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Os mundos sociais da empresa

The social worlds of the firm

Les mondes sociaux de l'entreprise

Resumos

Ao contrário do modo comum que a sociologia trata as empresas, tratamos a empresa, neste artigo, como um universo social que, além de constituir um universo de relações de força, também é um espaço de socialização irredutível à sua dimensão propriamente agonística. Destarte, tratando a empresa como um universo de relações sociais - o que chamamos de "mundo social" -, apresentamos uma tipologia geral que pretende descrever os modos gerais de funcionamento das empresas. Para construir essa tipologia, mobilizamos grande parte das pesquisas e dos dados coletados ao longo de mais de 10 anos de pesquisas em nosso centro. Assim, construímos cada tipo analisando a lógica interna das empresas analisadas, e as diferenciamos. A partir de então, comparamos os vários tipos e ressaltamos suas especificidades. Apresentamos também uma análise das transformações específicas que passam alguns modelos de empresa, e buscamos ressaltar suas causas conjunturais e internas. Concluímos apresentando considerações acerca da possibilidade da aplicação prática da tipologia aqui proposta para a gestão efetiva das empresas.

tipologia de empresas; gestão empresarial; autonomia; mundos sociais


The firm is a hybrid object set at the crossroads of several disciplines such as Management Sciences, Economics, Sociology and Psychology. Although the firm has also become the object of a considerable amount of research, we are still lacking a solid base of knowledge on its regulation modes. The discovery that the firm is not reducible to the notion of an organization founded on power relations among actors but can be considered a space of socialization has enabled us to introduce frameworks of cultural regulation. Our analytical perspective views its productive context as emerging from a socio-historical fabric as well as the contingencies of external milieu. The autonomy of the firm can be understood from the perspective of the singularity of its developmental trajectory, never reducible to its formal structure or market contingencies. The Sociology of the Firm furthers our knowledge of social systems of production through an analysis of middle levels of regulation, that is, production establishments. This article proposes a general typology of the social modes of firm functioning, combining the social and administrative dimensions of organizations, development strategies, human resource and organizational politics as well as systems for cooperation between actors and cultural professionals.

Sociology of the Firm; power relations; spaces of socialization; social systems of production


L'entreprise est comme un objet hibride au carrefour de plusieurs disciplines comme les sciences de la gestion, l'économie, la sociologie, la psychologie et autres. Bien que l'entreprise soit aussi l'objet de plusieurs recherches, on n'a pas encore de connaissance solide concernant ses moyens de régulation. La découverte que l'entreprise n'est pas qu'une organisation construite à travers de relations de pouvoir entre des acteurs, mais qu'elle peut être considérée comme un espace de socialisation, c'est ce qui a permis d'introduire les repères de la régulation culturelle, dans la perspective d'un contexte productif à la tessiture socio-historique et les exigences de ce qui l'entoure. L'autonomie de l'entreprise existe dans sa trajectoire de développement particulière, jamais réduite à sa structure formelle ou aux conditions du marché. La Sociologie de l'Entreprise favorise la connaissance des systèmes sociaux de production à partir de l'analyse des niveaux intermédiaires de régulation, à savoir les établissements de production. Cet article propose une typologie générale des modes de fonctionnement social de l'entreprise, en associant les dimensions sociales et administratives des sociétés, les stratégies de développement, les politiques de l'organisation et de ressources humaines et les systèmes de coopération entre acteurs et cultures profissionnelles.

Sociologie de l'Entreprise; relations de pouvoir; espace de socialisation; systèmes sociaux de production


DOSSIÊ "AS EMPRESAS E AS CIÊNCIAS SOCIAIS NA CRISE DA MODERNIDADE"

Os mundos sociais da empresa

The social worlds of the firm

Les mondes sociaux de l'entreprise

Florence Osty; Marc Uhalde

RESUMO

Ao contrário do modo comum que a sociologia trata as empresas, tratamos a empresa, neste artigo, como um universo social que, além de constituir um universo de relações de força, também é um espaço de socialização irredutível à sua dimensão propriamente agonística. Destarte, tratando a empresa como um universo de relações sociais - o que chamamos de "mundo social" -, apresentamos uma tipologia geral que pretende descrever os modos gerais de funcionamento das empresas. Para construir essa tipologia, mobilizamos grande parte das pesquisas e dos dados coletados ao longo de mais de 10 anos de pesquisas em nosso centro. Assim, construímos cada tipo analisando a lógica interna das empresas analisadas, e as diferenciamos. A partir de então, comparamos os vários tipos e ressaltamos suas especificidades. Apresentamos também uma análise das transformações específicas que passam alguns modelos de empresa, e buscamos ressaltar suas causas conjunturais e internas. Concluímos apresentando considerações acerca da possibilidade da aplicação prática da tipologia aqui proposta para a gestão efetiva das empresas.

Palavras-chave: tipologia de empresas; gestão empresarial; autonomia; mundos sociais.

ABSTRACT

The firm is a hybrid object set at the crossroads of several disciplines such as Management Sciences, Economics, Sociology and Psychology. Although the firm has also become the object of a considerable amount of research, we are still lacking a solid base of knowledge on its regulation modes. The discovery that the firm is not reducible to the notion of an organization founded on power relations among actors but can be considered a space of socialization has enabled us to introduce frameworks of cultural regulation. Our analytical perspective views its productive context as emerging from a socio-historical fabric as well as the contingencies of external milieu. The autonomy of the firm can be understood from the perspective of the singularity of its developmental trajectory, never reducible to its formal structure or market contingencies. The Sociology of the Firm furthers our knowledge of social systems of production through an analysis of middle levels of regulation, that is, production establishments. This article proposes a general typology of the social modes of firm functioning, combining the social and administrative dimensions of organizations, development strategies, human resource and organizational politics as well as systems for cooperation between actors and cultural professionals.

