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Efeitos combinados dos movimentos de moradia sobre os programas habitacionais autogestionários

Resumo

O artigo discute os efeitos políticos dos movimentos sociais sobre a política pública, a partir do caso da União Nacional por Moradia Popular (UNMP). Para essa análise, mobilizamos a literatura anglo-saxônica que tem se dedicado ao estudo dos resultados dos movimentos, com ênfase sobre o modelo dos efeitos combinados (joint-effect model). A UNMP tem impactado a política pública no que concerne aos programas habitacionais autogestionários, a partir de uma combinação entre capacidade de mobilização e a presença de aliados em posições institucionais de poder. Na compreensão sobre como essas variáveis se combinam na produção resultados, destacamos dois fatores explicativos: o compartilhamento de projetos e a múltipla filiação.

PALAVRAS-CHAVE:
resultado dos movimentos sociais; autogestão; política habitacional; políticas públicas; movimentos sociais

Abstract

The article discusses the political effects of the National Union for Popular Housing (UNMP, in Portuguese) on public policy. For this analysis, we mobilize the Anglo-Saxon literature that has been devoted to the study the results of social movements, especially the literature on the model of the joint-effect model. The UNMP has impacted the self-managed housing programs through a combination of mobilizations capacity and the presence of institutional allies in positions of power. To understanding how these variables are combined to produce results, we highlight two explanatory factors: projects sharing and multiple membership

KEYWORDS:
result of social movements; self-management; housing policy; public policies; social movements

I. Introdução* * A primeira versão deste texto foi apresentada no IX Encontro da ABCP, em 2014, agradecemos os sugestões dos debatedores e do público presente. Agradecemos também a leitura e os comentários de Karin Blikstad, Evaniza Rodrigues, Rosangela Paz, Benedito Barbosa, Luciana Lago e Caio Santo Amore. Aos pareceristas da Revista de Sociologia e Política agradecemos as pertinentes sugestões para a revisão da versão final do texto.

O interesse na análise dos movimentos sociais está em sua capacidade de provocar mudança. Não deixa, portanto, de ser intrigante o baixo investimento da literatura internacional no tema das consequências da ação dos movimentos. Essa afirmação está na já influente revisão da literatura feita por Giugni (1998)Giugni, M., 1998. Was It Worth the Effort? The outcomes and consequences of social movements. Annual Review of Sociology, 24, pp.371-393. DOI: 10.1146/annurev.soc.24.1.371
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, na qual o autor destaca os imensos desafios metodológicos dessa área de estudos, tais como os problemas referentes à atribuição causal, os efeitos não pretendidos ou indesejados e os efeitos de longo prazo. Há ainda dificuldades relativas ao alcance das pesquisas que se encontram ainda muito concentradas no contexto americano, com pouco esforço de comparação entre movimentos de diferentes setores e entre movimentos semelhantes em diferentes contextos nacionais.

Um dos avanços na agenda de pesquisa sobre resultados dos movimentos tem sido a distinção entre os domínios de resultados: político, cultural e biográfico (Bosi & Uba 2009Bosi, L. & Uba, K., 2009. Introduction: The outcomes of social movements. Mobilization, 14(4), pp.409-415. DOI:10.1093/OBO/9780199756223-0037.
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). O domínio biográfico refere-se às mudanças nas trajetórias e estilos de vida dos ativistas como resultado de sua participação no movimento. O domínio cultural, mais difícil de ser estudado, refere-se aos impactos dos movimentos sobre os valores e visões de mundo na sociedade, no sentido da produção de novos códigos. Já os resultados políticos, nos quais se concentram a maioria dos estudos, referem-se às mudanças nas políticas públicas, legislação, política partidária, instituições ou regimes políticos (idem)1 1 No domínio político, os estudos também discutem os impactos do exercício da influência política sobre os padrões de atuação e de apoio das organizações de movimentos sociais. . A distinção dos domínios dos resultados torna claro que os movimentos atuam numa diversidade de frentes e que o sucesso em uma dessas frentes não significa sucesso na outra (Gupta 2009Gupta, D., 2009. The Power of Incremental Outcomes: How victories and defeats affect social movement organizations. Mobilization, 14(4), pp.417-432.). Neste artigo, vamos abordar os resultados políticos dos movimentos sobre a política pública, conscientes de que esse é apenas um dos domínios nos quais os movimentos podem provocar mudanças sociais significativas.

O estágio do conhecimento nesse campo tem convergido no reconhecimento de duas dimensões relevantes que afetam os resultados dos movimentos no domínio político: a infraestrutura de mobilização dos movimentos (organização e repertório) e o contexto (a estrutura de oportunidade política). A combinação entre essas duas dimensões deu origem a três modelos explicativos: o modelo dos efeitos diretos; o modelo dos efeitos indiretos e o modelo dos efeitos combinados (joint-effect model).

Seguindo as trilhas abertas pela literatura anglo-saxônica, em particular o joint-effect model, buscamos refletir sobre os resultados de uma organização do movimento de moradia, a União Nacional por Moradia Popular (doravante UNMP) sobre a política de habitação para população de baixa renda no Brasil. Escolhemos a UNMP2 2 Atuando no plano nacional, além da UNMP, existem ainda outras quatro organizações articuladoras: Central de Movimentos Populares (CMP), Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). por tratar-se de uma organização de luta pela moradia que ao longo de quase três décadas tem tido como objetivo expresso influenciar a produção da política habitacional a partir de uma proposta alternativa de produção de moradia: a autogestão com financiamento público. Outros movimentos na área de habitação não chegaram a construir propostas de políticas públicas tão concretas, e este é um caso em que o movimento formula concretamente uma iniciativa e contribui com sua implementação desde o nível local até nacional. Escolhemos também a proposta de política pública do financiamento público para empreendimentos autogestionários porque, dentre o conjunto das demandas da UNMP, esse é um caso que nos permite falar em impactos do movimento sobre a política pública3 3 Nesse sentido, vale a pena lembrar outras demandas do movimento de moradia que não tiveram o mesmo impacto. O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social foi aprovado em 2005, mas com o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), não chegou a ser plenamente implementado. A criação de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano permanece há anos como demanda sem ser concretizado. . Evidentemente que o impacto do movimento não se dá de forma absoluta, mas sim em termos de “ganhos incrementais”, como demonstraremos.

Nossa argumentação está baseada em uma vasta pesquisa sobre o movimento de moradia no Brasil, em especial no estado de São Paulo, iniciada em 2008. A mais recente etapa dessa pesquisa investigou a atuação dos movimentos na elaboração e implementação do Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades. Nesse processo foram entrevistadas mais de 20 importantes lideranças regionais e nacionais do movimento, realizadas visitas a empreendimentos habitacionais autogestionários, além da observação nas atividades do movimento e em espaços de interação com o Estado.

Começamos com o debate teórico internacional sobre os efeitos políticos dos movimentos e seguimos com a apresentação do estudo de caso.

II. Political outcomes

Consequências políticas são efeitos das atividades dos movimentos que alteram o ambiente político no qual eles atuam (Giugni 2008Giugni, M., 2008. Political, Biographical, and Cultural Consequences of Social Movements. Sociology Compass, 2(5), pp.1582-1600. DOI: 10.1111/j.1751-9020.2008.00152.x
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). No domínio político, Amenta et al. (2010)Amenta, E. et al., 2010. The Political Consequences of Social Movements. Annual Review of Sociology, 36, pp.287-307. DOI:10.1146/annurev-soc-070308-120029
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se referem a duas subcategorias de impactos: i) a de nível estrutural, no qual as consequências potenciais dos movimentos se expressam na extensão de práticas e direitos democráticos e na formação de novos partidos políticos e (ii) no nível intermediário, no qual os impactos potenciais se referem a mudanças na política pública a qual “can provide consistent benefits to a movement's constituency as well as enforce collective identities and aid challengers in struggles against targets not mainly state oriented” (idem, p. 289). Nesse nível intermediário se situa muito da ação coletiva, que envolve mudanças legislativas na política pública e sua implementação (idem). No domínio político dos resultados dos movimentos os desafios metodológicos se traduzem no esforço empírico de demonstrar as consequências da ação dos movimentos sobre decisões dos police makers e/ou sobre os processos relacionados à produção e acesso aos bens públicos. Alguns autores têm discutido os desafios inerentes a essa avaliação (Amenta & Young 1999Amenta, E. & Young, M., 1999. Making an Impact: The conceptual and methodological implications of the collective benefits criterion. In M. Giugni; D. McAdam & C. Tilly, eds. How Movements Matter: Theoretical and Comparative Studies on the Consequences of Social Movements. Minneapolis: University of Minneapolis Press.) e oferecido alternativas para contorná-los. Embora os problemas metodológicos continuem a desafiar os pesquisadores da área, a literatura sobre o tema tem avançado a passos largos, principalmente na última década (Amenta et al., 2010Amenta, E. et al., 2010. The Political Consequences of Social Movements. Annual Review of Sociology, 36, pp.287-307. DOI:10.1146/annurev-soc-070308-120029
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). Nesses estudos há um renovado esforço para a identificação das dimensões explicativas relevantes e a busca por métodos de análise capazes de garantir respostas mais conclusivas à questão se os movimentos importam, o quanto importam na comparação com outros atores relevantes e como importam. No que se refere especificamente aos efeitos políticos dos movimentos, a questão é até que ponto se poderia dizer que bens coletivos relacionados ao Estado não seriam alcançados na ausência dos movimentos ou de ações específicas tomadas pelos movimentos (Amenta & Young 1999Amenta, E. & Young, M., 1999. Making an Impact: The conceptual and methodological implications of the collective benefits criterion. In M. Giugni; D. McAdam & C. Tilly, eds. How Movements Matter: Theoretical and Comparative Studies on the Consequences of Social Movements. Minneapolis: University of Minneapolis Press.; Amenta et al., 2010Amenta, E. et al., 2010. The Political Consequences of Social Movements. Annual Review of Sociology, 36, pp.287-307. DOI:10.1146/annurev-soc-070308-120029
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).

