspectiva cultural afro-atlántica”. Anuário de Antropologia Social y Cultural em Uruguay. Montevidéu, vol.1: 41-57.), Chada (2006CHADA, Sonia. (2006), A música dos caboclos nos candomblés baianos. Salvador: EDUFBA.). Assim, eles participam da festa como materialidades vivas que se conectam com o passado e com as suas origens africanas.

Essa animação permite que os tambores costurem os tempos, ou, tal como diferentes pessoas gostam de afirmar, “eles tocam na terra e ecoam no céu, ligando passado, presente e futuro”. Isso justifica a presença dos tambores em todos os momentos da festa, seja dentro ou fora da igreja, no Rio Fanado, pelas ruas, na porta dos festeiros. Os tamborzeiros, também conhecidos como marujos, são figuras centrais na realização da festa, guardiões de toques, repiques e ritmos que se ajustam a cada um dos rituais. Semelhante ao que Gomes e Pereira (1988GOMES, Núbia Pereira de Magalhães; PEREIRA, Edimilson de Almeida. (1988), Negras Raízes Mineiras: os Arturos. Juiz de Fora: Ministério da Cultura.) analisaram na Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos dos quilombolas de Arturos, em Contagem- MG, os dias de festejo promovem o acesso a um “tempo único”, que permite ligar passado, presente e futuro, pelos aspectos rituais e pela continuidade do evento. Para os autores, a dança e o canto ritual expressam uma linguagem que só pode ser realmente compreendida por quem vive no corpo a experiência musical. São experiências locais de resistência, nas quais os segredos e ensinamentos ancestrais encontram novos corpos, preparados para recebê-los e somente as pessoas que são construídas para viver tais cantos e danças compreendem as dimensões espirituais ali envolvidas. Assim, segundo os autores, as manifestações religiosas negras de Minas Gerais seriam uma espécie de “arca de depósito das lembranças” (Gomes e Pereira 1988: 24), na qual o passado encontra o presente e perdura no tempo utilizando o corpo como meio de acesso a essas experiências.

A relação entre novos e velhos não surge apenas entre os três tambores, mas também no movimento do congado e Guarda de Moçambique, que compõe todas as atividades da festa, juntamente com os tamborzeiros. José Henrique afirma que o congado simboliza as crianças, aqueles que têm pouco tempo de vida, precisam aprender com os mais velhos e representam o futuro. Por isso, o movimento das congadeiras é de um eterno ir e vir, entre a Guarda de Moçambique, localizada à frente, e o retorno aos seus lugares, em uma constante busca pela sabedoria dos mais velhos, nesse caso, representados pela Guarda. Assim, apesar de a grande maioria das congadeiras serem idosas, dentro do contexto da festa, o congado faz referência à infância e à valorização do aprendizado com os mais velhos, detentores de conhecimentos acumulados.

De maneira geral, o que podemos perceber é que a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas almeja uma costura entre tempos - jovens e velhos; passado, presente e futuro. Os idosos têm prestígio social justamente pelo acesso a uma trajetória de vida que permite rememorar tempos desconhecidos pelos mais novos, contar sobre outras realidades e experiências. Principalmente entre as comunidades quilombolas da região, assim como outras comunidades tradicionais do país, a transmissão de conhecimentos dos mais velhos para os mais novos por meio da oralidade se faz central para os modos de vida ali construídos e os idosos detêm lugar de destaque nas decisões familiares.

Assim, o movimento cíclico entre o passado que alimenta o presente se aproxima do que Bergson (2011BERGSON, Henri. (2011), Matéria e memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes.) denomina de “duração”, afirmando que o passado não foi, ele é, se coloca no presente não como algo acabado, mas como existência atualizada. O passado não é igual ao presente, e o futuro também não será como agora ou como antes, mas é preciso que os tempos pregressos retomem a atualidade para comporem a história cotidianamente. Portanto, a festa consegue trazer à tona um passado que não cessa e se coloca como presente todos os anos, construindo não apenas o catolicismo negro da região, mas as narrativas sobre a constituição do município, de sua sociedade, de suas tradições.

Além da ancestralidade africana, a história municipal não fica deslocada de um passado a ser relembrado e glorificado, mobilizando dinâmicas políticas, econômicas e culturais que merecem destaque. Os moradores de Minas Novas se reconhecem e são reconhecidos por serem orgulhosos do passado do município, que teve destaque na formação regional do Vale do Jequitinhonha. Dessa forma, adiante trataremos dessas conexões entre a festa e a historicidade municipal.

