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Nota sobre o uso de bio-sensores "Maria" nas ações de vigilância entomológica contra a doença de Chagas ao norte de Minas Gerais

About the use of "Maria" bio-sensors in the activities of epidemiological surveillance against Chagas' disease in the north of Minas Gerais State

Resumos

Oitocentos e sessenta e seis bio-sensores para a detecção passiva de triatomíneos foram ensaiados em intradomicílios de treze municípios de área endêmica de Triatoma sordida (Norte de Minas Gerais, Brasil), espécie que é hoje a mais freqüentemente detectável no Brasil, especialmente naquela Região. Examinados os sensores a cada três meses, por quatro vezes em uma subárea de sete municípios (seiscentos e quarenta e dois sensores, com positividade máxima de 0,5%) e por duas nos outros seis municípios (duzentos e vinte e quatro sensores, com positividade máxima de 2,7%), os resultados foram, significativamente inferiores à rotina de busca direta hora-homem feita nos mesmos municípios, inclusive para as taxas de infestação intradomiciliar. Em que pese a simplicidade e boa aceitação dos sensores pela população, os mesmos não se mostraram adequados à pesquisa triatomínica na região em apreço, tanto em termos de efetividade quanto de custo-benefício.

Doença de Chagas; Controle; Bio-sensores


Eight hundred and sixty six bio-sensors for the passive detection of triatomine bugs, were tried in intra-domiciles of thirteen municipalities of an endemic area of Triatoma sordida in the North of Minas Gerais State, Brazil. This species is nowadays the most captured in Brazil and mainly in the above region. The sensors were examined every three months, corresponding to four times in the first seven municipalities (six hundred and forty two sensors, with a maximum positivity of 0.5%) and two times in the other six (two hundred and twenty two sensors, with a maximum positivity of 2.7%), showing results significantly inferior in comparison with the routine man- hour research performed in the same municipalities, including in terms of intra-domestic infestation index. Despite the simplicity and good acceptance of the sensors by the population they were demonstrated to be inadequate for triatomine research under the conditions of this trial, in terms of efficacy and cost-benefit.

Chagas' disease; Control; Bio-sensors


ARTIGO ARTICLE

Nota sobre o uso de bio-sensores "Maria" nas ações de vigilância entomológica contra a doença de Chagas ao norte de Minas Gerais

About the use of "Maria" bio-sensors in the activities of epidemiological surveillance against Chagas' disease in the north of Minas Gerais State

João Carlos Pinto DiasI; Edvá de Paula VieiraII; Hélio TadashiII; Bernardino Vaz de Mello AzeredoIII

ICentro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, Belo Horizonte, MG

IISetor Técnico da Fundação Nacional de Saúde de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

IIIGerência de Doença de Chagas da Secretaria de Estado da Saúde, Belo Horizonte, MG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. João Carlos Pinto Dias Centro de Pesquisas René Rachou/FIOCRUZ Av. Augusto de Lima 1715 30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: jcpdias@cpqrr.fiocruz.br

RESUMO

Oitocentos e sessenta e seis bio-sensores para a detecção passiva de triatomíneos foram ensaiados em intradomicílios de treze municípios de área endêmica de Triatoma sordida (Norte de Minas Gerais, Brasil), espécie que é hoje a mais freqüentemente detectável no Brasil, especialmente naquela Região. Examinados os sensores a cada três meses, por quatro vezes em uma subárea de sete municípios (seiscentos e quarenta e dois sensores, com positividade máxima de 0,5%) e por duas nos outros seis municípios (duzentos e vinte e quatro sensores, com positividade máxima de 2,7%), os resultados foram, significativamente inferiores à rotina de busca direta hora-homem feita nos mesmos municípios, inclusive para as taxas de infestação intradomiciliar. Em que pese a simplicidade e boa aceitação dos sensores pela população, os mesmos não se mostraram adequados à pesquisa triatomínica na região em apreço, tanto em termos de efetividade quanto de custo-benefício.