O que explica o sucesso ou fracasso dos movimentos no domínio político? Há três vertentes principais de análise: o modelo dos efeitos diretos; o modelo dos efeitos indiretos e o modelo dos efeitos combinados (joint-effect model) (Giugni 2008Giugni, M., 2008. Political, Biographical, and Cultural Consequences of Social Movements. Sociology Compass, 2(5), pp.1582-1600. DOI: 10.1111/j.1751-9020.2008.00152.x
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).

O modelo dos efeitos diretos está bem explicitado no trabalho clássico de Gamson (1990)Gamson, W.A., 1990. The Strategy of Social Protest. 2nd ed. Belmont: Wadsworth Publishing.. Em sua tipologia, Gamson começa distinguindo dois tipos de resultados: i) aceitação, que diz respeito a ser aceito pelas autoridades do sistema político como interlocutor político legítimo e, com isso, obter acesso ao policy process e (ii) vantagens, que se refere aos ganhos que a base e as organizações dos movimentos obtêm com as mobilizações. Alinhado aos pressupostos da Teoria da Mobilização de Recursos, argumenta que o sucesso do movimento em qualquer uma dessas duas frentes depende da sua capacidade de mobilização, ou seja, suas formas de luta e estrutura organizacional. Sua principal conclusão é que os movimentos que adotam táticas mais radicais ou violentas, que distribuem incentivos seletivos, e que são mais organizados e burocratizados, têm maior probabilidade de sucesso do que aqueles movimentos que não têm essas características. Os pontos mais controversos, e que suscitaram debates acirrados nos anos seguintes, foram o papel da violência e da organização (Giugni 1998Giugni, M., 1998. Was It Worth the Effort? The outcomes and consequences of social movements. Annual Review of Sociology, 24, pp.371-393. DOI: 10.1146/annurev.soc.24.1.371
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; Tarrow 1994Tarrow, S., 1994. El poder en movimiento: los movimientos sociales, la acción colectiva y la política. Madrid: Alianza Editorial.). Não é o caso de lidarmos com essa controvérsia aqui. O que importa é destacar o sentido geral da análise: movimentos provocam mudança diretamente, ou seja, contando com eles mesmos, e o contexto no qual a ação ocorre não é mobilizado como dimensão explicativa relevante.

Os resultados inconclusivos das pesquisas conduzidas sob os pressupostos gerais do modelo do efeito direto alertaram para a importância de considerar o contexto. Como explica Giugni (1998)Giugni, M., 1998. Was It Worth the Effort? The outcomes and consequences of social movements. Annual Review of Sociology, 24, pp.371-393. DOI: 10.1146/annurev.soc.24.1.371
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, os estudos de casos mostravam que táticas que funcionavam em um contexto eram completamente ineficazes em outros, e que o potencial de sucesso de certas estruturas organizacionais era altamente contingente, “Thus, more recent work has shifted away from the study of the effectiveness of disruption and the organizational characteristics of social movements toward the environmental conditions that channel their consequences” (idem, p.379). O estudo do contexto de ação dos movimentos se desdobrou em duas frentes de pesquisa: na análise do papel da opinião pública e das estruturas de oportunidades políticas.

A atenção ao contexto gerou os outros dois modelos explicativos mencionados anteriormente: o modelo dos efeitos indiretos (mediação) e o modelo dos efeitos combinados (joint-effect model). O pressuposto do modelo dos efeitos indiretos é que os movimentos provocam mudança na política pública de forma indireta ao alterar o contexto no qual atuam. O movimento afeta as alianças políticas e/ou a opinião pública e esta(s), por sua vez, impacta(m) a política pública (idem).

Enquanto no efeito direto (independente) o movimento sozinho produz resultados, e no indireto o movimento afeta um fator do contexto que depois aparece como crucial para a mudança, no joint-effect model a capacidade de mobilização do movimento tem chances de produzir resultados apenas quando combinada a certos fatores do contexto, por exemplo, a presença de um partido progressista no poder (idem). Ou seja, o modelo mantém a importância explicativa do contexto (presente no modelo indireto), mas a associa à capacidade de mobilização dos movimentos. Afirma que o impacto do movimento é esperado quando aliados políticos ou opinião pública favorável (ou os dois) combina-se com um movimento com forte capacidade de mobilização. Ou seja, no modelo dos efeitos combinados o resultado da ação dos movimentos depende de variáveis internas e externas ao movimento. O modelo dos efeitos combinados sustenta duas hipóteses centrais: i) o impacto do movimento sobre as políticas públicas é condicionado pela presença de aliados poderosos na arena institucional, pela opinião pública ou por ambos os fatores simultaneamente; (ii) os resultados da ação dos movimentos variam em função da natureza das reivindicações: quanto mais conflitivas as reivindicações e mais centrais as áreas de política em jogo menor a probabilidade do movimento obter sucesso (idem).

Concordamos que o joint-effect model abre vias promissoras para estudos futuros, ao combinar como variáveis explicativas a força do movimento e as características do contexto, mostrando como os resultados dos movimentos são condicionais e contingentes à presença de fatores externos (Amenta 2005Amenta, E., 2005. Political Contexts, Challenger Strategies, and Mobilization: Explaining the Impact of the Townsend Plan. In D.S. Meyer; V. Jenness & H. Ingram, eds. Routing the Opposition. Minneapolis: University of Minnesota Press.; 2006Amenta, E., 2006. When Movements Matter. Princeton: Princeton University Press.; Giugni 2008Giugni, M., 2008. Political, Biographical, and Cultural Consequences of Social Movements. Sociology Compass, 2(5), pp.1582-1600. DOI: 10.1111/j.1751-9020.2008.00152.x
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; Giugni & Yamasaki 2009Giugni, M. & Yamasaki, S., 2009. The Policy Impact of Social Movements: A replication through qualitative comparative analysis. Mobilization, 14(4), pp.467-484.). Partindo dessa via de análise, o desafio passa a ser então compreender de que formas variáveis internas e externas se combinam para gerar determinados efeitos.

O principal argumento que sustentamos neste artigo é que, em um contexto altamente adverso, a UNMP tem sido capaz de impactar de forma incremental a política de habitação popular no Brasil levando os tomadores de decisão a adotar políticas que sem a ação do movimento eles não teriam adotado. A ação da UNMP produz resultados que se expressam no seu reconhecimento como ator político legítimo no campo da produção da política, e na adoção de programas e projetos que investem recursos públicos na produção habitacional autogestionária, com ganhos para a base do movimento.

No que se refere aos fatores que explicam os resultados, o caso confirma as principais hipóteses do modelo dos efeitos combinados. Como veremos, a capacidade da UNMP de impactar a política pública deveu-se a uma combinação entre fatores internos (organização e repertório) e externos (presença de aliados na arena institucional), associados à natureza não conflitiva da demanda. Contudo, nosso caso permite também qualificar o modelo ao discutir de que forma o fator externo “presença de aliados poderosos” opera em contextos de governos de esquerda com relações de proximidade histórica e programática com os movimentos.

Embora a literatura aponte para a importância das interações entre política institucional e não institucional na chave de “aliados poderosos”, essa é uma questão pouco explorada e que em nosso caso se mostrou determinante. O que o nosso caso revela é a importância de qualificar as interações entre movimentos sociais e atores político-institucionais para a compreensão dos resultados. Governos e partidos não são apenas aliados ou antagonistas dos movimentos; em certos casos eles podem ser parte da rede do movimento ou manterem com eles uma identidade de projetos. E aqui para dar conta destas interações, é preciso mobilizar dois conceitos para melhor compreender como os movimentos atingem seus resultados. Primeiro, há o compartilhamento de projetos políticos4 4 Entendemos compartilhamento de projetos políticos como utiliza Dagnino (2002), como projetos que atravessam sociedade e Estado e num sentido próximo da visão gramisciana, são utilizados aqui “para designar os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos” (idem, p.282) , que conforma uma estrutura de oportunidades para a ação do movimento que é diferente do que simplesmente contar com aliados que podem encaminhar ou vocalizar demandas em espaços institucionais de poder. O compartilhamento de projetos políticos estrutura compromissos de longo prazo entre movimentos e atores institucionais, que permitem aos movimentos sobreviverem em conjunturas menos favoráveis. E mais, é por compartilharem os mesmos projetos que o movimento passa a formular propostas de políticas públicas na interação com profissionais ligados à rede “movimentalista” e que ocupam cargos no governo. Não é possível ter certeza, mas como veremos, é provável que as propostas de autogestão com financiamento público nem seriam formuladas desta maneira se não fossem as primeiras experiências de governo petista municipal na cidade de São Paulo. Além disso, é também sob a base do reconhecimento desses projetos compartilhados que os movimentos podem cobrar os parceiros quando eles assumem postos de poder no Estado.

No caso específico da UNMP o que vemos é que o sucesso do movimento está em grande parte associado a um tipo de interação com o Partido dos Trabalhadores e com o governo, quando o PT está no poder, orientada pelo compartilhamento de projetos em torno do ideal da autogestão e operada na chave da múltipla filiação5 5 A ideia de múltipla filiação foi desenvolvida por Mische (2008) e está relacionada à maneira como indivíduos pertencem ao mesmo tempo a múltiplas redes de igrejas, partidos, agremiações, associações e ONGs. Ao transitar entre vários grupos essas lideranças conferem maior complexidade a esses atores coletivos ao mesmo tempo em que incorporam, em suas trajetórias, novos saberes e expertise conquistados nessas interações. . Esse é o segundo conceito importante, associado ao de compartilhamento de projetos, para compreender como os movimentos atingem seus resultados. A múltipla filiação tem permitido uma associação particular da UNMP com o campo político-institucional. Por meio dela, o movimento se estrutura nacionalmente e atua de forma multiescalar, do local ao nacional, a partir de um repertório diversificado que combina ação institucional e ação direta.

