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Bacteremias por Staphylococcus coagulase negativos oxacilina resistentes em um hospital escola na cidade de Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul

Oxacillin-resistant coagulase-negative Staphylococci bacteremia at a teaching hospital in Santa Maria, State of Rio Grande do Sul, Brazil

Resumos

INTRODUÇÃO: Neste estudo, objetivou-se caracterizar a prevalência e o perfil de suscetibilidade de cepas de Staphylococcus coagulase negatives resistentes à oxacilina isoladas de culturas de sangue, em um hospital escola, localizado na Cidade de Santa Maria. Além disso, buscou-se comparar ao teste genotípico de referência, diferentes metodologias fenotípicas para a caracterização da resistência mediada pelo gene mecA. MÉTODOS: Após identificação (MicroScan® - Siemens), os isolados foram submetidos a testes de sensibilidade antimicrobiana a partir da difusão do disco e automação (MicroScan® - Siemens). A presença do gene mecA foi evidenciada através da técnica molecular de reação em cadeia da polimerase. RESULTADOS: A espécie prevalente foi Staphylococcus epidermidis (67%). O gene mecA foi detectado em 90% das cepas e conforme análise dos perfis de sensibilidade, observou-se um índice elevado de resistência a várias classes de antimicrobianos. Contudo, todos os isolados mostraram-se uniformemente sensíveis à vancomicina e tigeciclina. O disco de cefoxitina foi a metodologia fenotípica que melhor correlacionou-se com o padrão ouro. CONCLUSÕES: A análise da significância clínica de SCN isolados de hemoculturas e a detecção precisa da resistência à oxacilina representam fatores decisivos para a instituição correta da antibioticoterapia. Apesar da vancomicina constituir o tratamento usual na maioria dos hospitais brasileiros, tem a redução de seu emprego recomendada.

Bacteremia; Infecção hospitalar; Staphylococcus coagulase negativos; Gene mecA; Cefoxitina


INTRODUCTION: This study aimed to characterize the prevalence and susceptibility profile to oxacillin-resistant Coagulase-negative Staphylococci strains isolated from blood cultures in a teaching hospital, located in Santa Maria, RS. In addition, different methodologies for phenotypic characterization of mecA-mediated oxacillin resistance were compared with genotypic reference testing. METHODS: After identification (MicroScan® - Siemens), the isolates were tested for antimicrobial sensitivity using disk diffusion and automation (MicroScan® - Siemens). The presence of mecA gene was identified by the polymerase chain reaction molecular technique. RESULTS: The most common species was Staphylococcus epidermidis (n=40, 67%). The mecA gene was detected in 54 (90%) strains, while analysis of the sensitivity profiles revealed a high rate of resistance to multiple classes of antimicrobial drugs. However, all isolates were uniformly sensitive to vancomycin and tigecycline. The cefoxitin disk was the phenotypic method that best correlated with the gold standard. CONCLUSIONS: Analysis of the clinical significance of CoNS isolated from hemocultures and the precise detection of oxacillin resistance represent decisive factors for the correct choice of antibiotic therapy. Although vancomycin constitutes the normal treatment in most Brazilian hospitals, reduction in its use is recommended.

Bacteremia; Nosocomial infection; Coagulase-negative staphylococci; mecA gene; Cefoxitin


ARTIGO ARTICLE

Bacteremias por Staphylococcus coagulase negativos oxacilina resistentes em um hospital escola na cidade de Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul

Oxacillin-resistant coagulase-negative Staphylococci bacteremia at a teaching hospital in Santa Maria, State of Rio Grande do Sul, Brazil

Fabiane RigattiI; Maísa Kraulich TizottiI; Rosmari HörnerII; Vanessa Oliveira DominguesIII; Rosiéli MartiniI; Letícia Eichstaedt MayerI; Fábio Teixeira KhunIV; Chirles Araújo de FrançaV; Mateus Matiuzzi da CostaV

ICurso de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

IIDepartamento de Análises Clínicas e Toxicológicas, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