Palavras-chaves: Doença de Chagas. Controle. Bio-sensores.

ABSTRACT

Eight hundred and sixty six bio-sensors for the passive detection of triatomine bugs, were tried in intra-domiciles of thirteen municipalities of an endemic area of Triatoma sordida in the North of Minas Gerais State, Brazil. This species is nowadays the most captured in Brazil and mainly in the above region. The sensors were examined every three months, corresponding to four times in the first seven municipalities (six hundred and forty two sensors, with a maximum positivity of 0.5%) and two times in the other six (two hundred and twenty two sensors, with a maximum positivity of 2.7%), showing results significantly inferior in comparison with the routine man- hour research performed in the same municipalities, including in terms of intra-domestic infestation index. Despite the simplicity and good acceptance of the sensors by the population they were demonstrated to be inadequate for triatomine research under the conditions of this trial, in terms of efficacy and cost-benefit.

Key-words: Chagas' disease. Control. Bio-sensors.

No contexto da luta contra a doença de Chagas, particularmente no Brasil, um dos desafios do presente momento corresponde à detecção e eliminação de focos residuais ou adventícios de triatomíneos na etapa de vigilância epidemiológica, mormente quando em jogo baixas densidades do inseto9 10 15 37. Em tal situação, que abarca a maior parte da área endêmica do país, a captura desses vetores pela metodologia que a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) empregava para a fase de ataque (busca ativa direta por agentes federais) é onerosa e lenta, preferindo-se a estratégia de detecção passiva pela própria população, mediante participação comunitária estimulada por contínua educação sanitária6 27 32 34. Entre as possibilidades de detecção continuada de focos, há tempos foi muito estimulado pelo TDR/OMS o uso de bio-sensores para triatomíneos no ambiente domiciliar, desenvolvidos na década de 1960, na Venezuela ("caixa de Gómez-Nuñez" ), e nos anos 1980 na Argentina (com o nome de "bio-sensores Maria)17 21 31 35. Colocadas em pontos estratégicos do intradomicílio, estas caixas oferecem abrigo a eventuais triatomíneos ali arribados ou existentes, que nelas se escondem e mesmo nidificam, facilitando sua detecção e captura por agentes de saúde e pela comunidade31 35.

A experiência maior com estes bio-sensores tem ocorrido na Argentina, no trabalho de consolidação do controle do Triatoma infestans, cujos focos são ali primordialmente intradomiciliares4 31. Pequeno ensaio para a mesma espécie com método semelhante, já fora realizado no Brasil por Forattini, Garcia Zapata, e Pinchin cols, seguindo o trabalho pioneiro de Gómez Nuñes, no controle de Rhodnius prolixus na Venezuela, em 196513 15 17 18 25.

Objetivando ampliar a efetividade das ações de vigilância entomológica no controle da doença de Chagas no Brasil, ao final dos anos 1990 testou-se em alguns municípios do norte de Minas Gerais o bio-sensor "Maria" de procedência argentina, gentilmente cedido pela Dra Elza L. Segura, então diretora do Instituto Malbrán, de Buenos Aires, a quem agradecemos.

MATERIAL E MÉTODOS

A área do ensaio correspondeu a treze municípios do Norte de Minas Gerais, em fase de consolidação da eliminação de T. infestans, no âmbito da "Iniciativa do Cone Sul"10 11 37. Nesta região, as ações de profilaxia anti vetorial da Fundação Nacional de Saúde se intensificaram na segunda metade dos anos de 1990, logrando-se a certificação desta eliminação no Estado por comissão externa da OPS/OMS, em 20017 11. Por razões administrativas, estabeleceram-se duas subáreas, para acompanhamento dos bio-sensores por duas diferentes equipes de agentes de saúde: um grupo de sete municípios mais ao norte da macro-região (Icaraí de Minas, Itacarambi, Manga, Januária, Miravânia, São Francisco e Montalvânia), aqui denominado "subárea A", e um grupo de seis municípios a nor-nordeste (Fruta de Leite, Gameleira, Riacho dos Machados, Rio Pardo de Minas, São João da Ponte e Varzelândia), denominado "subárea B". São municípios pobres e pequenos, com histórico recente de T. infestans, típicos do "Norte de Minas" e que se encontravam sob ações intensificadas de controle na época (1997-98), sendo submetidos a pesquisa triatomínica integral (visita e busca ativa por agentes da FUNASA em todas as unidades domiciliares existentes) pela metodologia tradicional do órgão8 14 33.