A identificação desses elementos nos permite concluir que o sucesso da UNMP consiste num tipo particular de ativismo, cuja particularidade é justamente atuar na intersecção entre a política institucional e a não institucional. Enquanto na literatura dos political outcomes as fronteiras entre Estado e sociedade parecem bem delimitadas e a relação entre movimentos sociais e Estado é pensada na chave da aliança/oposição; no caso em tela destaca-se uma condição na qual muitas vezes o movimento atua a partir do Estado e do partido. Trata-se de um ativismo nas intersecções entre Estado e movimento que a recente literatura brasileira sobre os movimentos sociais tem sido pródiga em retratar6 6 Destacamos, dentre outros, Abers e Bulow (2011); Dowbor (2013); Teixera (2013); Lotta (2012); Silva e Schmitt (2012); Silva e Oliveira (2011); Blikstad (2012), Abers, Serafim e Tatagiba (2014); Abers e Tatagiba (2015); Meza e Tatagiba (2015). , nesse caso ativado pelo compartilhamento de projetos políticos e pela múltipla filiação.

Por fim, um último comentário no que se refere à ideia de “sucesso” ou, o que nos parece mais apropriado, de resultados incrementais do movimento7 7 Embora a ideia de “sucesso” ou “fracasso” esteja presente na literatura sobre as consequências dos movimentos, nesse texto preferimos nos referir a “efeitos”, “impactos”, “resultados” ou “frutos”, aqui empregadas como sinônimos, para significar resultados parciais ou incrementais. . Nossa pesquisa parte do reconhecimento de que a política habitacional no Brasil responde aos interesses do mercado da construção civil e do setor imobiliário, do que resulta um padrão de produção habitacional focado nas classes médias e altas com baixo ou nenhum incentivo à produção para a população de baixa renda. A luta pela moradia digna em um país no qual o mercado da construção civil detém tamanha influência no jogo político é uma luta profundamente desigual e os resultados do movimento não podem ser lidos na chave de “vitória” ou “derrota” definitivas. Melhor seria pensar em termos de “resultados incrementais”, como sugere Gupta (2009)Gupta, D., 2009. The Power of Incremental Outcomes: How victories and defeats affect social movement organizations. Mobilization, 14(4), pp.417-432.. O raciocínio da autora é que, se aceitarmos que as perdas e ganhos dos movimentos são como pequenas batalhas de uma guerra e que a relação entre os que fazem a política e os que a recebem são constantes e interativas, também aceitamos que os resultados de um round prévio afeta as etapas subsequentes. Assim, o foco da análise é inverter a forma como geralmente se estuda resultados. Ao invés de avaliar como determinadas estratégias, fatores e/ou contexto afetam os resultados dos movimentos, Gupta propõe pensar como o fracasso ou sucesso do movimento afeta a organização/as organizações que os engendra e seus possíveis resultados num round seguinte. A hipótese é que resultados incrementais importam, “given that movement outcomes are highly consequential, as successes or failures in one period of time can influence a movement's subsequent reputation, development, choices, and efficacy” (idem). O que é interessante para nossa análise é essa visão dinâmica dos resultados, ou seja, a visão segundo a qual ganhos e perdas passadas alteram os atores, o contexto da interação e, como consequência, moldam os resultados futuros. Resultados não são apenas outputs, mas inputs para novas disputas.

Interessa aqui apontar em termos de resultados incrementais como o caso pode aprofundar o modelo dos efeitos combinados. Segundo o modelo, quanto mais conflitivas as reivindicações e mais centrais as áreas de políticas, menor a probabilidade de sucesso. O caso da UNMP nos faz pensar no que significam “reivindicação conflitiva” e “áreas mais periféricas de políticas”. O que a UNMP propõe é altamente disruptivo: propriedade da terra para os mais pobres; empreendimento subsidiado pelo Estado e não por meio de empréstimo no mercado financeiro; construção autogestionária, ou seja, que os movimentos façam a gestão das obras e não o mercado; e a propriedade coletiva (que ainda não foi conquistada, mas segue como bandeira de luta). Ademais, no Brasil contemporâneo é difícil dizer que a política habitacional seja uma área de política periférica. O crédito à habitação, e consequentemente para a construção civil, foi central para o Brasil enfrentar a crise econômica mundial em 2008, por exemplo. Este caso mostra que o sucesso não depende do movimento ter uma reivindicação não conflitiva, mas sim da maneira particular como esta reivindicação conflitiva se acomoda ou entra em choque com os demais interesses. O que observamos é que o financiamento para moradia popular não mexeu num conflito central, que foi a propriedade da terra. Ou seja, como veremos, todas essas demandas da UNMP não afetaram os interesses do mercado da construção civil e do setor imobiliário. Apesar de potencialmente disruptivas do ponto de vista ideológico, elas se tornaram uma política pública residual e pouco visível.

III. A influência da UNMP sobre a política de habitação popular

Neste item vamos mostrar como, na interação entre militantes, assessorias técnicas, partidos, acadêmicos, técnicos de Estado e representantes governamentais, o movimento de moradia foi se envolvendo com a formulação de propostas de políticas públicas, aprendendo com a prática dos mutirões e construindo sua agenda em defesa da autogestão subsidiada com recursos públicos. Focaremos, portanto, nas dimensões de organização e repertório deste movimento. Veremos que todo esse aprendizado resulta, em 1987, na criação da UMM (União dos Movimentos de Moradia, sediada no Estado de São Paulo), que foi o embrião da UNMP. Seguida, em 1993, pela criação da sua expressão nacional, a UNMP (União Nacional por Moradia Popular) erguida no lastro das primeiras vitórias do movimento.

III.1. Sobre a UNMP: origens e estrutura organizacional

O movimento de moradia no Brasil é bastante diversificado, composto por um conjunto de organizações com diferentes vinculações políticas, padrões organizacionais, reivindicações e repertórios. Mesmo assim, é possível associar as origens do movimento ao processo de urbanização e industrialização e seus efeitos sobre a classe trabalhadora (Kowarick 2009Kowarick, L., 2009. Viver em risco. São Paulo: Editora 34.). No interior desse coletivo diverso que chamamos movimento de moradia, destacamos a UMM, um grupo forjado na intersecção entre os trabalhadores pobres, a igreja católica progressista, assessorias técnicas e o Partido dos Trabalhadores (PT) que conferiu um sentido específico às lutas pela moradia ao associá-las à luta, travada em conjunto com outros movimentos, pela democracia e pela construção do “poder popular” (Doimo 1995Doimo, A.M., 1995. A vez a voz do popular: Movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ANPOCS.). A identidade da UMM, ou seja, suas práticas organizacionais, estratégias de interação com o Estado, alianças políticas, discursos e narrativas só podem ser adequadamente compreendidos se relacionados ao “quando” e “onde” o movimento começou: início dos anos de 1980, na Zona Leste de São Paulo.

Não vamos aqui recuperar essa rica história, que já está muito bem contada (Gohn 1991Gohn, M.G., 1991. Movimentos sociais e lutas pela moradia. São Paulo: Edições Loyola.; Doimo 1995Doimo, A.M., 1995. A vez a voz do popular: Movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ANPOCS.; Sader 1988Sader, E., 1988. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). Basta apenas lembrar que na Região Leste da cidade o forte investimento da Igreja Católica progressista e, depois, do Partido dos Trabalhadores, gerou um caldo de cultura extremamente favorável à organização política, que fez da Zona Leste um dos grandes celeiros de formação de grupos sociais durante os anos de 1980, com impacto por todo o ciclo de mobilizações pela democracia (Sader 1988Sader, E., 1988. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra.; Doimo 1995Doimo, A.M., 1995. A vez a voz do popular: Movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ANPOCS.; Cavalcanti 2006Cavalcanti, G.C.V., 2006. Uma concessão ao passado: trajetórias da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo.; Iffly 2010Iffly, C., 2010. Transformar a metrópole: Igreja Católica, territórios e mobilizações sociais em São Paulo, 1970-2000. São Paulo: Editora UNESP.). No caso específico da moradia, outro fator que favoreceu a mobilização foi a crise econômica no começo dos anos 1980 que levou várias famílias, que não conseguiam mais pagar aluguel, a engrossar as fileiras do movimento e participar das ocupações (Bonduki 1994aBonduki, N., 1994a. Crise de habitação e luta pela moradia no pós-guerra. In L. Kowarick, ed. As lutas sociais e a cidade. São Paulo: Paz e Terra.).

É deste emaranhado – onde é difícil saber onde começa uma “instituição” e termina a outra – Igreja, partido, movimento, assessorias técnicas e governo – que as estruturas de mobilização, os repertórios e as demandas da UMM se forjaram. Ou seja, este movimento é o resultado do múltiplo pertencimento dos seus militantes às organizações populares de luta pela moradia, ao PT, às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e às pastorais da moradia. A UMM é o ponto onde esses diferentes pertencimentos convergem formando uma teia intrincada de forte base popular e religiosa, que no campo político professa a crença na democracia como “forma de vida”. Esses múltiplos pertencimentos estruturam pontos de tensão e potencialidades que se fazem presentes ao longo de toda a trajetória da UMM e posteriormente da UNMP, e se tornam particularmente sensíveis quando o PT assume o governo federal. Mais do que simplesmente aliados no poder, parte do movimento se desloca em direção a cargos dentro do Estado.

A União Nacional por Moradia Popular (UNMP) herda esse caldo de cultura da UMM e foi criada em 1993 para coordenar as lutas do movimento nacionalmente. Hoje tem representação em 21 estados da federação. Entretanto, as lideranças com atuação em São Paulo são a referência para a atuação da rede nacional8 8 Por isso, neste artigo, nos referimos à UNMP como esse grupo que surge na Zona Leste, estrutura-se como UMM e depois cria a UNMP. Esse desenho da pesquisa é importante para podermos apreender a dinâmica da ação das lideranças desde o plano local até a esfera nacional. .