IIIFarmacêutica Bioquímica, Santa Maria, RS

IVCurso de Farmácia, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

VCurso de Pós-Graduação em Ciência Animal, Universidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina, PE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Profª Rosmari Hörner Lab Bacteriologia/DACT/UFSM Prédio 26, sala 1201, Campus da UFSM 97015-900 Santa Maria, RS Telefax: 55 55 3220-8751 e-mail: rosmari.ufsm@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Neste estudo, objetivou-se caracterizar a prevalência e o perfil de suscetibilidade de cepas de Staphylococcus coagulase negatives resistentes à oxacilina isoladas de culturas de sangue, em um hospital escola, localizado na Cidade de Santa Maria. Além disso, buscou-se comparar ao teste genotípico de referência, diferentes metodologias fenotípicas para a caracterização da resistência mediada pelo gene mecA.

MÉTODOS: Após identificação (MicroScan® - Siemens), os isolados foram submetidos a testes de sensibilidade antimicrobiana a partir da difusão do disco e automação (MicroScan® - Siemens). A presença do gene mecA foi evidenciada através da técnica molecular de reação em cadeia da polimerase.

RESULTADOS: A espécie prevalente foi Staphylococcus epidermidis (67%). O gene mecA foi detectado em 90% das cepas e conforme análise dos perfis de sensibilidade, observou-se um índice elevado de resistência a várias classes de antimicrobianos. Contudo, todos os isolados mostraram-se uniformemente sensíveis à vancomicina e tigeciclina. O disco de cefoxitina foi a metodologia fenotípica que melhor correlacionou-se com o padrão ouro.

CONCLUSÕES: A análise da significância clínica de SCN isolados de hemoculturas e a detecção precisa da resistência à oxacilina representam fatores decisivos para a instituição correta da antibioticoterapia. Apesar da vancomicina constituir o tratamento usual na maioria dos hospitais brasileiros, tem a redução de seu emprego recomendada.

Palavras-chaves: Bacteremia. Infecção hospitalar. Staphylococcus coagulase negativos. Gene mecA. Cefoxitina.

ABSTRACT

INTRODUCTION: This study aimed to characterize the prevalence and susceptibility profile to oxacillin-resistant Coagulase-negative Staphylococci strains isolated from blood cultures in a teaching hospital, located in Santa Maria, RS. In addition, different methodologies for phenotypic characterization of mecA-mediated oxacillin resistance were compared with genotypic reference testing.

METHODS: After identification (MicroScan® - Siemens), the isolates were tested for antimicrobial sensitivity using disk diffusion and automation (MicroScan® - Siemens). The presence of mecA gene was identified by the polymerase chain reaction molecular technique.

RESULTS: The most common species was Staphylococcus epidermidis (n=40, 67%). The mecA gene was detected in 54 (90%) strains, while analysis of the sensitivity profiles revealed a high rate of resistance to multiple classes of antimicrobial drugs. However, all isolates were uniformly sensitive to vancomycin and tigecycline. The cefoxitin disk was the phenotypic method that best correlated with the gold standard.

CONCLUSIONS: Analysis of the clinical significance of CoNS isolated from hemocultures and the precise detection of oxacillin resistance represent decisive factors for the correct choice of antibiotic therapy. Although vancomycin constitutes the normal treatment in most Brazilian hospitals, reduction in its use is recommended.

Key-words: Bacteremia. Nosocomial infection. Coagulase-negative staphylococci. mecA gene. Cefoxitin.

INTRODUÇÃO

As infecções da corrente sanguínea (ICS) estão entre as mais frequentes no ambiente hospitalar e representam uma grave complicação em pacientes críticos1, neonatos e imunocomprometidos2-4, estando associadas a elevadas taxas de mortalidade e prolongamento do tempo de hospitalização1-3.

Durante as décadas de 60 e 70, microrganismos gram-negativos foram mais frequentemente isolados de pacientes com ICS. Desde então, devido ao incremento no uso de dispositivos médicos invasivos e maior número de pacientes imunodeprimidos hospitalizados, os cocos gram-positivos, especialmente os Staphylococcus coagulase negativos (SCN), têm emergido como um dos principais agentes etiológicos destas infecções3,5.