Minas Novas, sua história e sua festa

Ao acompanharmos o evento, fica evidente que ele é realizado para ser grande, pomposo. Quanto mais Minas Novas for divulgada, com toda enormidade de sua festa, mais seus cidadãos se orgulham do evento e também do histórico do município, cujo passado glorioso não pode ser esquecido. Faz-se necessário salientar que parte considerável dos moradores da cidade gostam de buscar no período colonial a glória de Minas Novas, uma vez que ela foi a primeira vila do Vale do Jequitinhonha, então denominada Minas Novas do Fanado, onde estaria situado o primeiro núcleo de administração e justiça da região, conforme afirma Seabra (2010SEABRA, Maria Cândida Trindade Costa. (2010), “Toponímia do Vale: passado e presente”. In: J. V. A. de Souza; M. S. Henriques (org.). Vale do Jequitinhonha: formação histórica, populações e movimentos. Belo Horizonte: UFMG/PROEX.). Criado por ordem de Portugal, em 21 de maio de 1729, e instalado em 2 de outubro de 1730, esse município teria se tornado ponto irradiador de povoamento da região, como demonstra o autor. Ao longo do tempo, a referida vila recebeu outras denominações, como “Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas do Araçuaí” e “Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas do Fanado”, tendo se constituído “Termo de Minas Novas” a partir de 1840. O perfil de povoamento da região se basearia em um deslocamento rápido e não planejado, movido pela descoberta de ouro, a partir da criação de núcleos urbanos e com forte presença de escravidão africana.

Apesar de muito produtivo, o garimpo na região declinou antes do esperado e outras atividades foram ganhando espaço a partir do final do século XVIII, principalmente a produção de algodão e tecidos. Esse destaque é marcado como algo que se ouviu contar e que é motivo de orgulho, mas também é ressaltado na literatura sobre a região, como em Moura (1988MOURA, Margarida Maria. (1988), Os deserdados da terra: a lógica costumeira e judicial dos processos de expulsão e invasão da terra camponesa no sertão de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.) e em Porto (2007PORTO, Liliana. (2007), A ameaça do outro. Magia e religiosidade no Vale do Jequitinhonha- MG. São Paulo: Attar Editorial.), que sublinham o consumo interno e externo dessa produção algodoeira de alta qualidade, que, em nível nacional, perderia apenas para o algodão produzido em Pernambuco. A posição econômica do Termo de Minas Novas, que “mandava algodão até para a Europa”, aliada à sua posição política de centro administrativo da região - que segundo Souza (2010SOUZA, João Valdir Alves de. (2010), “Mineração e pecuária na definição do Quadro Sócio Cultural do Termo de Minas Novas”. In: J. V. A. de SOUZA; M. S. Henriques (org.). Vale do Jequitinhonha: formação histórica, populações e movimentos . Belo Horizonte: UFMG/PROEX .) correspondia a uma área de 139. 947 Km2, ou seja, um quarto do território mineiro - são lembrados pelos interlocutores como marcos importantes de uma trajetória que “tinha tudo para dar certo”. Souza (2010) afirma que, nesse território, atualmente estão situados 141 municípios, o que conferiu a Minas Novas o título de “mãe do nordeste mineiro”. Para os moradores, Minas Novas é “mãe de tudo que a vista alcança e mais ainda”, realçando uma série de outros municípios que hoje se destacam estadualmente - como Teófilo Otoni, Araçuaí, Turmalina - que são citados como “filhos de Minas Novas”, para demonstrar sua extensão e relevância5 5 O município também possui casarões históricos e projetos arquitetônicos marcantes, como a Igreja de São José, única construção octogonal do país, e o Sobradão, primeiro edifício de Minas Gerais, construído em 1821, feito de pau a pique, contendo quatro andares (Freire 2002). Esses elementos históricos, dentre outros, fazem a população atual se orgulhar do passado do município, visto como um polo regional, que poderia ter se instaurado como centro econômico de desenvolvimento. na história da região.

