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O peso do Ocidente: uma etimologia da tolerância1 1 A responsabilidade pelo texto é toda minha. De todo modo, eu agradeço pela leitura preliminar e sugestões de Caio Borges Aguida Geraldes, Gabriel Pugliese, Adalton Marques, José Edilson Teles, Daiane Marques e Alexandre da Silva Chaves.

The weight of the West: An etymology of tolerance

Resumos

Resumo: Trata-se de um esforço compreensivo em torno de um vocábulo central para se pensar o Ocidente e aquilo que nós nos tornamos. O termo tolerância possui antecedentes que evidenciam sua origem relativa a sofrer, suportar, pesar, comparar. É uma palavra que guarda certas ambiguidades, pois funciona como opção moderna para superação dos conflitos (inicialmente religiosos), ao mesmo tempo em que possui seus próprios limites práticos e conceituais. O recuo feito pretende acompanhar os sentidos implicados na raiz que origina esse termo moderno. Por meio da hipótese protoindo-europeia é feita uma incursão no sânscrito, grego e latim para perceber como a raiz que perdura no vocábulo tolerância produz seus sentidos.

Palavras-chave:
Antropologia; Etimologia; Protoindo-europeu; Tolerância; Modernidade.


Abstract: It is an effort to understand a central word for thinking the West and what we have become. It is the term tolerance, which has antecedents that evidence its relative origin to suffer, to bear, to weigh, to compare. It is a term that holds certain ambiguities, since it works as a modern option for overcoming conflicts (mainly religious), while it has its own practical and conceptual limits. The retreat that will be done here intends to follow the senses implied in the root that gives rise to this modern term. By means of the proto-European hypothesis an incursion into Sanskrit, Greek and Latin will be made to see how the root that endures in the word tolerance produces its meanings in other words of these languages.

Keywords:
Anthropology; Etymology; Protoindo-europea; Tolerance; Modernity.


A etimologia, portanto, vai deixar de ser um procedimento indefinidamente regressivo em direção a uma língua primitiva, toda povoada pelos primeiros gritos da natureza; torna-se um método de análise preciso e limitado para reencontrar numa palavra o radical a partir do qual ela foi formada. (Michel Foucault, As palavras e as coisas [1966])

Introdução

Ainda que formado anteriormente, o termo tolerância ganhou contornos bastante específicos no século XVII, quando passou a ter o estatuto específico de tolerância religiosa ou civil. Em nossos dias, os discursos em torno da tolerância são bastante generalizados. Seria fundamental entender essas três questões: o aparecimento do termo tolerância nas línguas modernas; a formulação da tolerância como problema político; e a atualidade dos debates em torno da tolerância. Essas e outras questões subjazem e estimulam parte dos esforços empreendidos aqui. Todavia, do ponto de vista da explicitação dos procedimentos adotados, a opção investigativa do presente artigo faz um recuo elucidativo na ordem dos estudos etimológicos, atentando para os antecedentes à inserção da tolerância como léxico ético-político nas línguas modernas. Esse desafio linguístico é também um modo de acessar a dimensão dos sentidos disputados e implicados em torno de uma palavra que se emprega no presente, na medida em que busca reconhecer determinadas continuidades e descontinuidades em relação ao seu étimo.

O artifício utilizado é uma forma de estranhamento linguístico, no sentido de produzir uma exotização da palavra tolerância. O estudo etimológico permite recuperar a raiz da palavra e compreender os antigos usos de termos que derivam dessa raiz e compõem seu vocabulário preliminar. Trata-se de uma alternativa à obviedade que naturaliza as palavras como se elas sempre fossem o que são hoje. É também uma saída à evitação que descarta as palavras como se elas não fossem mais interessantes. Tanto uma quanto a outra opção parecem apressadas demais e pouco cuidadosas do ponto de vista crítico. O percurso proposto deve ser seguido com a calma e a modéstia que convém à investida sobre as palavras em sua formação.

Quando historiadores (e sociólogos) tomam a linguagem como objeto de investigação, tendem a procurar o que condiciona ou antecede a dimensão linguística. Não é incomum a pressuposição de que o fundamental para entender a linguagem seja extralinguístico. Esse interesse acaba produzindo abordagens que trabalham em termos de dentro e fora do texto, ou melhor, se dirigem para o exterior do texto. E uma vez que a linguagem não é capaz de esgotar os fatos, ela pode apenas ser tomada como referência para se alcançar certos momentos históricos, de modo que a própria linguagem precisa ser contextualizada.

Mais ou menos alinhado a essa perspectiva, acha-se a história dos conceitos, onde o fundamental seria entender como os conceitos são formulados em relação à história. Num trocadilho reducionista, e mesmo injusto, mas não completamente impreciso, poder-se-ia dizer que a história dos conceitos converge para os conceitos de história. Nesse caso, os conceitos são importantes na medida em que elucidam a história e os tempos históricos, os estratos e extratos de tempo, as camadas e fragmentos temporais (Koselleck 2014KOSELLECK, Reinhart. (2014 [2000]), Estratos do tempo: Estudos sobre história. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Contraponto . [2000]). O critério definidor dos conceitos é justamente a sua relevância no quadro da significação sócio-histórica (Koselleck 1992KOSELLECK, Reinhart. (1992), “Uma história dos conceitos: Problemas teóricos e práticos”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10: 134-146.). Essa dimensão metodológica aproxima a história dos conceitos da história social. Assim, o estudo dos conceitos e da transformação temporal dos seus significados é visto como condição fundamental para o conhecimento histórico em seu aspecto social. Nas palavras de Reinhart Koselleck (2006 [1979]KOSELLECK, Reinhart. (2006 [1979]), Futuro passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Contraponto.:116-117): “A história dos conceitos abrange aquela zona de convergência na qual o passado, com todos os seus conceitos, adentra os conceitos atuais.” Por isso mesmo, é um procedimento que procura desvendar e colocar em evidência as camadas de significados de um mesmo conceito em épocas diferentes.

Passando rapidamente também pelo campo da história das ideias, há ainda consideráveis debates sobre a abordagem e o objeto da análise histórica. Quentin Skinner, por exemplo, procura criticar aquelas pesquisas que pressupõem que os teóricos clássicos teriam comentado uma série de “conceitos fundamentais”. Segundo ele, é um absurdo exegético que resvala num conjunto de confusões, e seria importante revelar essa “aplicação inconsciente dos paradigmas de familiaridade” (Skinner 2017 [2001]SKINNER, Quentin. (2017 [2001]), “Significado e interpretação na História das Ideias”. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 9, n. 20: 358‐399.:362). E um dos riscos a revelar e combater seria o anacronismo dos conceitos atemporais, ou seja, aquela tendência rudimentar de atribuir a um texto ou escritor significados que eles não tiveram a mínima intenção de transmitir. Desse modo, os textos teriam seus próprios problemas e caberia sempre ao historiador perguntar a eles quais foram as intenções e o que pretendiam comunicar os seus autores, e perguntar sobre os contextos das ideias, ou sobre as condições de possibilidade de uma ideia.

O caminho escolhido para essa reflexão pretende seguir outra direção. Eu concedo atenção aos termos na medida em que não se referem exatamente aos mesmos conceitos, ou antes de se desdobrarem em conceitos modernos. Não pretendo também fazer uma exegese da coerência interna de um autor ou obra. Este estudo sobre a tolerância em sua etimologia propõe uma escavação do termo em sua raiz, passando de forma panorâmica por algumas de suas variações em línguas antigas. Com isso, a ênfase do artigo incide sobre o aspecto propriamente linguístico. O que é um limite e uma vantagem, digamos. De um lado, há certa insuficiência diante do aspecto histórico e sociológico. De outro lado, espera-se a recompensa de evidenciar como determinadas línguas reorganizaram seus sistemas de distinções e renovaram seu aparato semântico.

Na esteira das contribuições de Émile Benveniste, quando trata da relação entre significação e designação, aparece justamente o contraste entre a investigação linguística e a histórica. Como bem lembrou Giorgio Agamben (2016AGAMBEN, Giorgio. (2016), “The Vocabulary and the Voice”, in: BENVENISTE, Émile. Dictionary of Indo-European Concepts and Society. Chicago: Hau Books, p. ix-xx.:xii), para Benveniste, as investigações históricas sobre o relacionamento entre a linguagem e a sociedade, geralmente constrangem ao estabelecimento de correlação entre um elemento do vocabulário e determinado fato social que ele designa, partindo de uma suposição absolutamente arbitrária, como se a linguagem fosse invariavelmente uma espécie de espelho da sociedade. Benveniste tem interesse notadamente na significação.