Keywords: Sociology of the Firm; power relations; spaces of socialization; social systems of production.

RÉSUMÉS

L'entreprise est comme un objet hibride au carrefour de plusieurs disciplines comme les sciences de la gestion, l'économie, la sociologie, la psychologie et autres. Bien que l'entreprise soit aussi l'objet de plusieurs recherches, on n'a pas encore de connaissance solide concernant ses moyens de régulation. La découverte que l'entreprise n'est pas qu'une organisation construite à travers de relations de pouvoir entre des acteurs, mais qu'elle peut être considérée comme un espace de socialisation, c'est ce qui a permis d'introduire les repères de la régulation culturelle, dans la perspective d'un contexte productif à la tessiture socio-historique et les exigences de ce qui l'entoure. L'autonomie de l'entreprise existe dans sa trajectoire de développement particulière, jamais réduite à sa structure formelle ou aux conditions du marché. La Sociologie de l'Entreprise favorise la connaissance des systèmes sociaux de production à partir de l'analyse des niveaux intermédiaires de régulation, à savoir les établissements de production. Cet article propose une typologie générale des modes de fonctionnement social de l'entreprise, en associant les dimensions sociales et administratives des sociétés, les stratégies de développement, les politiques de l'organisation et de ressources humaines et les systèmes de coopération entre acteurs et cultures profissionnelles.

Mots-clés: Sociologie de l'Entreprise ; relations de pouvoir ; espace de socialisation ; systèmes sociaux de production.

I. INTRODUÇÃO

A empresa situa-se como um objeto híbrido na encruzilhada de várias disciplinas como ciências da gestão, economia, sociologia, psicologia e outras. Apesar da empresa já também ser objeto de diversas pesquisas, ainda não dispomos de um sólido conhecimento de seus modos de regulação. A sociologia francesa continua fortemente marcada por uma sociologia do trabalho e das relações profissionais que não levam em conta o tecido social da empresa. Por outro lado, as ciências da gestão reduzem-na a dispositivos prescritivos cada vez mais sofisticados.

Na verdade, é a sociologia da empresa, que deve suas primeiras formulações a Renaud Sainsaulieu (1991), que continua a explorar os contornos e dimensões da empresa como objeto sociológico. A descoberta de que a empresa não se reduz a uma organização construída por relações de poder entre atores, mas pode ser considerada como um espaço de socialização, é que permitiu introduzir os marcos da regulação cultural, em perspectiva de um contexto produtivo, com uma tessitura social-histórica e com as contingências do meio externo. A autonomia da empresa compreende-se na singularidade de sua trajetória de desenvolvimento, nunca redutível à sua estrutura formal ou às contingências do mercado. A sociologia da empresa permite o conhecimento dos sistemas sociais de produção a partir da análise dos níveis intermediários de regulação, a saber, os estabelecimentos de produção.

Este artigo propõe uma tipologia geral dos modos de funcionamento social de empresa, combinando as dimensões sociais e administrativas das organizações, as estratégias de desenvolvimento, as políticas de organização e de recursos humanos e os sistemas de cooperação entre atores e culturas profissionais. Essa tipologia baseia-se, de um lado, sobre um grande número de pesquisas qualitativas realizadas nos anos 1990/2000. Uma primeira publicação, em 1995, apoiava-se sobre a análise de 81 monografias detalhadas de empresas e de organismos públicos, pertencentes a diferentes setores de atividade, envolvendo aproximadamente 4 000 entrevistas individuais com todas as categorias de pessoal (FRANCFORT, SAINSAULIEU & UHALDE, 1995). A reedição de 2007 baseia-se em 45 novas monografias que validam a tipologia original, enfatizando certos traços e mostram finalmente a evolução social atual das organizações de produção (OSTY, SAINSAULIEU & UHALDE, 2007).

II. UMA PLURALIDADE DE MUNDOS SOCIAIS DA EMPRESA

Da combinação dos diferentes fatores de produção (estrutura, modos de organização e de gestão de pessoas, relações de poder e culturas de trabalho) resulta uma tipologia de cinco "mundos sociais de empresa", característicos da época contemporânea.

A "empresa dual" é encontrada em atividades manufatureiras, que fabricam produtos simples, ou em atividades muito competitivas (fast food, distribuição no atacado, limpeza industrial etc.), nas quais o fator principal de competitividade repousa sobre a produtividade direta do trabalho. Essas empresas implementam organizações tayloristas, em que dominam os princípios de especialização de tarefas e de forte divisão do trabalho e das carreiras entre os superiores e os assalariados.

Atualmente, esses traços tendem a reforçar-se sob o efeito de diversos fatores como: a sofisticação das ferramentas logísticas na interface da produção com o mercado, a introdução de uma flexibilidade organizacional e do emprego, face às variações da demanda, a precariedade do emprego para os baixos níveis de qualificação e o enfraquecimento dos contrapoderes sindicais. Disso tudo resulta um mundo social marcado pelo poder predominante dos atores do gerenciamento, por uma erosão das reações no seio dos coletivos de trabalho e por uma integração no trabalho vivida sob o modo do constrangimento.

Essa dinâmica social da empresa tem suas raízes no tecido econômico francês, sendo objeto de críticas e denúncias por parte dos pesquisadores ou dos médicos do trabalho. Além disso, ela aparece em setores novos como os call centers, o setor de limpeza industrial ou o de alimentação industrial.

Já a "empresa burocrática" é observada no universo de serviço público não mercantil. Essas são organizações tradicionalmente burocráticas, ou seja, com estruturas, procedimentos e estatutos muito formalizados, que se descentralizam para melhor adaptar-se às realidades locais e aumentam as funções de seus agentes, principalmente promovendo a polivalência. Seu funcionamento interno, classicamente marcado por divisões entre estratos e entre funções, evolui segundo duas vias distintas.