A UNMP tem uma estrutura organizacional composta por “Encontro Nacional”, “Plenária nos estados”, “Coordenação Nacional”, “Coordenação Executiva” e “Secretaria Executiva”9 9 Sítio da UNMP. Disponível em: http://www.unmp.org.br. Acessado em 30 de julho de 2014. . Todos os estados filiados participam nessa estrutura e seguem preceitos comuns, por exemplo, a realização da autogestão, entretanto possuem significativa liberdade de ação, constituindo-se como organizações autônomas. A UNMP não tem apoio financeiro permanente, conta apenas alguns apoios eventuais de agências nacionais e internacionais. Já a UMM-SP é financiada, entre outras agências, pela Misereor (Agência de Cooperação Internacional Alemã)10 10 Sítio da UNMP de São Paulo. Disponível em: http://www.sp.unmp.org.br. Acessado em 30 de julho de 2014. . Ela também é sustentada com as contribuições individuais dos seus filiados. A UMM-SP é a secretaria executiva da UNMP, e as sedes de ambas funcionam no mesmo local na cidade de São Paulo.

Toda esta estrutura está assentada no que a UNMP denomina de grupos de origem. Os grupos de origem fazem parte da forma de organização da UNMP desde o seu nascimento, e estão ligados ao modus operandi da Igreja Católica. Como explica Evaniza Rodrigues11 11 Evaniza Rodrigues é uma importante liderança com atuação tanto na cidade de São Paulo quanto no plano nacional. (em entrevista), os grupos de origem são a porta de entrada no movimento. Quando uma família procura o movimento, deve participar primeiro de um grupo do movimento no bairro onde mora. Lá ela faz sua inscrição e começa a participar das reuniões. Nesses encontros, a família tem contato com a história do movimento, suas lutas e suas bandeiras. É nos grupos de origem que acontecem os processos de formação do que se chama “a base do movimento”. A participação das famílias nas reuniões do grupo de origem e nas atividades promovidas pelo movimento é o critério para que o movimento elabore sua lista das famílias beneficiárias, para priorizar aqueles que mais se envolvem quando o movimento consegue construir unidades habitacionais. É o mecanismo chamado de “pontuação”. Por um lado, o que se valoriza com esta forma de organização é o envolvimento das famílias com “as causas do movimento”. Ao participar das reuniões e dos atos, os indivíduos obtêm ferramentas que lhes permitem associar o problema da moradia a questões mais amplas, como por exemplo, a especulação imobiliária. Por outro lado, o sistema de pontuação oferece à UNMP (e aos outros movimentos que o adotam) uma significativa capacidade de mobilização de suas bases, por meio da distribuição de incentivos seletivos. Essa capacidade é particularmente importante quando o movimento precisa mostrar sua força nas ruas.

III.2. A institucionalização da autoconstrução na década de 80

A ocupação e a autoconstrução são modalidades de ação coletiva a que recorrem os grupos pauperizados, na ausência de um Estado de bem-estar social que lhes garanta o direito à moradia. No começo dos anos 1980, a combinação de um conjunto de fatores – recessão, valorização da terra, crise do Banco Nacional de Habitação (BNH), alta do preço dos aluguéis, desemprego, falta de política habitacional para a faixa de 0-3 salários mínimos (SM) – resultou num processo acelerado de ocupações de terras, principalmente nas regiões periféricas (Bonduki 1994aBonduki, N., 1994a. Crise de habitação e luta pela moradia no pós-guerra. In L. Kowarick, ed. As lutas sociais e a cidade. São Paulo: Paz e Terra.). Como afirma Rodrigues, as ocupações “ao mesmo tempo em que denunciam a falta de políticas governamentais, mobilizam e abrem espaço, no território e no imaginário político, para construção de uma proposta alternativa de moradia” (Rodrigues 2013Rodrigues, E., 2013. A estratégia fundiária dos movimentos populares na produção autogestionária da moradia. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo., p.37)12 12 Nesse esforço de reconstrução histórica da trajetória do movimento com foco sobre o processo de produção da política pública, dialogamos de forma estreita com a dissertação de mestrado Bliskstad, que destaca entre os principais achados de sua pesquisa a centralidade da política pública para compreender a configuração e a trajetória do movimento (Blikstad 2012, p.11). .

Enquanto se forjavam os sentidos políticos das ocupações, os governos eram pressionados a responder ao crescente déficit habitacional. É nesse contexto desfavorável do ponto de vista econômico, mas favorável do ponto de vista de mobilização que a forma popular de construção de moradia – a autoconstrução – é pela primeira vez institucionalizada como política pública. Os primeiros programas federais de financiamento da autoconstrução foram o Profilurb (Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados, 1975), Promorar (Programa de Erradicação de Sub-Habitação, 1979) e João de Barro (Programa de Autoconstrução assistida, 1984). Como avalia Baravelli (2007)Baravelli, J. E., 2007. O cooperativismo uruguaio na habitação social de São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo., esses programas transformavam a autoconstrução em “solução” do problema da habitação popular. Entretanto, os resultados deles foram inexpressivos, com poucas unidades construídas por todo o país, até a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1986 (idem).

No caso do estado de São Paulo, a adoção da autoconstrução nos programas habitacionais está relacionada à eleição de Franco Montoro, em 1982. Eleito como oposição ao regime militar, o governo Montoro produziu inovações em diversas áreas, a partir do diálogo com os movimentos populares. Neste caso, o governo Montoro de fato foi um aliado dos movimentos. Na habitação, as propostas focavam na descentralização e na participação (Royer 2002Royer, L., 2002. Política habitacional do estado de São Paulo: estudo sobre a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU). Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo.), com o apoio à autoconstrução, como se lê nas diretrizes do Plano Estadual de Ação Governamental, de 1985 (idem, p.41). A proposta de construção com mutirões foi consolidada em 102 municípios conveniados (idem, p.45). Royer atribui as iniciativas do Governo Montoro na área da moradia à pressão dos movimentos, que desde 1981 seguiam num ritmo crescente de organização. Nesse sentido, cabe lembrar as ocupações massivas na Zona Leste em 1983 (Gohn 1991Gohn, M.G., 1991. Movimentos sociais e lutas pela moradia. São Paulo: Edições Loyola.; Iffly 2010Iffly, C., 2010. Transformar a metrópole: Igreja Católica, territórios e mobilizações sociais em São Paulo, 1970-2000. São Paulo: Editora UNESP.), e as primeiras reuniões no Centro Pastoral Belém, a partir de 1985, que dariam origem à UMM.

Ao mesmo tempo, quando Mário Covas (1983-1985) assumiu a prefeitura da cidade de São Paulo, ele aumentou o orçamento destinado à habitação e conduziu políticas de realização de mutirões e urbanização de favelas (Royer 2002Royer, L., 2002. Política habitacional do estado de São Paulo: estudo sobre a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU). Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo., p.47). Uma das experiências mais significativas desse período foi o Mutirão da Vila Nova Cachoeirinha (localizada na Zona Norte). O empreendimento foi um dos oito programas financiados pelo Promorar em São Paulo e sua importância está no fato de ser o primeiro mutirão inspirado no modelo da Fuvcam (Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mutua), do Uruguai13 13 O processo de provisão habitacional instaurado no Uruguai a partir do final dos anos 1960 se tornou a principal referência para a defesa do processo autogestionário de produção de moradias e modelo para o movimento de moradia de São Paulo (Arantes 2002, p.182). (Baravelli 2007Baravelli, J. E., 2007. O cooperativismo uruguaio na habitação social de São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.). Segundo Baravelli (idem) os ótimos resultados alcançados pelo empreendimento da Vila Cachoeirinha deram munição aos movimentos e às assessorias técnicas para defender os experimentos autogestionários. Utilizando dos termos de Gupta (2009)Gupta, D., 2009. The Power of Incremental Outcomes: How victories and defeats affect social movement organizations. Mobilization, 14(4), pp.417-432., é possível ver aqui como os resultados incrementais vão dando as bases para os passos seguintes. O sucesso da Vila Cachoeirinha tornou evidente também o papel que as assessorias técnicas teriam para o desenvolvimento da proposta política do movimento de moradia.

Bem como merece destaque o papel das assistentes sociais na FABES (antiga Secretaria da Família e Bem-Estar Social), que até 1986 era a secretaria mais importante para o atendimento da população pobre que precisava de moradia. Ambos, assistentes sociais dentro do Estado e assessorias técnicas, podem ser considerados aliados importantes dos movimentos, que compartilham projetos, nos termos utilizados na introdução deste trabalho. Até este momento, claramente o movimento tem resultados porque tem uma estrutura organizacional forte, pressiona e possui aliados, confirmando o modelo dos efeitos combinados.

Apesar de casos isolados bem sucedidos, as políticas habitacionais alternativas continuaram sendo residuais e altamente sujeitas às descontinuidades decorrentes das mudanças das coalizões políticas à frente dos executivos. Esse quadro ficaria evidente com a mudança de condução no executivo municipal, na gestão de Janio Quadros (1985-1988) e estadual, com Orestes Quércia (1987-1991). Como afirma Royer (2002Royer, L., 2002. Política habitacional do estado de São Paulo: estudo sobre a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU). Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo., p.47), “a partir do governo Quércia, a solução empresarial ganha força, ficando os programas alternativos como marginais, com finalidades políticas bem delimitadas”. No primeiro ano de sua gestão, Orestes Quércia (1987-1991) extinguiu o programa dos mutirões criado na época de Franco Montoro, sob o argumento de que o mutirão não oferecia moradias na escala exigida pelo tamanho do déficit habitacional. Ao contrário das empreiteiras, que cumpririam muito melhor esse papel por serem capazes de executar obras em ritmo acelerado (Barbosa 2008Barbosa, I.S., 2008. O Estado e a produção habitacional pública. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo.). À decisão seguiu-se a maior onda de ocupações realizadas até então em São Paulo. Na Zona Leste, 238 áreas foram ocupadas por cerca de 32.000 famílias, num total de 100 mil pessoas.