Para demonstrar esse aspecto, ele dedica uma de suas obras a investigar uma notável porção do vocabulário das instituições indo-europeias. Cada um desses termos pede esclarecimento. Ele se debruça no estudo da formação e organização de um vocabulário que em princípio era pouco diferenciado e que assume progressivamente valores especializados. Além disso, esse vocabulário permite compreender a evolução profunda das instituições, bem como o surgimento de atividades ou de concepções novas. O termo instituição deve ser entendido em sentido amplo, não restrito às instituições clássicas do Direito, da Política e da Religião, mas abarcando ainda instituições menos evidentes que se esboçam em técnicas, formas de viver, relações sociais, processos verbais e mentais (Benveniste 1983BENVENISTE, Émile. (1983 [1969]), Vocabulario de las instituciones indoeuropeas, trad. Mauro Armirq. Madrid: Taurus Ediciones. [1969]:8). Ademais, o indo-europeu enquanto noção linguística se refere a uma família de línguas provindas de uma língua comum e que se diferenciaram por graduais separações (Benveniste 1983 [1969]:7). A noção de parentesco genético funciona de forma produtiva para se pensar esse fenômeno linguístico. O procedimento comparativo é essencial para o trabalho de reconstrução, ao partir dessa língua comum, ou mesmo para se chegar a ela; tendo em vista perceber as inovações e as conservações linguísticas. Em nosso caso, vamos partir da hipótese protoindo-europeia e perceber algumas variações a partir de sua raiz comum.

Depois dessa apresentação, resta apontar as partes e argumentos que seguirei aqui. Em primeiro lugar, na parte intitulada “Sobre a hipótese protoindo-europeia”, farei uma breve incursão no debate linguístico sobre tal hipótese, e que funcionará como ponto de partida e fundo conceitual do restante do artigo, juntamente com o procedimento etimológico que lhe convém. Na parte seguinte, “O caso sânscrito: pesar, medir, equilibrar e comparar”, tratarei do desdobramento da hipótese protoindo-europeia tal como se apresenta na raiz indiana. Em um terceiro momento, “O caso grego: pesar, sofrer, suportar e sustentar”, recuperarei algumas palavras gregas provenientes do protoindo-europeu para perceber suas continuidades e variações frente ao sânscrito. No quarto momento do artigo, “O caso latino: suportar, carregar, resistir, sofrer e levantar peso”, abordarei certos termos do latim vinculados ao mesmo ancestral etimológico. Por último, em “O desafio da tolerância”, retomarei o percurso do artigo para ressaltar seus resultados e para sugerir alguns breves aspectos de sua atualidade como consideração final.

Sobre a hipótese protoindo-europeia

É possível perceber que diversas línguas têm termos cujo radical se assemelha à mesma raiz de nossa palavra tolerância. Apenas alguns exemplos podem comprovar essa assertiva: tolérance (francês), toleranz (alemão e luxemburguês), toleranse (norueguês), tolerantie (holandês), tolerancia (espanhol e eslovaco), tolerance (tcheco, inglês e dinamarquês), tolerancija (macedônio e lituano), tolerantnost’ (russo) e tolerancja (polonês), dentre outros. A pergunta que marcou o nascimento da linguística foi justamente esta: O que faz com que tais palavras sejam tão semelhantes em idiomas tão distintos? Nos entremeios de investidas como essas, e acompanhadas da descoberta do sânscrito, estabeleceu-se o desafio de encontrar a origem de diversas línguas que guardariam, ainda no presente, as marcas desse início comum.

Diante da busca pela origem comum surgiu a hipótese das línguas indo-europeias, cujo valor metodológico remonta aos inícios do século XIX. Tratava-se de defender que as mudanças linguísticas seguiam padrões regulares que permitiam coerentes reconstituições hipotéticas de suas ramificações. O protoindo-europeu estabeleceria esse tronco comum ao englobar os idiomas historicamente predominantes na Europa, Irã, Anatólia, Ásia Central e norte da Índia. A tipologia relacional das línguas implicadas era marcada pelo procedimento comparativo das variantes fonéticas e morfológicas. Tratava-se menos de comprovar uma língua primeira e mais de realizar experimentações filológicas. Com pretensões iniciais de fundar uma disciplina acadêmica autônoma, como se fez desde Franz Bopp, superando conjecturas oriundas de coincidências aleatórias e confrontando estoques linguísticos separados por eras, mas com indubitáveis características de conexão familiar (Bopp 1885BOPP, Franz. (1885), A comparative gramar (vol. I), trans. Edward B. Eastwick. London/Edinburgh: Williams and Norgate, 4th ed.:v). É nesse momento que se propõe uma lei das modificações consonânticas ou vocálicas para constituir uma teoria nova do radical, tal como indicado na epígrafe de Foucault que se acha na abertura do artigo. Já no século XX, tais interesses ainda estiveram presentes na reformulação que marcou a fundação da “linguística moderna”. Ferdinand Saussure situou a questão protolinguística em termos de continuidades, modificações, acasos, permanências e inovações nas relações entre famílias de línguas que não podem ser reduzidas a um tipo linguístico (Saussure 2006 [1916]SAUSSURE, Ferdinand de. (2006 [1916]), Curso de Linguística Geral, trad. A. Chelini, J. P. Paes e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix.:268s).

Émile Benveniste, décadas depois, retomou com propriedade a temática indo-europeia, com seus prolíficos escritos sobre a noção de estrutura em detrimento do foco exclusivo no princípio genético de classificação das línguas. Aparece, portanto, uma preocupação também com o estudo sincrônico das línguas, uma das marcas da análise estrutural. Entre seus escritos aparecem críticas ao modelo indo-europeu como medida de todas as línguas, e assim, ele aponta exceções que podem escapar da classificação e indica também outras que poderiam entrar, mas são ignoradas (Rodrigues 2016RODRIGUES, Rômulo da Silva Vargas. (2016), Historiografia-Linguística de Émile Benveniste. Goiânia: Tese de Doutorado em Linguística, PPGLL-UFG.). Ademais, há muitas línguas que não pertencem ao padrão de classificação indo-europeu (por exemplo, as faladas pelos povos ameríndios), mas que têm suas próprias complexidades e riquezas, tanto quanto (ou mais que) aquelas que costumam ser tomadas como referência inequívoca e universal (Benveniste 1976 [1966]BENVENISTE, Émile. (1976 [1966]), Problemas de linguística geral , trad. Maria da Glória Novak e Luiz Neri. São Paulo: Editora Nacional; EdUSP. e 1989 [1974]BENVENISTE, Émile. (1989 [1974]), Problemas de linguística geral II, trad. Eduardo Guimarães. Campinas: Pontes.).

De todo modo, e apesar das críticas a certos usos exagerados da hipótese indo-europeia desde a fundação da linguística, Benveniste mantém sua utilização, só que agora com um cuidado ainda maior na comparação e classificação. O que lhe possibilita avançar em significativos estudos para a pesquisa indo-europeia. Considerando o caso particular do vocabulário analisado, ele não toma os termos da investigação como pertencentes naturais a um léxico comum. Tais vocábulos possuem conexões indo-europeias, mas são ao mesmo tempo específicos e reportam a línguas particulares (Benveniste 1983 [1969]). Ele conseguiu reservar para a etimologia um espaço importante como parte da lexicologia (Malkiel 1993MALKIEL, Yakov. (1993), Etymology. Cambridge: Cambridge University Press.:38). O presente artigo se aproveita de intuições de Benveniste nesse sentido.2 2 Os estudos de Georges Dumézil são plenos de relevância para os estudos antropológicos acerca dos povos protoindo-europeus e indo-europeus propriamente. É preciso destacar a centralidade de seu procedimento genético de mitologia comparada. Mas é fundamental também a sua teoria tripartite: sacerdote (sagrado/religioso), guerreiros (força/bélico) e fazendeiros (abundância/produtivo); e cuja correlação teológica divide as divindades em deuses soberanos, deuses guerreiros e deuses da abundância/fecundidade. Pode-se conferir particularmente seu clássico sobre a ideologia das três funções entre os povos indo-europeus (Dumézil, 1986 [1958]).