A ideia do município como mãe traz reflexões instigantes, que remetem a discussões que foram exploradas por mim em outras ocasiões (Alves 2016ALVES, Yara de Cássia. (2016), A casa raiz e o vôo de suas folhas: Família, Movimento e Casa entre os moradores de Pinheiro-MG. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. São Paulo: Universidade de São Paulo.; 2018 aALVES, Yara de Cássia. 2018 (a). “As mães que enraízam e o mundo que gira: criação e movimento no Vale do Jequitinhonha-Mg.” Revista Tessituras. Pelotas: vol.6, nº 2:.193-213.; 2018 bALVES, Yara de Cássia. (2018b), “Sob a luz e o calor do fogo: a criação entre os moradores de Pinheiro e as interconexões entre casas, famílias e corpos”. In: A. C. D. R. Marques; N. S. Leal (org.). Alquimias do parentesco. Casas, gentes, papéis, territórios. Rio de Janeiro: Gramma Editora: 203-229.; 2020ALVES, Yara de Cássia. (2020), “Do corpo para o mundo: força e firmeza como princípios políticos entre quilombolas mineiros”. In: J. M. Villela; S. de A. Vieira (org.). Insurgências, ecologias dissidentes e antropologia modal. Goiânia: Editora da Imprensa Universitária. [E-book]). Em primeiro lugar, é preciso dizer que a maternidade ocupa lugar destacado na forma como os moradores do município pensam as relações humanas de forma geral. Como discuti em minha dissertação de mestrado, a mãe é aquela que “reúne os filhos”, que “não os abandona”, que “os dá força” por meio de uma série conhecimentos acumulados sobre suas características pessoais e particulares. Assim, por meio da criação, ela faz os filhos desenvolverem suas melhores qualidades, potencializa o que possuem de melhor e evita que suas características negativas ou criticáveis pela sociedade apareçam de forma mais evidente. A mãe é a figura de maior expressão dentro de uma família, por mais que o pai e outros entes familiares sejam fundamentais para o bom desenvolvimento dos filhos. De acordo com os moradores das comunidades Pinheiro, Macuco, Gravatá e Mata Dois, onde realizei minha pesquisa de campo para o doutorado, “mãe é sagrada” e a relação que estabelece com os filhos é de extrema importância para eles crescerem “firmes e fortes”, como analisei em Alves (2020). A mãe conhece os filhos intimamente e constrói memórias muito intensas com seus corpos, uma vez que mãe e filho “vivem juntos em um corpo só”. Segundo eles, esse tipo de convivência única, que não pode ser replicada para além da experiência da maternidade, gera as memórias mais significativas da existência humana. Por mais que os adultos não possam lembrar desse período intrauterino, essa convivência será sentida e lembrada pela mãe, que “jamais se esquece dos filhos” porque, segundo os moradores da região, “o que se vive no corpo não se esquece”.

Portanto, quando os moradores dizem que Minas Novas é a mãe do Vale do Jequitinhonha, inicialmente remetem ao fato de todos os municípios que hoje se emanciparam terem pertencido ao mesmo “corpo” (território) que foi desmembrado do núcleo original. Além disso, evocam um sentido importante desse desmembramento ou da perda de importância regional que essa separação causou. Ao longo dos anos, o município “perde força” porque a ele é negada a expressão de sua maternidade, ou seja, deixa de exercer a reunião dos filhos, de fornecer força e firmeza por perder prestígio e poder político. De acordo com os moradores, foi por uma série de “politicagens” que Minas Novas foi sendo reduzida a um município entendido como de menor expressividade, o que seria fruto de uma tentativa de diminuir a relevância política da região do Vale do Jequitinhonha, que no século XX foi sendo estrategicamente entendido como “Vale da Miséria”. Como discuti anteriormente (Alves 2017ALVES, Yara de Cássia. (2017), “Etnografia a partir e a favor das desestabilizações: as teorias dos moradores de Pinheiro-MG sobre as transformações contínuas da vida e do mundo”. Revista Fevereiro, São Paulo, nº 10: 283-303. ), muito foi escrito até aqui sobre a posição do Vale do Jequitinhonha como “Vale da Pobreza” e “Vale da Miséria”. As imagens criadas sobre a região pela mídia e por agências do governo estadual e federal vinculam a fome, a seca e a migração como os principais símbolos locais, imagens nem sempre contestadas por trabalhos acadêmicos. A crítica sociológica e antropológica sobre esse estereótipo se iniciou há algumas décadas e atravessa os trabalhos compromissados com os discursos locais, como em Moura (1988MOURA, Margarida Maria. (1988), Os deserdados da terra: a lógica costumeira e judicial dos processos de expulsão e invasão da terra camponesa no sertão de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.), Silva (1999SILVA, Maria Aparecida de Moraes. (1999), Errantes do fim do século. São Paulo: Editora UNESP.), Ribeiro (1993RIBEIRO, Ricardo Ferreira. (1993), Campesinato: resistência e mudança - O caso dos atingidos por barragens no Vale do Jequitinhonha. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais.) Porto (2007PORTO, Liliana. (2007), A ameaça do outro. Magia e religiosidade no Vale do Jequitinhonha- MG. São Paulo: Attar Editorial.). Contudo, o alcance desses trabalhos ainda é reduzido quando contrastado com o alcance desses outros mecanismos de difusão, como jornais de grande porte e a televisão aberta, que continuam alimentando o imaginário da região como de extrema carência e escassez.

