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Estudo da constância de medidas acústicas de vogais prolongadas e consecutivas em mulheres sem queixa de voz e em mulheres com disfonia

Study of the acoustic measures' constancy of sustained vowels consecutive phonations in women without vocal complaint and women with dysphonia

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a constância de medidas acústicas da frequência fundamental, jitter em porcentagem, quociente de perturbação de frequência (QPF), shimmer em dB, shimmer em porcentagem, quociente de perturbação de amplitude (QPA) e proporção harmônico-ruído (PHR), extraídas de emissões sustentadas e consecutivas de uma mesma vogal, em mulheres sem queixa vocal e em mulheres com disfonia. MÉTODOS: Foram analisados os parâmetros acústicos selecionados em três grupos: 20 mulheres sem queixa vocal, 20 com disfonia e nódulo vocal e dez com disfonia e edema de Reinke, utilizando o programa Multi-Speech Model 3700 da Kay Elemetrics®; utilizou-se a vogal sustentada "é", emitida 15 vezes consecutivas. RESULTADOS: Os valores de frequência fundamental apresentaram variações estatisticamente significantes até a 6ª emissão nos grupos sem queixa vocal e com disfonia e nódulo vocal. Os valores de jitter, QPF, shimmer em dB, shimmer em porcentagem, QPA e PHR não apresentaram diferenças estatisticamente significantes nos três grupos estudados, nas consecutivas emissões. CONCLUSÕES: As medidas dos sinais acústicos, em diferentes emissões consecutivas de uma mesma vogal sustentada são constantes, à exceção da frequência fundamental que pode se deslocar para o agudo nas primeiras emissões de indivíduos sem lesões laríngeas e queixas vocais e com disfonia e nódulos de pregas vocais.

Voz; Distúrbios da voz; Acústica da fala; Fonação; Mulheres


PURPOSE: To evaluate the constancy of the acoustic measures fundamental frequency, percentage jitter, frequency perturbation quotient (FPQ), shimmer (dB), percentage shimmer, amplitude perturbation quotient (APQ), and harmonic-to-noise ratio (HNR), obtained from consecutive phonations of a sustained vowel, in women without vocal complaint and women with dysphonia. METHODS: The selected acoustic parameters were assessed in three different groups: 20 women without vocal complaint, 20 women with dysphonia and vocal nodules, and ten women with dysphonia and Reinke's edema. The acoustic analysis was carried out using the Multi-Speech Model 3700 computer program, from Kay Elemetrics®. Recordings were made of a sustained /ε/ vowel, produced 15 consecutive times. RESULTS: The values of fundamental frequency showed statistically significant variability up to the 6th token for the group without vocal complaint and for the group with dysphonia and vocal nodules. Values of jitter, FPQ, shimmer (dB), percentage shimmer, APQ and HNR didn't show significant differences in any of the groups. CONCLUSIONS: Acoustic measures of different consecutive phonations of the same sustained vowel are constant, except for fundamental frequency, which can increase during the first phonations of individuals without vocal complaint and subjects with dysphonia and vocal nodules.

Voice; Voice disorders; Speech acoustic; Phonation; Women


ARTIGO ORIGINAL

Estudo da constância de medidas acústicas de vogais prolongadas e consecutivas em mulheres sem queixa de voz e em mulheres com disfonia

Study of the acoustic measures' constancy of sustained vowels consecutive phonations in women without vocal complaint and women with dysphonia

Ana Cristina Côrtes GamaI; Mara Suzana BehlauII

IDoutora, Professora Adjunto do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil

IIDoutora, Diretora do Centro de Estudos da Voz - CEV - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Ana Cristina Côrtes Gama R. Santa Helena, 46/1000, Bairro Serra, Belo Horizonte - MG CEP 30220-240 E-mail: anacgama@medicina.ufmg.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a constância de medidas acústicas da frequência fundamental, jitter em porcentagem, quociente de perturbação de frequência (QPF), shimmer em dB, shimmer em porcentagem, quociente de perturbação de amplitude (QPA) e proporção harmônico-ruído (PHR), extraídas de emissões sustentadas e consecutivas de uma mesma vogal, em mulheres sem queixa vocal e em mulheres com disfonia.

