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Triatoma rubrovaria (Blanchard 1843): tábua de vida das ninfas, duração das formas e oviposição das fêmeas

Triatoma rubrovaria (Blanchard 1843): life table of nymphs, duration of the forms and posture of the females

Resumos

Os autores acompanharam a evolução de 150 ovos de Triatoma rubrovaria o que permitiu a construção de uma tábua de sobrevida das ninfas. A forma alada foi atingida por 94,64% dos exemplares, sendo 79 deles machos e 65 fêmeas. O tempo médio dos alados machos foi de 115 dias e das fêmeas, 99 dias. Parte desses exemplares formaram 30 casais, mantidos isolados, o que possibilitou o levantamento da postura de cada fêmea. Outro lote, também formado por 30 machos e 30 fêmeas, foi mantido em um único cristalizador de vidro, o que permitiu constatar sua maior postura (7.832 ovos) em relação aquela das fêmeas acasaladas por único macho (5.167). O bom desenvolvimento dos exemplares no processo de evolução e de reprodução da espécie, nas condições do experimento, mostrou a boa capacidade de manutenção das colônias do Triatoma rubrovaria, em condições de laboratório.

Triatominae; Triatoma rubrovaria; Doença de Chagas; Ciclo evolutivo; Tábua de vida


The authors followed the development of 150 eggs of Triatoma rubrovaria to enable the construction of a life table for the nymphs. The winged form was reached by 94.64% of the individuals, of which 79 were males and 65 females. The mean lifetime of the males was 115 days and 99 days for the females. Part of this group was divided into 30 couples and kept separated to facilitate the count of egg laying by each female. Another lot was also formed of 30 males and 30 females but these were housed together in a glass crystallizer that allowed the observation of a larger number of eggs laid (7,832 eggs) in relationship to that of the females with only one male (total 5,167 eggs). The good development of the individuals and reproduction of the species in the experimental conditions demonstrated the capacity to maintain colonies of Triatoma rubrovaria in laboratory conditions.

Triatominae; Triatoma rubrovaria; Life table; Chagas' disease


ARTIGO ARTICLE

Triatoma rubrovaria (Blanchard 1843): tábua de vida das ninfas, duração das formas e oviposição das fêmeas

Triatoma rubrovaria (Blanchard 1843): life table of nymphs, duration of the forms and posture of the females

Vera Lúcia Cortiço Corrêa Rodrigues; Antenor Nascimento Ferraz Filho; Eduardo Olavo da Rocha e Silva

Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), Mogi Guaçu, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Drª Vera Lúcia Cortiço Corrêa Rodrigues SUCEN Rua Afonso Pessini 86 Caixa Postal 192, 13840-970 Mogi Guaçu, SP, Brasil Tel: 55 19 3861-1233 e-mail: veracorrea@dglnet.com.br

RESUMO

Os autores acompanharam a evolução de 150 ovos de Triatoma rubrovaria o que permitiu a construção de uma tábua de sobrevida das ninfas. A forma alada foi atingida por 94,64% dos exemplares, sendo 79 deles machos e 65 fêmeas. O tempo médio dos alados machos foi de 115 dias e das fêmeas, 99 dias. Parte desses exemplares formaram 30 casais, mantidos isolados, o que possibilitou o levantamento da postura de cada fêmea. Outro lote, também formado por 30 machos e 30 fêmeas, foi mantido em um único cristalizador de vidro, o que permitiu constatar sua maior postura (7.832 ovos) em relação aquela das fêmeas acasaladas por único macho (5.167). O bom desenvolvimento dos exemplares no processo de evolução e de reprodução da espécie, nas condições do experimento, mostrou a boa capacidade de manutenção das colônias do Triatoma rubrovaria, em condições de laboratório.

Palavras-chaves: Triatominae. Triatoma rubrovaria. Doença de Chagas. Ciclo evolutivo. Tábua de vida

ABSTRACT

The authors followed the development of 150 eggs of Triatoma rubrovaria to enable the construction of a life table for the nymphs. The winged form was reached by 94.64% of the individuals, of which 79 were males and 65 females. The mean lifetime of the males was 115 days and 99 days for the females. Part of this group was divided into 30 couples and kept separated to facilitate the count of egg laying by each female. Another lot was also formed of 30 males and 30 females but these were housed together in a glass crystallizer that allowed the observation of a larger number of eggs laid (7,832 eggs) in relationship to that of the females with only one male (total 5,167 eggs). The good development of the individuals and reproduction of the species in the experimental conditions demonstrated the capacity to maintain colonies of Triatoma rubrovaria in laboratory conditions.

Key-words: Triatominae. Triatoma rubrovaria. Life table. Chagas' disease.