Os bio-sensores utilizados foram os de modelo "Maria", desenvolvidos na Argentina a partir da "caixa de Gomez-Nuñes" 18 35. Correspondem a caixas simples de papelão, na medida aproximada de 30 x 40 x 7cm, com fundo falso e interior revestido por papelão fino sanfonado, com orifícios de passagem, muito adequadas como abrigo de triatomíneos4 24 31 35. Sobre a tampa externa são coladas figuras coloridas de vários motivos, com objetivos estéticos e de aceitação pelos moradores35. Face ao limitado número de bio-sensores disponíveis (novecentos) e ao total de unidades domiciliares existentes nos treze municípios (78.442), optou-se por sortear para cada município, em quadrantes opostos, 2,5% das localidades existentes, com captura anterior de T. infestans, para nestas colocar os bio-sensores em casas aleatoriamente selecionadas.

Foi estimado um total de 300 casas com bio-sensores, sendo 225 casas na subárea A, com 675 bio-sensores e 75 casas na subárea B (menos povoada, perfazendo 225 caixas), à razão geral de 3 bio-sensores por casa. Programaram-se três bio-sensores por casa, ou seja, um por quarto de dormir (colocando-se um na sala quando havia somente dois quartos na habitação), à meia altura da parede, conforme a experiência argentina4 35. Não foram colocados bio-sensores em anexos peridomiciliares.

A colocação e revisão periódica das caixas foi feita por pessoal da FUNASA engajado no programa de doença de Chagas e devidamente capacitado ao uso desta ferramenta, programando-se uma revisão de todos os bio-sensores a cada três meses, durante um ano. Na subárea "A" foram efetivamente instalados 642 bio-sensores e na "B" 224, conforme os critérios acima. Os triatomíneos detectados foram encaminhados para identificação no Laboratório Regional de Entomologia da FUNASA, então instalado no seu Distrito Sanitário de Montes Claros.

Outros artrópodes coletados foram apenas rotulados por seu grupo genérico pelos inspetores encarregados, que anotaram todo o movimento das revisões em planilha própria baseada nos modelos correntes da FUNASA14. A priori, convencionou-se não levar em conta eventuais vestígios representados por fezes depositadas no interior dos bio-sensores, para evitar problemas de especificidade neste ensaio, apenas registrando-se triatomíneos (exemplares vivos ou mortos), exúvias e ovos. Por razões de extrema limitação de pessoal, na subárea "B" ocorreram apenas duas revisões. Por estas mesmas razões, o cotejo direto da eficácia dos bio-sensores com o método tradicional de pesquisa hora-homem não pôde ser realizado concomitantemente nas casas selecionadas, como se pretendia, optando-se por fazer uma comparação genérica dos dados obtidos pelos bio-sensores com aqueles do trabalho da normal da FUNASA, na mesma macro-região e em cada município, na mesma época.

Não foram utilizados produtos desalojantes na pesquisa homem/hora deste trabalho. Por razões éticas e técnicas, todas as unidades domiciliares encontradas positivas para triatomíneos foram expurgadas com piretróide, conforme a rotina da FUNASA7 14 .

RESULTADOS

Dos 642 bio-sensores efetivamente instalados na subárea "A", ao fim da observação de doze meses houve perda ou danificação de 14%, dado não levantado na área "B". Estas perdas deveram-se basicamente à falta de cuidados por parte da população, geralmente retirando as caixas e deixando-as no meio ambiente.