De maneira geral, aqui vale destacar que o passado glorioso da mãe Minas Novas nunca desapareceu dos discursos de seus moradores, apesar da decadência econômica e política da região ainda no século XIX. Conforme demonstra Ramalho (2019RAMALHO, Juliana Pereira. (2019), Um projeto de província nos sertões. Terra, povoamento e política na freguesia de São Pedro do Fanado de Minas Novas- Minas Gerais (1834-1857). Jundiaí: Paco Editorial.), Minas Novas foi palco de um projeto de província no sertão, por meio de acordos com o governo da Bahia, muito mais próximo geográfico e politicamente que a capital provincial mineira. De acordo com a autora, a expansão territorial e política minas-novense foi barrada pela decadência dos empreendimentos de expansão da elite local, que deixou de contar com empréstimos e favorecimentos do governo a partir de 1858. Para os minas-novenses, o potencial do município garantiria posições de destaque, como o título de capital da província de Minas Gerais. Até hoje, a maioria deles se revolta com o fato de Belo Horizonte ser capital do estado, sendo um município muito mais jovem que Minas Novas e muito menor em extensão territorial.

Durante os dias de festa, a grandiosidade do evento se torna uma das formas de demostrar prestígio municipal, se destacando pela intensidade do turismo religioso que se volta para a cidade. É muito comum ouvirmos que “Minas Novas recebe todo mundo de braços abertos na festa do Rosário”. Apesar dos reis e rainhas, que distribuem as comidas e bebidas e organizam a estrutura dos festejos, a festa é apresentada como um evento do município, é Minas Novas que a organiza e executa. Esse grande circuito de trocas gera diferentes tipos de retribuição, as quais eu não teria capacidade de mapear todas suas expressões. Com a difusão ampla das redes sociais, o que fica evidente é a profusão de vídeos, fotos, transmissões ao vivo nas redes sociais que transmitem em tempo real as atividades da festa. Inúmeras são as abordagens aos reis, rainhas, tamborzeiros, congadeiras, membros da Guarda de Honra, que são constantemente fotografados, filmados, solicitados para selfies. Os registros são produzidos por fotógrafos consagrados, como Lori Figueiró, especializado em fotos de festas religiosas no estado de Minas Gerais, e pelo público em geral, até mesmo pelas crianças, de posse de seus celulares ou dos aparelhos dos pais. Nas últimas edições da festa, pude perceber que há uma expectativa generalizada que esse material fotográfico não apenas seja realizado, mas compartilhado nas redes sociais, se não no momento exato que são produzidos, mas no próximo dia, incluindo a marcação daqueles que aparecem no registro, bem como de seus familiares.6 6 Devido a pandemia do Covid-19, as edições de 2020 e 2021 da festa não ocorreram normalmente, mas alguns dos rituais foram realizados e transmitidos ao vivo pelas redes sociais com a presença apenas de alguns membros da Irmandade e grupo de tamborzeiros. Portanto, os relatos aqui apresentados são das duas últimas edições anteriores, que já demonstravam uma abertura notável à produção de materiais digitais. Os minas-novenses admiram essa proliferação de imagens e se alegram com a ideia de que “Minas Novas vai rodar o mundo todo”.

