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The faculty of language

RESENHA

The faculty of language

Denise Brandão de Oliveira e Britto

Pós-graduanda em Lingüística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas – Belo Horizonte (MG), Brasil; Professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC- Minas – Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Denise Brandão de Oliveira e Britto R. Desembargador Jorge Fontana, 250/1201, bloco 1 Belvedere, Belo Horizonte – MG, CEP 30320-670 E-mail: denisebrandao@pucminas.br

Este trabalho pretende resumir e comentar dois artigos que abordam a questão da faculdade da linguagem ser exclusivamente humana ou partilhada com outros animais. Comento um artigo que aborda a Faculdade da Linguagem e uma réplica a ele.

O primeiro artigo levanta questões acerca da importância de se distinguir a linguagem como um sistema comunicativo e demais questões referentes à computação subjacente a este sistema, ou seja, à recursão subjacente ao sistema. Apresentam em seguida três teorias básicas sobre a evolução da linguagem. A primeira teoria – partilha X unicidade - discute a possibilidade da linguagem ser ou não uma habilidade comunicativa que o homem compartilha com outros animais. A segunda, evolução gradual X em saltos, se preocupa em estudar se a evolução da linguagem ocorreu de maneira gradual ou em "saltos" e a terceira, continuidade X adaptação, questiona se a linguagem humana evoluiu pela extensão gradual de um sistema de comunicação existente ou se aspectos da linguagem foram extraídos de funções adaptativas prévias, ou seja, a linguagem evoluiu como adaptação para a comunicação ou por outros fatores computacionais. Os autores afirmam ser consenso entre os estudiosos o fato de que humanos e animais compartilham uma diversidade de fontes computacionais e perceptuais remodeladas ao longo da evolução, provenientes de um ancestral comum. O desafio é determinar o que é herança não mutável deste ancestral, o que foi modificado ao longo do tempo e o que é qualitativamente novo, em se tratando da linguagem. Na tentativa de superar o desafio propõem a necessidade do esforço colaborativo de várias ciências como a biologia, a lingüística e antropologia, a fim de se responder a essa questão.

Afirmam ainda que, no uso informal, a linguagem é entendida como um sistema comunicativo cultural, ou seja a LÍNGUA e que a Lingüística moderna considera e usa o termo linguagem para se referir a um componente da mente/encéfalo: a língua-I, propõe, em seguida, a existência de dois sensos da linguagem. O primeiro é a faculdade da linguagem senso amplo (FLB) e o segundo é a faculdade da linguagem senso restrito (FLN). A FLB é composta pelo sistema computacional interno (FLN) mais os dois sistemas internos: sensório-motor (Forma fonética) e intencionalconceitual (Forma lógica). A FLN, então, é considerada pelos autores como um componente da FLB. É um sistema computacional lingüístico abstrato que interage com os outros sistemas e é a interface entre as formas fonética (sensório-motor) e lógica (intencional-conceitual). Um sistema computacional é a chave de FLN que gera as representações mentais e mapeia essas representações para os sistemas sensório-motor, mediado pelo sistema fonológico, e intencional-conceitual mediado pelo sistema semântico. FLN possibilita a elaboração de um número infinito de expressões a partir de um número finito de elementos. Nesse ponto os autores retomam a noção de Criatividade proposta pela Gramática Gerativo-Transformacional. Os autores defendem a idéia de que FLN processa e elabora a informação para o uso efetivo da linguagem, por meio de um sistema de conexão de som e significado. A propriedade nuclear ou fundamental de FLN é a recursão. Define-se recursão como a adaptação computacional que nos permite comunicar pensamentos. É um procedimento que "chama ele mesmo", ou um constituinte que contém um constituinte do mesmo tipo. Como exemplo, pode-se citar nossa possibilidade de referir aos objetos e pessoas como "a bola da Maria, irmã da Ana que estava furada, o Pedro chutou". Existem dois tipos de recursão. Tail recursion (recursão caudal) é um procedimento que evoca outra instância dele mesmo como um processo final. Tru e recursion (recursão verdadeira) é um procedimento que invoca uma instância dele mesmo na computação e resume o procedimento original. Neste artigo os autores defendem a idéia de que a recursão, e somente a recursão, é uma habilidade exclusiva do ser humano.

A partir deste ponto os autores passam a descrever e apresentar idéias com o intuito de defender que FLN é o único componente da linguagem exclusivamente humano. Levantam dificuldades no estudo da evolução da linguagem afirmando que o comportamento lingüístico não é passível de ser fossilizado para análise, entretanto, estudos comparativos entre dados de espécies existentes e espécies extintas são analisados para inferências acerca da linguagem. A afirmação da unicidade é baseada em dados que indicam a ausência do traço referente ao processamento da linguagem em outras espécies não humanas, mas não existe confirmação desta hipótese. A percepção categorial, por exemplo, foi descrita como habilidade unicamente humana e depois observada em pássaros e macacos como evolução do processamento auditivo e não do processamento da fala. Inferem, neste ponto que um traço presente em não humanos não evoluiu especificamente para a linguagem humana, mas pode ser parte da faculdade da linguagem e do processamento da linguagem. O traço pode ter evoluído em humanos e outras espécies. Em humanos a evolução pode ter acontecido para a linguagem e nas outras espécies não. Os autores sugerem, então, três hipóteses para a evolução da faculdade da linguagem.