MÉTODOS: Foram analisados os parâmetros acústicos selecionados em três grupos: 20 mulheres sem queixa vocal, 20 com disfonia e nódulo vocal e dez com disfonia e edema de Reinke, utilizando o programa Multi-Speech Model 3700 da Kay Elemetrics®; utilizou-se a vogal sustentada "é", emitida 15 vezes consecutivas.

RESULTADOS: Os valores de frequência fundamental apresentaram variações estatisticamente significantes até a 6ª emissão nos grupos sem queixa vocal e com disfonia e nódulo vocal. Os valores de jitter, QPF, shimmer em dB, shimmer em porcentagem, QPA e PHR não apresentaram diferenças estatisticamente significantes nos três grupos estudados, nas consecutivas emissões.

CONCLUSÕES: As medidas dos sinais acústicos, em diferentes emissões consecutivas de uma mesma vogal sustentada são constantes, à exceção da frequência fundamental que pode se deslocar para o agudo nas primeiras emissões de indivíduos sem lesões laríngeas e queixas vocais e com disfonia e nódulos de pregas vocais.

Descritores: Voz; Distúrbios da voz; Acústica da fala; Fonação; Mulheres

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the constancy of the acoustic measures fundamental frequency, percentage jitter, frequency perturbation quotient (FPQ), shimmer (dB), percentage shimmer, amplitude perturbation quotient (APQ), and harmonic-to-noise ratio (HNR), obtained from consecutive phonations of a sustained vowel, in women without vocal complaint and women with dysphonia.

METHODS: The selected acoustic parameters were assessed in three different groups: 20 women without vocal complaint, 20 women with dysphonia and vocal nodules, and ten women with dysphonia and Reinke's edema. The acoustic analysis was carried out using the Multi-Speech Model 3700 computer program, from Kay Elemetrics®. Recordings were made of a sustained /ε/ vowel, produced 15 consecutive times.

RESULTS: The values of fundamental frequency showed statistically significant variability up to the 6th token for the group without vocal complaint and for the group with dysphonia and vocal nodules. Values of jitter, FPQ, shimmer (dB), percentage shimmer, APQ and HNR didn't show significant differences in any of the groups.

CONCLUSIONS: Acoustic measures of different consecutive phonations of the same sustained vowel are constant, except for fundamental frequency, which can increase during the first phonations of individuals without vocal complaint and subjects with dysphonia and vocal nodules.

Keywords: Voice; Voice disorders; Speech acoustic; Phonation; Women

INTRODUÇÃO

Medidas de sinais acústicos e mudanças fisiológicas durante a produção da voz, têm se mostrado um foco de permanente interesse para as pesquisas científicas e uso na clínica diária.

O desenvolvimento tecnológico recente e sua rápida assimilação estão revolucionando a laringologia e o estudo da voz do ponto de vista objetivo e quantitativo. Paralelamente à introdução das fibras óticas para a avaliação da laringe, o advento dos computadores e o desenvolvimento de programas específicos para a análise de parâmetros vocais, modificaram o lento e trabalhoso processo laboratorial das décadas de 1940 a 1960, que passou a ser substituído por rápidas análises de precisão comparável ou, até mesmo, superior(1).

Apesar do inquestionável avanço que a análise acústica trouxe ao diagnóstico e tratamento dos problemas de voz, é importante ressaltar que medidas acústicas são complementares e não substitutas das avaliações clínicas subjetivas. Além disso, quanto mais um sinal acústico apresentar alterações qualitativas, menor será a confiabilidade destas medidas e maior a necessidade de treinamento para sua correta avaliação.

Vários estudos recentes têm sido desenvolvidos com o objetivo de aperfeiçoar as gravações e mensurações dos sinais sonoros vocais da análise acústica, que vão desde os registros de áudio de vozes, que compõe o protocolo de gravação; o tipo de gravador; o tipo de microfone; o material de fala, à normalização de parâmetros técnicos e científicos na metodologia de extração dos valores acústicos(2-4).

Na tentativa de se padronizar os tipos de sinais acústicos vocais, foi publicado um documento a partir do "Workshop On Acoustic Analysis", definindo três tipos de sinais(4):

- Tipo 1: é um sinal quase-periódico, que não apresenta alterações qualitativas no segmento a ser analisado. Vozes normais ou levemente alteradas geralmente produzem sinal acústico desse tipo.

