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Amiloidose e insuficiência renal crônica terminal associada à hanseníase

Amyloidosis and end-stage renal disease associated with leprosy

Resumos

O envolvimento renal na hanseníase é diverso, incluindo glomerulonefrites, amiloidose e nefrite túbulo-intersticial. Um homem de 58 anos foi admitido com edema de membros inferiores e dispnéia. Na admissão, havia retenção de escórias nitrogenadas, anemia, hipercalemia e acidose metabólica, com necessidade de hemodiálise. Referia história de hanseníase virchoviana. Foi realizada biopsia renal, compatível com amiloidose. O paciente evoluiu estável, sem recuperação da função renal, permanecendo em tratamento hemodialítico. A hanseníase deve ser investigada em todo paciente com perda de função renal, sobretudo naqueles que apresentam lesões cutâneas ou outras manifestações sugestivas de hanseníase.

Hanseníase; Insuficiência renal crônica; Amiloidose


Renal involvement in leprosy includes glomerulonephritis, amyloidosis and tubulointerstitial nephritis. A 58-year-old man was admitted with complaints of lower limb edema and dyspnea. At admission, nitrogen retention, anemia, hyperkalemia and metabolic acidosis were observed, requiring hemodialysis. The patient had a history of lepromatous leprosy. A renal biopsy was performed that was compatible with amyloidosis. The patient had a stable outcome, but without renal function recovery and remained on regular hemodialysis. Leprosy should be investigated in every patient with renal function loss, particularly in those with cutaneous lesions or other manifestations suggestive of leprosy.

Leprosy; End-stage renal disease; Amyloidosis


RELATO DE CASO CASE REPORT

Amiloidose e insuficiência renal crônica terminal associada à hanseníase

Amyloidosis and end-stage renal disease associated with leprosy

Geraldo Bezerra da Silva JúniorI; Orivaldo Alves BarbosaI,II; Roseanne de Moura BarrosII; Priscila dos Reis CarvalhoII; Talita Rodrigues de MendozaII; Dulce Maria Sousa BarretoII; Célio Araújo BarbozaII; Antônio Augusto Carvalho GuimarãesII; Elizabeth de Francesco DaherI,II

IDepartamento de Medicina Clínica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE

IIServiço de Nefrologia, Hospital Geral de Fortaleza, Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, Fortaleza, CE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Elizabeth De Francesco Daher Rua Vicente Linhares 1198 60135-270 Fortaleza, CE Tel: 55 85 3224-9725; Fax : 55 85 3261-3777 e-mail: ef.daher@uol.com.br; geraldobezerrajr@yahoo.com.br

RESUMO

O envolvimento renal na hanseníase é diverso, incluindo glomerulonefrites, amiloidose e nefrite túbulo-intersticial. Um homem de 58 anos foi admitido com edema de membros inferiores e dispnéia. Na admissão, havia retenção de escórias nitrogenadas, anemia, hipercalemia e acidose metabólica, com necessidade de hemodiálise. Referia história de hanseníase virchoviana. Foi realizada biopsia renal, compatível com amiloidose. O paciente evoluiu estável, sem recuperação da função renal, permanecendo em tratamento hemodialítico. A hanseníase deve ser investigada em todo paciente com perda de função renal, sobretudo naqueles que apresentam lesões cutâneas ou outras manifestações sugestivas de hanseníase.

Palavras-Chaves: Hanseníase. Insuficiência renal crônica. Amiloidose.

ABSTRACT

Renal involvement in leprosy includes glomerulonephritis, amyloidosis and tubulointerstitial nephritis. A 58-year-old man was admitted with complaints of lower limb edema and dyspnea. At admission, nitrogen retention, anemia, hyperkalemia and metabolic acidosis were observed, requiring hemodialysis. The patient had a history of lepromatous leprosy. A renal biopsy was performed that was compatible with amyloidosis. The patient had a stable outcome, but without renal function recovery and remained on regular hemodialysis. Leprosy should be investigated in every patient with renal function loss, particularly in those with cutaneous lesions or other manifestations suggestive of leprosy.

Key-words: Leprosy. End-stage renal disease. Amyloidosis.

INTRODUÇÃO

A hanseníase é uma doença granulomatosa crônica causada pelo Mycobacterium leprae, parasita intracitoplasmático de macrófagos de alta infectividade. As manifestações clínicas são predominantemente cutâneas, como lesões hipoanestésicas, e neurológicas, como espessamento nervoso e neuropatia periférica1. O Brasil é o segundo país com o maior número de casos, sendo a hanseníase um importante problema de saúde pública em nosso meio1,2. A prevalência da hanseníase no mundo é de aproximadamente 0,4 milhões de pessoas no mundo todo, sendo atualmente um problema de Saúde Pública e uma das doenças tropicais negligenciadas3.