No entanto, os SCN também constituem um dos contaminantes mais comuns em hemoculturas. Por este motivo, torna-se necessária a utilização de diferentes critérios clínicos e laboratoriais a fim de distinguir contaminação de bacteremias clinicamente significativas1,6,7.

De acordo com dados americanos, os SCN são responsáveis por 20,2% das ICS8. Já no Brasil, este percentual varia entre 10% e 20%, sendo que 70% a 90% dos isolados apresentam resistência à oxacilina9,10. Esta resistência está relacionada à presença do gene cromossômico mecA, o qual codifica a produção de proteínas ligadoras de penicilina (PBP) alteradas, denominadas PBP2a ou PBP2', com baixa afinidade por antibióticos β-lactâmicos4,11.

Nos últimos anos, o aumento substancial nos índices de resistência à oxacilina em SCN, tem gerado maior preocupação acerca de diagnósticos laboratoriais precisos, visto que são fundamentais para orientar a terapêutica e promover o uso racional de antimicrobianos glicopeptídeos12.

Em decorrência disso, diferentes metodologias fenotípicas têm sido empregadas para caracterizar a resistência à oxacilina em SCN. Contudo, a emergência de cepas com resistência heterogênea dificulta a interpretação dos testes de difusão do disco na rotina laboratorial9,13,14.

A partir de 2004, o Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) passou a recomendar o uso do disco de cefoxitina (30μg) em conjunto com o disco de oxacilina (1μg) para a detecção da resistência à oxacilina mediada pelo gene mecA. Em 2009, o CLSI excluiu o disco de oxacilina na previsão da resistência dos SCN frente aos agentes β-lactâmicos15.

A detecção do gene mecA por métodos moleculares é considerada gold standard para avaliação qualitativa da resistência à oxacilina. No entanto, estes métodos ainda encontram-se pouco difundidos na rotina diagnóstica9,16.

O objetivo deste estudo foi avaliar as bacteremias e os perfis de sensibilidade de SCN isolados nas hemoculturas de pacientes admitidos no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), durante o período de janeiro de 2008 a janeiro de 2009. Além disso, buscou-se comparar metodologias fenotípicas com o teste genotípico de referência na detecção da resistência à oxacilina mediada pelo gene mecA.

MÉTODOS

Isolamento e identificação

Durante o período de janeiro de 2008 a janeiro de 2009, foram selecionadas, de forma consecutiva, 60 amostras de SCN isolados de hemoculturas efetuadas no sistema automatizado Bactec 9240® (Becton Dickinson, Sparks, MD), de pacientes atendidos no HUSM. A identificação dessas cepas foi realizada utilizando-se o sistema automatizado MicroScan® (Siemens). Na sequência, as cepas foram estocadas a -20°C em caldo simples com 15% de glicerol.

Critérios de inclusão

Foram selecionadas as cepas provenientes de hemoculturas monomicrobianas e que apresentavam resistência à oxacilina em pelo menos um dos testes fenotípicos realizados previamente (automação e/ou difusão do disco).

Significância clínica dos isolados

A análise foi efetuada com base nos prontuários médicos dos pacientes. Foram avaliadas variáveis como: aspectos clínicos, doenças de base, resultados de testes laboratoriais, terapia antimicrobiana empregada, tempo de internação e fatores de risco relacionados à ICS (imunossupressão e uso de dispositivos médicos invasivos).

Testes de sensibilidade

Os isolados foram testados para suscetibilidade à oxacilina, eritromicina, ciprofloxacina, clindamicina, rifampicina, levofloxacina, gentamicina, cefoxitina e sulfametoxazol/trimetoprima pelo método de difusão do disco em ágar Mueller Hinton (Himedia) de acordo com o CLSI 200915. Apesar do disco de oxacilina não ser mais recomendado para previsão da resistência à oxacilina desde 2009, incluímos neste estudo com o objetivo de comparar o seu desempenho com o disco de cefoxitina. A suscetibilidade ao novo antimicrobiano tigeciclina também foi avaliada na técnica de difusão do disco. Porém, ainda não há critérios interpretativos definidos pelo CLSI e, portanto, foram considerados os valores aprovados pelo U. S. Food and Drug Administration (FDA)17. Testes de sensibilidade utilizando automação MicroScan® (Siemens) também foram efetuados. Nesta análise, não foram avaliadas cefoxitina e tigeciclina, mas incluiu-se o antimicrobiano vancomicina. Microdiluição em caldo para vancomicina, conforme documento M7-A6- NCCLS/CLSI 2003, também foi realizada.