- Tipo 2: é um sinal que apresenta alterações qualitativas no segmento a ser analisado. Este sinal permite apenas a análise visual do traçado, pois a alteração superposta não permite mensurações com confiabilidade.

- Tipo 3: é um sinal sem estrutura periódica aparente, ou seja, é um sinal aperiódico ou caótico, que não permite mensuração confiável.

A fonação envolve a vibração das pregas vocais e, a criação de um fluxo de ar pela glote e, tais aspectos não são exatamente os mesmos ciclo a ciclo, dando origem à instabilidades mecânicas e acústicas. Certos níveis de instabilidades são considerados normais, porém índices mais elevados, podem dar origem à qualidades vocais alteradas e, refletir problemas laríngeos(5).

O objetivo do presente trabalho foi o de realizar um estudo comparativo da constância de medidas acústicas de vogais prolongadas e consecutivas, ao longo de 15 emissões, de mulheres sem queixa vocal, mulheres com disfonia e nódulos vocais e de mulheres com disfonia e edema de Reinke, através dos seguintes parâmetros: frequência fundamental, jitter em porcentagem, quociente de perturbação da frequência (QPF), shimmer em dB, shimmer em porcentagem, quociente de perturbação da amplitude (QPA) e proporção harmônico-ruído (PHR), com o objetivo de avaliar o número de emissões sustentadas necessárias, para se obter dados acústicos, que correspondam às características vocais globais do indivíduo.

MÉTODOS

Participaram do estudo 50 indivíduos do sexo feminino, brasileiros, nativos da cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais. Os indivíduos foram distribuídos em três grupos, a saber: grupo controle, grupo com disfonia e nódulos vocais, e grupo com disfonia e edema de Reinke, de acordo com avaliação otorrinolaringológica prévia. Optou-se pela escolha de mulheres sem alterações vocais para obter dados na ausência de queixas vocais, mulheres com nódulos por essa ser uma lesão tipicamente feminina(6) e dependente do comportamento vocal e edema de Reinke por essa ser uma lesão dependente essencialmente do tabagismo(6).

O exame de laringe foi realizado mediante a utilização de fibra óptica rígida; utilizou-se o telescópio rígido marca NagashimaTM, modelo SFT1-70º, fonte de luz estroboscópica marca Bruel-KjaerTM, modelo TAYP 9014914; câmara marca ElmoTM, modelo CN-401E, sistema NTSC; vídeo cassete marca JVCTM super VHS, modelo HRS-6900U; monitor marca SonyTM Trinitron, modelo PVM-1343 MD; fita magnética TDKTM, e velocidade de gravação SP.

O primeiro grupo constituiu-se de 20 mulheres com idades de 18 a 28 anos, designadas como grupo controle. A faixa etária do grupo controle foi delimitada entre 18 e 40 anos, para eliminar a presença de alterações vocais decorrentes da idade(7). Tais mulheres não apresentaram queixa vocal ou alteração de voz indicada por análise perceptivo-auditiva e apresentavam sinal acústico Tipo 1(4). A avaliação laringológica realizada por meio de telelaringoestroboscopia não evidenciou qualquer tipo de alteração anatômica e/ou funcional. Foram também afastados quaisquer outros distúrbios da comunicação.

O segundo grupo constituiu-se de 20 mulheres, com faixa etária entre 19 e 47 anos, que apresentavam à avaliação telelaringoestroboscópica nódulos vocais bilaterais, definidos como um "processo inflamatório das pregas vocais, próximo à borda livre, decorrente do processo traumático pelo uso da voz"(1). Todos os indivíduos desse grupo apresentavam fenda glótica, quer fosse triangular médio-posterior ou dupla. Nunca haviam sido submetidos a tratamento fonoaudiológico e apresentavam, como queixa principal rouquidão constante. Na avaliação perceptivo-auditiva apresentavam qualidade vocal rouca ou rouca/soprosa e possuíam um sinal acústico Tipo 1(4).

O terceiro grupo constituiu-se de dez mulheres, com faixa etária entre 39 e 61 anos, que apresentavam à avaliação telelaringoestroboscópica edema de Reinke, definido como "lesão difusa na camada superficial da prega vocal, de coloração rosada, caracterizada por acúmulo de fluido, de modo irregular, em alguma região da porção membranosa ou em toda ela"(1). Também nunca haviam sido submetidas a tratamento fonoaudiológico ou otorrinolaringológico, e apresentavam, queixa de rouquidão, voz grossa e fadiga vocal constante. Na avaliação perceptivo-auditiva apresentavam qualidade vocal rouca e pitch grave e possuíam um sinal acústico Tipo 1(4).