Nas atividades que exigem a relação com os usuários, os agentes desenvolvem novas relações de trabalho fundadas sobre a troca de know-how e suas ações são cada vez mais referentes a uma moral de serviço público. A preocupação com o usuário está no coração dessa evolução sócio-cultural; nesses termos, pode-se falar de um modelo de burocracia "aberta". Esse investimento no trabalho conduz a novas relações hierárquicas de apoio técnico e de legitimação das competências reais dos agentes. Entretanto, a questão do reconhecimento desse profissionalismo no quadro de gestão de pessoal continua a ser uma fonte de tensões.

Nas atividades mais administrativas, os entendimentos de trabalho evoluem na direção de um pacto de condições de trabalho, em que se troca uma confiabilidade no tratamento das tarefas repetitivas e uma renúncia a uma carreira promocional, por uma possibilidade de articular melhor a vida no trabalho e a vida fora do trabalho, permitindo-nos falar de uma burocracia "pacificada" nesses termos.

A "empresa comunidade", por sua vez, desenvolve-se em atividades complexas, requerendo altos níveis de know-how, mais freqüentemente sobre mercados especializados que necessitam de constantes inovações. Essas empresas são como que testemunhas de um sistema social dinâmico, que é baseado na negociação, em um projeto comum, na profissionalização e na integração duradoura dos assalariados. O compromisso com a qualidade dos produtos cria entre os atores uma forte afetividade para com a empresa, com sua história e com seus dirigentes. Esse tipo de vínculo com a empresa explica-se por uma estratégia de desenvolvimento econômico apoiado na qualidade e na inovação.

O projeto de relações internas é baseado na confiança, na proximidade e no desenvolvimento pessoal. A flexibilidade interna, requerida pela inovação, é compensada por uma forte continuidade da gestão de pessoal, permitindo relações de trabalho estáveis. As "empresas comunidade" resistem às reconfigurações dos mercados e das estruturas econômicas. Elas são encontradas na maioria dos setores de atividades, mas sempre em número restrito, mostrando a persistência de uma lógica empresarial profundamente ancorada na paisagem francesa.

A "empresa modernizada" concerne, na maior parte das vezes, às empresas antigas, fabricando produtos complexos, mas padronizados, e dispondo de regras estruturadas de gestão do pessoal, provindas da negociação social. Ameaçadas de fechamento, essas empresas ou esses estabelecimentos avaliam a sua recuperação sobre uma modificação sistêmica, que atinge simultaneamente os produtos, a tecnologia, a organização do trabalho e a gestão de pessoas. Os dirigentes implementam numerosos dispositivos participativos e experimentais, orientados não somente para a restauração de margens de rentabilidade, mas também para o desenvolvimento de novas competências e novas relações entre estratos e entre profissões. Essa condução da mudança alia a introdução de novas normas de gestão à preocupação de se investir na gestão de pessoas, sobre sua cultura e sobre suas capacidades para conceber novos modos de funcionamento organizacionais.

Disso resultam não só aprendizagens coletivas e culturais patentes, mas também o reforço de uma identidade de empresa, fundada sobre a experiência de um desafio coletivo de modernização. Esses aprendizados, contudo, podem ser reversíveis, pois eles dependem em parte de variáveis não estruturais, como a memória do período traumático do risco de fechamento, a nomeação de dirigentes sensíveis à dimensão humana das organizações, ou ainda a manutenção de um gerenciamento interativo. As dinâmicas de modernização sócio-produtivas são freqüentemente observadas em estabelecimentos ou em filiais de grandes empresas, mostrando toda a importância e a amplitude de ação dos dirigentes operacionais.

Já a "empresa em crise" apresenta características formais idênticas às empresas precedentes, mas esse modelo revela outra face contemporânea da modernização, a da crise dos marcos e das relações de trabalho. Obrigadas a desenvolver novos produtos e novas organizações frente a mercados evolutivos, essas empresas comprometem-se com reformas, priorizando a renovação dos setores estratégicos, a introdução de novas funções e de novos perfis profissionais e novas regras de gestão. Essas mudanças impostas tendem a desqualificar as profissões tradicionais e geram múltiplas divisões (profissionais, estatutárias e geracionais) entre os atores.

Ondas de reformas sucedem-se de maneira contínua, dificultando a adesão dos atores operacionais, que apenas as aceitam. O nível intermediário da hierarquia é esvaziado, com dificuldades de situar-se entre a obrigação de conceder autonomia aos subordinados para atingir os objetivos da produção e a implantação de procedimentos centrais destinados a controlar o trabalho dos assalariados. A crise desdobra-se em vários níveis: crise de gestão, pela fraca legibilidade das escolhas estratégicas e perda de confiança dos assalariados; crise de sentidos, pela ausência de discurso institucional sobre as profissões e sobre as aspirações reais dos trabalhadores; e crise de regulação, pois os desacordos não encontram mais espaço de expressão e de negociação no interior da organização. As crises de modernização tendem a espalhar-se no tecido produtivo, sendo que nós podemos encontrar essas empresas atualmente tanto no setor privado quanto no setor público.

A compreensão dos cinco "mundos sociais da empresa" permite contemplar certas problemáticas importantes das empresas francesas contemporâneas a partir da observação dos modelos empíricos. Três fatores sobressaem-se nessa análise: a natureza do vínculo social dominante nas relações entre os atores, a orientação dos processos de mudanças e o grau de legitimação da ação dirigente. Essas três dimensões são representadas pelos três eixos apresentados a seguir, a partir dos quais cada mundo social pode ser definido, singularizado e confrontado com os outros.