De modo geral, o poder de detecção de triatomíneos pelos bio-sensores na área estudada foi muito discreto e aleatório, observando-se pouca sensibilidade com relação aos indicadores tradicionais. Assim, por comparação genérica com os dados de 1997-1998 para 35 municípios da macro-região, as taxas máximas de dispersão (localidades positivas/localidades examinadas x 100) detectadas pelos bio-sensores foram de 13,04%, na subárea "A", e de 38,46%, na "B" (tabelas 1 e 2), contra a taxa geral para toda a macro-região de 57,02%, pela metodologia usual de busca homem-hora.

A variação desta taxa em doze Municípios deste estudo oscilou entre 48,2 e 100% (tabelas 3 e 4). Já as taxas de infestação (casas positivas/casas examinadas x 100) detectadas pelos bio-sensores variaram de 0,0 a 1,3% na subárea "A" e de 6,6 a 7% na "B", contra a taxa regional de 14,1% pela metodologia tradicional. Nas duas subáreas investigadas, as taxas mínimas e máximas de infestação intra e peridomiciliar foram respectivamente 0, 7 a 13% e de 2,2 a 41,1% (Tabelas 3 e 4). Já os índices de captura (densidade relativa = Nº de triatomíneos capturados/Nº de casas examinadas) foram respectivamente de 0,03 para o acumulado dos bio-sensores e 0,38 para as capturas manuais de rotina.

Os resultados mais discriminados dos bio-sensores por sub-região " A" e "B" encontram-se respectivamente nas tabelas 1 e 2, notando-se que apenas duas espécies de triatomíneos foram detectadas pelas caixas, correspondendo a quinze espécimes de Triatoma sordida (todos adultos (nove fêmeas) e um de T. pseudomaculata (adulto macho). No presente trabalho não foram detectados ovos, ninfas ou exúvias nos bio-sensores, o que sugere não-colonização dos mesmos nesta experiência. Dejeções de triatomíneos não foram propositadamente contabilizadas, face à inexperiência dos agentes revisores em diferenciá-las das de outros artrópodes. Quanto a estes, foram positivas entre 10 e 15% das caixas, anotando-se principalmente espécimes de baratas e aranhas seguidos de grilos e lagartas. No levantamento da rotina macro-regional do mesmo período, para 106.813 unidades domiciliares trabalhadas, capturaram-se 40.893 triatomíneos, em imensa maioria no âmbito peridomiciliar (91,6%), correspondendo 92% ao Triatoma sordida, 5,6% ao Panstrongylus megistus e 0,7% ao Triatoma infestans, restando 1,6% de outras espécies (T. pseudomaculata, T. arthurneivai, T. vitticeps, Rhodnius neglectus, P. diasi e P. geniculatus).

Observa-se que foram apenas detectados raríssimos focos residuais de T. infestans, à época, em quatro dos doze municípios deste trabalho, correspondendo a cinco exemplares pela pesquisa rotineira11 . Quanto ao custo estimado para os sete municípios aqui investigados na subárea "A" (quatro revisões de sensores), ao preço genérico de US$1.50 por sensor e de US$5.00 por unidade domiciliar visitada, o custo final de uma revisão sairia por ano a US$5,598.00, sendo de US$1,098.00 o custo dos sensores (acréscimo de 14% para reposição de sensores danificados) e US$4,500.00 as quatro visitas realizadas (seriam US$2,223.00 para uma revisão única).

Já em termos do tempo de inspeção, indubitavelmente os sensores levam vantagem, demandando menos de quinze minutos por casa visitada (incluindo conversação), contra a hora exigida na visita rotineira. Esta diferença, consequentemente, influirá no rendimento final da equipe de trabalho, pois na rotina vigente de inspeção para a realidade atual de Minas Gerais o rendimento oscila entre quatro e seis unidades/homem/dia, podendo esta média subir pelo menos 30 ou 40% no trabalho de revisão dos sensores.

