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Revisão judicial e judicialização da política no direteito ocidental: aspecto relavantes de sua gênese e desenvolvimento

Judicial review and the judicialization of politics in western law: relevant aspects of gênesis and development

Revision judiciaire et «judicialisation» de la politique dans le droit occidental: aspects importants de sa genèse et développement

Resumos

A expansão do poder judicial tem-se tornado um dos problemas da teoria política contemporânea em todo o mundo ocidental. O poder Judiciário, antes visto como mero apêndice dos poderes representativos, hoje ocupa um lugar privilegiado no processo decisório da maioria dos países democráticos ocidentais. No Brasil posterior à Constituição de 1988, os tribunais têm assumido um papel cada vez mais relevante no cenário político. Com o intuito de contribuir para o esclarecimento dessa súbita expansão, analisaremos uma parcela significativa desse processo: a idéia central deste artigo é refazer o caminho de implantação e desenvolvimento da revisão judicial nos países ocidentais. A hipótese deste trabalho é de que às peculiaridades do desenho da revisão judicial impedem um tratamento teórico uniforme para o fenômeno da judicialização da política.

judicialização; revisão judicial; Direito


The expansion of judicial power has become one of the problems of contemporary political theory throughout the Western world. Judicial power, which in the past was considered a mere appendix of representative powers, has today taken on a privileged role within the decision-making processes of most Western democracies. In Brazil, in the wake of the 1988 Constitution, courts have assumed an increasingly relevant role within the political scenario. In the interests of clarifying this sudden expansion, we will analyze a significant parcel of this process: our main task is to reconstruct the route through which judicial review was implanted and developed in Western countries. Our working hypothesis states that the peculiarities of judicial review design does not permit a uniform theoretical treatment of the phenomenon of the judicialization of politics.

judicialization; judicial review; Law


L’expansion du pouvoir judiciaire est devenu un des problèmes de la théorie politique contemporaine dans le monde occidental. Le Pouvoir Judiciaire, autrefois considérée comme un simples appendice des pouvoirs représentatifs, occupe aujourdhui une place privilégiée dans le processus décisoire dans la plupart des pays démocratiques occidentaux. Au Brésil, après la Constitution de 1988, les tribunaux jouent de plus en plus un rôle important sur la scène politique. Avec l’objectif de contribuer à mieux comprendre cette rapide expansion, nous analyserons une parcelle significative de ce processus: l’idée principale de cet article est de refaire le chemin au long duquel la révision judiciaire a été mise en oeuvre dans les pays occidentaux. L’hypothèse du travail est que les particularités du dessin de la révision judiciaire empêchent un traitement théorique uniforme en ce qui concerne la «judicialisation» de la politique.

«judicialisation»; révision judiciaire; Droit


ARTIGOS

Revisão judicial e judicialização da política no direteito ocidental: aspecto relavantes de sua gênese e desenvolvimento1 1 Este artigo é um capítulo revisto da minha tese de doutorado. Agradeço aos membros da banca e aos pareceristas da Revista de Sociologia e Política pelos comentários.

Judicial review and the judicialization of politics in western law: relevant aspects of gênesis and development

Revision judiciaire et «judicialisation» de la politique dans le droit occidental: aspects importants de sa genèse et développement

Ernani Carvalho

RESUMO

A expansão do poder judicial tem-se tornado um dos problemas da teoria política contemporânea em todo o mundo ocidental. O poder Judiciário, antes visto como mero apêndice dos poderes representativos, hoje ocupa um lugar privilegiado no processo decisório da maioria dos países democráticos ocidentais. No Brasil posterior à Constituição de 1988, os tribunais têm assumido um papel cada vez mais relevante no cenário político. Com o intuito de contribuir para o esclarecimento dessa súbita expansão, analisaremos uma parcela significativa desse processo: a idéia central deste artigo é refazer o caminho de implantação e desenvolvimento da revisão judicial nos países ocidentais. A hipótese deste trabalho é de que às peculiaridades do desenho da revisão judicial impedem um tratamento teórico uniforme para o fenômeno da judicialização da política.

Palavras-chave: judicialização; revisão judicial; Direito.

ABSTRACT

The expansion of judicial power has become one of the problems of contemporary political theory throughout the Western world. Judicial power, which in the past was considered a mere appendix of representative powers, has today taken on a privileged role within the decision-making processes of most Western democracies. In Brazil, in the wake of the 1988 Constitution, courts have assumed an increasingly relevant role within the political scenario. In the interests of clarifying this sudden expansion, we will analyze a significant parcel of this process: our main task is to reconstruct the route through which judicial review was implanted and developed in Western countries. Our working hypothesis states that the peculiarities of judicial review design does not permit a uniform theoretical treatment of the phenomenon of the judicialization of politics.

Keywords: judicialization; judicial review; Law.

RÉSUMÉS

L’expansion du pouvoir judiciaire est devenu un des problèmes de la théorie politique contemporaine dans le monde occidental. Le Pouvoir Judiciaire, autrefois considérée comme un simples appendice des pouvoirs représentatifs, occupe aujourdhui une place privilégiée dans le processus décisoire dans la plupart des pays démocratiques occidentaux. Au Brésil, après la Constitution de 1988, les tribunaux jouent de plus en plus un rôle important sur la scène politique. Avec l’objectif de contribuer à mieux comprendre cette rapide expansion, nous analyserons une parcelle significative de ce processus: l’idée principale de cet article est de refaire le chemin au long duquel la révision judiciaire a été mise en oeuvre dans les pays occidentaux. L’hypothèse du travail est que les particularités du dessin de la révision judiciaire empêchent un traitement théorique uniforme en ce qui concerne la «judicialisation» de la politique.