O material de voz colhido para a análise acústica foi a emissão sustentada da vogal "é", oral, anterior, média, aberta, solicitando-se ao indivíduo que inspirasse e emitisse o referido som, por um intervalo de tempo de no mínimo de quatro segundos, numa única frequência, sem variação musical ou de intensidade, prolongada de modo habitual. A vogal foi emitida o mais naturalmente possível e, portanto, a frequência e a intensidade não foram controladas pelo avaliador. Cada indivíduo emitiu a vogal "é" 15 vezes consecutivas, com pausas respiratórias entre elas, num total de quinze amostras sustentadas para cada sujeito.

Para registro do material utilizou-se um gravador digital SonyTM, equipado com microfone profissional (Equitek E-100), condensador, estéreo, omnidirecional, com sensitividade de -20 dB. O microfone foi situado 10 cm da boca do falante e com ângulo de captação direcional de 90º. Utilizamos fita digital marca PanasonicTM e as gravações foram realizadas em ambientes silenciosos, com ruído ambiental inferior a 50 dB NPS.

A gravação original da vogal sustentada foi transferida para o PC IBMTM Aptiva E30P, processador AMD-K6-2/500 MHz, memória de 128 Mb RAM, espaço de disco de 8,4 Gb, placa de som Crystal SoundFusionTM e a onda sonora foi gravada no módulo MDVP (Multi-Dimensional Voice Program Advanced) do programa Multi-Speech Model 3700 da Kay ElemetricsTM, eliminando-se o início e o fim da emissão, por suas características irregulares.

Após a gravação da onda sonora, foram selecionadas as seguintes opções de analise acústica: frequência fundamental em Hz, jitter em porcentagem, quociente de perturbação de frequência (QPF) em porcentagem, shimmer em dB, shimmer em porcentagem, quociente de perturbação de amplitude (QPA) em porcentagem e proporção harmônico ruído (PHR) em dB.

O valor da frequência fundamental utilizado foi a média de todos os períodos da frequência extraídos. Os parâmetros que medem a perturbação da frequência a curto prazo escolhidos foram o jitter expresso em porcentagem, que é o valor da média relativa da variação da frequência em relação ao período e, o QPF expresso em porcentagem, que é a média relativa da perturbação da frequência de cinco em cinco períodos (média de cinco pontos). Os parâmetros que medem a perturbação da amplitude a curto prazo escolhidos foram, o shimmer expresso em dB, que é o valor da média relativa da variação da amplitude, em relação aos períodos; shimmer expresso em porcentagem, que é a média relativa da variabilidade da amplitude, pico a pico e, o QPA em porcentagem, que é a média relativa da variabilidade da amplitude de 11 a 11 períodos (média de 11 pontos). A medida de ruído utilizada foi o PHR, que relaciona o componente harmônico com o componente de ruído da onda acústica.

A metodologia estatística utilizada no estudo foi composta pela análise de variância (ANOVA) seguida do teste de comparações múltiplas de mínimos quadrados.

O nível de significância adotado foi de 5%, assinalando-se com um asterisco (*) os valores estatisticamente significantes.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP (Ref. CEP Nº 947/99).

RESULTADOS

No estudo observou-se que a frequência fundamental apresentou variação estatisticamente significante até a 6ª emissão, tornando-se mais aguda, no grupo controle e no grupo com disfonia e nódulo vocal. A partir daí, fica constante, não apresentando modificações estatisticamente significantes. Tal variação sugere que a média de seis emissões sustentadas deve ser obtida, para termos um valor representativo da frequência fundamental. Não foram observadas mudanças estatisticamente significantes dos valores da frequência fundamental no grupo com disfonia e edema de Reinke (Tabela 1 e Figura 1).

Os valores de jitter expresso em porcentagem, QPF em porcentagem, shimmer em dB, shimmer em porcentagem, QPA expresso em porcentagem e PHR em dB, não mostraram diferenças estatisticamente significantes ao longo das 15 emissões de vogais sustentadas, nos três grupos estudados, demonstrando que mesmo nas vozes disfônicas, há uma constância das medidas acústicas e a ausência de periodicidade ao longo destas emissões consecutivas, não é um aspecto significante, quando se lida com tais medidas (Tabelas 2 a 7).