1. FLB é homólogo à comunicação animal, ou seja, FLB existe em outras espécies mesmo que menos desenvolvida ou modificada e é composta pelos mesmos componentes funcionais em outras espécies.

2. FLB é uma derivação adaptada nos seres humanos para a linguagem, ou seja, é uma complexa adaptação para a linguagem realizada por seleção natural: FLB possui um componente genético.

3. Somente FLN é exclusivamente humano, ou seja, o mecanismo computacional de recursão evoluiu recentemente e é unicamente humano. FLN é composto nuclearmente de mecanismos computacionais de recursão que aparecem na sintaxe e mapeiam as interfaces. FLB partilha componentes com outras espécies, menos FLN.

Após apresentar sua hipótese principal acerca da recursão como única habilidade exclusivamente humana, os autores passam a relatar a literatura citando estudos que apontam para a possibilidade de outras espécies possuírem as duas interfaces: formas fonética e lógica. Os autores relatam um estudo comparativo do sistema sensório-motor que apresenta a idéia da existência de mecanismos unicamente humanos adaptados para percepção e produção da fala, entretanto outros estudos apontam para existência de espécies que discriminam sons em diferentes línguas. Em relação à produção relatam diferenças de formantes nas vocalizações de pássaros e de macacos. Quanto ao aspecto biológico, afirmam a presença da laringe na forma descendente em outras espécies, sem função fonética nessas espécies. Quanto à capacidade de imitação (forma lógica) a mesma é percebida em macacos, golfinhos e pássaros. A existência do sistema conceitual-intencional também é manifestada em diferentes espécies. Estudos apontam para a existência de habilidade de intenção e representação conceitual observada em outras espécies, entretanto a idéia de que o receptor ou interlocutor (homem) dá o sentido derruba a idéia da existência de intenção nas outras espécies. Pensando desta forma, o componente conceitual-intencional de FLB passa a ser visto e entendido como unicidade humana. Além disso, nenhuma espécie além do homem possui capacidade de recombinar unidades significativas em um número infinito de estruturas diferenciadas pelo significado. Adotando a hipótese 3, FLN exclusivamente humana, HCF afirmam que os sistemas de interface – sensório-motor e conceitual-intencional – são dados e a inovação que embasou a faculdade da linguagem foi a evolução do sistema computacional que "linca" ou conecta os dois sistemas (FLN). Desta forma o sistema computacional deve construir uma série de expressões internas a partir de um número finito de fontes do sistema conceitual-intencional e possibilitar o significado para externar e interpretar as expressões no sistema sensório-motor.

Os autores concluem o artigo afirmando a necessidade da realização de pesquisas multi, inter ou transdisciplinares focando e comparando empiricamente a unicidade da faculdade da linguagem. Mesmo afirmando que FLN é unicamente humano levantam a necessidade de mais investigação acerca da hipótese. Inferem que a abordagem comparativa leva-nos a novas intuições acerca da faculdade da linguagem, que a afirmação de que FLN evoluiu por razões além da linguagem fez com que uma porta se abrisse para novos pensamentos e inferências. Além disso, a possibilidade de afirmar que a recursão evoluiu para resolver problemas computacionais além da linguagem não descarta a possibilidade de outras espécies possuírem a mesma habilidade, mas existe a evidência de que a recursão nos animais seja em outro domínio, não comunicativo. A recursão em animais pode representar um sistema modular com uma função particular.