Com o fechamento das oportunidades no plano estadual, o grupo voltou-se para uma ação mais efetiva no plano federal e realizou da 1ª Caravana da Moradia para Brasília14 14 As “Caravanas para Brasília” são parte importante do repertório do movimento de moradia e passaram a ser realizadas anualmente a partir de 1988 (Paz 1994). , em 1988. Naquela ocasião, levou 30 ônibus com a presença de militantes de diversos estados brasileiros. Como fruto desta 1ª Caravana e de outras caravanas nos anos posteriores, foram realizados três projetos pilotos: na Região Leste II (na cidade de São Paulo), em São Bernardo e em Diadema. A década de 1980 terminava com a criação da UMM, em 1987, e a eleição de Luiza Erundina, do PT, para a prefeitura de São Paulo (1989-1992).

III.3. Na experiência de ser governo a definição das bandeiras de luta

Luiza Erundina era comprometida com as lutas dos moradores de favelas e uma vez eleita fez da moradia uma das prioridades de sua gestão, convidando vários militantes do movimento de moradia e intelectuais comprometidos com a bandeira da autogestão a compor o seu governo15 15 Dentre eles estava o Padre Ticão, do Movimento Sem-Terra Leste II, filiado à UMM naquele momento, Nabil Bonduki (arquiteto assessor dos movimentos nos empreendimentos autogestionários, que foi indicado como Superintendente de Habitação Popular no Governo Erundina), Leonardo Pessina, uruguaio com experiências nas cooperativas de autoconstrução, entre outros. . No governo de Erundina, o que eram só ideias viraram experiência. E essa experiência impactou toda a trajetória de um campo movimentalista. A União dos Movimentos de Moradia (UMM-SP) acabara de ser criada. A experiência durante a gestão Erundina contribui para que militantes, assessorias técnicas, técnicos governamentais e acadêmicos se encontrem, formulem suas propostas e comecem a implementá-las. Ao mesmo tempo que esses coletivos propõem, aprendem com a prática, com a execução das políticas e reformulam e qualificam suas propostas. Por meio de militantes (da academia, das assessorias técnicas, e do próprio movimento) que passam a estar no governo e que compartilham os mesmos projetos é que surgirá a bandeira da autogestão. A partir deste momento, com um governo de esquerda, é possível observar que a natureza da interação entre os movimentos e as instituições políticas, já não se apresenta circunscrita na chave do “apoio de aliados poderosos”.

Um mês após a posse, em fevereiro de 1989, a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) divulgou um documento com suas ações emergenciais, dentre as quais constava como diretriz da política a autogestão:

“Nos novos projetos habitacionais será dada prioridade à demanda organizada pelos movimentos de luta por moradia ou de urbanização de favelas […] As cooperativas de habitação ou associações comunitárias de construção geridas pelos próprios associados, assim como as entidades de assessoria à habitação popular e de desenvolvimento tecnológico reconhecidas publicamente, receberão apoio e estímulo da administração municipal” (Programa de Ação Imediata apudBaravelli 2007Baravelli, J. E., 2007. O cooperativismo uruguaio na habitação social de São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo., p.99; sem grifos no original).

No primeiro ano de governo foi elaborado o FUNAPS Comunitário (Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal), um programa habitacional para população de baixa renda baseado nos seguintes elementos: financiamento do governo, gestão dos recursos pelas organizações populares e responsabilidade da obra pelas assessorias técnicas (Miagusko 2008Miagusko, E., 2008. Movimentos de moradia e sem-teto em São Paulo: experiências no contexto do desmanche. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.). Essa foi uma grande inovação. Foi a primeira vez que o mutirão autogestionário se convertia de fato em programa habitacional e que os movimentos eram reconhecidos como atores do processo de implementação da política. Anteriormente o que havia era apenas os mutirões ou a autoconstrução, sem que os recursos fossem geridos pelos movimentos. Os futuros moradores antes eram apenas mão-de-obra. O lugar escolhido para lançar o Programa foi a Zona Leste e, nas palavras da Prefeita, isso se devia ao grau de organização da luta por moradia naquele território16 16 Foram realizados 93 convênios com organizações de luta pela moradia, envolvendo 12 mil unidades habitacionais construídas pelo sistema de mutirão com autogestão. .

O que a bibliografia permite afirmar é que a proposta de autogestão não surgiu dos movimentos e nem era consenso no interior do Governo Erundina. A proposta surgiu da atuação das assessorias técnicas que desde o começo dos anos 80 se apropriaram do conceito a partir da experiência pioneira do Uruguai (Bonduki 1994bBonduki, N., 1994b. Entrevista. In A.A. Silva. Moradia e Cidadania: um debate em movimento. Publicação Pólis, 20, pp.7-25.; Paz 1994Paz, R., 1994. Entrevista. In A.A. Silva. Moradia e cidadania: um debate em movimento. Publicação Pólis, 20, pp.111-126.). Segundo Bonduki (1994b)Bonduki, N., 1994b. Entrevista. In A.A. Silva. Moradia e Cidadania: um debate em movimento. Publicação Pólis, 20, pp.7-25., já havia ocorrido algumas trocas de experiências com visitas de brasileiros às experiências uruguaias de construção por autogestão em 1981, e depois de uruguaios ao Brasil em 1984, mas as experiências brasileiras se identificavam muito mais com o tema dos mutirões: “A proposta da autogestão, ainda em 1989, é assumida muito parcialmente. Os movimentos não a tinham como palavra de ordem. O que colocavam sim, era a questão do mutirão e da terra. […] Iniciamos, então, a colocar a questão da construção das casas por autogestão e os movimentos começaram a rever suas bandeiras” (idem, p.9). Nessa mesma direção, Paz (1994)Paz, R., 1994. Entrevista. In A.A. Silva. Moradia e cidadania: um debate em movimento. Publicação Pólis, 20, pp.111-126. afirma que no fim dos 1980, quando a instituição da qual fazia parte, a FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, uma organização não-governamental de abrangência nacional) optou por trabalhar com os grupos da Zona Leste, percebeu que eles pouco sabiam o que era a autogestão. O que os movimentos defendiam era o mutirão. A defesa da autogestão foi ficando mais evidente aos poucos, passando a significar, “grupos organizados, com poder de controle e decisão, com regras definidas através de negociações e interlocução com o poder público: repasse e gestão dos recursos públicos, definição de um agente promotor e um agente comunitário, quer se trate de uma cooperativa ou uma associação” (idem, p.116).

A eleição de Luiza Erundina foi um importante ponto de inflexão na trajetória da UMM contribuindo para sua organização e definição de suas propostas de intervenção na política pública. Nesse período, a UMM adquiriu uma capacidade de mobilização das bases e diálogo com o poder público que lhe permitiu iniciar os anos de 1990, como uma das mais reconhecidas e prestigiadas organizações de movimento popular do país. Essa experiência também mostrou que a defesa da política pública poderia significar outra forma de relação entre Estado e movimentos, como vemos nessa avaliação de Benedito Barbosa:

“Os movimentos em outros governos eram meramente reivindicativos, iam para a porta da Prefeitura para desestabilizar o Estado. […] Sempre enxergávamos o Estado como inimigo a serviço da burguesia. No governo de Luiza Erundina, passamos a enxergar o Estado de uma forma diferenciada, não mais como inimigo, mas como o parceiro do movimento no sentido de estar construindo uma política pública, que no caso é a moradia digna para os trabalhadores da cidade” (Barbosa 1994Barbosa, B.R., 1994. Entrevista. In A.A. Silva. Moradia e Cidadania: um debate em movimento. Publicação Pólis, 20, pp.63-76., p.65).

Em um cenário no qual o uso da terra urbana é condicionado de forma tão significativa pelos interesses do mercado, é interessante perceber como o Estado é posto pelos movimentos na condição não apenas de cenário, ou árbitro, mas objeto da disputa. Para influenciar a política pública habitacional a UMM, e posteriormente a UNMP como veremos, combinará ação direta e atuação institucional, sempre com o objetivo de garantir a negociação em torno das suas pautas. No percurso errático e descontínuo da política habitacional, foram acumulando know-how, aprendizado de negociação e uma forte capacidade de resiliência.

III.4. Propor e pressionar: o movimento atuando nas brechas

O contexto dos anos de 1990 foi particularmente duro para a ação do movimento, limitando em muito o avanço das suas pautas. O vazio deixado pelo BNH não foi preenchido e não houve da parte do governo federal estratégia consistente para enfrentamento do déficit habitacional na faixa de 0 a 3 salários mínimos. A ausência de política articulada e coerente entre os níveis da federação levou a UMM a atuar nas brechas, buscando garantir recursos para os programas autogestionários, a partir da combinação entre pressão e negociação principalmente no plano estadual, nos governos Fleury e Covas e, depois no plano municipal, com a eleição de Marta Suplicy, do Partido dos Trabalhadores, em 2001.

Após a gestão de Luiza Erundina, o FUNAPS foi suspenso e nas gestões municipais dos prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta (1993-2000) não só não houve lugar para novas iniciativas, como foi suspenso o repasse de recursos para as organizações gerando, consequentemente, a paralisação das obras. Maluf definiu que a única parceria da prefeitura na gestão urbana se daria com as empresas privadas (Baravelli 2007Baravelli, J. E., 2007. O cooperativismo uruguaio na habitação social de São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.). Nesse contexto, a estratégia do movimento foi acampar em frente à Prefeitura para pressionar pela liberação dos recursos (Rodrigues 2013Rodrigues, E., 2013. A estratégia fundiária dos movimentos populares na produção autogestionária da moradia. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo.) e reforçar a tática das ocupações como forma de luta, agora não apenas na periferia, mas principalmente na região central da cidade, sob a bandeira do “direito à moradia no centro”. Só a UMM, entre 1995 e 1999, afirma ter organizado mais de trinta ocupações em prédios públicos no centro de São Paulo17 17 Sobre o uso das ocupações como forma de luta do movimento, ver Trindade (2014) e Paterniani (2013). .