O envolvimento renal na hanseníase é extremamente diverso, variando desde glomerulonefrite, amiloidose AA e nefrite túbulo-intersticial aguda a alterações de concentração urinária2,4.

Após consentimento esclarecido, relatamos o caso de um paciente que desenvolveu insuficiência renal crônica terminal secundária à amiloidose associada à hanseníase.

RELATO DO CASO

Paciente de 58 anos, sexo masculino, procurou auxílio médico com queixa de edema de membros inferiores, dispnéia progressiva, ortopnéia e dispnéia paroxística noturna, sem febre, tosse ou dor de início há duas semanas. Foi admitido no Hospital Geral de Fortaleza para investigação diagnóstica e tratamento. No hospital, foi evidenciada retenção de escórias nitrogenadas, anemia, hipercalemia e acidose metabólica (Tabela 1), evoluindo com necessidade de hemodiálise intermitente.

Paciente referia história patológica pregressa de hanseníase virchoviana há 25 anos, tendo sido feito tratamento irregular. Não soube referir episódios de eritema nodoso hansênico ou outras complicações. Ao exame físico, constatavam-se sequelas (mãos em garra e desvio ulnar dos dedos), espessamento de nervo ulnar e amputação total de membro inferior esquerdo e parcial de membro inferior direito secundário a mal perfurante plantar.

Foi realizada biópsia renal, que foi compatível com amiloidose, provavelmente secundária à hanseníase. A imagem da microscopia óptica pode ser vista na Figura 1. Foi feita coloração com vermelho congo, analisada sob luz polarizada, que foi positiva, sendo compatível com amiloidose AA. O paciente evoluiu estável, porém sem recuperação da função renal, permanecendo em tratamento hemodialítico três vezes por semana.


DISCUSSÃO

A incidência de glomerulonefrite na hanseníase é variável, chegando a acometer 11% dos pacientes em estudos de autopsia, sendo mais frequentes em pacientes portadores de hanseníase em sua forma virchoviana e pacientes que sofreram de eritema nodoso hansênico5,6. Em estudo recente realizado em Uberaba, Minas Gerais, observou-se que a maioria dos casos de hanseníase ocorridos entre 2000 e 2006 era multibacilar (87%)7, demonstrando que a maior parte dos casos apresenta risco elevado de acometimento renal.

A forma mais comum de acometimento é a lesão proliferativa mesangial, responsável por 37,5% dos casos em algumas séries, seguido por GNDA (17,8%) e glomerulonefrite membranosa (17,8%). Menos frequentemente são encontradas lesões focal e segmentar ou crescênticas. Os estudos de imunofluorescência demonstraram principalmente depósitos granulares de IgG, IgM e C3 e, menos frequentemente, de IgA e fibrina, encontrados na região mesangial e/ou ao longo das paredes capilares glomerulares2,8,9. Em estudo recente, foi identificada progressão de glomerulonefrite proliferativa difusa para glomerulonefrite crescêntica em um paciente jovem com hanseníase multibacilar na Índia, com melhora da função renal após uso de corticóide endovenoso8.

Clinicamente, esses pacientes apresentam hematúria, proteinúria, síndrome nefrítica, síndrome nefrótica ou injúria renal aguda, podendo evoluir para cronicidade e rins em estado terminal2.

O paciente em questão apresentava hematúria e proteinúria associada a rim em estado terminal com lesões compatíveis com amiloidose na biópsia renal. Estudo anterior realizado por nosso grupo de pesquisa encontrou alterações urinárias em todas as formas de hanseníase entre 461 casos analisados, incluindo proteinúria (7,8% dos casos), hematúria (13%) e leucocitúria (16,4%). Proteinúria em níveis nefróticos foi encontrada em 0,8% dos casos2. Neste mesmo estudo, injúria renal aguda foi observada em 8,6% dos casos, mostrando que muitos pacientes com alterações urinárias não apresentam perda de função renal. Em estudo prospectivo recente, com 59 pacientes portadores de hanseníase, foi observada taxa de filtração glomerular < 80mL/min/1,73m2 em 50% dos casos4.

Insuficiência renal crônica (IRC) associada à hanseníase não é comum, sendo uma das principais causas a amiloidose10. A progressão da amiloidose para IRC está bem estabelecida e sua incidência na hanseníase varia de 2 a 55%9. O paciente relatado aqui apresentava história de hanseníase, não tendo feito tratamento adequado, desenvolvendo importantes sequelas, incluindo amiloidose renal, desenvolvendo perda irreversível da função renal. Em estudo retrospectivo realizado na Itália, entre 1980 e 2003, foram encontrados oito pacientes com IRC secundária à hanseníase, que não é endêmica naquele país10. As primeiras manifestações da doença renal observadas foram proteinúria não-nefrótica e perda progressiva da função renal. Foram realizadas biópsias renais em três casos, sendo encontrada amiloidose renal em 2 casos e nefrite intersticial no outro10.