Conforme afirmei no início desta resenha, o segundo artigo é uma crítica a essas noções. Os críticos iniciam o artigo afirmando que a hipótese proposta é problemática. A recursão sintática não deve ser o único aspecto especificamente humano, pois outros aspectos da linguagem que não são recursivos, como a fonologia, a morfologia, o caso, a concordância e as propriedades das palavras, são ignorados pelos autores. Além disso, a teoria seria inconsistente com a anatomia e controle neural do trato vocal humano e enfraquecida por experimentos que sugerem que a percepção da fala não pode ser reduzida à primazia auditiva, que aprender as palavras não pode ser reduzido ao fato do aprendizado propriamente dito e que existe pelo menos um gene envolvido na fala e linguagem que não é específico para a recursão. Os críticos sugerem que a afirmativa da recursão é motivada pela abordagem do programa minimalista e não pode ser usada para suportar afirmativas sobre evolução. Eles contestam os argumentos de que a linguagem não é adaptação. Afirmam, ainda que a teoria proposta não tem nada de especial. O que é especial para linguagem, é o lugar da linguagem no mundo natural, ou seja, o tipo de sistema biológico que ela é e como ela se relaciona com outros sistemas na nossa e em outras espécies. Levantam, também, três questões que entendem ser de maior relevância que a recursão: O que é aprendido decorrente das relações com o meio ambiente e o que é inato? Que partes da faculdade humana da linguagem são específicas da linguagem e o que decorre de outras habilidades? Que aspectos da linguagem são unicamente humanos e o que é compartilhado com outras espécies animais? Para esses críticos, a distinção entre FLB e FLN (senso amplo e senso restrito) é adequada, entretanto o foco da discordância entre os autores é a hipótese da recursão ser o único aspecto especial e exclusivo da linguagem, evoluída para funções além da linguagem. Eles revêem as afirmações criticamente, defendendo que em relação à estrutura conceitual (conceitual-intencional), alguns conceitos necessitam da linguagem para ser aprendidos, construídos e transmitidos. Quanto à percepção de fala por outras espécies, eles discordam, pois afirmam que pesquisas comprovam que essas habilidades de discriminação de pares em outras espécies referem-se a trabalhos de condicionamento. Além disso, trabalhos sobre percepção de fala e som mostram diferenças significativas em sujeitos lesionados que não discriminam fonemas, mas discriminam sons diferentes e neonatos que preferem sons de fala a outros, o que comprova que a percepção humana da fala reflete efeitos de experiência auditiva em uma língua específica. Quanto à produção de fala, os autores discutem os dois argumentos contra a adaptação evolutiva para a linguagem. Em relação à habilidade de pássaros e primatas em produzir formantes, eles também discordam, pois criticam o fato de os autores afirmarem que imitação e aprendizado vocal são características humanas, mas considerarem essas habilidades da FLB (componente não-humano). O fato da presença de laringe descendente ser encontrada em outros mamíferos não seria um argumento suficiente para dizer que a evolução do trato laríngeo seja pela mesma razão em humanos e outras espécies. Levantam hipóteses alternativas, defendendo a idéia de que a função adaptativa da fonologia ocorreu e que a fonologia é um nível distinto de organização das línguas humanas (característica especificamente humana). Criticam o fato de os autores não terem feito nenhuma menção à fonologia (percepção e articulação). Os críticos admitem a importância da palavra e o que interfere no seu aprendizado: imitação, simbolismo, construção de significado,.e, assim como os autores, defendem a idéia deste ser um aprendizado específico da linguagem humana. Entretanto, criticam a afirmativa de que a FLN só inclui a recursão como componente unicamente humano da faculdade da linguagem. Para os críticos, as palavras, assim como a fonologia, as estruturas conceituais e gramaticais, são distintamente específicas da linguagem humana. Em seguida relatam as evidências genéticas, cujos achados recentes enfraquecem a hipótese de que somente a recursão represente a unicidade da linguagem humana, pois, segundo eles, estudos comprovaram a existência de alterações da linguagem decorrentes de dominância do gene FOXP2. As alterações descritas são relatadas como dificuldades de compreensão, de articulação, lexicais, gagueira e dislexia, que não se referem especificamente à recursão. Finalizam defendendo a idéia de que diversos achados refutam a hipótese de que as mudanças evolucionárias da linguagem se refiram somente à recursão sintática e que outros achados suportam a idéia de que a linguagem humana evoluiu pouco a pouco sobre a influência da seleção natural de genes. Em seguida, descrevem resumidamente as propostas do Programa Minimalista (PM) de Chomsky e enumeram, criticamente, os tópicos ignorados e os problemas do PM, sugerindo que por trás da afirmativa de que o único aspecto especificamente da linguagem é a recursão surge a pressuposição de que o PM será confirmado. Concluem afirmando que a linguagem é ótima ou perfeita como mapeamento entre som e significado e que essa perfeição é diferente em outros sistemas biológicos, que a Linguagem existe em uma forma única: ser usada (e imperfeita, como tudo que é "usável") e que a FLN não foi selecionada especificamente para a linguagem, mas originária de alguma outra habilidade cognitiva. Segundo os críticos, a Linguagem precisa se recursiva para expressar os pensamentos recursivos, a Linguagem é uma adaptação para a comunicação do conhecimento e intenções, baseada em evidências comportamentais e genéticas.

Os dois artigos compõem uma discussão científica acerca da faculdade da linguagem, o que é esta faculdade, o que existe de especial, peculiar e especificamente humano nesta faculdade. Existem pontos de concordância e tópicos dissonantes entre os autores o que emerge como uma discussão intrigante e interessante sobre a linguagem.

  • Endereço para correspondência:
    Denise Brandão de Oliveira e Britto
    R. Desembargador Jorge Fontana, 250/1201, bloco 1
    Belvedere, Belo Horizonte – MG, CEP 30320-670
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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