III.1. O modo de integração social, entre a comunidade e a sociedade

Este primeiro eixo qualifica a natureza do vínculo social e o modo de integração dos atores da empresa. Ele retoma uma distinção já operada por Max Weber1 1 "Nós chamaremos comunalização, uma relação social quando, ou enquanto, a disposição da atividade social se funde sobre o sentimento subjetivo dos participamtes de pertencer a uma mesma comunidade, Nós chamaremos associação uma relação social quando, e enquanto, a dispodição da atividade social de fundamenta sobre um compromisso de interesses motivado racionalmente (em valor ou em finalidade) ou sobre uma coordenação de interesses motivados da mesma maneira" (WEBER, 1971, p. 41). , há mais de um século, a propósito do movimento de racionalização da sociedade.

Aplicado ao mundo da empresa, ele coloca primeiramente em evidência uma ordem social fundada sobre a tradição, composta de normas, de valores e de representações compartilhadas e um tipo de solidariedade baseada no conhecimento que os atores têm de que partilham um mesmo destino. A importância atribuída à socialização e, portanto aos mecanismos de transmissão cultural, traduz a força desse vínculo social comunitário. O mundo de comunidade apresenta freqüentemente uma forte cultura profissional de empresa, algumas vezes ligada ao fundador e que é atualizada no quotidiano nas interações entre indivíduos, mas também entre a base e o topo.

Ao contrário, no modo de integração sobre um modo societário, ressalta-se a negociação entre atores com interesses divergentes no processo de construção de regras. Nesse caso, a noção decompromisso é central para designar um modo de legitimação das regras e seu caráter contingente, uma vez que estão submetidas às flutuações do processo de negociação. Sua explicação é indispensável para sua validade e para sua implementação concreta. O modelo da burocracia é o seu arquétipo, pois o corpo de regras, cristalizado em um estatuto e vários procedimentos, permite reger os entendimentos humanos de produção e permite dar sentido à ação.

Gráfico 1


III.2. A orientação da mudança, entre reprodução, modernização e crise

A segunda problemática em torno da qual gravitam os cinco mundos sociais é aquela da natureza das mudanças sociais que as atravessam. Trata-se bem de uma questão de época, pois as transformações das empresas aceleraram-se desde os anos oitenta. De fato, todas as empresas pesquisadas lançaram-se em ações de mudança, mas essa pesquisa de adaptação indica que as novas imposições de meio ambiente não operam da mesma maneira para o conjunto das organizações.

Algumas se inscrevem em uma dinâmica da reprodução de seu modo de regulação para fazer frente aos novos desafios de sua atividade produtiva. Elas se apóiam nos processos dinâmicos implementados pelas organizações para conservar seu funcionamento social integrando as novidades de gestão e técnicas, regulamentares ou de produtos, requeridas para seu desenvolvimento. Frente a todas essas contingências, a continuidade de um modelo de regulação social pode ser considerada seja como um simples efeito de inércia (incapacidade de reformar-se) seja, ao contrário, como um trabalho de adaptação particularmente sutil e delicado.

No estudo de um grande número de casos, a realidade contemporânea parece situar-se de preferência na segunda configuração. No caso da empresa comunidade, a força do modelo cultural serve de ponto de ancoragem no projeto de desenvolvimento da empresa sobre um mercado da qualidade e da flexibilidade.

A inércia das regras da burocracia, apesar de alguns arranjos, mostra bem a que ponto esse modelo continua legítimo a despeito das tensões entre a dinâmica profissional e a lógica do estatuto. A modernização da burocracia não questiona seus fundamentos, mas possibilita uma abertura maior aos usuários, permitindo práticas mais adaptadas à complexidade da demanda social. Quanto ao universo da empresa dual, é significativo que a adaptação ao mercado faça-se pelo princípio de divisão social e trabalho. O modelo taylorista torna-se mais flexível, mas não desemboca em novo modelo.

Outras empresas engajam-se em uma dinâmica de transformação, tomando a configuração da empresa modernizada. Essencialmente, tal dinâmica corresponde ao modelo da aprendizagem coletiva, descrita por M. Crozier e E. Friedberg (1977), da aprendizagem cultural (SAINSAULIEU, 1987; 1997) e também aos modelos de aprendizagem organizacional, que alimentam uma vasta literatura (notadamente Argyris e Schön, 1978 e Argyris, 1995).

Trata-se de um processo de mudança que diz respeito à própria natureza do sistema social da organização, ou seja, ele concerne não somente os produtos, as estruturas de organização e as ferramentas de produção, mas também os atores, suas apostas, seus recursos, suas estratégias, as solidariedades do grupo, as identidades coletivas, assim como a regulação social e cultural do conjunto. A trajetória recente dessas organizações é marcada por um princípio de ruptura, inscrevendo um ponto de não-retorno com relação ao passado, mas também por aprendizagens sociais e a pela invenção de novas regulações.

Enfim, a tipologia dos mundos sociais põe em evidência a dinâmica da mudança crítica, fenômeno novo que surge nos anos 90. A teoria das organizações apoiou-se muito tempo na simples oposição entre a mudança e a reprodução, insistindo notadamente sobre a inércia das grandes organizações e sobre sua incapacidade de reformar-se (MERTON, 1949; CROZIER, 1963). Ora, a dinâmica da mudança crítica escapa a essa oposição com a instalação de dinâmicas sociais duravelmente degradadas a propósito de mudanças de gestão. Ela alia processos de ruptura em relação ao passado à ausência de aprendizado coletivo. Esses trabalhos investem temáticas novas como aquela do "movimento", da "desordem" ou ainda crises de modernização (ALTER, 1990; BARUS-MICHEL, GIUST-DESPRAIRIES & RIDEL, 1997; MARTIN & GERRITSEN, 1997; MAYER, 1997). O conceito de "crise" (MORIN, 1976) descreve bem a indeterminação dessa trajetória de mudança, esse "momento de encruzilhada" em que se misturam indistintamente "o risco de regressão e a chance de progressão".