A pressão era, como dissemos, combinada com a negociação. No governo estadual do Fleury (1991-1995), a UMM conseguiu recursos para realizar os mutirões a partir de um programa que trazia o seu nome “Mutirão-UMM”, por meio do qual o governo se comprometia a construir três mil unidades habitacionais no sistema de mutirão autogestionário na região metropolitana de São Paulo. No Jornal da União, afirma-se que as conquistas no governo Fleury foram resultado de um aprendizado, no sentido de associar a ação direta à intensa negociação “propositiva” com o governo (Cf. Editorial: Como foi o encontro, 1993).

O governador Mario Covas (PSDB, 1995-2001), que sucedeu Fleury no governo do Estado, criou o “Programa Paulista de Mutirões”, construindo 21 mil moradias pelo sistema de mutirão (Barbosa 2008Barbosa, I.S., 2008. O Estado e a produção habitacional pública. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo.). No programa de Covas, contudo, os mutirões não vinham associados à ideia da autogestão, reduzindo de forma significativa o poder dos movimentos sobre a gestão do empreendimento. Por meio de diversas mobilizações, o movimento garantiu que os mutirões contratados com o governo estadual tivessem recursos para a elaboração dos projetos e para a contratação de assessoria técnica própria.

A partir de 2000, o Programa foi extinto, e apesar do PSDB continuar à frente do governo do estado nenhum outro programa para mutirões foi criado. Fechavam-se as portas, também, no plano estadual e a esperança de atuação do movimento se deslocava para o plano municipal com a eleição de Marta Suplicy, do PT (2001-2004).

A permeabilidade da nova prefeitura aos movimentos ficaria evidente com a indicação de Paulo Teixeira, militante da causa da moradia, ao cargo de Secretário de Habitação. Novamente, aqui, a múltipla filiação e o compartilhamento de projetos são fatores explicativos fundamentais para entender os resultados do movimento. A conquista mais importante na gestão de Marta Suplicy foi a criação do Conselho Municipal de Habitação, em 2002, uma antiga demanda dos movimentos, mas que na gestão Erundina havia sido barrado pela Câmara de Vereadores18 18 Para uma análise do CMH, cf. Tatagiba e Teixeira (2007). Para uma análise das disputas entre movimentos e governos em torno da composição do CMH, ver Tatagiba e Blikstad (2011). . Contudo, o segundo governo petista na capital não se traduzira em inovações na experiência da autogestão, e os ganhos, na perspectiva do movimento de moradia foram avaliados como menores (Cavalcanti 2006Cavalcanti, G.C.V., 2006. Uma concessão ao passado: trajetórias da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo.; Barbosa, em entrevista), pelo menos quando comparado aos do Governo Erundina.

Uma interpretação corrente nesses balanços, e que nos interessa particularmente, é que no governo Marta os movimentos avançaram menos em suas pautas porque eles pressionaram menos. Parte da avaliação dos movimentos sobre as dificuldades enfrentadas pelo governo Erundina dizia respeito a uma autocrítica de que os militantes teriam sido muito exigentes com sua gestão, contribuindo, mesmo que indiretamente, para as dificuldades de governabilidade. Por isso, na avaliação dos movimentos, a diminuição da pressão sobre o governo Marta estaria relacionada ao impacto que o discurso da governabilidade teve sobre as estratégias de luta. A experiência do governo Erundina mostrou como a oposição poderia se favorecer de uma eventual desestabilização do governo. Há diversas entrevistas e documentos recuperados das pesquisas sobre o período Marta Suplicy que mostram essa leitura sobre o contexto. No geral, as falas destacam o peso de atuar numa situação na qual o interlocutor do movimento é um governo que deve ser pressionado e, ao mesmo tempo, fortalecido. Em Cavalcanti (2006)Cavalcanti, G.C.V., 2006. Uma concessão ao passado: trajetórias da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo. há uma declaração que sumariza essas exigências contraditórias postas sobre o movimento: “nós acabamos pecando talvez por não exigir mais da Marta, pressionando mais. E, por outro lado, pecando também porque não conseguimos reeleger ela” (Liderança da UMM apudCavalcanti 2006Cavalcanti, G.C.V., 2006. Uma concessão ao passado: trajetórias da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo., p.125)19 19 Para Cavalcanti (2006), a causa para a diminuição da pressão está em outro lugar: na profissionalização dos militantes dos movimentos. A partir de meados dos anos 1990, segundo Cavalcanti, teria se intensificado a atuação dos militantes nos diretórios zonais do PT, assim como nos gabinetes dos parlamentares petistas. Como consequência, os movimentos teriam moderado suas formas de luta. .

III.5. O reconhecimento da autogestão no plano federal

Antes do PT chegar ao governo federal, as conquistas dos movimentos de moradia no plano nacional foram praticamente inexistentes.

Foi nos preparativos da campanha presidencial de 2002 que a UNMP encontrou espaço para reiniciar uma articulação mais efetiva no plano nacional. Entre 1998 e 2000, o Instituto Cidadania20 20 Organização da sociedade civil dirigida por Lula. reuniu militantes e intelectuais para formular uma proposta de intervenção na área da habitação, conhecida como Projeto Moradia21 21 Evaniza Rodrigues, da UNMP, participou da equipe de coordenação do Projeto. . A autogestão constituiu uma das diretrizes do Programa, ao lado do apoio à indústria da construção (Bonduki 2009Bonduki, N., 2009. Do Projeto Moradia ao programa Minha Casa Minha Vida. São Paulo: Teoria e Debate, 82). A vitória de Lula abriu uma oportunidade sem precedentes para a influência do movimento no plano federal. Toda a área da habitação foi remodelada com a criação do Ministério das Cidades, Conselho Nacional e Conferência das Cidades e a entrada de vários militantes e intelectuais do campo da reforma urbana para postos chave no interior do Ministério (Serafim 2013Serafim, L., 2013. Participação no governo Lula: as pautas da reforma urbana no Ministério das Cidades (2003-2010). Campinas: Editora da Unicamp.). A presença do PT no poder, mais uma vez, abriu espaço para que a múltipla filiação dos atores que ocupavam cargos no governo se traduzisse em inovação institucional. Novamente aqui podemos dizer que não são apenas aliados (no sentido expresso no modelo dos efeitos combinados) que estão no Estado e atendem demandas, mas são atores multifiliados que partilham os mesmos projetos e contribuem para o desenho e execução das políticas públicas.

Contudo, os limites para a incorporação dos movimentos no sistema de produção da moradia popular continuaram, face à predominância crescente dos interesses do mercado da construção. Foi nesse contexto complexo caracterizado pela alta permeabilidade do Estado aos movimentos e pela baixa disposição do governo Lula de produzir mudanças radicais no sistema, que a UNMP conseguiu extrair suas maiores conquistas.

O primeiro passo foi utilizar os espaços de participação, como o Conselho das Cidades e a Conferência das Cidades – onde a UNMP tinha significativa capacidade de influência – para pautar o tema da autogestão como princípio. A 1ª Conferência Nacional das Cidades, realizada em 2003, foi um marco importante nesse sentido ao definir em suas resoluções a autogestão como modelo. No mesmo ano, a UNMP encaminhou ao Ministério das Cidades um Ofício em defesa da autogestão, que evocava os sentidos construídos ao longo de sua trajetória: “A UNMP defende a autogestão como uma maneira não só de construir casas, bairros, ou equipamentos sociais, mas como uma forma de construção de poder popular […]. Construímos alternativas de gestão onde somos sujeitos de nossa história” (UNMP, Ofício ao Ministério das Cidades, abr. 2003, apudRodrigues 2013Rodrigues, E., 2013. A estratégia fundiária dos movimentos populares na produção autogestionária da moradia. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo., p.64).

No final de abril de 2004 foi criado o Programa Crédito Solidário (PCS), que visava atender às necessidades habitacionais das famílias de baixa renda, permitindo a atuação de cooperativas e/ou associações de moradores, mediante concessão de financiamento diretamente ao beneficiário. Uma grande parte da literatura considera o Crédito Solidário uma conquista dos movimentos (Lago 2012Lago, L.C., ed, 2012. Autogestão habitacional no Brasil: utopias e contradições. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles.). Nessa mesma direção, Mineiro e Rodrigues (2012)Mineiro, E.H. & Rodrigues, E., 2012. Do Crédito Solidário ao MCMV Entidades: uma história em construção. In L. Lago, ed. Autogestão habitacional no Brasil: utopias e contradições. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles). afirmam que a proposta de criação do Programa teria surgido após uma série de protestos e ocupações realizadas em abril de 2004, à qual se seguiram, segundo os autores, inúmeras negociações entre a Caixa Econômica Federal (CEF), o Ministério das Cidades e os movimentos22 22 Em Naime (2009) há uma interessante referência às disputas entre movimentos, MinCidades e CEF, sobre a paternidade do programa. . Vale ressaltar aqui como as estratégias disruptivas se combinam com estratégias de proximidade. Não é apenas pressão, nem somente ocupação de cargos e diálogo com governos. É a combinação destas duas formas de ação. Mas, houve muitas dificuldades para que os movimentos e os órgãos governamentais responsáveis pela gestão conseguissem operacionalizar o Programa. “Ao longo desse período, houve inúmeras manifestações, passeatas, acampamentos, ocupações e reuniões reivindicando a ‘desburocratização do PCS’” (idem, p.24).