DISCUSSÃO

A busca de pesquisadores e de clínicos da área da voz, pelo desenvolvimento e aplicação de métodos objetivos de avaliação vocal, está proporcionando importantes avanços na análise acústica, concretizando o antigo anseio científico de comparar dados visuais, auditivos e acústicos, compreendendo-se melhor a correlação entre o gesto motor e o resultado vocal.

O desenvolvimento dos laboratórios de voz mudou a rotina dos clínicos vocais que passaram a lidar com equipamentos mais velozes, com análises mais precisas e com custos relativamente mais baixos.

Antes do desenvolvimento da análise acústica, a avaliação perceptivo-auditiva era a única forma disponível de se analisar a qualidade vocal, e, embora muita crítica ainda seja feita à sua subjetividade e imprecisão terminológica, esta forma de avaliação é ainda soberana sobre a análise acústica.

Apesar da inquestionável contribuição que a análise acústica pôde trazer, ela é mais útil quando analisa vozes próximas ao padrão de normalidade. Portanto, quer a análise seja objetiva ou subjetiva, nenhuma oferece um diagnóstico do comportamento vocal definitivo, devendo tais resultados ser complementares e não excludentes(1,8).

Atualmente, as pesquisas têm se concentrado na validação de dados acústicos e padronizações de análises, objetivando modificar a subjetividade que tem sido considerada inerente à avaliação da voz humana(4,9). Com isso, a IALP (International Association for Logopedics and Phoniatrics) levantou alguns aspectos que ainda necessitam de estudo e investigação: criação de protocolos para avaliação de voz; estabelecimento de dados normativos para diferentes gêneros e idades; indicações claras para a realização de testes específicos e padronização dos procedimentos de registro e análise(10).

Além da determinação dos valores de normalidade das medidas acústicas, pesquisadores avaliaram também o grau de interferência que estas medidas sofrem, em relação ao sexo e a idade dos sujeitos. Concluíram que tanto os parâmetros de perturbação a curto prazo - jitter e shimmer , quanto os valores da frequência fundamental se diferenciam entre os sexos e idades(10,12-13), além do fato de indivíduos idosos apresentarem uma emissão mais instável, com valores acústicos consideravelmente maiores(14-15).

Optou-se, nesta pesquisa, avaliar apenas indivíduos do sexo feminino. Os nódulos vocais são lesões mais frequentes em mulheres na faixa etária dos 30 aos 40 anos de idade(1). Com relação ao edema de Reinke, parece não haver uma prevalência entre os sexos, porém as mulheres procuram mais frequentemente auxílio especializado por apresentarem, normalmente, vozes virilizadas; a faixa etária de maior incidência é após os 40 anos(1,16).

Delimitou-se a faixa etária do grupo controle entre 18 e 40 anos, para eliminar, com o limite inferior fixado, qualquer alteração de voz decorrente do período da muda vocal e, com limite superior, eliminar a presbifonia, isto é, mudança de voz devido a deterioração provocada pela idade(1). Não há diferenças estatisticamente significantes entre a idade no grupo controle e disfonia e nódulo vocal, já o grupo com disfonia e edema de Reinke apresenta uma faixa etária estatisticamente maior do que os outros dois grupos estudados.

Para a análise da constância das medidas acústicas das vogais "é" prolongadas 15 vezes consecutivamente, não houve a preocupação em realizar um outro grupo controle, contemplando a faixa etária acima dos 40 anos, pelo fato do estudo destas medidas não realizar uma comparação entre os grupos e sim, estudar a constância das medidas em cada grupo individualmente.

Pesquisas vêm demonstrando que a função fonatória pode ter modificações tanto ao longo da emissão quanto em diferentes momentos do dia e também em épocas diferentes, sugerindo a necessidade de se realizar várias gravações ao longo do dia e em dias diferentes, para se obter dados que representem a voz do indivíduo, principalmente, quando a emissão vocal do sujeito é disfônica(3,17-19).