A raiz *telh₂- carrega consigo a acepção de “levantar”, “erguer”, “suportar”.3 3 Nos estudos filológicos, o asterisco que precede a raiz é usado para sinalizar as palavras indo-europeias reconstruídas ou reconstituídas de forma hipotética, sem que o fonema ou o lexema sejam atestados efetivamente. São usados, portanto, como um instrumento metodológico que auxilia na comparação das línguas e na compreensão da formação de determinadas palavras. Algumas das derivações dessa expressão fonológica reconstituída chegaram ao sânscrito, grego e latim. Assim, determinadas palavras dessas línguas serão tomadas estrategicamente como referência para o desdobramento da raiz protoindo-europeia e sua sobrevivência semântica nessas outras formações linguísticas: tulā́, “balança, peso”; tláō, “sofrer, suportar”; e tollō, -ēre, “suportar, apoiar, sofrer”.4 4 Este artigo terá como procedimento de apresentação o seguinte cuidado com os termos antigos relevantes para o argumento geral: (1) eles serão primeiramente transliterados e escritos no formato itálico; e (2) após a vírgula, encontraremos a palavra em sua versão portuguesa mais convencional, o que pode ser uma tradução ou uma adaptação fonética de nomes. Outra observação, agora no que tange às traduções para outras línguas, principalmente nos léxicos citados ou nas gramáticas consultadas: as traduções ficam sob minha responsabilidade quando se tratar de material não disponível em português. Tal apreciação está baseada em estudos clássicos e contemporâneos sobre o protoindo-europeu.

Não será o caso de discutir os pormenores das variações vocais implicadas nas alterações da raiz em cada língua, de modo que o foco principal se dará na direção de alguns dos sentidos que a raiz produziu em suas apropriações idiomáticas.5 5 Uma análise dos princípios da fonologia histórica, que se acha traduzida para o português, tendo em vista as mutações de desfonologização, fonologização e refonologização, é o texto de Roman Jakobson (2008 [1931]). Tal abordagem iluminaria, mas também extrapolaria, as restrições de ênfase do presente artigo, bem como exigiria outras habilidades técnicas em linguística. Pode-se ainda consultar Andrew Sihler (1995) que retoma com maestria essa tradição de estudos protoindo-europeus para iluminar o grego e o latim (cf. 66.1, 71.4, 82, 98, 109, 109A, 112A, 123.2, 223.2b 2,46, 282b, 454b e 479.4B). Ou ainda a esquematização técnica encontrada em Dagmar Wodtko (et. alii. 2008:622). Em decorrência disso, e em vez de destacar as leis fonéticas, bem como as mudanças fonológicas e as etapas de transformação em direção às línguas mais próximas de nosso vernáculo, será mesmo o caso de entender o significado dessas e de outras palavras no que tange à raiz *telh₂-. Assim, o que interessa primordialmente aqui é o princípio dos estudos protoindo-europeus acerca da comparação das línguas, tendo em vista seus aspectos de semelhança/diferença e suas transformações específicas de sentido.

O caso sânscrito: pesar, medir, equilibrar e comparar

A raiz protoindo-europeia relaciona-se, no caso do sânscrito, ao termo tulā́, “equilíbrio”, “balança”, “peso” (Bopp 1847BOPP, Francisco [Franz]. (1847), Glossarium sanscritum. Berolini: Libraria Dümmleriana (Grube & Harrwitz).:155). A ascendência sânscrita tul, abaliza onze direções cabíveis: (1) “para pesar, medir”; (2) “para pesar na mente, ponderar, considerar”; (3) “para levantar”; (4) “para suportar, sustentar, apoiar”; (5) “para comparar, igual, balança (com instrumento)”; (6) “para corresponder, ser igual a”; (7) “para amenizar, desprezar”; (8) “para suspeitar, examinar com desconfiança”; (9) “para tentar, colocar a prova, reduzir a um estado miserável”; (10) “para contrabalançar, superar”; e (11) “para ter no mesmo grau, atingir ou alcançar” (Apte 1957APTE, Vaman Shivaram. (1957-1959), Revised and enlarged edition of Prin. V. S. Apte’s The practical Sanskrit-English dictionary. 3 vol. Poona: Prasad Prakashan. -9:778).

O termo tulā́ é usado para indicar a ação de “pesar em uma balança” e até mesmo remete ao “ato de comparar duas coisas na mente” (Monier-Williams 1851MONIER-WILLIAMS, M. (1851), A dictionary, English and Sanscrit. London: W.H. Allen and Co.:36). Assim, como forma nominal indica “equilíbrio”, “balança”, “escala” e “peso” e em seu aspecto verbal é “elevar” e “pesar” (Mayrhofer 1956MAYRHOFER, Manfred. (1956), Kurzgefasstes etymologisches Wörterbuch des Altindischen. Heidelberg: Carl Winter .:516; Mayrhofer 1996:658-659). Como se vê, a palavra tulā́ tem sentidos realmente interessantes. Em síntese: “uma balança” ou a ideia de “manter em equilíbrio, pesar, considerar igual”. Com a forte noção de medida e peso, pode desiginar tanto o instrumento de medição (a balança) como o objeto medido (o remédio, alimento ou ouro ou prata), ou ainda uma semente usada como referência de medida (o fruto da Guñjā - de nome científico: Abrus precatorius - como unidade de peso). Nesse último sentido, tulā́ era também uma das unidades de medir e equivalia a 100 palas, de modo que cada pala corresponderia a algo em torno de 40 gramas, e cada tulā́ equivaleria a quatro quilogramas.6 6 A noção de equilíbrio na literatura sânscrita não indicaria “equilíbrio dos humores”, concepção que aparecerá nas narrativas europeias posteriores, mas se refere a equilíbrio num sentido bastante material do termo (Jackson 2017: 41). Para as medidas de peso dos produtos para tratamentos, receitas e remédios para várias aflições, ver Bhudeb Mookerjee (1928:302). Para a precisão, relevância e profundidade da matemática indiana, vale conferir Bernard Sergent (1997).

Não é por acaso que o termo também nomeia o sétimo signo do zodíaco, Libra, associado com a imagem de “balança”, “peso”, “equilíbrio”, “comparação”, “medida”. Tulā́ pode ser medição de remédio, alimento ou ouro, mas pode também associar-se a um sentido cosmológico presente na astrologia védica (Zimmer 1986ZIMMER, Heinrich. (1986), Filosofias da Índia. São Paulo: Palas Athena.). Em ambos os casos, contudo, a imagem e a tradução imediata do termo tulā́ é “balança” ou sua variação: “equilíbrio”.

Quando o peso de algo era posto em dúvida, seria preciso justamente de procedimentos adequados para confrontar a sua exatidão. Algumas das técnicas de medição passavam por levantar, pesar, comparar e examinar o objeto de dúvida. Para maior exatidão, era-lhes recomendado tomar algo em relação ao qual se sabia rigorosamente o peso, ao passo que ele se torna o padrão de comparação e aferição do peso daquilo que se achava incerto. O equilíbrio da balança indicava exatamente essa igualdade da medida entre o ambíguo e o preciso. Assim, o equilíbrio era tomado como medida de conferência, como escala de cotejamento, como forma de superação da desconfiança.

Na mitologia indiana, há uma personagem que merece indicação: Tulaší, “Tulasi”. Por mais que a origem de seu nome não seja comprovada como tendo relação direta com o sânscrito ou com o protoindo-europeu, de modo que o termo possa até mesmo provir das línguas dravídicas, seu sentido guarda uma coincidência com a raiz de tulā́. Assim, Tulasi é uma planta sagrada para Kṛṣṇa, “Krishina” (Wilson 1840WILSON, Horace. (1840), The Vishnu Purana: A system of hindu mythology and tradition, transl. H. H. Wilson. London: John Murray.:78, nota). Classificada por Lineu como Ocimum tenuiflorum, chegou a nós como manjericão. A fragrância marcante e intensa dessa espécie de manjericão a faz menos usada como erva culinária do que como planta com sentido religioso. É sagrada para Viṣṇu, “Vishnu”, e simboliza sua esposa Lakṣmī , Lakshmi. A Tulasi é plantada dentro dos templos de Śiva, “Shiva”, além de ocupar um lugar na frente das casas hindus.