É importante ressaltar que a cada ano os festeiros trazem pequenas novidades na distribuição dos alimentos, bebidas e adornos, mas os princípios básicos dos rituais seguem um modelo estabelecido desde o início dos festejos, ou desde a criação do primeiro documento oficial da festa, o estatuto da Irmandade, de 1848. Até mesmo a data da festa é mantida, algo que já não ocorre em municípios vizinhos, que transferiram o evento para determinado fim de semana, após feriados nacionais, garantindo que os moradores que estão distantes possam se deslocar sem danos às suas atividades de trabalho. Em Minas Novas, a festa sempre ocorre do dia 23 a 26 de junho, independentemente de quais dias da semana cairão. Essa permanência da data, desde o século XIX, é vista como um orgulho para grande parte dos Irmãos do Rosário, que defendem a sua continuidade justificando o grande volume de visitantes que recebem. Em Minas Novas, os quatro dias são feriados municipais, mas parte do público vem de outras cidades e estados, seja a população minas-novense, que se desloca para atividades de trabalho em diversas partes do Brasil, ou os turistas, dado que o turismo religioso é muito praticado na região.

Dessa maneira, a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos permite uma reconexão com esse passado glorioso, interrompido, mas não apagado. E o que permite que a festa seja entendida como um bem comunitário e municipal? Para além da estima pelos louros minas-novenses de outras épocas, o evento nos traz reflexões interessantes sobre relações e alianças, um tema clássico nos estudos de rituais, desde o clássico Ensaio sobre a dádiva, de Marcel Mauss (2003MAUSS, Marcel. (2003), “Ensaio sobre a dádiva”. In: M. Mauss. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naif.). Distintas abordagens nos apontam a importância das redes de prestações e contraprestações para o funcionamento social, abordagens essas que subsidiam a compreensão dos vários tipos de rituais, celebrações e eventos que são realizados ao longo de todo o período de organização da festa. Esse mosaico de diferentes tipos de reuniões mescla momentos litúrgicos (como missas e novenas), com inúmeros momentos de distribuição de comida, assim como um período eleitoral para a escolha do próximo rei e rainha, bem como atividades realizadas no Rio Fanado, além de forrós nas casas dos festeiros, leilões para arrecadação de verba, grandes procissões festivas, dentre outros.

Incialmente, é preciso reafirmar que antes do fim do mandato dos reis e rainhas do ano corrente, denominados de rei velho e rainha velha, os próximos, denominados rei novo e rainha nova, já foram escolhidos, sendo empossados no último dia da festa. Dessa maneira, assim que se finda uma edição do evento, começa a organização do próximo, o que faz com que a sociedade minas-novenses esteja sempre em contato com as múltiplas fases de preparação da festa. A importância de nunca deixar a festa sem responsáveis garante sua continuidade e mobiliza um calendário que é seguido desde o início da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas.

A escolha do rei e rainha, chamados de Juízes Maiores, acontece no mês de abril e está diretamente relacionada às relações preestabelecidas dos candidatos e de seus familiares próximos. O período de um mês de campanha é intenso e a disputa é concorrida voto a voto. Não apenas os candidatos, mas uma série de familiares, amigos e apoiadores visitam as casas dos Irmãos do Rosário, pedem votos e explicam por que farão uma festa melhor que a dos outros que também disputam. O principal objetivo é demonstrar que possuem muitos “amigos”, o que é fundamental para que a festa seja “grande e boa”, qualitativos que estão diretamente relacionados aos atrativos que a festa promove, como shows, forrós e a quantidade e qualidade da comida e da bebida distribuída. Assim, ao serem eleitos, os Juízes Maiores passam a auxiliar parcialmente na realização da festa daquele ano, sendo totalmente responsáveis pela do próximo ano. Essa responsabilidade não é financeira, por mais que possa ser, em alguns casos. De maneira ampla, é uma responsabilidade social de angariar fundos e promover auxílios e ajudas de vários tipos, garantindo que quem promove a festa é a população de Minas Novas.