Gráfico 2


III.3. A legitimação da ação dirigente

Essa terceira dimensão enfatiza a legitimidade no modo de governança das empresas. Nossa pesquisa mostra, primeiramente, que há diferentes formas de construção de acordos sobre um projeto de empresa e de gestão, além das divergências de interesses entre os grupos sociais.

A empresa comunidade encontra sua legitimidade na construção de uma ação comum para o mercado. A empresa burocrática preserva sua legitimidade de maneira mais contingente por meio das relações de negociação entre estratos hierárquicos, permitindo a cada um deles construir um sentido na ação do serviço público. A empresa modernizada produz uma legitimação da ação dirigente, capaz de animar um processo complexo de aprendizagem coletiva que reúne mais do que divide a comunidade profissional. Ao contrário, os dois últimos mundos distinguem-se pela ilegitimidade de seu projeto de gestão.

Com a empresa dual, tocam-se os limites de um modo de governo fundado sobre a coerção e sobre o emprego como únicas variáveis de ajuste. Os planos sociais não são mais unicamente a conseqüência de dificuldades econômicas, mas o resultado de arbitragens geopolíticas e financeiras cada vez mais contestadas. A busca do custo mais baixo leva a escolhas que podem chegar, por exemplo, à transferência em direção a países em que a mão de obra é menos cara, enquanto as flutuações da bolsa impõem licenciamentos para fazer subir o valor da ação. Ao compromisso fordista dos Trinta Anos Gloriosos substituem-se práticas contingentes e aleatórias que não permitem mais uma integração durável dos assalariados. A questão do pacto social está na base da ilegitimidade desse mundo social.

No caso da empresa em crise, o conflito de legitimidade aparece entre os grupos profissionais - entre os "antigos" e os "modernos", entre duas concepções da profissão. Esses litígios fundamentam-se na ausência de legibilidade do projeto de modernização, em que os dirigentes favorecem um status quo ambivalente entre o passado e o futuro. A forte instrumentalização das mudanças cria um verdadeiro fosso entre o topo estratégico dessas empresas e a sua base operacional, trazendo à luz concepções divergentes do futuro devido à ausência de espaços de confrontação e de negociação.

IV. A EVOLUÇÃO DAS DINÂMICAS SOCIAIS DA EMPRESA

A variedade dos "mundos sociais" convida a revisitar os modelos de regulação social de empresas identificadas nos anos 80 e 90. Para examinar com mais precisão o sentido que tomam esses modelos em uma perspectiva histórica, é necessário identificar previamente os modelos dominantes do período de crescimento. A literatura econômica e sociológica francesa forneceu-nos vários elementos e conduz-nos a identificar quatro modelos originais sobre os quais se apóiam os "mundos sociais": o modelo burocrático, o comunitário, o taylorista e o micro-corporativista de empresa. Essa reconstituição permite melhor compreender a natureza e a amplitude das evoluções subjacentes na tipologia dos "mundos sociais". Percebe-se pelo menos três tipos de dinâmicas: a reprodução, a evolução progressiva e a transformação.

IV.1. A evolução do modelo burocrático

Os trabalhos de M. Crozier (1963) sobre o funcionamento das empresas burocráticas francesas puseram claramente em evidência a base social das disfunções. O autor constou que os jogos dos atores em torno da promoção e da proteção pelos chefes transformavam-se em um verdadeiro modelo cultural de comportamentos, de conformismo de estrato e de ligação ao formalismo das regras e estatutos. Em que se transformou isso hoje?

As pesquisas realizadas em organizações similares mostraram que esse modelo sofreu três evoluções notáveis. Primeiramente, a valorização do estatuto da empresa pública tornou-se uma verdadeira identidade coletiva, centrada sobre a defesa de um modo de vida no trabalho, em que se conjugam a segurança do emprego, a independência dos indivíduos, a qualidade de serviço e a autonomia em relação à hierarquia. Na época da desregulamentação e da abertura à concorrência européia, a defesa dos estatutos dos servidores suscitou ações coletivas que exprimiam na realidade uma ligação forte com os valores do serviço público.

Em segundo lugar, o aumento do tempo livre, as aspirações das novas gerações por um equilíbrio global de vida e as ameaças sobre o emprego diminuíram a importância relativa dos jogos de poder em torno das promoções. Verdadeiros pactos informais constroem-se para buscar um equilíbrio entre o investimento no trabalho e o investimento fora do trabalho. A aposta situa-se de agora em diante na organização do tempo e das condições de trabalho, bem como na possibilidade de uma ancoragem territorial.

Por último, a burocracia, em contato com os usuários do serviço público, conheceu uma verdadeira transformação das relações hierárquicas de proximidade. Elas versam doravante sobre a elaboração de regras adaptadas às demandas sociais dos usuários. É, portanto, possível afirmar que novas dinâmicas sociais são perceptíveis nas relações de trabalho dos setores administrativos, e que o antigo modelo de burocracia à francesa conheceu evoluções sensíveis ao curso dos últimos decênios. Contrariamente à hipótese de um modo de mudança pela crise interna, os mundos sociais da burocracia foram capazes de gerar espaços de mudança nas periferias da organização, de criar dinâmicas de escuta, de troca e de criatividade entre colegas e com os chefes. Entretanto, as tensões emergentes entre o topo e as bases em relação ao reconhecimento das dinâmicas inovadoras mostram o caráter inacabado dessas transformações e permite vislumbrar que são possíveis alguns movimentos de regressão.

IV.2. A atualização do modelo comunitário

Outros trabalhos debruçaram-se sobre as organizações que repousam sobre um vínculo social comunitário. Essas pesquisas conduzidas em pequenas, médias e grandes empresas descrevem três tipos de organizações sociais que explicam o funcionamento de algumas empresas contemporâneas.