Nos antigos textos sagrados existem diversos relatos que a apresentam como uma divindade, a deusa de nome Vrinda Devi, que após sua transformação em planta passou a se chamar Tulasi, manifestando-se na Terra dessa forma. Uma tradução possível para Tulasi é “aquela que não tem comparação”. Mesmo quando mulher, ela era uma preciosidade entre as demais. De modo que, tanto homens como mulheres não poderiam se comparar com a sua beleza. E por isso mesmo os santos sábios a nomearam Tulasi (Srimad Devi Bhagavatam 1922Srimad Devi Bhagavatam (1922), transl. Swami Vijnanananda. Allahabad Panini Office.:871).

Vejamos a presença da erva em momentos rituais importantes. Nas orientações para que um homem sábio realize sua adoração, recomenda-se que ele tenha de recitar por sete dias a oração: “Oh! Adoração à Bhagavat, filho de Vasudêva”. Com este mantra o homem rende à divindade uma adoração exterior acompanhada do uso de várias substâncias e observando distinções de tempo e lugar. Entre as honrarias que se deve oferecer ao Senhor, acha-se “água, flores puras, frutas e raízes de madeiras, caules de grama sagrada, folhas de árvores e a planta Tulasi que é querida para ele” (Bhâgavata Purâna 1844BHÂGAVATA PURÂNA. (1844), (tome second), trad. Eugène Burnouf. Paris: Imprimerie Royale .:43). Uma das orações pede que “nossas palavras, cheias desse assunto, recebam um brilho semelhante ao de Tulasi, e que nossos ouvidos sejam preenchidos pela narrativa de suas qualidades” (Bhâgavata Purâna 1840BHÂGAVATA PURÂNA. (1840), (tome premier), trad. Eugène Burnouf. Paris: Imprimerie Royale.:235).

E há também recomendações sobre o zelo e o lugar da Tulasi para a vida do eremita. Ele precisa estar sozinho na floresta alimentando-se apenas de tubérculos, raízes e frutas. Ele honra o Bhagavat com várias flores, brotos, caules de Tulasi e água. Deixa de sentir desejos por objetos externos, quando chegar ao auge da tranquilidade, quando alcançar a inação suprema (Bhâgavata Purâna 1844:198). Mesmo diante da morte, ela reaparece, pois quem seria “aquele que, no momento da morte, não iria adorar este rio que, carregando água santificada pelo pó dos pés de Krishna, misturado com a planta Tulasi, brilhando com esplendor, purifica por todos os lados os mundos e Deuses que os protegem?” (Bhâgavata Purâna 1840:95-96). A própria divindade se adorna com seus galhos e percebe a adoração feita com Tulasi em virtude de sua fragrância marcante (Bhâgavata Purâna 1840:231).

Como se pode entrever nessas breves incursões no mundo indiano, o que está em jogo na palavra derivada da raiz tul exprime o sentido de pesar, medir, calcular, comparar. Após essas considerações que abarcam o uso cotidiano de tulā́ e a coincidência da presença do sentido da raiz na mitologia sobre a Tulasi, o próximo argumento se debruçará em outras palavras derivadas do protoindo-europeu e na mitologia grega.

O caso grego: pesar, sofrer, suportar e sustentar

Tulā́ não tem cognatos diretos em grego ou latim, apenas formas derivadas por meio de outros processos morfológicos como se vê em relação a telamṓn, “correia”; tálanta, “medida de peso, balança”; talássai, aoristo de tláō, “sofrer, suportar”; e tlētós, “tolerável, suportável” (Mayrhofer 1996MAYRHOFER, Manfred. (1996), Etymologisches Wörterbuch des Altindoarischen (vol. I). Heidelberg: Carl Winter.:658-659). Para essas variações, vejamos dois personagens da mitologia cujos nomes indicam uma relação com essa matriz: Atlãs, “Atlas” e Tántalos, “Tântalo”.

A raiz grega de Atlas remonta ao aoristo tlēnai cuja conjugação no presente é tláō (que é a forma contrata de taláō, cf. Povah 1824POVAH, Richard. (1824), A vocabulary of the greek roots. London: Baldwin, Cradock, and Joy, Paternoster Row.:83). A raiz é tla, que implica o sentido de “sofrer” (Borror 1960BORROR, Donald. (1960), Dictionary of Word Roots & Combining Forms. California: Mayfield Publishing Company.:103), mas também de “suportar” e “sustentar” (Donnegan 1831DONNEGAN, James. (1831), A New Greek and English Lexicon. London: J. F. Dove.:1182). Seu desdobramento é muito profícuo e se amplia com diversos substantivos e adjetivos que proliferam dessa raiz.

Atlas é um personagem emblemático, cujo nome remonta a uma variação das raízes indo-europeias. Ele é um titã que foi condenado por Zeus a échō, “trazer” ou “carregar” para sempre os céus em seus ombros. Em relação à etimologia, pode-se pensar o acréscimo de a- ao -tla como um “prefixo intensivo” (Brandão 1986BRANDÃO, Junito de Souza. (1986), Mitologia grega (vol. 1). Petrópolis: Vozes.:326). O -tla, por sua vez, deriva do verbo tláō, “suportar, sofrer” (Bailly 1895BAILLY, Anatole. (1895), Dictionnaire grec-français, Paris: Hachette.:1.941).7 7 Não nos fiaremos ao interessante contraponto enunciado por Robert Beekes e Lucien van Beel (2010:163): “Não se pode esperar que este antigo Titã tivesse um nome indo-europeu; além disso, as palavras pré-gregas geralmente terminam em -ant-”. Ele considera o radical do genitivo Átlantos, “Atlantos” para -ant-, como convém aos substantivos dessa terminação cujo radical não está evidente no nominativo. Atlas lutou ao lado de Cronos durante os dez anos da Titanomaquia.8 8 Outras versões do mito tratam-no como um rei que negou abrigo a Perseu e foi transformado em pedra ou em uma cadeia de montanhas, como veremos adiante com Ovídio. Os deuses posicionaram-se no monte Olimpo, enquanto Cronos e os titãs ficaram no monte Ótris. Zeus se vale de raios mortais que fazem o mundo tremer, bem como vence seus adversários, incluindo Tifão, um ser absurdamente forte, mas que é lançado com os demais derrotados nas profundezas do Tártaro. Não é o caso de Atlas, que receberá uma condenação diferente: de todo modo, sua punição por empreender uma revolta contra o monte Olimpo também foi severa e de grande sofrimento, como diz Hesíodo (1995HESÍODO. (1995), Teogonia: A origem dos deuses, trad. e estudo. JAA Torrano. São Paulo: Iluminuras, 3ª. ed.:517): “Atlas sustém o amplo céu sob cruel coerção.” Tal acontecimento de vitória e punição dada aos derrotados marca o início de reinado de Zeus sobre o universo.

A raiz grega do nome do próximo personagem, Tântalo, se apoia nos compostos adjetivos de tala- (tálas) e talai (tálaina), que são exemplos de padrões morfológicos referidos à mesma raiz (para uma análise das variações, cf. Tribulato 2015TRIBULATO, Olga. (2015), Ancient Greek Verb-Initial Compounds: Their Diachronic Development Within the Greek Compound System. Berlin/Boston: Walter de Gruyter.:310). Nesse sentido de sofrimento, a origem de Tântalo remonta ao adjetivo tálas, tálaina, tálan, “que suporta males, infelicidade, infortúnio” (Bailly 1895BAILLY, Anatole. (1895), Dictionnaire grec-français, Paris: Hachette.:1.894; Benveniste 1983BENVENISTE, Émile. (1983 [1969]), Vocabulario de las instituciones indoeuropeas, trad. Mauro Armirq. Madrid: Taurus Ediciones. [1969]:28), nesse caso sobre uma sugestão de pensar tálas e talántatos. Vamos à sua história.

Tântalo, por sua vez, era filho de Zeus com a princesa Plota, da Lídia. Ele era o mais querido e honrado entre os semideuses, de modo que os imortais do Olimpo lhe garantiam uma posição privilegiada.9 9 Não existe significativo consenso nos escritos antigos sobre Tântalo. Vamos, portanto, apresentar uma narrativa sem a pretensão de avaliar a credibilidade ou buscar a variante mais segura. De todo modo, e é o que nos interessa aqui: todas as versões guardam um sentido de sofrimento que convém ao estudo etimológico e narrativo do mitônimo, tal como que aventamos. Para uma análise aprofundada das versões, cf. Troca Pereira 2012.