Em 2008, o governo lançou o Programa Produção Social da Moradia. Esse programa concluiu sua primeira seleção de beneficiários em março de 2009, mas foi interrompido porque nesse momento foi lançado o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que passaria a concentrar os recursos da área. O MCMV é um programa massivo de produção de moradias, criado para aquecer o mercado da construção civil como resposta à crise econômica internacional de 2008. Segundo os pesquisadores, o Ministério das Cidades praticamente não participou da criação deste Programa, muito menos os movimentos sociais. Ele foi criado pela Casa Civil e Ministério da Fazenda no diálogo com empresários.

Em seguida, o governo federal lançou o Minha Casa Minha Vida-Entidades (MCMV-E) e o regulamentou cinco meses depois. Neste programa estava prevista a participação dos movimentos e demais organizações da sociedade civil na implementação da política. O MCMV-E é hoje a principal forma pela qual os movimentos sociais participam da implementação da política pública. Tanto o movimento quanto a literatura sobre o tema afirmam que o MCMV-E surgiu como resultado da pressão dos movimentos (Lago 2012Lago, L.C., ed, 2012. Autogestão habitacional no Brasil: utopias e contradições. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles.). A modalidade Entidades representa menos de 1% do valor total investido no MCMV o que mostra seu caráter residual em relação ao programa como um todo23 23 A meta da modalidade Entidades era de 3% dos recursos que seriam gastos no Programa MCMV. Entretanto, segundo dados da pesquisa realizada pelo IAU-USP São Carlos e a assessoria técnica Peabiru, a modalidade Entidades representa menos de 0,5% dos recursos contratados no Programa MCMV no país, incluindo todas as modalidades e todas as faixas de renda (IAU/Peabiru 2014). . De qualquer forma, ele é o primeiro programa a garantir um recurso definido para a construção da moradia, no qual o movimento se responsabiliza por todas as etapas da obra, da aquisição do terreno, elaboração do projeto à seleção das famílias beneficiárias.

Desde a sua criação, o MCMV-E tem sofrido inúmeras alterações em suas normativas. Essas alterações refletem, por um lado, os problemas de operacionalização da política habitacional em um contexto novo, no qual a implementação fica a cargo da sociedade civil; e, por outro lado, refletem a capacidade que o movimento tem de executar o programa na ponta, identificar problemas, propor alternativas e pressionar os órgãos governamentais (especialmente a CEF) pelas mudanças. O know-how e a legitimidade adquiridos pela UNMP ao longo de sua trajetória tem lhe permitido exercer pressão na correção dos rumos do Programa e uma evidência disso foi a indicação de Evaniza Rodrigues, da UNMP, como Assessora da Presidência da Caixa Econômica Federal, função que ela exerceu entre 2011 e 2013, quando regressou à atuação no movimento nacional e a atuar na Zona Leste, seu território inicial de militância24 24 Há várias evidências da influência dos movimentos no desenho do Programa. Por exemplo, para lidar com o a especulação em torno do preço da terra, os movimentos propuseram a modalidade “Aquisição de terreno, elaboração de projetos e legalização”, conhecida como “compra antecipada”, que destina recursos para a compra do terreno antes de toda a burocracia estar finalizada. .

E a pressão do movimento sobre o desenho da política permanece. Entre os dias 23 e 25 de maio de 2014, em Belém, a UNMP realizou seu Encontro Nacional que teve a autogestão como tema central. Foram também debatidas propostas para aperfeiçoar o MCMV-E, como lemos no boletim do Encontro:

“A maioria das intervenções [dos participantes durante o dia 24] foram sobre o Minha Casa, Minha Vida Entidades (…). Todas as propostas foram levadas pessoalmente ao representante do Ministério das Cidades, Marcos Aurélio, presente no debate. Ele fez um balanço do programa e reconheceu que é preciso aprimorar” (Jornalzinho do 13º Encontro, 24 maio 2014, p.2).

Segundo Benedito Barbosa (em entrevista), a UNMP estaria pressionando mais uma vez pela viabilização da propriedade coletiva da moradia autogestionária25 25 Atualmente, ao final do processo construtivo não há possibilidade de propriedade coletiva. A família assina o contrato e após quitar sua dívida terá a posse da moradia. .

IV. Conclusões

Este trabalho discutiu os efeitos políticos dos movimentos sociais sobre a política pública, a partir do caso da União Nacional por Moradia Popular (UNMP). Para essa análise, mobilizamos a literatura anglo-saxônica que tem se dedicado ao estudo dos resultados dos movimentos, com ênfase sobre o modelo dos efeitos combinados (joint-effect model). Segundo esse modelo, o que explica os resultados dos movimentos é uma combinação entre a capacidade de mobilização do movimento associado à presença de condições externas favoráveis, por exemplo, a presença de aliados poderosos. Nosso estudo confirma parcialmente as hipóteses principais do modelo: a capacidade de mobilização da UNMP obteve melhores resultados no contexto de governos alinhados ao movimento. Governos mais abertos como os de Covas e Montoro (e principalmente técnicos engajados dentro do Estado) permitiram que algumas propostas de mutirão fossem à frente. Mas nosso caso também possibilita um aprofundamento deste modelo tal como está formulado. Foi a presença do PT no governo, um partido surgido dos movimentos, que ampliou a margem para a experimentação política ao oferecer recursos organizacionais e financeiros que permitiram, aos atores engajados com a proposta alternativa de gestão da política pública, não apenas colocarem em prática suas ideias, mas reformulá-las. Quando o PT esteve no governo municipal e depois no federal, o movimento passou a fazer parte do Estado, seja porque atores multifiliados foram para dentro dele, seja porque vários compartilhavam os mesmos projetos. A capacidade de mobilização da UNMP, por sua vez, empurrou os governos petistas a ampliarem os recursos para a construção habitacional autogestionária. Quando isso não ocorreu, os ganhos foram menores. Ou seja, no plano mais geral, podemos então afirmar que a UNMP com suas redes que se estendem até a universidade, às assessorias técnicas, ao PT afetam a política pública.

O caso da UNMP aponta para a importância de considerar a múltipla filiação e o compartilhamento de projetos como parte do sucesso do movimento. Os resultados incrementais alcançados pela UNMP estão relacionados a esse tipo de ativismo, cuja particularidade é justamente atuar nos interstícios entre a política institucional e não institucional.

Os programas e normativas, que foram criados ao longo desse percurso, expressam uma proposta alternativa de política pública, construída nas interações entre movimentos, assessorias técnicas, partidos, academia, técnicos do Estado, governos e comunidades a partir do aprendizado prático em conjunturas dadas, operada na chave da múltipla filiação. Não são no sentido clássico “demandas do movimento que o Estado acolhe”. Como vimos ao longo desta narrativa, o processo é mais complexo, visto que a própria demanda pode ser lida como resultado da dinâmica da interação Estado-movimento, a partir do qual se forjou entre os atores um forte compartilhamento de projeto que atravessou as fronteiras do movimento, do estado e do partido.

No que se refere especificamente à estrutura de mobilização e as estratégias de ação da UNMP, destacamos a combinação das estratégias insider e outsider, ambas submetidas ao objetivo principal que é a negociação com o Estado. Essa ênfase na negociação estabelece internamente os limites das práticas disruptivas. Como nos disse uma importante liderança da UNMP em certa ocasião: “nossos protestos são para estabelecer a negociação, não para fechar as portas de acesso ao Estado. Por isso temos que saber a hora de ir para a rua e de chamar nosso povo de volta”. Destaca-se também a atuação multiescalar. A UNMP se move continuamente do plano local do território ao plano nacional, com notável capacidade de articulação – retroalimentação – das ações no interior desses diferentes níveis.

Por fim, a UNMP tem impactado a política pública sob a forma de resultados incrementais em um contexto bastante adverso dado a supremacia dos interesses do capital imobiliário na produção das cidades brasileiras. Complementando o que afirma o modelo dos efeitos combinados, a UNMP tem resultados não porque suas demandas sejam pouco conflitivas. Muito pelo contrário, no plano ideológico elas são altamente disruptivas e mexem com uma política central para a economia do país e para a vida das pessoas. O problema é que, sem poder para inverter a lógica da produção habitacional, a UNMP foi “comendo pelas bordas”, explorando as brechas e as janelas de oportunidades, no percurso errático e descontínuo que marca a produção da política de habitação popular no Brasil. A proposta de autogestão pode conviver com o sistema habitacional orientado para o mercado, desde que seja mantido como programa “alternativo”, “piloto”, “experimental” ou “residual”, como é o caso atualmente da modalidade Entidades, do Programa Minha Casa Minha Vida, que destina menos de 1% para a autogestão habitacional. Mesmo assim, não custa lembrar que esse “residual” exigiu grande dose de empenho e paciência para ser conquistado.