O mais antigo desses modelos continua certamente o do companheirismo das corporações e das "pessoas da profissão" (SWELL, 1983). Trata-se de um mundo de relações intensas, de colaboração e de formação entre aprendizes, companheiros e mestres, em troca de um emprego, de um trabalho interessante e de conselhos. Transpostas para os setores profissionais da empresa (SEGRESTIN, 1986), essa análise desembocou em uma comunidade capaz de excelência, de aperfeiçoamento, e que permite a ascensão de cada um que tenha o domínio das artes mecânicas. Uma identificação coletiva com um meio em que os valores de excelência são valorizados, que tem um código de honra, construiu essa aristocracia operária, na qual cada um tinha confiabilidade, posição social reconhecida e solidariedade integradora.

O paternalismo, por seu lado, apresentou outro modelo de integração comunitária, não mais para uma elite, mas para uma sociedade hierárquica à parte. Em troca de oferecer condições materiais e culturais de vida (alojamento, saúde, educação, lazer e religião), a empresa impunha, a operários não fixos, submissão e fidelidade no exercício de um trabalho penoso e fracamente remunerado. Ainda amplamente presente nos anos sessenta, esse modelo de integração total dos indivíduos em uma comunidade fechada traduziu-se por uma dominação muito forte pelo poder patronal, revezado por dependências hierárquicas não multiplicadas.

A adesão cultural imposta por meio do espírito da casa reduzia fortemente as liberdades individuais. Os assalariados inscreviam-se assim em um mesmo conjunto comunitário integrando o trabalho, a família e a sociedade local. As lutas operárias visando ir contra essa forma de domínio corrigiram parcialmente os efeitos por um tipo de gestão societária das vantagens sociais. Típico de grandes indústrias, esse modelo paternalista criava uma dependência radical do indivíduo com relação a um coletivo hierarquizado.

O terceiro modelo comunitário analisado recentemente foi encontrado em pequenas empresas autogeridas dos anos setenta e também em experimentos participativos em grandes empresas (SAINSAULIEU, TIXIER & MARTY, 1983; MARTIN & GAUTRAT, 1983). Nesse modelo, a integração dos indivíduos em um coletivo de produção era fundada sobre os mecanismos da democracia parlamentar: eleição dos dirigentes, representações múltiplas de pessoal, participação em um trabalho de comissão, clareza das informações econômicas, fraca diferença de grades e de salários. O debate democrático sobre as missões, os objetivos e os resultados da empresa deviam assegurar a perfeita regulagem do conjunto.

Mas a experiência mostrou que se cada um é ator, o indivíduo investe mais em seu projeto pessoal do que no projeto coletivo. A comunidade dissolve-se na confrontação dos projetos e das personalidades. O mundo social da empresa comunidade, observado nas pequenas, médias e em grandes empresas mostra que se a ligação com a empresa existe perfeitamente, ela não se assenta mais sobre as mesmas bases de relações sociais. A imagem da família está com freqüência presente, da mesma forma que um imaginário coletivo fundado sobre a comunidade de destino e as relações entre atores não repousam estritamente sobre um princípio de submissão. O desejo de segurança do emprego continua presente, mas no quadro de uma negociação sobre o desenvolvimento do profissionalismo.

Esse modelo distingue-se claramente do tipo de dominação paternalista e hierárquica. Ele não pode mais ser estritamente assimilado às dinâmicas de trocas entre mestres, companheiros e aprendizes dos meios profissionais. O desenvolvimento da profissão é concebido como indissociável do desenvolvimento econômico da empresa e um e outro são igualmente valorizados. A diferença essencial com relação às organizações de inspiração democrática reside na existência de um poder patronal forte e centralizador que conduz o desenvolvimento da empresa.

A empresa comunidade contemporânea caracteriza-se, portanto por um conjunto de atores polivalentes e interdependentes, animados por uma tripla motivação: a preocupação dos objetivos econômicos da empresa, o desejo de promoção social e de competências profissionais e, enfim, a vontade de reconhecimento e de afirmação identitária nas relações de trabalho no cotidiano.

IV.3. A nova face do modelo taylorista

Qual é o destino do modelo social das relações de trabalho no seio da organização taylorista? Caracterizado por uma divisão social do trabalho entre os formuladores e os gestores, entre hierarquia e bases, entre "tecnoestrutura" e operacionais, esse modelo construiu a produção dos países industrializados do ocidente após a II Guerra Mundial, sobre uma base social não-igualitária que a sociologia cultural pode explicitar no curso dos anos 70.

A pesquisa de R. Sainsaulieu (1976) sobre a identidade no trabalho mostrou claramente que os atores, necessários para as mudanças organizacionais e tecnológicas do crescimento, apoiavam-se sobre quatro lógicas diferentes aprendidas na própria experiência das relações de trabalho. Os operários profissionais e os profissionais superiores monopolizaram o poder dominante, enquanto que os operários especializados desenvolviam uma ação coletiva de massa, centrada sobre o controle dos benefícios do crescimento em termos de remuneração e de condições de trabalho. Enquanto isso, a grande maioria de operários, de empregados especializados e técnicos trocava as posições de afastamento e de respeito às regras por objetivos de realização pessoal fora do trabalho, ou por uma perspectiva de promoção hierárquica e social.

Poucos atores fortes e ofensivos, ações episódicas de luta coletiva e um grande número de indivíduos visando o acesso à sociedade de consumo e à classe média, asseguraram assim à organização taylorista um tipo de compromisso entre a aceitação de um trabalho obrigatório e a redistribuição conflituosa dos recursos econômicos. O mundo da organização racional não estava em questão, ainda que suas características de opressão, de não-igualdade e de tarefas repetitivas sustentassem uma forte combatividade dos sindicatos.