E se de fato algum homem mortal as sentinelas do Olimpo estimaram, esse foi Tântalo. Mas, no entanto, de digerir a imensa fortuna não foi capaz, e pelo fastio granjeou insolente ruína, qual seja, o pai sobre ele suspendeu súpera penha, que sempre aspirando da cabeça arrojar, do bem-estar se exila. (Píndaro 2013:54-59) 10 10 A métrica da tradução não segue rigidamente a divisão das linhas da edição grega (Pindar 1937:54-59).

Extremamente honrado no Olimpo, Tântalo não soube conviver com a glória (Píndaro 2013PÍNDARO. (2013), “Olímpica I”, in: Romero, Sérgio Luiz Gusmão Gimenes. Mito e performance na Olímpica I de Píndaro. Araraquara: Dissertação de Mestrado em Estudos Literários, FCL-Unesp.:40-70). Desse modo, a ganância o conduziu à desventura inglória de Zeus colocar-lhe uma pedra sobre a cabeça. Tântalo convidara os deuses para uma impecável festa de reciprocidade pelas honrarias recebidas. Ele ofereceu banquete aos deuses em seu reinado no Monte Sipilo [ou Sipylus] na Lídia [ou Frígia]. O anfitrião testava os deuses oferecendo-lhes a carne de seu próprio filho Pélope [ou Pélops]. Se os deuses comessem, poderiam ser acusados de canibalismo, cumplicidade no assassinato e ainda desprovidos da onisciência e clarividência atribuída às divindades, o que deificaria o próprio Tântalo. Dentre todos os deuses presentes no banquete, apenas Deméter chegou a comer a carne de Pélope. Quando retornou à vida por obra dos deuses, Pélope passou a ter um ombro de marfim como reposição do pedaço que foi comido (Píndaro 2013:25-27). Além dessa ocasião do banquete, Tântalo já traíra a amizade dos deuses em outros momentos: contando os segredos divinos para os mortais e tentando roubar o néctar e a ambrosia sagrados, tendo em vista a conquista da imortalidade e sua partilha entre os homens. Assim, e em decorrência da provação e blasfêmia no festim, bem como de suas traições, Tântalo perdeu toda a sua honra.11 11 Tântalo teria iniciado uma sequência de ações entre os humanos que mereceriam a censura dos deuses. As suas sucessivas gerações de descendentes replicaram tais comportamentos abomináveis: “pois choro as muitas desventuras desta casa, outrora tão feliz, tão infeliz agora!” (Ésquilo 1991:23-24).

Zeus, seu pai, mas acima de tudo Ilustre-Tridentino, terminou por condená-lo a um suplício eterno e ultrajante no Tártaro. Diante de seus erros, mas devido principalmente ao seu crime ritual que deturpara uma relação privilegiada com os deuses. No Canto XI da Odisseia (Homero 2011HOMERO. (2011), Odisseia [ed. bilíngue], trad. Trajano Vieira. São Paulo: Editora 34.:582-592),12 12 Os textos clássicos gregos são citados pelo verso ou parágrafo, seguindo as divisões internas das edições clássicas, e não pela paginação, como é convencional para outras referências bibliográficas. Tântalo é encontrado diante de sua punição e duro sofrimento no Tártaro. De pé na lagoa, a água batia em seu queixo. E sedento, não a alcançava. Quando se abaixava para beber, a água era puxada e em volta dos seus pés aparecia a terra seca. Do mesmo modo, achava-se diante da fome incessante. Havia várias frondosas árvores frutíferas. E quando ele esticava a mão para pegar os frutos, o vento arrastava os galhos, e ele não alcançava os frutos, permanecendo diante de um desejo insaciável.

Seu nome é um superlativo que indica “o mais infeliz dos homens (talántatos)” (Platão 1973PLATÃO. (1973), Diálogos: Teeteto-Crátilo, trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA.:395e). Sócrates assevera que Tântalo (se for realmente verdade o que se acha a seu respeito, diz ele), “recebeu nome acertado” (Platão 1973:395d). Para explicar o sofrimento de Tântalo, Sócrates recupera outra tradição de punição paralela ao traidor: permanecer com uma pedra pendente sobre sua cabeça, exigindo dele a perpétua estabilidade para não despencar de um imenso rochedo. Assim, o castigo do eterno equilíbrio serviria de contraste à vã exaltação e iminente queda (Brandão 1986BRANDÃO, Junito de Souza. (1986), Mitologia grega (vol. 1). Petrópolis: Vozes.:79).13 13 Esse eterno balanço retoma o sentido indiano de balança e equilíbrio que se viu acerca do sânscrito. A tradução do nome superlativo ainda poderia ser: o “que mais suporta males” ou “o que mais tolera males [ταλάντατος]” (Souza 2010SOUZA, Luciano Ferreira de. (2010), Platão - Crátilo: Estudo e Tradução. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Letras Clássicas, FFLCH-USP.:31 e 97). Essa acepção que guarda uma relação com tálanton, “prato de balança; o saldo; talento, peso”, derivado de tláō.14 14 Interessante como tálanta chega à língua portuguesa por meio de “tantalizar” como sendo “sofrer tormento”, “atormentar”, “infligir suplícios”, “submeter a castigo”, “desejar o inalcançável”. Os dicionários consultados então disponíveis em: https://dicionario.priberam.org/tantalizar. Acesso em: 25/03/2019; e http://www.aulete.com.br/tantalizar. Acesso em: 25/03/2019.

Marcel Detienne ressalta como tálanta designou, na Grécia arcaica, a própria balança ou os pratos da balança antes do talento como unidade de conta, como unidade de metal (Detienne 1988[1967]DETIENNE, Marcel. (1988 [1967]), Os mestres da verdade na Grécia arcaica, trad. Andréa Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.:27). A balança pode aparecer quando Zeus preside um julgamento, decide a sorte de uma batalha ou o destino de um guerreiro. Do ponto de vista das relações sociais, e mais precisamente jurídico-religioso, “tudo era pesado”, de modo que o “intendente e a balança eram o olho do rei, sua justiça”.

Há ainda outros termos gregos nos quais sobrevive a raiz indo-europeia: o adjetivo tlḗmōn, “que suporta pacientemente ou com coragem”, “paciente”, “corajoso”, “desgraçado, infeliz, miserável” (Bailly 1895BAILLY, Anatole. (1895), Dictionnaire grec-français, Paris: Hachette.:1941); o verbo tolmáō, “ter resolução, coragem, no sofrimento, resistir bravamente” (Bailly 1895:1944); “suportar”, “sustentar”, “aguentar” (Grooves 1840GROOVES, John. (1840), A Greek and English Dictionary. Boston: Hilliard, Gray and Company.:561);15 15 A ideia de suportar é central também para outro verbo grego presente no léxico da tolerância: anéchō; cujo sentido varia entre “erguer”, “levantar”, “suportar”, “aguentar” (Marques 2020). o adjetivo talaergós, “que suporta o trabalho, endurecido para trabalhar; doloroso, cansativo” (Bailly 1895:1893); o termo talaipathḗs, “ser infeliz, sofrer” (Bailly 1895:1893); o substantivo télos, “despesas; pagamento de salários, impostos; arrendar impostos” (Bailly 1895:1913); talaípōros, “que experimenta sofrimento físico ou moral, infeliz, miserável” (Bailly 1895:1893); e anatolḗ, “subir da estrela; amanhecer” (Bailly 1895:143). Apesar de toda a variedade implicada, ele sempre guarda o sentido de “levantar, pesar, carregar, suportar, tolerar” (Pokorny 1959POKORNY, Julius. (1959), Indogermanisches etymologisches Wörterbuch. Bern, Munich: A. Francke.:1060-1061).