O Triatoma rubrovaria (Blanchard, 1843) cuja área de distribuição abrange a Argentina, Uruguai e sul do Brasil8, tem como habitat natural as rachaduras, buracos e espaços vazios entre pedras existentes no campo. No Uruguai 84% dos T. rubrovaria coletados são encontrados em pedras11. Exemplares da espécie podem ser capturados também em dependências peridomiciliares bastante peculiares, tais como: cercas, muros ou paredes construídas com pedras sobrepostas e, apenas ocasionalmente, no interior de casas localizadas nas proximidades dos criadouros12. Dados obtidos pela Fundação Nacional de Saúde, no período de 1975 a 1997, indicam um aumento de invasões domiciliares e peridomiciliares do T. rubrovaria no Rio Grande do Sul. Entretanto, no período de 1980 a 1984, a espécie foi mais freqüentemente encontrada no intradomicílio do que no peridomicilio1. Mais recentemente Ruas Neto col10 observaram a extensa distribuição do T. rubrovaria, no Rio Grande do Sul, ocorrendo em todas as regiões com rochas graníticas ou areníticas. Segundo di Primio3, o T. rubrovaria se cria com certa facilidade em condições de laboratório. Perlowagora-Szumlewicz & Müller9, em trabalho realizado com a cepa Y do T. cruzi, concluíram que os exemplares da espécie se situam entre os mais indicados para utilização nos xenodiagnósticos, levando-se em conta a proporção das ninfas que se infectam e as cargas parasitárias observadas. Algumas espécies de triatomíneos, têm um curto período em seu ciclo evolutivo2. Franca-Rodrigues cols4, trabalhando em condições de temperatura e umidade controladas, obtiveram ciclos de duração ovo-alado, situados entre 310 e 1.053 dias. Entre nós, Silva13 obteve ciclos que variaram entre 185,49 e 110,17 dias, para os exemplares machos 196,84 e 116,42 para as fêmeas, criados em temperaturas de, respectivamente, 25ºC e 30ºC e umidade relativa de 75%.

Em nosso meio, as dificuldades crescentes na obtenção de boas colônias do T. infestans, necessárias à efetivação dos xenodiagnósticos de rotina, seria motivo de incentivo à procura de novas alternativas. No caso presente, buscou-se maior esclarecimento a respeito da oviposição das fêmeas e do tempo de vida das formas aladas do T. rubrovaria, para uma melhor avaliação sobre suas possibilidades de sobrevida no insetário. Deve ser ressaltado ainda, o interesse desse tipo de observação na área do ciclo evolutivo e da biologia do triatomíneo.

MATERIAL E MÉTODOS

Os autores acompanharam a evolução de 150 ovos do T. rubrovaria, ovipostos no decorrer de 15 dias, por fêmeas oriundas do Insetário da SUCEN localizado em Mogi Guaçu, estado de São Paulo e originárias de exemplares procedentes do Estado do Rio Grande do Sul. O acompanhamento foi realizado no insetário já referido e foi conduzido na forma de colônia única durante todo o transcurso da fase de ninfa, mantidos os exemplares em cristalizador de vidro (25cm de diâmetro x 10cm de altura), contendo um suporte quadriculado de papelão duro e no fundo, como forro, papel de filtro.

Na fase de imago, os exemplares foram distribuídos de modo a formar 30 duplas (1 macho e 1 fêmea), criados separadamente por casal, em caixas de plástico transparente (5,5cm de altura x 6cm de diâmetro), com um suporte de cartolina, o que possibilitou o controle da postura de cada fêmea e a alimentação (ave).

Além do acompanhamento desses casais segregados, foi possível também efetuar a observação de outro lote, com 30 exemplares alados machos e 30 fêmeas, criados esses em um único cristalizador, semelhante ao utilizado na fase ninfal. Desse modo, foi possível comparar as posturas globais, ou seja, das fêmeas mantidas em casais isolados com as fêmeas mantidas em conjunto, convivendo estas com vários machos. Durante o decorrer do experimento a alimentação oferecida foi, repasto semanal em ave (galos). A temperatura ambiente oscilou entre a máxima de 30ºC e a mínima de 20ºC e a umidade relativa foi mantida em torno de 80%. Os ovos e a seguir os exemplares, tanto ninfas como alados, foram observados dia a dia, para anotações de ocorrência das diferentes ecdises, postura das fêmeas e morte de cada exemplar.

Os resultados alcançados estão sendo apresentados na forma de tábua de vida, para as ninfas e em tempo de vida, por exemplar, no caso dos casais criados em separado. Quanto à postura das fêmeas, registrou-se a postura diária de cada exemplar acasalado por um único macho, bem como, a postura global daquelas criadas em conjunto, possibilitando ao final do trabalho comparação das respectivas posturas.

RESULTADOS

Na Tabela 1, podemos observar que das ninfas criadas individualmente, 144 chegaram a fase alada sendo 79 machos e 65 fêmeas e que a razão entre os sexos foi de 1: 0,82.

O tempo de vida das formas aladas foi diferente para cada sexo (Tabela 2). Para os machos, a duração mínima foi de 4 dias e a maior longevidade de 203 dias, com uma média de 115,37 dias e desvio-padrão de 56,96. Para as fêmeas, a duração mínima foi de 5 dias e a longevidade máxima de 227 dias, com uma média de 99,6 e desvio padrão de 65,4 por, aproximadamente, oito meses.