Vinte anos depois dessas observações, o mundo da empresa dual mostra uma evolução significativa dessa dinâmica social. Ele apresenta primeiramente a permanência do modelo taylorista de organização através do tempo e sua aplicação em contextos de produção mais diversos. Além dos setores tradicionais da indústria de montagem, a "organização científica do trabalho" ganhou os setores do serviço, das atividades administrativas, de alimentação de massa ou ainda dos call centers. A permanência reside no declínio do modelo da "operação" (BOYER & DURAND, 1992; VELTZ & ZARIFIAN, 1992): a decomposição da atividade em tarefas elementares, a racionalização de sua seqüência, a especialização forte do trabalho e a forte separação entre atividades de concepção, de realização e de controle do trabalho.

O modelo da empresa dual mostra, entretanto, duas evoluções sensíveis nesse tipo de organização. A primeira reside na busca de flexibilidade da organização taylorista face a uma demanda que se tornou mais flutuante. A especialização das tarefas acompanha uma polivalência inter-tarefas para compor as equipes de produção conforme as encomendas. A flexibilidade diz respeito também aos tempos de trabalho por meio da variedade das formas de empregos e a taxa de redução dos empregos atípicos - contrato com duração determinada, em tempo parcial, provisório. A segunda evolução importante diz respeito a um compromisso social observado durante muito tempo nessas empresas. Os profissionais superiores e a tecnoestrutura usam sua posição para ter poder sobre uma base enfraquecida e sobre sindicatos igualmente enfraquecidos. Enfim, o reforço do controle do trabalho, o desenvolvimento de remunerações individualizadas e da flexibilidade dos tempos de trabalho fazem explodir o coletivo, em que o medo e o individualismo dominam. O compromisso social fordista dá lugar à brutalidade das relações de dominação.

IV.4. As transformações do modelo micro-corporativista de empresa

Uma última série de trabalhos analisa as organizações que empregam profissionais agrupados em verdadeiras "corporações casa". Encontra-se classicamente esse modelo nas empresas francesas de grande porte, posicionadas em setores fortemente capitalistas que recorrem a uma mão de obra profissional (telecomunicações, eletricidade, indústria do cimento e siderurgia). As pesquisas de S. Mallet (1963) sobre as empresas do petróleo e da eletrônica, de D. Segrestin (1985) sobre a indústria do livraison e os estivadores ou de P-E. Tixier (1998; 2002) sobre as grandes empresas públicas permitem traçar as características do modelo corporativo de empresa2 2 Embora escapando aos trabalhos clássicos da sociologia do trabalho e das organizações, essa forma de organização social continua a ser comentada, ilustrando provavelmente o "tabu corporativo" que atinge a França desde a Revolução Francesa . Ver, por exemplo, C. Dubar e P. Tripier (1998) e J. Capdeveille (2001). :

- atividades complexas requerendo altos níveis de qualificação dos agentes de produção;

- uma organização descentralizada, dando aos atores da profissão um poder organizador;

- uma gestão de pessoal que investe na qualificação interna e de carreira profissional (percurso de formação, escolas e diplomas internos e classificação dos empregos);

- uma forte divisão social entre o mundo dos profissionais superiores e o dos outros atores;

- fortes identidades corporativistas, ligadas às profissões da empresa;

- compromisso entre profissionais e responsáveis pela gestão gerado por sindicatos poderosos e baseados na divisão social dos papéis, na redistribuição financeira e na construção de mecanismos internos de progressão profissional (escolas de formação, percurso codificado etc.).

Esse modelo de empresa difundiu-se nas indústrias de alta qualificação e de processos tecnológicos pesados como o cimento, a produção de eletricidade, o petróleo, mas também em atividades terciárias complexas como a educação e formação, a medicina social ou os atendimentos de saúde.

Várias dessas empresas viveram, ao longo dos anos 1980-1990, transformações radicais causadas pela evolução dos mercados. Por trás dos modelos da empresa modernizada e da empresa em crise, perfilam-se claramente três dimensões da desregulamentação do sistema corporativista da empresa:

a) Intrusão do responsável da gestão no mundo da profissão: em todos os casos estudados, a evolução traduz-se pela introdução de novos modos de organização do trabalho pelo gerenciamento. A otimização das relações entre serviços, a redução dos níveis hierárquicos, a introdução de novas tecnologias e de novos perfis de competências são os novos termos da ação gerencial.

b) Introdução da flexibilidade organizacional: ela constitui uma resposta a uma evolução dos produtos em função de volumes de demandas flutuantes. A flexibilidade organizacional traduz-se por um aumento da polivalência entre certas funções e mobilidades funcionais novas.

c) Flexibilização da relação de emprego: trata-se freqüentemente de uma verdadeira desregulamentação da gestão do pessoal anteriormente estabelecida por negociação com os parceiros sociais. A lógica implícita do emprego ao longo da vida erode-se aos caprichos dos licenciamentos de modernização. O princípio de progressão segundo o par antigüidade-now-how de profissão é golpeado pela introdução de uma lógica preeminente de diplomas, conduzindo a acelerar as carreiras de jovens recrutados e a quebrar assim as antigas regras do mercado de emprego interno.

Nesse contexto de transformação importante dos componentes do compromisso micro-corporativos da empresa, nossos trabalhos mostram duas vias de evolução.

De um lado, o mundo social da empresa modernizada sublinha a importância de um processo de aprendizagem coletivo, permitindo que um número maior de trabalhadores possa reconstruir uma nova posição na organização. Esse processo repousa sobre um forte engajamento da direção, sobre o envolvimento dos atores na concepção e a na implementação das transformações organizacionais e sobre a ausência de discriminação entre profissões antigas e novas. Disso resulta uma multiplicação das relações de negociação entre os atores, que apóiam um processo de aprendizado cultural em que os antigos conseguem valorizar sua identidade de profissão no novo contexto de produção.

De outro lado, o mundo social da crise pode revelar uma trajetória muito diferente. A modernização gera uma divisão entre as novas e as antigas profissões, reforçado por uma estratégia de modernização seletiva, dogmática e justificada pela contingência econômica. O retrocesso dos atores domina, a frustração aumenta entre os inovadores, o sentimento de ameaça cresce até generalizar um comportamento de evitar contatos face aface. É finalmente a questão do sentido que é amplamente colocada.