Sobre a aceitação e a operacionalidade dos bio-sensores, de modo geral foram boas segundo os agentes da FUNASA e a população entrevistada a respeito, apenas sendo algo problemática a fixação das caixas às paredes da casa, o que demandou com freqüência o uso de pregos. Segundo vários relatos de supervisão, a população aceitou bem os bio-sensores, que por suas figuras externas e seu aspecto agradável foram freqüentemente incorporados também como enfeites, pelos moradores. Não foram especificamente avaliadas as perdas de sensores, informando os agentes de saúde que, aparentemente, de modo geral foram retiradas por crianças e/ou despegaram-se das paredes durante limpeza das mesmas.

DISCUSSÃO

Em áreas chagásicas sob ação de controle químico adequado e continuado, é regra a imediata e progressiva redução dos triatomíneos domiciliados, fato observado desde o trabalho pioneiro de Emmanuel Dias e conforme a experiência acumulada até hoje3 5 15 16 29 32 33 36 . Cabe, a seguir, permanente vigilância epidemiológica para controle de focos residuais e/ou adventícios5 6 20 32. Embora possível, é onerosa e lenta a vigilância exercida em regime verticalizado, por equipes governamentais de saúde, sendo preferível em nosso país uma ação horizontalizada, de nível municipal, baseada em ampla participação comunitária6 15 16 27 33.

Em paralelo, a questão da baixa densidade triatomínica soe diminuir bastante a sensibilidade dos métodos de busca ativa, tipo "hora-homem", sendo altamente desejável a disponibilidade de técnicas e métodos de detecção mais simples, sensível e barata2 9 10 23 26 28 22 .

Armadilhas têm sido experimentadas neste sentido, como as luminosas e aquelas que empregam atrativos vivos, e os chamados bio-sensores passivos para detecção de triatomíneos e/ou seus vestígios, como a caixa de Gómez-Nuñes, o sensor "Maria" e os calendários de Marsden, ensaiados desde os anos 19708 17 16 18 20 22 27 32 35.

De modo geral a eficácia destes instrumentos tem se mostrado relativamente discreta, em alguns trabalhos do Brasil e do Chile13 22 23, assim como no Paraguai (A Rojas de Arias: comunicação pessoal, 1999). Não obstante, nos últimos lustros, estes sensores tiveram largo emprego e difusão na Argentina, com estímulo do TDR e adoção pelo Programa Nacional contra a doença de Chagas, chegando se à produção industrial em 19924 21 31.

Maior entusiasmo sobre a ferramenta parece ter ocorrido ao início dos 1990, seguindo-se arrefecimento e menor uso em anos posteriores. Chamam particularmente atenção as menções a respeito feitas por dois recentes comitês de especialistas convocados pelo TDR/OMS sobre o controle da doença de Chagas, com intervalo de 11 anos (1989 e 2000): no primeiro, há indicação genérica do uso de sensores (pág. 52), o que não ocorre no segundo, que mais bem volta a enfatizar a necessidade de investigação e desenvolvimento de novas ferramentas para a detecção de triatomíneos em situações de baixa densidade (pág. 90)36 37.

No Brasil, campo do interesse imediato do presente trabalho, o panorama epidemiológico da doença de Chagas tem evoluído e caminhado progressivamente para algumas situações pontuais no que toca à situação vetorial6 7 19 27 33 34: a) redução drástica da infestação triatomínica intradomiciliar, raramente ultrapassando no País a média de 3% dos focos detectados; b) Redução em geral da densidade triatomínico-tripanosômica domiciliar nas áreas regularmente trabalhadas; c) predomínio absoluto de focos residuais e adventícios no âmbito peridomiciliar, mormente à custa de espécies secundárias e ubiquistas, e, d) virtual eliminação do T. infestans, remanescendo esta espécie em poucos focos residuais de baixa densidade em apenas dois Estados da Federação. Em termos de custo, apropriado o preço dos sensores utilizados no presente trabalho e sua revisão (US$4,500.00, vide acima), esta estratégia resulta muito mais cara que US$1,125.00 calculados para uma visita anual tipo homem-hora, conforme estimativas clássicas no Brasil e Argentina1 2 23 30 .