O caso latino: suportar, carregar, resistir, sofrer e levantar peso

Vimos como a raiz protoindo-europeia possui formas derivadas no grego, e agora é a vez do latim tollō (Mayrhofer 1996MAYRHOFER, Manfred. (1996), Etymologisches Wörterbuch des Altindoarischen (vol. I). Heidelberg: Carl Winter.:658-659). De forma direta, o verbo português tolerar decorre de tolerare, enquanto o substantivo tolerância deriva do latim tolerante e o adjetivo tolerável provém de tolerabilis. Mas antes de discutir melhor esse ponto, é preciso recuperar a variante romana da mitologia grega, tal como aparece descrita em Ovídio, na obra Metamorfoses. Nela, Atlas é transformado em “sustentador do mundo”,16 16 E não apenas da terra, como se projetou na iconografia e na ideia vinculada à geografia. como consta no livro IV, linhas 615-662. Na versão de Ovídio, recuperada das tradições gregas, ele surge na história de Perseu como o governante de uma região, a Hespéria. Perseu pede-lhe abrigo noturno e conta-lhe que é filho de Júpiter: “se és sensível à glória de ilustre nascimento, sou filho de Júpiter; se admiras façanha, admirarás as minhas. Te peço abrigo e pouso” (Ovídio 2010OVÍDIO. (2010), “Metamorfoses (Livros I a V)”, in: CARVALHO, Raimundo Nonato Barbosa de. Metamorfoses em tradução. São Paulo: Relatório de Pós-doutorado em Letras Clássicas e Vernáculas, FFLCH-USP. :IV.639-642).17 17 A versão latina do texto encontra-se disponível em: https://www.thelatinlibrary.com/ovid.html. Acesso em: 25/04/2019. Atlas, por sua vez, ouvira uma profecia do oráculo segundo a qual um filho de Júpiter roubaria suas maçãs de ouro. Considerando tal ascendência, o enorme e ingente Atlas expulsa e ameaça Perseu de morte. O herói, indignado pelo desprezo recebido, não aceita a afronta e mostra-lhe a cabeça de Medusa, transformando-o imediatamente:

Atlas grande se fez monte. E barba e cabelos se tornam selvas; ombros e mãos cimos são; o que era a cabeça é o pico do monte; ossos se tornam rocha. Então, por toda parte, dilatado, cresceu - assim quisestes, deuses - e todo o céu e os astros repousaram nele. (Ovídio 2010: IV.657-662)

Atlas se torna, de fato, aquele que suporta ou sustenta os céus e seus astros. Mas podemos também avançar em direção ao sentido específico da procedência do termo tolerar e suas variações no itálico. Em sua derivação protoitálica, o termo é tollō, cujo infinitivo do presente é tollēre: “eu suporto, apoio, sofro; eu apoio, mantenho” (Valpy 1828VALPY, Francis Edward Jackson. (1828), An Etymological Dictionary of the Latin Language, London: Printed by A. J. Valpy, sold by Baldwin and co. :476).18 18 Para algumas relações entre o protoindo-europeu, o proto-itálico e o latim, particularmente no que tange ao termo tollō, vale a pena conferir o breve verbete de Michiel de Vaan (2008:621-622). O verbo latino ressalta o sentido de “levantar” ou “pesar”, “pegar” [uma coisa do seu lugar], “carregar” (Lewis & Short 1879LEWIS, Charlton T; SHORT, Charles. (1879), A Latin Dictionary, Oxford: Clarendon Press.). O substantivo, por sua vez, destaca um sentido de “suporte” e de “resistência de seres humanos” ou ainda “paz ou indiferença ou tolerância”.

Vejamos o caso específico de ocorrências dessas variações nas cartas de Sêneca dirigidas a seu amigo Lucílio.19 19 Há uma passagem cuja tradução é interessante para outros estudos, particularmente no sentido de entender temperatum como tolerante: “Alium vidimus adversus amicos benignum, adversus inimicos temperatum” (Sêneca 1917-1925:CVXXII.10); traduzido como: “ali vemos um outro mostrar-se generoso para com os amigos e tolerante para com os inimigos” (Sêneca 2009:122.10). Em cerca de trinta ocorrências, os sentidos implicados tratam de uma vida aceitável por meio da capacidade de suportar todo o tipo de intempéries. As recomendações de Sêneca, nesse sentido, procuram orientar Lucílio a não se deixar abater diante das adversidades. E as lições perpassam os escritos ao amigo. Trata da capacidade de suportar com coragem como uma virtude fundamental (Sêneca 2009:67.5). As dores físicas são intermitentes, logo suportáveis (Sêneca 2009:78.7). Mesmo a vida, precisa ser vivida de forma aceitável, tolerável [nem diria feliz]; ou seja, uma vida que valha a pena ser vivida passa pelo estudo da filosofia (Sêneca 2009:16.1). Para se alcançar essa vida aceitável, pode ser necessário suportar a fome, pobreza ou indigência, tendo em vista a filosofia (Sêneca 2009:17.6).

Em suma, as aparições do verbo, substantivo e adjetivo em Sêneca indicam o sentido de suportar algo de ruim que acomete a pessoa. Indicam a virtude da tolerância como atributo da alma, e no sentido de paciência e de resistência (Sêneca 2009SÊNECA, Lúcio Aneu. (2009), Cartas a Lucílio, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 4ª ed.:31.7), de modo que ela pode ser utilizada como arma para a vida e permite a busca pela filosofia. Nada pode impedir esse percurso: nem a dor física, a fome, a doença, a morte, as adversidades, o cansaço ou mesmo o frio. Por isso mesmo, algumas vezes tolerantia é traduzida como “virtude da paciência” (Sêneca 2009:115.3). Como se vê, não há ainda nada similar à ideia moderna de tolerar o outro.

Da mesma raiz vem o nome da “máquina de levantar peso”, “guindaste”, em latim: tolleno (Lafaye 1892LAFAYE, Georges. (1892), “Tolleno”. In: Daremberg et Saglio [dir.]. Dictionnaire des Antiquités Grecques et Romaines: D’après les textes et les monuments (tome V). Paris: Hachette .:352-354). Tratava-se de uma engrenagem de elevação. Tito Lívio descrevendo o navio de Arquimedes utiliza o termo tolleno para se referir ao uso da alavanca em seu peso e contrapeso, levantando a proa do barco e precipitando o barco com extrema força nas águas e produzindo consternação entre os tripulantes (Titus Livius 1823TITUS LIVIUS. (1823), The History of Rome (vol. 3), trans. Georges Baker. New York: Peter A. Mesier et. al.:XXXIV.320). O próprio Arquimedes construiu uma teoria sobre gravidade, estabilização e inclinação (Arquimedes 1997ARQUIMEDES. (1997), “Sobre o equilíbrio dos planos”, trad. comentada por André Koch Torres Assis. Revista da SBHC, n. 18: 81-94.). Em vez de explicitar a física estática que ele propõe, o que interessa imediatamente aqui é enunciar a relação que está vinculada com a essa alavanca, na medida em que o cálculo de sua utilização considera equilíbrio e peso, e recupera assim o sentido mesmo que se apresenta na raiz do próprio termo tolleno, como temos visto.

O desafio da tolerância

Ainda que eu não tenha pretendido fazer incursões sociológicas ou da ordem da história do conceito ou das ideias enquanto motivo metodológico, nestas considerações finais, será o caso de recuperar panoramicamente o percurso feito e aventar algumas reflexões sobre a atualidade da tolerância. A reconstituição da palavra tolerância vimos que remonta à hipotética raiz protoindo-europeia, e cuja repercussão foi vista em relação ao sânscrito, grego e latim. Com isso, o recurso à etimologia tornou possível tratar com alguma familiaridade essas línguas antigas. E entendo que o estranhamento linguístico sobre o termo tolerância, tal como proposto como diretriz para o texto, permite desnaturalizar essa palavra que se tornou habitual, e mesmo banal, em nosso mundo.

Os três casos apresentados podem ser comparados. No sânscrito, por exemplo, as variações em torno de tulā́ permitem perceber que está em jogo uma ideia de “equilíbrio”, “balança”, “peso”, “medida”. O termo pode apontar para um uso intangível, como “ponderar”, “considerar”, “examinar”, “comparar”. Pode também ter um sentido material de peso e, por isso mesmo, envolve a balança e os objetos a serem pesados ou suportados. A balança é mesmo uma imagem importante que condensa esses sentidos, como se viu no exemplo do signo de Libras, devido ao seu sentido de “manter em equilíbrio, pesar, considerar igual”. O equilíbrio da balança indicava exatamente a igualdade possível entre o ambíguo e o preciso A ideia de medida e comparação ganha seus contornos no mito de Tulasi, nome do manjericão sagrado, que é traduzido como “aquela que não tem comparação”.