Detecção do gene mecA. Extração do DNA

Foi efetuada através de aquecimento com posterior choque térmico, onde o DNA foi mantido em banho de gelo por 4min18. Em seguida, procedeu-se a centrifugação do material, retirando o sobrenadante, que foi armazenado a -20°C até o momento da análise.

Reação em cadeia da polimerase

Realizada para detectar o gene mecA, utilizando a metodologia previamente descrita por Kearns e cols19. Empregou-se o seguinte par de primers: SA-1 (5' CGG TAA CAT TGA TCG CAA CGT TCA 3') e SA-2 (5' CTT TGG AAC GAT GCC TAA TCT CAT 3') (Ludwig Biotec®).Todas as reações foram realizadas com dois microlitros do DNA e 48l do mix, o qual continha 15pmol dos iniciadores, 200M dos desoxirribonucleotídeos (Ludwig Biotec®), Tampão de Taq 1x (Ludwig Biotec®) e 5U de TaqDNA polimerase (Ludwig Biotec®).

Avaliação do padrão dos amplicons de DNA

O produto amplificado de cada reação foi submetido à eletroforese em gel de agarose 2% (Pronadisa®) com brometo de etídio (0,5g/mL) durante uma hora e visualizado em UV (312nm) com auxílio de transiluminador Fusion - FX7 - 7026 - WL/LC/26MX (Vilber Lourmat®). O resultado positivo para a presença do gene mecA foi evidenciado através da amplificação do fragmento com 214 pares de base. O que foi confirmado pelo controle positivo e pelo marcador de peso molecular.

Microrganismo controle

A cepa de S. aureus ATCC 43330 foi utilizada como controle.

Ética

O presente estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob número 0117.0.243.000-08.

RESULTADOS

Durante o período de janeiro de 2008 a janeiro de 2009, foram solicitadas, aproximadamente, 4.379 hemoculturas ao Laboratório de Análises Clínicas (LAC) do HUSM. Deste total, 625 (14%) foram positivas e destas, 124 (19,8%) resultaram em isolados de SCN. Para a elaboração deste estudo, foram selecionadas 60 cepas de SCN resistentes à oxacilina (60 de 124/48,4%).

Dentre as 60 cepas selecionadas, a espécie prevalente foi o S. epidermidis (40 de 60/67%). As demais foram identificadas como S. haemolyticus (12 de 60/20%), SCN (7 de 60/11%) e S. hominis subs. novobiosepticus (1 de 60/2%).

Os setores hospitalares nos quais houve a prevalência das cepas selecionadas foram os centros de terapia intensiva (CTIs) adulto (15 de 60/25%) e neonatal (12 de 60/20%), seguidos pelo Centro de transplante de medula óssea (CTMO) (5 de 60/8%) e centro de tratamento de criança com câncer (CTCRIAC) (5 de 60/8%), totalizando 61% dos isolados.

A avaliação da significância clínica pôde ser efetuada para 38 cepas (38 de 60/63,3%). Já para 22 cepas, houve dificuldades na realização desta análise devido a dados clínicos insuficientes. Dessa forma, verificou-se que grande parte dos isolados avaliados foi responsável por bacteremia verdadeira (30 de 38/78,9%) e que somente oito mostraram-se contaminantes (8 de 38/21,1%).

De acordo com a sensibilidade a agentes antimicrobianos, efetuada pelo método de difusão do disco (Tabela 1), as cepas de SCN apresentaram resistência significativa a várias classes de antimicrobianos. As maiores sensibilidades obtidas foram frente aos antimicrobianos rifampicina (43 de 60/72%) e tigeciclina (60 de 60/100%). Além disso, foram identificados sete perfis de sensibilidade antimicrobiana prevalentes. Aqueles que não se enquadraram entre os perfis prevalentes mostraram-se bastante distintos entre si e por este motivo foram agrupados como outros (Tabela 2).