A ver pelos resultados acima, em que pesem algumas limitações metodológicas e operacionais, não parece restar dúvida que os bio-sensores "Maria" não mostraram a efetividade (por baixa sensibilidade) que deles se poderia esperar no presente ensaio, indicada por qualquer dos parâmetros classicamente utilizados7 33. Isto também fora observado por Garcia-Zapata e colaboradores em área de resíduo de T. sordida, em Goiás, após a eliminação de Triatoma infestans15 16. No caso do presente trabalho, também não foi detectada a colonização dos sensores por T. sordida, também corroborando observações anteriores no Brasil que se mostraram claramente menos sensíveis em detectar a infestação das vivendas na região que a pesquisa direta por agentes17 20 24 25.

Tendo atingido um grau de controle de triatomíneos intradomiciliados de boa qualidade, os desafios básicos ao programa de controle vetorial se voltam ao tripé peridomicílio, baixas densidades e espécies ubiquistas e secundárias, como T. sordida, T. brasiliensis, T. pseudomaculata3 5 6 9 12 15 19 26. Os ditos sensores efetivamente não se adaptam ao âmbito peridomiciliar, face à múltiplas variedades de ecótopos existentes e à clara perspectiva de sua rápida deterioração quando expostos ao tempo4 6 26 27 35. Além disto, também sua sensibilidade no intradomicílio mostrou-se menos efetiva que a metodologia de busca ativa direta, nas condições do presente ensaio. Outrossim, não há disponibilidade de informações da experiência argentina para espécies como o T. sordida e para situações peridomiciliares, que caracterizam as áreas aqui estudadas4 35, efetivamente não sendo comparáveis as duas realidades.

No presente ensaio, representativo de grande parte da área endêmica brasileira, o comportamento da espécie principal (T. sordida) mostra-se muito constante, com invasões esporádicas do intradomicílio (onde os sensores atuam) e baixa capacidade de colonização dos mesmos12 15 19 26 29. Para o Brasil, evidencia-se hoje a progressiva e adiantada fase de redução do T. infestans e de outras espécies intradomiciliares, restando em todas as áreas endêmicas os focos secundários e peridomiciliares de baixa densidade, sendo mais capturadas aquelas ubiquistas como T. sordida, T. brasiliensis, T. pseudomaculata, T. rubrovaria, T. vitticeps, P. megistus, R. neglectus e R. nasutus9 19 34. Com respeito à eficiência, apesar da extrema simplicidade do uso dos sensores e de seu maior rendimento em termos de casas revisadas/homem/dia, ainda se mostrou mais vantajosa a metodologia rotineira (especialmente a atual, descentralizada), conforme os valores apropriados em vários trabalhos1 2 26 30.

Todos estes fatos, agregados a experiências como a presente, não indicam o emprego rotineiro de bio-sensores como o "Maria" nas atividades atuais de rotina de controle triatomínico, no Brasil, especialmente quando a maioria absoluta dos focos residuais de triatomíneos se encontra no peridomicílio6 8 34 . Resta lembrar que, em situação de vigilância, são fundamentais a educação sanitária e a participação comunitária, para que a população detecte diretamente eventuais triatomíneos e para manter a higiene da habitação e seus anexos, assim como para preservar instrumentos de detecção3 6 16 35. Concluindo, o presente ensaio ratifica trabalhos anteriores , igualmente numa área de Triatoma infestans (eliminado) e T. sordida (remanescente), mostrando a pouca eficiência dos sensores empregados, neste tipo de situação16 20 22.

Recebido para publicação em 26/2/2004

Aceito em 18/6/2005

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  • Endereço para correspondência
    Dr. João Carlos Pinto Dias
    Centro de Pesquisas René Rachou/FIOCRUZ
    Av. Augusto de Lima 1715
    30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2005

    Histórico

    • Aceito
      18 Jun 2005
    • Recebido
      26 Fev 2004
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