É nesse sentido que podemos estabelecer pontes com os estudos clássicos sobre o Kula e o Potlach, por exemplo. Próximo ao que Malinowski (1976MALINOWSKI, Bronislaw. (1976), Argonautas do Pacífico Ocidental. Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. São Paulo: Abril Cultural, Coleção “Os pensadores”.) afirma sobre os trobriandeses, os bens trocados estão muito além dos seus valores utilitários, a relação de troca é anterior às coisas trocadas e gera resultados muito mais amplos que os materiais. Assim, a generosidade é um valor para os minas-novenses, que têm orgulho de contribuírem com alimentos, dias de trabalho, dinheiro e outros tipos de auxílio, fundamentais para a realização da Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. De fato, a imensidão da festa exige auxílios variados, uma vez que não apenas as casas do rei e da rainha daquele ano distribuem alimentos, mas também as casas do rei e da rainha do próximo ano. Em cada casa são distribuídos, em média, de quatrocentos a quinhentos quilos de “quitandas”, que são biscoitos e bolos de diferentes formatos, gostos e composições. As quatro casas juntas distribuem uma gama de licores, vinhos, cachaças e refeições completas em todos os dias da festa, além das “lembrancinhas” (sacolas com pequenos vidros de cachaça enfeitados adornadas com a foto dos festeiros, imagens de Nossa Senhora do Rosário, doces e biscoitos). A inovação é um fator muito estimado, uma vez que mudanças e transformações de um ano para outro são muito valorizadas, em uma constante tentativa de superação das festas anteriores. De toda forma, as casas que distribuem alimentos recebem um número expressivo de carregadores, eletricistas e pedreiros (que constroem estruturas para recepção das pessoas), cozinheiras, “quitandeiras” (mulheres que fabricam os biscoitos, bolos e doces). Apesar da importância material de todos os bens e serviços doados e os bancados pelo rei e pela rainha, o que mais importa são as relações construídas por meio da partilha delas com todos que participam da festa. Da mesma forma, a ausência de pedido de ajuda pode ser desastrosa, desestabilizando e rompendo relações, criando conflitos que perduram por longo tempo. Os reis e rainhas de sucesso, que serão lembrados por muitos anos, são aqueles que reúnem muitas pessoas em prol da festa, criando um verdadeiro batalhão de ajudantes.

Assim como outras festas religiosas, menores e realizadas em comunidades rurais, a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas nos informa sobre diversos tipos de trocas que são fundamentais para a imagem do evento, que não se descola da imagem comunitária de quem a promove. Como disse anteriormente, a festa fica anualmente na responsabilidade de reis e rainhas específicos, mas é compreendida como um evento realizado pelo município. Dessa maneira, a preocupação com a quantidade, a qualidade, as formas de distribuição das comidas e bebidas da festa se relaciona com a imagem do município que é construída ao longo desses dias, promovidos para serem vistos, analisados, avaliados e comentados.

Assim, ao longo do texto me detive nas mais distintas formas coletivas de recomposições do passado que também promovem recomposições do presente, moldando relações atuais e futuras. Nos diversos jogos de trocas, relações, prestações e contraprestações, as imagens de Minas Novas vão se atualizando, remodeladas por diferentes pessoas, suas famílias e suas alianças.

Considerações finais

Ao longo do artigo, descrevi diversas formas de encontro com o passado que são mobilizadas pela Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas. Durante o evento, a afirmação de que as relações com o passado são fundamentais para o presente, propiciam pontes com o continente africano e com o histórico de Minas Novas.

Em consonância com Leda Martins, compreendo que “as culturas negras nas Américas se constituíram como lugares de encruzilhadas, interseções, inscrições e disjunções, fusões e transformações, confluências e desvios, rupturas e relações, divergências, multiplicidade, origens e disseminações” (Martins 1997MARTINS, Leda Maria. (1997), Afrografias da Memória. O reinado do Rosário no Jatobá. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Mazza Edições.:25). Meu ponto de vista é que apesar da infinidade de trabalhos sobre a cultura afro-brasileira, muito ainda há a ser explorado, estabelecendo conexões e percepções advindas de uma bibliografia que, às vezes, fica apartada do arsenal teórico utilizado em disciplinas como a antropologia. A promoção de um diálogo interdisciplinar com a história e com áreas afins tende a enriquecer a produção antropológica, principalmente no que tange aos estudos das populações afro-diaspóricas.

Durante os dias de festa, as relações raciais no município são contadas com base em um discurso no qual o passado de origem africana tem espaço na constituição da cidade, que se caracteriza pela composição racial diversificada e acolhe a todos com hospitalidade, pompa e fartura. O pacto entre brancos e negros, que ocupam juntos o reinado da festa, é entendido como uma demonstração de boas relações entre as raças, o que favoreceria a hospitalidade do município, que recebe turistas de diversas partes da região, do estado e do país, sem se importar com diferenças. Contudo, esse discurso reitera, em alguma medida, a falácia da democracia racial brasileira e não pode ser contado sem destacar outros discursos do próprio evento, como o mito fundador da festa, erigido na atitude de escolha de Nossa Senhora do Rosário pela convivência com os negros, na igreja construída por eles. A festa, tal como acontece, só é possível pela relação estabelecida com os tambores sagrados, com a simbologia das águas do mar e toda uma série de práticas advindas de um universo afro-diaspórico. Portanto, por mais que os brancos ocupem o reinado ao lado dos negros, a festa nasce e se recria anualmente como um festejo negro, demonstrando a continuidade de práticas ancestrais.