O método automatizado MicroScan® (Siemens) também evidenciou um índice elevado de resistência entre os SCN selecionados (Tabela 3).

Em relação ao antimicrobiano vancomicina, todas as cepas mostraram-se uniformemente sensíveis, apresentando CIM < 2μg/ml a partir da automação e da microdiluição em caldo.

Na Tabela 4, estão relacionados os resultados referentes aos testes fenotípicos para caracterização da resistência à oxacilina, bem como os resultados do teste genotípico de referência (detecção do gene mecA). Na difusão do disco, (54 de 60/90%) dos SCN foram resistentes à oxacilina e (57 de 60/95%) foram resistentes à cefoxitina. O gene mecA foi detectado em (54 de 60/90%) das amostras testadas.

Através da análise estatística dos resultados, obteve-se sensibilidade de 92% para o disco de oxacilina e de 96% para a cefoxitina, quando comparados ao teste genotípico de referência.

DISCUSSÃO

Neste estudo, as cepas de SCN prevalentes foram S. epidermidis (40 de 60/67%) e S. haemolyticus (12 de 60/20%). Estas duas espécies têm sido relatadas em estudos nacionais e internacionais como as mais frequentes entre os SCN isolados de infecções nosocomiais1,9,20-23.

Do ponto de vista epidemiológico, o S. epidermidis tem desenvolvido estratégias interessantes para conquistar o ambiente hospitalar e se transformar em um patógeno notório. Destaca-se a sua capacidade de colonizar a superfície inerte de dispositivos médicos invasivos, formando biofilmes de difícil tratamento, bem como, o carreamento de diferentes elementos genéticos móveis, os quais são responsáveis pela resistência à oxacilina24.

O S. haemolyticus também desempenha um papel considerável em infecções oportunistas relacionadas a dispositivos médicos implantados. Contudo, para esta espécie, as bases moleculares da formação do biofilme ainda não foram totalmente elucidadas. Os níveis elevados de resistência aos antimicrobianos, incluindo a heterorresistência aos glicopeptídeos, compreendem características importantes, que tornam infecções por S. haemolyticus uma ameaça grave20,25.

Em nosso estudo, sete isolados de SCN (7 de 60/20%) não foram identificados satisfatoriamente em nível de espécie pelo sistema automatizado. Apesar das vantagens oferecidas por este sistema, tais como, logística no fluxo de trabalho e rapidez no fornecimento de resultados, ele pode apresentar limitações na identificação e determinação da suscetibilidade de alguns patógenos26.

Devido à emergência de infecções nosocomiais associadas a SCN, a identificação das cepas em nível de espécie torna-se um fator importante, a fim de definir o seu significado clínico e realizar estudos epidemiológicos adequados26.

O percentual de significância clínica dos nossos isolados foi superior ao descrito na literatura1. Todavia, deve-se considerar que os critérios de inclusão utilizados podem ter influenciado este resultado, já que o seu emprego dificultou a inclusão de um maior número de cepas, possivelmente contaminantes.

As cepas de SCN selecionadas para este estudo foram provenientes, principalmente, de pacientes admitidos em unidades críticas (CTIs adulto e neonatal) e unidades hematológicas (CTMO e CTCRIAC). Dessa forma, os dados obtidos neste estudo estão de acordo com relatos da literatura, nos quais a prevalência de SCN foi observada em hemoculturas de pacientes internados em CTIs1, recém-nascidos, imunocomprometidos4,27 e transplantados de medula óssea3.

Nestes setores hospitalares, grande parte das ICS está relacionada a procedimentos invasivos, uso de cateteres e imunosupressão28. Além disso, uma característica relevante das cepas provenientes desses locais é a taxa expressiva de resistência à oxacilina, o que dificulta o tratamento, conduzindo ao emprego de múltiplos antimicrobianos e pressão seletiva28.