Também entre os gregos a ideia de balança se preservou como modo de medir, calcular. Na mitologia, três ocorrências ganharam destaque: Zeus, Atlas e Tântalo. O próprio Zeus pôde aparecer associado a uma balança, particularmente nos momentos de julgamento e decisão sobre o destino de uma guerra ou guerreiro. Os mitos referidos a Atlas e Tântalo retomam no nome mesmo dos personagens os termos gregos tláō, tálas e talántatos. Nesses dois casos, é muito forte o sentido de “suportar” e “sofrer”. Esses mitos evidenciam uma dimensão punitiva da tolerância. Suportar eternamente o peso do cosmos, num mito, sofrer infinitamente a insaciedade, no outro.

O latim tollō foi visto em duas perspectivas: relativa a tolleno e tollēre. No primeiro uso, trata-se do guindaste, o instrumento de levantar peso. O que mantém a conotação material do peso, como é o caso da alavanca que levanta a proa do barco. Há uma espécie de teoria sobre a gravidade, inclinação e estabilização implicada em seu uso. Um cálculo de equilíbrio e peso. O outro termo, tollēre, implica em “suportar”, “apoiar”, “sofrer”. Ele evidencia um sentido de “suporte” e de “resistência de seres humanos” ou ainda “paz ou indiferença ou tolerância”. Em Sêneca está atrelado à ideia de suportar as diversas intempéries, não se deixando abater pelas adversidades. O termo se refere à capacidade de viver a vida com paciência e resistência.

Como se vê, há três sentidos gerais derivados da raiz protoindo-europeia. De um lado, a materialidade do ato de pesar, com os objetos a serem medidos e os instrumentos do cálculo de equilíbrio e carga. De outro lado, a dimensão mitológica do peso, vinculada às questões de sofrimento como punição entre os gregos (e romanos) ou mesmo às questões da impossibilidade e da comparação entre os hindus. Por fim, o enfoque antropológico que destaca a virtude de resistir. Nesse caso, o sofrimento como contingência da vida, e que merece ser enfrentado como tal. Pretendo em outro momento retomar com maior afinco esse aspecto da tolerância como virtude, tendo em vista o caso romano, mas com a finalidade de acompanhar quando essa noção passou a ser pensada como virtude política.

De todo modo, e para os interesses diretos desse texto, consideremos que a expressão tolerância se consolidou no vocabulário Ocidental ao longo do século XVII, quando a sua defesa estava envolta em dramas de perseguição, violência e guerra em nome da religião. Diversos autores procuraram repensar a vida em sociedade e a possibilidade da liberdade de escolha e profissão de fé sem coerção, como foi o caso de John LockeLOCKE, John. (2004 [1689]), Cartas sobre tolerância, trad. Jeane Duarte Rangel. São Paulo: Ícone Editora.. E por isso mesmo, a noção de tolerância se tornou peça-chave nesse quadro de impasses sobre a convivência humana. Tolerar é o sofrimento, o peso e o preço da paz.

É preciso também fazer a crítica da tolerância. Wendy Brown mostra como a noção de tolerância está na ordem normativa de um discurso civilizacional, tendo a educação um lugar especial para a prática e defesa da tolerância, como algo que precisa ser aprendido. Como uma forma legalista-liberal da cultura cívica contemporânea, cujo fim é a cidadania multicultural. Em nossos dias, ela extrapolou o contexto inicial relativo essencialmente às questões religiosas (nos termos de crença ou opinião), que foram comumente tratados como subjetividade, e alcançou um lugar nas recentes questões de identidades, enraizadas em diferenças (raça, etnia, sexualidade). Enfim, a tolerância se tornou parte de um projeto de governamentalidade, passando a funcionar na chave da orquestração e da regulamentação da conduta, da população e da vida (Brown 2006:78). O Estado torna a tolerância objeto de determinações comportamentais tomadas em sentido constitucional, fazendo da tolerância uma exigência.

A defesa da tolerância está pautada na ideia de diferença naturalizada e não historicizada, e que produz uma espécie de indulgência como capacidade de sofrer o outro (Brown 2006BROWN, Wendy. (2006), Regulating aversion: Tolerance in the age of identity and empire. Princeton: Princeton University Press.:26). Nas últimas décadas, foram produzidas outras tantas críticas à noção de tolerância, particularmente apontando seu desgaste ou os limites implicados em sua adoção como saída para os dilemas modernos. Herbert Marcuse (2007MARCUSE, Herbert. (2007 [1969]), “Tolerância repressiva”. Protestantismo em revista. Escola Superior de Teologia, jan.-abr., vol. 12: 28-58. [1969]) faz sua censura à tolerância perniciosa e repressiva que favorece a tirania da maioria, sendo ao mesmo tempo impotente e benevolente. Há ainda outras vozes que apontam problemas políticos presentes na noção de tolerância. Dentre essas críticas aos limites da tolerância, podemos sugerir outros dois exemplos: o paradoxo enunciado por Karl Popper e a maldição advertida por Isabelle Stengers. De um lado, a tolerância sem restrições pode conduzir à supressão da própria tolerância, pois se a tolerância for estendida de forma ilimitada aos intolerantes, os tolerantes serão destruídos: deve então haver o direito de não suportar o intolerante (Popper 1974 [1945]POPPER, Karl. (1974 [1945]), A sociedade aberta e seus inimigos, trad. Milton Amado. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EdUSP.:289). De outro lado, “nada é mais fácil para uma pessoa moderna do que ser tolerante” (Stengers 1997STENGERS, Isabelle. (1997), Pour en finir avec la tolérance (Cosmopolitiques VII). Paris: La Découverte; Le Plessis-Robinson (Hauts-de-Seine); Institut Synthélabo pour le progrès de la connaissance.:7). O moderno tolera o outro em termos de crença e inocência, tendo em vista a prática científica como modo de conhecimento. Em suma, “tolerante é aquele que mede quão dolorosamente pagamos pela perda de ilusões, certezas que atribuímos àquelas que acreditamos ‘acreditar’” (Stengers 1997:7). E é por meio da “maldição da tolerância” que se pode perceber o que escapa às obrigações e necessidades da ciência (Stengers 1997:17).

A tais críticas subjazem pontos recuperados pela etimologia. O peso da tolerância se refere a suportar algo que preferiríamos que não existisse. Com isso, suportar é sofrer a presença do indesejável (Brown 2006BROWN, Wendy. (2006), Regulating aversion: Tolerance in the age of identity and empire. Princeton: Princeton University Press.:25). A tolerância é um modo de gestão da diferença que ameaça e que precisa ser contida num critério controlador. Para saber, por exemplo, que há o nível da impossbilidade de suportar, como acontece com o intolerante. Nesse sentido, a tolerância também passa pela ideia de que há uma balança cujo padrão de cálculo é usado para medir o equivocado, dúbio, incerto. Esse critério são nossos valores, ou seja, aquele modo de vida que julgamos mais adequado. Ele serve de referência comparativa. Portanto, a tolerância é uma forma de subjugar ou enquadrar a diferença num parâmetro predeterminado. Numa pista que ainda pretendo alcançar, a tolerância se aproximaria da noção filosófica e antropológica de relativismo, mais ou menos como: a tolerância estaria para o relativismo assim como a intolerância estaria para o etnocentrismo.

Para concluir, o percurso traçado aqui de forma inicial se propõe elucidativo do ponto de vista procedimental e dos desdobramentos investigativos. Pretendi avançar no garimpo de indícios de uma questão bastante simples, mas que carece de demonstração: tanto para quem defende como para quem contesta a sua legitimidade, o termo tolerância guarda a concepção das dificuldades de sua plena efetuação: pesar, medir, sofrer e comparar. São aspectos que se fazem presentes na tentativa de concretizar ou descartar sua validade. Tolerar é sofrer, suportar, e esse é o peso do Ocidente.

Referências

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  • ZIMMER, Heinrich. (1986), Filosofias da Índia São Paulo: Palas Athena.

1

  • 1
    A responsabilidade pelo texto é toda minha. De todo modo, eu agradeço pela leitura preliminar e sugestões de Caio Borges Aguida Geraldes, Gabriel Pugliese, Adalton Marques, José Edilson Teles, Daiane Marques e Alexandre da Silva Chaves.