Em resumo, ilustramos um caso de IRC terminal secundária à amiloidose relacionada à hanseníase. A hanseníase é uma doença de alta prevalência em nosso meio, que deve ser investigada em todo paciente com perda de função renal, sobretudo naqueles que apresentam lesões cutâneas ou outras manifestações sugestivas de hanseníase.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à equipe de médicos, enfermeiros e estudantes do Hospital Geral de Fortaleza, pelo excelente seguimento dado ao paciente.

SUPORTE FINANCEIRO

CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)

REFERÊNCIAS

1. Araújo MG. Hanseníase. Rev Soc Bras Med Trop 2003; 36:373-382.

2. Silva Júnior GB, Daher EF. Renal involvement in leprosy: retrospective analysis of 461 cases in Brazil. Braz J Infect Dis 2006; 10:107-112.

3. Lindoso JAL, Lindoso AABP. Neglected tropical diseases in Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo 2009; 51:247-253.

4. Oliveira RA, Silva Junior GB, Souza CJ, Vieira EF, Mota RMS, Martins AMC, et al. Evaluation of renal function in leprosy: a study of 59 consecutive patients. Nephrol Dial Transplant 2008; 23:256-262.

5. Mitsuda K, Ogawa M. A study of 150 autopsies on cases of Leprosy. Int J Lepr 1937; 5:53-60.

6. Kean B, Childress ME. A summary of 103 autopsies on Leprosy patients on the Isthmus of Panama. Int J Lepr 1942; 10:51-59.

7. Miranzi SSC, Pereira LHM, Nunes AA. Perfil epidemiológico da hanseníase em um município brasileiro, no período de 2000 a 2006. Rev Soc Bras Med Trop 2010; 43:62-67.

8. Sharma A, Gupta R, Khaira A, Gupta A, Tiwari SC, Dinda AK. Renal involvement in leprosy: report of progression from diffuse proliferative to crescentic glomerulonephritis. Clin Exp nephrol. Epub ahead of print; 2009.

9. Ahsan N, Wheeler DE, Palmer BF. Leprosy-associated renal disease: case report and review of the literature. J Am Soc Nephrol 1995; 5:1546-1552.

10. Lomonte C, Chiarulli G, Cazzato F, et al. End-stage renal disease in leprosy. J Nephrol 2004; 17:302-305.

Recebido para publicação em 01/02/2010

Aceito em 07/05/2010

  • 1. Araújo MG. Hanseníase. Rev Soc Bras Med Trop 2003; 36:373-382.
  • 2. Silva Júnior GB, Daher EF. Renal involvement in leprosy: retrospective analysis of 461 cases in Brazil. Braz J Infect Dis 2006; 10:107-112.
  • 3. Lindoso JAL, Lindoso AABP. Neglected tropical diseases in Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo 2009; 51:247-253.
  • 4. Oliveira RA, Silva Junior GB, Souza CJ, Vieira EF, Mota RMS, Martins AMC, et al. Evaluation of renal function in leprosy: a study of 59 consecutive patients. Nephrol Dial Transplant 2008; 23:256-262.
  • 5. Mitsuda K, Ogawa M. A study of 150 autopsies on cases of Leprosy. Int J Lepr 1937; 5:53-60.
  • 6. Kean B, Childress ME. A summary of 103 autopsies on Leprosy patients on the Isthmus of Panama. Int J Lepr 1942; 10:51-59.
  • 7. Miranzi SSC, Pereira LHM, Nunes AA. Perfil epidemiológico da hanseníase em um município brasileiro, no período de 2000 a 2006. Rev Soc Bras Med Trop 2010; 43:62-67.
  • 9. Ahsan N, Wheeler DE, Palmer BF. Leprosy-associated renal disease: case report and review of the literature. J Am Soc Nephrol 1995; 5:1546-1552.
  • 10. Lomonte C, Chiarulli G, Cazzato F, et al. End-stage renal disease in leprosy. J Nephrol 2004; 17:302-305.
  • Endereço para correspondência:
    Dra. Elizabeth De Francesco Daher
    Rua Vicente Linhares 1198
    60135-270 Fortaleza, CE
    Tel: 55 85 3224-9725; Fax : 55 85 3261-3777
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Recebido
      01 Fev 2010
    • Aceito
      07 Maio 2010
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