Nossos isolados apresentaram um índice considerável de resistência a diferentes antimicrobianos (Tabelas 1, 2 e 3). Algumas variações entre os resultados obtidos a partir do método convencional (Tabela 1) e do automatizado (Tabela 3) foram encontradas. A maior sensibilidade à clindamicina, sulfametoxazol/trimetoprima e levofloxacina, evidenciada na automação, poderá conduzir a erros maiores, visto que há possibilidade das cepas apresentarem falsa sensibilidade. Com os antimicrobianos gentamicina e oxacilina, os resultados da difusão do disco poderão direcionar a erros maiores.

Conforme exposto na Tabela 2 (difusão do disco), as cepas com perfis I e V caracterizaram-se pela resistência a maioria dos antimicrobianos testados, apresentando sensibilidade apenas à tigeciclina. O perfil V diferiu do perfil I, devido apresentar resistência intermediária à levofloxacina. Já as cepas com perfil II mostraram-se sensíveis à tigeciclina e rifampicina, assemelhando-se às cepas com perfil VI, nas quais houve resistência intermediária à gentamicina. Os perfis III e IV apresentaram maior sensibilidade que os anteriormente citados, sendo as cepas sensíveis à tigeciclina, rifampicina, clindamicina, ciprofloxacino e levofloxacino.

Adicionalmente, verificamos que as cepas que apresentaram estes sete perfis de sensibilidade prevalentes, foram provenientes, principalmente, de pacientes internados nas UTIs. Esta é uma característica importante das cepas de origem hospitalar, corroborando que em unidades críticas, há maior multirresistência28,29.

A partir do método genotípico, verificou-se que 54 (54 de 60/90%) das cepas carreavam o gene mecA e que em 6 (6 de 60/10%) ele estava ausente. Já na difusão do disco, o gene mecA foi detectado com 96% e 92% de sensibilidade, utilizando os discos de cefoxitina (30μg) e oxacilina (1μg), respectivamente (Tabela 4). Este dado é compatível com o descrito em outros estudos9,30-32 nos quais o disco de cefoxitina também apresentou maior correlação com o padrão ouro.

Analisando os índices de resistência à oxacilina obtidos através da automação e do disco de cefoxitina pôde-se constatar a ocorrência de superestimação, em relação ao encontrado no padrão ouro. A resistência à oxacilina sem a presença do gene mecA pode ser devida a hiperprodução de penicilinase ou por modificação nas proteínas de ligação da penicilina (PBP 1, 2 e 4)14.

Em relação à sensibilidade aos glicopeptídeos, todos os isolados mostraram-se sensíveis à vancomicina. Contudo, relatos de cepas de SCN e S. aureus apresentando suscetibilidade reduzida à vancomicina em diversos países, incluindo o Brasil, têm gerado dilemas terapêuticos na prática clínica33.

Nos últimos anos, novas opções terapêuticas surgiram como alternativa à vancomicina. Daptomicina e quinupristina/dalfopristina foram aprovadas recentemente pelo FDA para o tratamento de bacteremias ocasionadas por cocos gram-positivos multirresistentes. Tigeciclina, oritavancina, linezolida e ceftobiprole, também fazem parte deste novo arsenal terapêutico; porém, ainda não foram aprovados para o tratamento de infecções da corrente sanguínea34.

Neste contexto, salienta-se que a análise da significância clínica de SCN isolados de hemoculturas, bem como, a detecção precisa da resistência à oxacilina, representam fatores decisivos para evitar uma maior taxa de mortalidade entre os pacientes que apresentam bacteriemia. A vancomicina continua sendo o tratamento de escolha para infecções graves associadas a SCN oxacilina resistentes neste hospital terciário. Entretanto, devido ao surgimento de cepas de Enterococcus spp vancomicina resistentes (EVR) e Staphylococcus spp com suscetibilidade reduzida à vancomicina, a redução do uso deste antimicrobiano têm sido recomendada. Sendo assim, sugere-se que novas opções terapêuticas sejam utilizadas a fim de resguardar este glicopeptídeo.

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver nenhum tipo de conflito de interesse no desenvolvimento do estudo.

Recebido para publicação em 30/06/2010

Aceito em 01/09/2010

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  • Endereço para correspondência:
    Profª Rosmari Hörner
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      01 Set 2010
    • Recebido
      30 Jun 2010
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