A complexidade das relações raciais no contexto escravocrata brasileiro levou os negros a criarem estratégias políticas distintas, fundamentais para que manifestações culturais e religiosas resistissem ao tempo, como os diversos elementos de origem banto aqui expostos. As confrarias são exemplos máximos da produção de institucionalidades, estabelecidas dentro da ordem católica e escravocrata, que permitiam que tradições religiosas e visões cosmológicas fossem reelaboradas e praticadas aos olhos de todos, inclusive dos senhores. Dessa maneira, todo o esforço em reiterar a convivência pacífica entre brancos e negros não se trata de apagar as distinções que existiam e ainda existem entre os dois grupos raciais no cotidiano minas-novense. Trata-se de promover alianças em um contexto no qual elas eram a única forma possível de resistir à tentativa de desconexão com religiosidades e práticas culturais africanas. Assim, durante a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas, o passado encontra o presente e o futuro em uma tessitura contínua, marcada por diversos elementos socioculturais que produzem constantes recomposições das realidades históricas.

A festa encontra relações diretas com várias esferas da vida social, principalmente com a política, interconexão recorrente em várias etnografias brasileiras, como em Chaves (2003CHAVES, Christine de Alencar. (2003), Festas da política: uma etnografia da modernidade no sertão (Buritis/MG). Rio de Janeiro: Relume Dumará/Núcleo de Antropologia da Política - UFRJ.), Perutti (2015PERUTTI, Daniela Carolina. (2015), Tecer amizade, habitar o deserto. Uma etnografia do quilombo Família Magalhães (GO). Tese de Doutorado em Antropologia Social. São Paulo: Universidade de São Paulo . ), Comerford, Carneiro & Dainese (2015COMERFORD, John; CARNEIRO, Ana; DAINESE, Graziele (org.). (2015), Giros etnográficos em Minas Gerais: casa, conflito, comida, prosa, política, festa e o diabo. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras.), Dainese (2016DAINESE, Graziele. (2016), “Movimento e animação das festas, visitas, andanças e chegadas”. Mana. Rio de Janeiro: vol. 22, nº 3: 641-669.), Villela (2020VILLELA, Jorge Mattar. (2020), “Memória e thanasimologia política no sertão de Pernambuco”. Sociologia e antropologia. Rio de Janeiro, vol.10 (01): 221-242.), dentre outras. No caso da festa em questão, a visibilidade produzida reposiciona temporariamente o prestígio do município, que já foi palco central da ocupação do Vale do Jequitinhonha - MG. Além disso, ela se constitui como principal espaço de afirmação das raízes negras de Minas Novas, fornecendo centralidade aos congadeiros, tamborzeiros, Irmãos do Rosário e muitos outros moradores negros que se tornam as figuras centrais do maior evento da cidade, durante os quatro dias mais importantes das celebrações.

Isso posto, abrimos espaço para a discussão sobre as formas como as interpretações e versões de uma memória coletiva podem ser elaboradas a partir de pontos de partida que se fazem contra hegemônicos ou que valorizem determinados grupos excluídos historicamente. Ao colocarmos uma festa negra no centro da composição das narrativas sobre o município de Minas Novas, fortalecemos os discursos e concepções daqueles que são racialmente marcados a ocuparem espaços marginais na sociedade, valorizando, como indica Trouillot (2016TROILLOT, Michel-Rolph. (2016), Silenciando o passado: poder e a produção da história. Curitiba: huya.), as composições específicas da produção de historicidades.