Esses dois mundos sociais mostram, entretanto, que a invenção de um novo compromisso social deve ser feito. A desregulamentação da gestão do pessoal transforma a relação entre o indivíduo e a empresa mais aberta ao mercado de trabalho externo. Como revanche, essas empresas continuam a requerer altos níveis de competência para realizar sua produção. Elas não podem apoiar-se sobre a flexibilidade do emprego como modo de gestão. A questão da fidelização parece colocar-se crucialmente, a despeito de uma dificuldade crescente para construir estratégias de empresaao longo prazo. É provavelmente entre esses dois termos, fidelização e adaptação, que novas formas de compromisso social de empresa construir-se-ão no futuro.

V. CONCLUSÕES: OS MUNDOS SOCIAIS DA EMPRESA COMO MARCOS PARA A GESTÃO

Essa tipologia dos mundos sociais permite conhecer uma diversidade dos modos de regulação de estabelecimentos e a evolução dos universos produtivos. Todavia, ela contribui, sobretudo, para identificar as variáveis chaves do funcionamento das empresas, podendo explicar fenômenos chamados de ações corretivas ou estratégicas (divisões, conflitos, sentimentos de perda de marcos, ou, ao contrário, fontes de satisfação, de mobilização).

Oferecendo uma visão contrastada dos universos produtivos contemporâneos, ela sublinha a importância da problemática da modernização que se difunde hoje em novos setores. Atualmente, o engajamento em uma dinâmica de transformação apresenta-se como um processo permanente de pesquisa de flexibilidade. A aceleração das mudanças organizacionais e de gestão torna-se um componente contemporâneo de uma busca de reatividade e de inovação.

A diferenciação entre os mundos sobre esse eixo acentua-se, pois o imperativo de flexibilidade declina de maneiras diferentes em função dos contextos de mercado e segundo as culturas herdadas. A flexibilidade pode ter levado a uma degradação das condições de emprego e de trabalho, ou pode representar um vetor de re-profissionalização e de integração social. A diversidade das dinâmicas sociais de mudança convida a uma leitura contextualizada da firma flexível com relação a mais de 120 universos produtivos, que formam um objeto de estudos aprofundados nas monografias de nossa pesquisa (OSTY, SAINSAULIEU & UHALDE, 2007).

Aliás, essa abordagem mostra que o estabelecimento condensa um nível de regulação intermediário que desqualifica qualquer abordagem determinista. A despeito dos trabalhos recentes sobre as transformações do trabalho (intensificação, degradação das condições de trabalho) e do emprego (desenvolvimento das formas atípicas e precariedade, individualização da gestão de pessoas, sublinhando modos de integração e de compromissos sociais degradados com relação ao período dos Trinta Anos Gloriosos, não é menos verdade que outro nível de realidade intervém e faz da empresa um objeto pertinente de análise. Escolhida como entidade produtiva por meio da malha de seus estabelecimentos, ela revela uma capacidade real de produção de um vínculo social de produção, imitando os modos de cooperação e de identidades no trabalho. Entre os fatores de produção que concorrem para a regulação, a ação dirigente no nível do estabelecimento emerge como uma variável chave para diferenciar a empresa modernizada e a empresa em crise. Ele representa um nível de ação pertinente na condução das dinâmicas de mudança organizacionais e de gestão.

Os "mundos sociais da empresa" oferecem assim um panorama que está à disposição dos responsáveis pela gestão. Se os resultados desta pesquisa não constituem em si uma ferramenta de intervenção, elas podem ser mobilizadas na intervenção para problematizar e contextualizar as apostas chaves de gestão a um dado momento do desenvolvimento de uma organização.

Outro uso delineia-se e diz respeito à maneira pela qual o interventor pode trazer grupos restritos (comitê de direção ou de serviço, grupos de profissionais ou de consultores) para servir-se dessa matriz para analisar seu sistema produtivo e considerar evoluções. Os "mundos sociais da empresa" representam, enfim, uma ferramenta na intervenção em uma pesquisa de co-diagnóstico.

Recebido em 15 de junho de 2008.

Aprovado em 15 de setembro de 2008.

Florence Osty (Florence.Osty@lise.cnrs.fr) é Doutora em Sociologia e pesquisadora do Laboratoire interdisciplinaire pour la sociologie économique (LISE), vinculado ao Centre National de la Recherche (CNRS) (França).

Marc Uhalde (marc.uhalde@lise.cnrs.fr) é Doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratoire interdisciplinaire pour la sociologie économique (LISE), vinculado ao Centre National de la Recherche (CNRS) (França).

ANEXOS

Anexo 1 - Clique aqui para ampliar

Anexo 1 - Clique aqui para ampliar Anexo 1 - Clique aqui para ampliar

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  • 1
    "Nós chamaremos comunalização, uma relação social quando, ou enquanto, a disposição da atividade social se funde sobre o sentimento subjetivo dos participamtes de pertencer a uma mesma comunidade, Nós chamaremos associação uma relação social quando, e enquanto, a dispodição da atividade social de fundamenta sobre um compromisso de interesses motivado racionalmente (em valor ou em finalidade) ou sobre uma coordenação de interesses motivados da mesma maneira" (WEBER, 1971, p. 41).
  • 2
    Embora escapando aos trabalhos clássicos da sociologia do trabalho e das organizações, essa forma de organização social continua a ser comentada, ilustrando provavelmente o "tabu corporativo" que atinge a França desde a Revolução Francesa . Ver, por exemplo, C. Dubar e P. Tripier (1998) e J. Capdeveille (2001).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Nov 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Set 2008
    • Recebido
      15 Jun 2008
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