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  • 2
    Os estudos de Georges Dumézil são plenos de relevância para os estudos antropológicos acerca dos povos protoindo-europeus e indo-europeus propriamente. É preciso destacar a centralidade de seu procedimento genético de mitologia comparada. Mas é fundamental também a sua teoria tripartite: sacerdote (sagrado/religioso), guerreiros (força/bélico) e fazendeiros (abundância/produtivo); e cuja correlação teológica divide as divindades em deuses soberanos, deuses guerreiros e deuses da abundância/fecundidade. Pode-se conferir particularmente seu clássico sobre a ideologia das três funções entre os povos indo-europeus (Dumézil, 1986 [1958]DUMÉZIL, Georges. (1986 [1958]), Mythe et épopée I: L'Idéologie des trois fonctions dans les épopées des peuples indo-européens. Paris: Gallimard.).

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  • 3
    Nos estudos filológicos, o asterisco que precede a raiz é usado para sinalizar as palavras indo-europeias reconstruídas ou reconstituídas de forma hipotética, sem que o fonema ou o lexema sejam atestados efetivamente. São usados, portanto, como um instrumento metodológico que auxilia na comparação das línguas e na compreensão da formação de determinadas palavras.

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  • 4
    Este artigo terá como procedimento de apresentação o seguinte cuidado com os termos antigos relevantes para o argumento geral: (1) eles serão primeiramente transliterados e escritos no formato itálico; e (2) após a vírgula, encontraremos a palavra em sua versão portuguesa mais convencional, o que pode ser uma tradução ou uma adaptação fonética de nomes. Outra observação, agora no que tange às traduções para outras línguas, principalmente nos léxicos citados ou nas gramáticas consultadas: as traduções ficam sob minha responsabilidade quando se tratar de material não disponível em português.

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  • 5
    Uma análise dos princípios da fonologia histórica, que se acha traduzida para o português, tendo em vista as mutações de desfonologização, fonologização e refonologização, é o texto de Roman Jakobson (2008 [1931]JAKOBSON, Roman. (2008 [1931]), Princípios de fonologia histórica, trad. Wilmar D’ Angelis. Campinas: Editora Curt Nimuendajú.). Tal abordagem iluminaria, mas também extrapolaria, as restrições de ênfase do presente artigo, bem como exigiria outras habilidades técnicas em linguística. Pode-se ainda consultar Andrew Sihler (1995SIHLER, Andrew. (1995), New comparative gramar of greek and latin. New York/Oxford: Oxford University Press. ) que retoma com maestria essa tradição de estudos protoindo-europeus para iluminar o grego e o latim (cf. 66.1, 71.4, 82, 98, 109, 109A, 112A, 123.2, 223.2b 2,46, 282b, 454b e 479.4B). Ou ainda a esquematização técnica encontrada em Dagmar Wodtko (et. alii. 2008WODTKO, Dagmar; IRSLINGER, Britta; SCHNEIDER, Carolin. (2008), Nomina im Indogermanischen Lexikon. Heidelberg: Universitätsverlag Winter.:622).

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  • 6
    A noção de equilíbrio na literatura sânscrita não indicaria “equilíbrio dos humores”, concepção que aparecerá nas narrativas europeias posteriores, mas se refere a equilíbrio num sentido bastante material do termo (Jackson 2017JACKSON, Mark. (2017), The Routledge History of Disease. London/New York: Routledge.: 41). Para as medidas de peso dos produtos para tratamentos, receitas e remédios para várias aflições, ver Bhudeb Mookerjee (1928MOOKERJEE, Bhudeb. (1928), Rasa=Jala= Nidhi, or Ocean f Indian Chemistry & Alchemy (vol. 1). Neogi: Nababibhakar Press.:302). Para a precisão, relevância e profundidade da matemática indiana, vale conferir Bernard Sergent (1997SERGENT, Bernard. (1997), Genèse de l’Inde, Paris: Payot.).

7

  • 7
    Não nos fiaremos ao interessante contraponto enunciado por Robert Beekes e Lucien van Beel (2010BEEKES, Robert; VAN BEEL, Lucien. (2010), Etymological Dictionary of Greek. Leide/Boston: Brill.:163): “Não se pode esperar que este antigo Titã tivesse um nome indo-europeu; além disso, as palavras pré-gregas geralmente terminam em -ant-”. Ele considera o radical do genitivo Átlantos, “Atlantos” para -ant-, como convém aos substantivos dessa terminação cujo radical não está evidente no nominativo.

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  • 8
    Outras versões do mito tratam-no como um rei que negou abrigo a Perseu e foi transformado em pedra ou em uma cadeia de montanhas, como veremos adiante com Ovídio.

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  • 9
    Não existe significativo consenso nos escritos antigos sobre Tântalo. Vamos, portanto, apresentar uma narrativa sem a pretensão de avaliar a credibilidade ou buscar a variante mais segura. De todo modo, e é o que nos interessa aqui: todas as versões guardam um sentido de sofrimento que convém ao estudo etimológico e narrativo do mitônimo, tal como que aventamos. Para uma análise aprofundada das versões, cf. Troca Pereira 2012TROCA PEREIRA, Reina Marisol. (2012), Agamemnon(es): Entre o mito e a literatura. Coimbra: Tese de Doutorado em Estudos Clássicos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra..

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  • 10
    A métrica da tradução não segue rigidamente a divisão das linhas da edição grega (Pindar 1937PINDAR. (1937), The Odes of Pindar (including the Principal Fragments). Intr. and trans. Sir John Sandys, Litt. D., FBA. Cambridge, MA., Harvard University Press; London, William Heinemann.:54-59).

11

  • 11
    Tântalo teria iniciado uma sequência de ações entre os humanos que mereceriam a censura dos deuses. As suas sucessivas gerações de descendentes replicaram tais comportamentos abomináveis: “pois choro as muitas desventuras desta casa, outrora tão feliz, tão infeliz agora!” (Ésquilo 1991ÉSQUILO. (1991), Oréstia (Agamêmnon - Coéforas - Eumênides), trad. e apres. Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Zahar, 8ª. ed.:23-24).

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  • 12
    Os textos clássicos gregos são citados pelo verso ou parágrafo, seguindo as divisões internas das edições clássicas, e não pela paginação, como é convencional para outras referências bibliográficas.

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  • 13
    Esse eterno balanço retoma o sentido indiano de balança e equilíbrio que se viu acerca do sânscrito.

14

  • 14
    Interessante como tálanta chega à língua portuguesa por meio de “tantalizar” como sendo “sofrer tormento”, “atormentar”, “infligir suplícios”, “submeter a castigo”, “desejar o inalcançável”. Os dicionários consultados então disponíveis em: https://dicionario.priberam.org/tantalizar. Acesso em: 25/03/2019; e http://www.aulete.com.br/tantalizar. Acesso em: 25/03/2019.

15

  • 15
    A ideia de suportar é central também para outro verbo grego presente no léxico da tolerância: anéchō; cujo sentido varia entre “erguer”, “levantar”, “suportar”, “aguentar” (Marques 2020MARQUES, Delcides. (2020), “Para o léxico da tolerância: Contribuição de um verbo grego antigo”. R@U - Revista de Antropologia da UFSCar, 12 (1): 235-255.).

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  • 16
    E não apenas da terra, como se projetou na iconografia e na ideia vinculada à geografia.

17

  • 17
    A versão latina do texto encontra-se disponível em: https://www.thelatinlibrary.com/ovid.html. Acesso em: 25/04/2019.

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  • 18
    Para algumas relações entre o protoindo-europeu, o proto-itálico e o latim, particularmente no que tange ao termo tollō, vale a pena conferir o breve verbete de Michiel de Vaan (2008VAAN, Michiel de. (2008), Etymological Dictionary of Latin and the other Italic Languages (Leiden Indo-European Etymological Dictionary Series: vol. 7). Edited by Alexander Lubotsky. Leiden/ Boston: Brill.:621-622).

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  • 19
    Há uma passagem cuja tradução é interessante para outros estudos, particularmente no sentido de entender temperatum como tolerante: “Alium vidimus adversus amicos benignum, adversus inimicos temperatum” (Sêneca 1917-1925SENECA. (1917-1925), Ad Lucilium Epistulae Morales, volume 1-3. Richard M. Gummere. Cambridge. Cambridge, Mass., Harvard University Press; London, William Heinemann.:CVXXII.10); traduzido como: “ali vemos um outro mostrar-se generoso para com os amigos e tolerante para com os inimigos” (Sêneca 2009:122.10).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2019
  • Aceito
    13 Jan 2021
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