Vários trabalhos concordam com o fato da produção vocal não ser totalmente periódica. Mesmo com a máxima atenção do indivíduo para sustentar uma emissão estável em altura e intensidade, perturbações de amplitude, velocidade e forma de onda do sinal sonoro vocal vão ocorrer. Tais perturbações podem ser decorrentes de vários aspectos, como por exemplo(20):

a) ação da musculatura laríngea, criando diferentes forças musculares e configurações laríngeas;

b) presença de muco nas pregas vocais e assimetria de suas estruturas;

c) passagem de ar pela glote durante a fonação, criando instabilidades e turbulência;

d) variações na relação fonte-filtro, durante o processo articulatório.

Portanto, certos níveis de instabilidade e a ausência de periodicidade são considerados normais, mas níveis mais elevados podem dar origem a vozes disfônicas e refletir a presença de lesões laríngeas(21).

Com isso, alguns pesquisadores objetivaram estabelecer um número de emissões de vogais sustentadas consecutivamente, sugerindo que nas vozes disfônicas a instabilidade se torna mais presente, gerando grandes variações ciclo a ciclo, sendo necessário, portanto, obter uma média de múltiplas emissões, e não o resultado acústico de uma única, avaliando a constância das medidas acústicas e obtendo consequentemente um valor médio representativo da voz do sujeito(9,12,14-15,20,22).

Apesar de esta questão ter sido amplamente discutida em diversas publicações, nenhuma regra explícita havia sido determinada(9,15,22). Posteriormente, alguns estudos sugerem um determinado número de emissões que poderiam representar, enquanto valor médio, as medidas acústicas de uma qualidade vocal disfônica. Pesquisas demonstram a validade de se obter o valor médio de cinco a 15 emissões(22), outras usaram em torno de 32 emissões em seu experimento para garantir a obtenção de dados acústicos representativos(9), enquanto outros trabalhos utilizaram dez emissões, para obter médias de valores de perturbação vocal em crianças(12), além de estudos que pesquisaram tais aspectos em grupos de indivíduos jovens e idosos, comparando os resultados, e concluindo que, na população jovem, um menor número de emissões é necessário(15).

Posteriormente, uma publicação procura definir o número de emissões necessárias para se obter uma real representação acústica da voz do paciente(20). Os autores concluem que o número de emissões necessárias para se obter uma avaliação acústica real da voz do paciente depende necessariamente do grau da disfonia e do tipo de sinal acústico analisado. De uma forma geral, os autores propõem a obtenção do valor médio de seis emissões sustentadas, para indivíduos que apresentam uma disfonia de grau leve; 15 emissões para indivíduos sem alterações vocais e mais de 15 emissões para sujeitos com disfonias de grau severo(20).

De acordo com os resultados desta pesquisa (Tabela 1), a frequência fundamental apresentou diferença estatisticamente significante até a 6ª emissão (p<0,0001), tornando-se mais aguda, nos grupos controle e com disfonia e nódulo vocal. Isso pode ser interpretado por uma maior mobilização da musculatura para uma tarefa vocal específica e repetida por inúmeras vezes, como correspondente às etapas inicias do aquecimento vocal, onde foi observado um discreto deslocamento de valores em direção às faixas mais agudas. Apesar dos efeitos do aquecimento vocal ainda não serem amplamente aceitos e conhecidos, pesquisas com cantores antes e depois do aquecimento vocal demonstram elevações na variação da frequência fundamental e diminuição no limiar de pressão fonatória (LPF) apesar de haver grandes variações individuais(23). Outro estudo, realizado com coralistas da Universidade Federal de Uberlândia, demonstrou valores de frequência fundamental pré e pós-aquecimento vocal de 174,54 Hz e 200,54 Hz, respectivamente, demonstrando a nítida variação dos valores de frequência fundamental após o aquecimento da voz(24). Encontramos também trabalhos que demonstraram os efeitos do aquecimento vocal em quatro sujeitos com disfonia e lesões laríngeas, concluindo que mesmo na presença de alterações vocais, há uma melhora na qualidade vocal global dos indivíduos, com uma tendência à elevação da intensidade e altura da voz(25). Tal aspecto não ocorreu de forma similar no grupo com disfonia e edema de Reinke. Algumas hipóteses podem ser levantadas na tentativa de esclarecer esse achado: provavelmente o próprio aumento de massa da prega vocal, decorrente do edema, gera uma emissão vocal mais grave e uma limitação na extensão fonatória(26-27), que produziu emissões mais constantes; além disso, foi sugerido que estes indivíduos poderiam apresentar uma hipotonia na musculatura cricotireóidea, pelo aumento progressivo da massa da prega vocal, limitando a produção de sons agudos, o que é observado mesmo após a remoção do edema, por cirurgia(28).