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  • SOUZA, Marina de Mello e. (2002), “Catolicismo negro no Brasil: santos e minkisi, uma reflexão sobre miscigenação cultural”. Afro-Ásia, nº 28: 125-146.
  • SOUZA, Marina de Mello e. (2006), Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação do rei Congo Belo Horizonte: Editora UFMG.
  • SOUZA, Marina de Mello e. (2018), Além do visível. Poder, catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp.
  • SOUZA, Laura de Mello e. (2004), Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal.
  • TROILLOT, Michel-Rolph. (2016), Silenciando o passado: poder e a produção da história. Curitiba: huya.
  • VILLELA, Jorge Mattar. (2020), “Memória e thanasimologia política no sertão de Pernambuco”. Sociologia e antropologia Rio de Janeiro, vol.10 (01): 221-242.
  • 1
    A pesquisa, processo 2016/14467-6, foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), à qual agradeço o apoio recebido. Vale ressaltar que o foco da pesquisa são as relações entre memória e parentesco em quatro comunidades quilombolas da zona rural do município. Agradeço aos comentários e sugestões de minha orientadora, Ana Claudia Marques, que muito contribuíram para a escrita de uma primeira versão deste artigo e as contribuições significativas dos pareceristas anônimos.
  • 2
    A observação das duas edições da festa e a pesquisa de doutorado, de forma mais ampla, se baseiam em uma postura metodológica etnográfica. Desde 2009, realizo trabalhos de campo no município de Minas Novas, principalmente nas comunidades quilombolas Pinheiro, Macuco, Gravatá e Mata Dois. Para a observação específica de cada uma das festas, permaneci no município aproximadamente cinquenta dias em 2018 e trinta dias em 2019, com estadias na zona urbana, onde o evento se realiza, e nas comunidades quilombolas, na zona rural. Além da participação em todos os rituais, realizei entrevistas com membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, com antigos e atuais membros do Congado São Benedito e demais organizadores do evento, como os Juízes Maiores e membros de movimentos culturais.
  • 3
    De acordo com Prandi (2000PRANDI, Reginaldo.2000. “De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade, religião”. Revista Usp, São Paulo, nº 46: 52-65, jun./ago.), a cultura banto deriva de povos que ocupam desde a África meridional até o sul do continente, falando entre 702 mil línguas aparentadas. Não existe uma unidade banto delimitada no continente, e o próprio termo foi uma criação utilizada para indicar os povos que compõem o mesmo tronco linguístico e apresentam determinadas semelhanças culturais. No Brasil, há uma intensa participação dos povos bantos na cultura afro-diaspórica, principalmente na região sudeste.
  • 4
    O subcampo disciplinar de História da África se desenvolveu muito recentemente no Brasil. Vanicléia Santos (2012SANTOS, Vanicléia. (2012), “A redescoberta da África no Brasil: as pesquisas em História da África no Brasil (1992-2012).” XXII Encontro da Associação das Universidades de Língua Portuguesa. Moçambique, Maputo. ) aponta que a década de 1990 foi fundamental para a expansão dos estudos da área, sendo que o texto de Robert Slenes, assim como o livro Um Rio chamado Atlântico, de Alberto da Costa e Silva, ambos de 1992, constituem umas das primeiras publicações de maior difusão e alcance. Vale ressaltar que as primeiras teses defendidas na área são de 1993 e que só após o estabelecimento da Lei nº 10.639/2003 que há uma expansão significativa de pesquisas nesse subcampo. De acordo com Santos (2012), de 2003 a 2012, houve um aumento de 560% no número de dissertações e teses defendidas no país sobre a temática da História da África.
  • 5
    O município também possui casarões históricos e projetos arquitetônicos marcantes, como a Igreja de São José, única construção octogonal do país, e o Sobradão, primeiro edifício de Minas Gerais, construído em 1821, feito de pau a pique, contendo quatro andares (Freire 2002FREIRE, Álvaro Pinheiro. (2002), Minas Novas: sua história, sua gente. Belo Horizonte: BDMG Cultural.). Esses elementos históricos, dentre outros, fazem a população atual se orgulhar do passado do município, visto como um polo regional, que poderia ter se instaurado como centro econômico de desenvolvimento.
  • 6
    Devido a pandemia do Covid-19, as edições de 2020 e 2021 da festa não ocorreram normalmente, mas alguns dos rituais foram realizados e transmitidos ao vivo pelas redes sociais com a presença apenas de alguns membros da Irmandade e grupo de tamborzeiros. Portanto, os relatos aqui apresentados são das duas últimas edições anteriores, que já demonstravam uma abertura notável à produção de materiais digitais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2021
  • Aceito
    13 Jan 2022
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