  • *
    A primeira versão deste texto foi apresentada no IX Encontro da ABCP, em 2014, agradecemos os sugestões dos debatedores e do público presente. Agradecemos também a leitura e os comentários de Karin Blikstad, Evaniza Rodrigues, Rosangela Paz, Benedito Barbosa, Luciana Lago e Caio Santo Amore. Aos pareceristas da Revista de Sociologia e Política agradecemos as pertinentes sugestões para a revisão da versão final do texto.
  • 1
    No domínio político, os estudos também discutem os impactos do exercício da influência política sobre os padrões de atuação e de apoio das organizações de movimentos sociais.
  • 2
    Atuando no plano nacional, além da UNMP, existem ainda outras quatro organizações articuladoras: Central de Movimentos Populares (CMP), Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
  • 3
    Nesse sentido, vale a pena lembrar outras demandas do movimento de moradia que não tiveram o mesmo impacto. O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social foi aprovado em 2005, mas com o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), não chegou a ser plenamente implementado. A criação de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano permanece há anos como demanda sem ser concretizado.
  • 4
    Entendemos compartilhamento de projetos políticos como utiliza Dagnino (2002)Dagnino, E., 2002. Sociedade civil, espaços públicos e construção democrática no Brasil: limites e possibilidades. In E. Dagnino, ed. Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra., como projetos que atravessam sociedade e Estado e num sentido próximo da visão gramisciana, são utilizados aqui “para designar os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos” (idem, p.282)
  • 5
    A ideia de múltipla filiação foi desenvolvida por Mische (2008)Mische, A., 2008. Partisan Publics: Communication and contention across Brazilian youth activist networks. Princeton: Princeton University Press. e está relacionada à maneira como indivíduos pertencem ao mesmo tempo a múltiplas redes de igrejas, partidos, agremiações, associações e ONGs. Ao transitar entre vários grupos essas lideranças conferem maior complexidade a esses atores coletivos ao mesmo tempo em que incorporam, em suas trajetórias, novos saberes e expertise conquistados nessas interações.
  • 6
    Destacamos, dentre outros, Abers e Bulow (2011)Abers, R. & Bulow, M., 2011. Movimentos sociais na teoria e na prática: como estudar o ativismo através da fronteira entre estado e sociedade? Sociologias, 13(28), pp.52-84. DOI: 10.1590/S1517-45222011000300004
    https://doi.org/10.1590/S1517-4522201100...
    ; Dowbor (2013)Dowbor, M., 2013. Arte da institucionalização: estratégias de mobilização dos sanitaristas (1974-2006). Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.; Teixera (2013)Teixeira, A.C.C., 2013. Para além do voto: uma narrativa sobre a democracia participativa no Brasil (1975-2010). Tese de Doutorado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas.; Lotta (2012)Lotta, G., 2012. O papel das burocracias do nível de rua na implementação de políticas públicas: entre o controle e a discricionariedade. In C.A.P. Faria, ed. Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: PUC Minas.; Silva e Schmitt (2012)Silva, M.K. & Schmitt, C.J., 2012. Políticas em rede: uma análise comparativa das interdependências entre o Programa de Aquisição de Alimentos e as redes associativas na Bahia e no Rio Grande do Sul. In 36° Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu.; Silva e Oliveira (2011)Silva, M.K. & Oliveira, G.L., 2011. A face oculta(da) dos movimentos sociais: trânsito institucional e intersecção Estado-Movimento – uma análise do movimento de economia solidária no Rio Grande do Sul. Sociologias, 13, pp.86-124. DOI:10.1590/S1517-45222011000300005
    https://doi.org/10.1590/S1517-4522201100...
    ; Blikstad (2012)Blikstad, K., 2012. O agir coletivo nas interfaces da sociedade civil e do sistema político: o caso da atuação do movimento de moradia de São Paulo sobre a política pública de habitação. Dissertação de Mestrado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas., Abers, Serafim e Tatagiba (2014)Abers, R.; Serafim, L. & Tatagiba, L., 2014. Repertórios de Interação Estado-Sociedade em um Estado Heterogêneo: A Experiência na Era Lula. Dados, 57(2), pp.325-357. DOI: 10.1590/0011-5258201411
    https://doi.org/10.1590/0011-5258201411...
    ; Abers e Tatagiba (2015); Meza e Tatagiba (2015)Meza, H. & Tatagiba, L., 2015 Detectando a zona de intersecção. Análise das relações do movimento de mulheres com o sistema de partidos na Nicarágua contemporânea. No prelo..
  • 7
    Embora a ideia de “sucesso” ou “fracasso” esteja presente na literatura sobre as consequências dos movimentos, nesse texto preferimos nos referir a “efeitos”, “impactos”, “resultados” ou “frutos”, aqui empregadas como sinônimos, para significar resultados parciais ou incrementais.
  • 8
    Por isso, neste artigo, nos referimos à UNMP como esse grupo que surge na Zona Leste, estrutura-se como UMM e depois cria a UNMP. Esse desenho da pesquisa é importante para podermos apreender a dinâmica da ação das lideranças desde o plano local até a esfera nacional.
  • 9
    Sítio da UNMP. Disponível em: http://www.unmp.org.br. Acessado em 30 de julho de 2014.
  • 10
    Sítio da UNMP de São Paulo. Disponível em: http://www.sp.unmp.org.br. Acessado em 30 de julho de 2014.
  • 11
    Evaniza Rodrigues é uma importante liderança com atuação tanto na cidade de São Paulo quanto no plano nacional.
  • 12
    Nesse esforço de reconstrução histórica da trajetória do movimento com foco sobre o processo de produção da política pública, dialogamos de forma estreita com a dissertação de mestrado Bliskstad, que destaca entre os principais achados de sua pesquisa a centralidade da política pública para compreender a configuração e a trajetória do movimento (Blikstad 2012Blikstad, K., 2012. O agir coletivo nas interfaces da sociedade civil e do sistema político: o caso da atuação do movimento de moradia de São Paulo sobre a política pública de habitação. Dissertação de Mestrado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas., p.11).
  • 13
    O processo de provisão habitacional instaurado no Uruguai a partir do final dos anos 1960 se tornou a principal referência para a defesa do processo autogestionário de produção de moradias e modelo para o movimento de moradia de São Paulo (Arantes 2002Arantes, P., 2002. Arquitetura Nova. São Paulo: Editora 34., p.182).
  • 14
    As “Caravanas para Brasília” são parte importante do repertório do movimento de moradia e passaram a ser realizadas anualmente a partir de 1988 (Paz 1994Paz, R., 1994. Entrevista. In A.A. Silva. Moradia e cidadania: um debate em movimento. Publicação Pólis, 20, pp.111-126.).
  • 15
    Dentre eles estava o Padre Ticão, do Movimento Sem-Terra Leste II, filiado à UMM naquele momento, Nabil Bonduki (arquiteto assessor dos movimentos nos empreendimentos autogestionários, que foi indicado como Superintendente de Habitação Popular no Governo Erundina), Leonardo Pessina, uruguaio com experiências nas cooperativas de autoconstrução, entre outros.
  • 16
    Foram realizados 93 convênios com organizações de luta pela moradia, envolvendo 12 mil unidades habitacionais construídas pelo sistema de mutirão com autogestão.
  • 17
    Sobre o uso das ocupações como forma de luta do movimento, ver Trindade (2014)Trindade, T., 2014. Ampliando o debate sobre a participação política e a construção democrática: o movimento de moradia e as ocupações de imóveis ociosos no centro da cidade de São Paulo. Tese de Doutorado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. e Paterniani (2013)Paterniani, S., 2013. Política, fabulação e a ocupação Mauá: etnografia de uma experiência. Dissertação de Mestrado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas..
  • 18
    Para uma análise do CMH, cf. Tatagiba e Teixeira (2007)Tatagiba, L. & Teixeira, A.C.C., 2007. O papel do Conselho Municipal de Habitação na política de habitação em São Paulo. In R. Cymbalista, ed. Habitação: controle social e política pública. São Paulo: Instituto Pólis.. Para uma análise das disputas entre movimentos e governos em torno da composição do CMH, ver Tatagiba e Blikstad (2011)Tatagiba, L. & Blikstad, K., 2011. Como se fosse uma eleição para vereador: dinâmicas participativas e disputas partidárias na cidade de São Paulo. Lua Nova, 84, pp.353-364. DOI: 10.1590/S0102-64452011000300007
    https://doi.org/10.1590/S0102-6445201100...
    .
  • 19
    Para Cavalcanti (2006)Cavalcanti, G.C.V., 2006. Uma concessão ao passado: trajetórias da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo., a causa para a diminuição da pressão está em outro lugar: na profissionalização dos militantes dos movimentos. A partir de meados dos anos 1990, segundo Cavalcanti, teria se intensificado a atuação dos militantes nos diretórios zonais do PT, assim como nos gabinetes dos parlamentares petistas. Como consequência, os movimentos teriam moderado suas formas de luta.
  • 20
    Organização da sociedade civil dirigida por Lula.
  • 21
    Evaniza Rodrigues, da UNMP, participou da equipe de coordenação do Projeto.
  • 22
    Em Naime (2009)Naime, J., 2009. Os interesses em torno da Política de Habitação Social no Brasil: a autogestão no Programa Crédito Solidário. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. há uma interessante referência às disputas entre movimentos, MinCidades e CEF, sobre a paternidade do programa.
  • 23
    A meta da modalidade Entidades era de 3% dos recursos que seriam gastos no Programa MCMV. Entretanto, segundo dados da pesquisa realizada pelo IAU-USP São Carlos e a assessoria técnica Peabiru, a modalidade Entidades representa menos de 0,5% dos recursos contratados no Programa MCMV no país, incluindo todas as modalidades e todas as faixas de renda (IAU/Peabiru 2014IAU/Peabiru, 2014. Relatório parcial A inserção urbana através da produção do MCMV-Entidades no estado de São Paulo: abordagem etnográfica de casos selecionados. Brasília: Ministério das Cidades/Cnpq.).
  • 24
    Há várias evidências da influência dos movimentos no desenho do Programa. Por exemplo, para lidar com o a especulação em torno do preço da terra, os movimentos propuseram a modalidade “Aquisição de terreno, elaboração de projetos e legalização”, conhecida como “compra antecipada”, que destina recursos para a compra do terreno antes de toda a burocracia estar finalizada.
  • 25
    Atualmente, ao final do processo construtivo não há possibilidade de propriedade coletiva. A família assina o contrato e após quitar sua dívida terá a posse da moradia.

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Artigos de jornais

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  • Jornalzinho do 13º Encontro, 24 maio 2014, p.2.

Outras fontes

  • IAU/Peabiru, 2014. Relatório parcial A inserção urbana através da produção do MCMV-Entidades no estado de São Paulo: abordagem etnográfica de casos selecionados Brasília: Ministério das Cidades/Cnpq.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2014
  • Aceito
    27 Jan 2015
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