Os valores de jitter expresso em porcentagem (Tabela 2), QPF em porcentagem (Tabela 3), shimmer em dB (Tabela 4), shimmer em porcentagem (Tabela 5), QPA expresso em porcentagem (Tabela 6) e PHR em dB (Tabela 7), não mostraram diferenças estatisticamente significantes ao longo das 15 emissões de vogais sustentadas, nos três grupos estudados.

Nossos resultados diferem, contudo, de outros estudos. Acreditamos que algumas diferenças metodológicas explicam esses resultados, principalmente o fato de alguns autores apenas terem sugerido um maior número de emissões para indivíduos disfônicos, mas não terem estudado claramente o comportamento das mesmas, ao longo do tempo(9,12,14-15,22). Um outro aspecto é que separamos os indivíduos analisados em três grupos bem definidos, de acordo com a avaliação laríngea, ao invés de analisar indivíduos disfônicos em uma única categoria, independentemente do tipo de lesão que estes indivíduos apresentavam. Consideramos importante uniformizar os grupos pelo tipo de lesão apresentada na laringe, já que diferentes lesões podem causar disfonia por uma série de fatores, modificando, consequentemente, o gesto motor e fonatório de formas distintas.

Neste trabalho, todos os indivíduos participaram igualmente da extração de todos os dados acústicos estudados, e em outros estudos(20) os sujeitos foram categorizados de acordo com o tipo de sinal vocal, para cada dado acústico, portanto, alguns indivíduos participaram apenas da extração de uma única medida acústica, enquanto outros participaram da extração de todas as medidas. Optou-se pela participação dos indivíduos, separados apenas em grupos, em todas as medidas acústicas, pois isso reproduz o procedimento da rotina clínica, onde selecionamos e extraímos os dados acústicos, dependendo do tipo de paciente, da queixa, da qualidade vocal e da suspeita etiológica e não pelo comportamento do sinal sonoro em cada medida acústica.

Finalmente, devemos ainda ressaltar que os sujeitos mantiveram-se na mesma posição, durante a gravação de todas as vogais consecutivas, repetindo a produção consecutivamente, de modo habitual. Evidentemente observamos frequentes variações na qualidade vocal de pacientes disfônicos, mas essas são mais presentes na fala encadeada e de acordo com o material de fala, características de frequência, intensidade e modulação no discurso, além dos aspectos emocionais associados à situação de comunicação. Em nosso estudo, controlando o material de fala e a postura do paciente durante a emissão, as variações observadas restringiram-se somente ao deslocamento da frequência fundamental até a 6ª emissão nos grupos controle e com disfonia e nódulo vocal. É importante lembrar que, embora a avaliação acústica contribua para a compreensão da produção vocal de um indivíduo, a avaliação vocal é multidimensional; além disso, avaliamos acusticamente vogais sustentadas e nosso julgamento clínico é baseado principalmente na fala encadeada(29).

CONCLUSÕES

Das análises acústicas de 15 emissões sustentadas de mulheres sem queixa vocal, com disfonia e nódulo vocal e com disfonia e edema de Reinke, pode-se concluir que:

  1. Os valores da frequência fundamental, nas 15 emissões, apresentaram um aumento gradativo até a 6ª emissão no grupo sem queixa vocal e no grupo com disfonia e nódulo vocal;

  2. Os valores do

    jitter, QPF,

    shimmer em dB,

    shimmer em porcentagem, QPA e PHR não apresentam diferenças nas 15 emissões, nos três grupos estudados;

  3. Extrações de dados acústicos de múltiplas emissões não são necessárias, com exceção dos valores da frequência fundamental.

Recebido em: 19/3/2008;

Aceito em: 5/8/2008

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil, e apresentado como tema livre no X Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia (Belo Horizonte - MG, Brasil, 2002).

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  • Endereço para correspondência:

    Ana Cristina Côrtes Gama
    R. Santa Helena, 46/1000, Bairro Serra, Belo Horizonte - MG
    CEP 30220-240
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      05 Ago 2008
    • Recebido
      19 Mar 2008
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