A Tabela 3 apresenta informações relativas à postura de cada fêmea. Os dados fazem referência à postura de 24 das 30 fêmeas mantidas em companhia de um único adulto macho. As 6 fêmeas restantes não foram consideradas, devido à morte prematura de um dos componentes do casal. Nos demais casos, foram efetuados os levantamentos diários dos números de ovos, posteriormente, separados em férteis e não férteis. Ao final da postura, devido à morte da fêmea, foram levantados os totais de ovos e a postura média de cada exemplar. Vale salientar os seguintes dados: a maior postura total foi de 552 ovos (fêmea, do casal 4): a postura máxima alcançada em um único dia foi de 14 ovos (fêmea, do casal 6): a postura-dia (média) foi de 1,87 ovos; a postura total (média) de 24 fêmeas, acasaladas cada uma com um único macho, foi de 215,29 ovos e finalmente o percentual de ovos férteis foi de 50,4%.

Em trabalho publicado em 1985, Silva14 verificou que em temperatura de 25ºC a postura-dia (média) foi de 5,41 e o número médio de ovos férteis por fêmea foi de 51,6%, com a temperatura de 30ºC e a postura média por dia foi de 6 e o número médio de ovos férteis por fêmea foi de 66,6%. Com as formas aladas excedentes, foi possível formar outro lote de 30 casais, mantidos esses livres e juntos em um cristalizador. Ao proceder dessa forma, foram criadas condições para o estabelecimento de contato das fêmeas com mais de um adulto macho, o que sem dúvida repercutiu na postura, como pode ser apreciado pela leitura da Tabela 4.

DISCUSSÃO

As diferenças observadas nos métodos de criação dos triatomíneos impediram qualquer tentativa de comparação dos resultados alcançados,com aqueles obtidos por outros2 4 13 14.

Não obstante, no caso presente, eles se mostraram bastante satisfatórios, uma vez que eclodiram 99,3% dos ovos do T. rubrovaria disponíveis, a média de postura-dia de 1,87 ovos foi menor do que a encontrada por Silva14 para a mesma espécie em temperatura de 25ºC que foi de 5,4. Nas condições de temperatura e umidade relativa utilizadas em nosso experimento, observamos que número médio de ovos férteis por fêmea (50,4%) foi semelhante ao encontrado por Silva14 (51,6%) em temperatura de 25ºC. Silva14 observou ainda que o efeito da temperatura, acelera o processo embrionário em T. rubrovaria, dados iguais foram também encontrados por Juarez6 para T. infestans e Juarez e Silva7 para Triatoma sordida. Em nosso experimento a postura e o número de ovos férteis das fêmeas mantidas em colônia foi maior do que a dos casais acondicionados em frascos isolados. O ciclo de vida das ninfas mantidas isoladas foi de aproximadamente oito meses. Juarez6 notou que o Triatoma arthurneivai Lent & Martins, 1940, desenvolveu-se mais rapidamente quando criados em conjunto e que os machos também têm um ciclo evolutivo menor que as fêmeas nesta condição6.

Estudos sobre a viabilidade da colonização dos triatomíneos, em condições de laboratório são de interesse, mormente quando escasseiam exemplares do T. infestans, como vem acontecendo em nosso meio. O fato de que 96,6% das ninfas atingiram a fase de imago, sendo 79 alados machos e 65 alados fêmeas, propiciando uma razão de sexo 1:0,82 uma vez mais constatou a facilidade do T. rubrovaria em iniciar colônias no insetário. Nas condições do experimento, ficou evidenciada também a boa capacidade de reprodução da espécie, fator relevante na manutenção das colônias, particularmente quando sujeitas a retiradas periódicas de exemplares. Essas constatações e os resultados sobre a infectividade da espécie pelo T. cruzi, permitem alternativas para uso nos xenodiagnósticos9.

Além da identificação de uma espécie que poderá servir de alternativa na substituição de T. infestans nos xenodiagnósticos, o trabalho apresenta também algumas informações sobre a biologia do T. rubrovaria.

A isso adicione-se o fato da espécie em algumas regiões do sul do país (Rio Grande do Sul), devido a eliminação do T. infestans, poder assumir importância na transmissão domiciliar da doença de Chagas,

AGRADECIMENTO

Agradeço aos funcionários Pedro Ribeiro da Silva e Vera Lúcia Braga Tonietti, pelo suporte técnico.

Recebido para publicação em 30/3/2004

Aceito em 3/3/2005

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  • Endereço para correspondência

    Drª Vera Lúcia Cortiço Corrêa Rodrigues
    SUCEN
    Rua Afonso Pessini 86
    Caixa Postal 192, 13840-970 Mogi Guaçu, SP, Brasil
    Tel: 55 19 3861-1233
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Maio 2005

    Histórico

    • Aceito
      03 Mar 2005
    • Recebido
      30 Mar 2004
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