Mots-clés: «judicialisation»; révision judiciaire; Droit.

I. INTRODUÇÃO

Neste artigo analisamos a gênese e o desenvolvimento do controle de constitucionalidade em duas escolas de Direito do mundo ocidental. A idéia geral é compreender o processo de judicialização da política via controle de constitucionalidade. Esta estratégia tem sido amplamente utilizada e já se tornou objeto de comparação na literatura pertinente (TATE & VALLINDER, 1995; VIANNA, 1999; SWEET, 2000; MAGALHÃES, 2003). Existem outras formas de compreensão do fenômeno da judicialização (a utilização dos procedimentos judiciais ordinários para a petição e resolução de demandas sociais e políticas; a aparição de regras e procedimentos "quase-judiciais" em espaços de negociação e decisão não judiciais), como também existem outras dimensões (a judicialização das relações sociais, por exemplo). O recorte deste trabalho é político, sendo assim, a revisão judicial aparece como o instrumento de análise mais apropriado, tendo em vista a possibilidade de uma revisão judicial alterar o processo decisório convencional.

Em um primeiro momento, teceremos considerações sobre o direito consuetudinário ou common law. Como nosso interesse está focado no controle de constitucionalidade, os Estados Unidos são o país mais indicado para representar esta escola devido ao seu protagonismo na revisão judicial. Em seguida, deter-nos-emos sobre a escola romano-germânica, que será ilustrada aqui por Alemanha e França, provavelmente os dois países que mais influenciaram essa escola nos séculos XIX e XX. Nosso objetivo é relatar como forjou-se o controle jurisdicional nestas diferentes escolas2 2 Para uma introdução às diferenças entre as escolas do direito ocidental, ver David (1997; 2002). .

Para tanto, da teoria constitucional, resgataremos, de início, os sistemas de controle de constitucionalidade e seus formatos na versão do controle jurisdicional. Em seguida, passaremos a analisar o processo de formação do controle jurisdicional da legislação nos Estados Unidos. Logo após, faremos uma minuciosa exploração das características do controle jurisdicional norte-americano e sua relação com a política ou, mais precisamente, de como a política é judicializada.

A forma de composição e as competências serão abordadas ao final, descritivamente.

No caso europeu, apresentaremos brevemente as idéias acerca da criação das Cortes Constitucionais e descreveremos o ambiente onde essas idéias foram gestadas. Para tanto, tomaremos como base a célebre disputa entre Kelsen e Schmitt sobre a necessidade de uma Corte Constitucional3 3 "Corte" e "Tribunal" serão usados aqui com o mesmo significado. . Em seguida, discutiremos as bases em que foram criadas as novas Constituições ou, como denomina a literatura, o Novo Constitucionalismo. A partir do novo desenho constitucional europeu do período posterior à II Guerra Mundial, argumentaremos sobre a centralidade da revisão abstrata da legislação como instrumento de contenção e implementação de políticas no seu desenho institucional.

O objetivo deste artigo é, a partir de uma análise do desenho institucional do controle de constitucionalidade, demonstrar a necessidade de um estudo diferenciado entre os processos de judicialização da política ocorridos no âmbito dos tribunais constitucionais das principais correntes do direito ocidental: romano-germânica e common law.

II. SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Antes de uma referência mais específica da forma de controle de constitucionalidade nos modelos norte-americano e europeu, é útil uma análise dos sistemas de controle de constitucionalidade pelo mundo afora. Segundo José Afonso da Silva (SILVA, 2002, p. 49) existem três sistemas de controle de constitucionalidade:

a) controle político: a verificação da inconstitucionalidade é efetuada por um órgão de natureza política. Um bom exemplo seria o Conselho Constitucional francês4 4 Existe uma polêmica entre os estudiosos do tema sobre a forma de controle que o Conselho Constitucional exerce: política ou jurisdicional. Os que afirmam que o Conselho é político apegam-se à ausência de requisitos para ocupar o cargo de conselheiro como um forte indicador da politização dessa instituição. No outro flanco, os que afirmam que o Conselho exerce um controle jurisdicional destacam os limites jurisdicionais ou mesmo legiferantes, típicos de tribunais constitucionais, como sua característica fundamental. Enfim, parece-nos mais uma questão de nomenclatura de pouca densidade em uma análise política como a nossa. ;

b) controle jurisdicional: é a faculdade, prevista no texto constitucional, de o Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade de lei e de outros atos do poder público que contrariem os dispositivos e princípios constitucionais. O exemplo precursor e mais importante são os EUA5 5 Veremos adiante que os Estados Unidos são um caso à parte no que diz respeito à gênese do controle de constitucionalidade. Lá não houve uma delegação explícita de poderes para controlar a constitucionalidade. . Essa forma de controle representa para alguns o início do processo de superação da supremacia do Parlamento pela supremacia da Constituição6 6 Sweet (2000) defende que a "velha" forma de fazer política vem sendo substituída por uma nova que implica a participação efetiva dos tribunais na vida política dos países. e

c) controle misto: como o próprio nome já define, ocorre quando a Constituição determina que certos tipos de diplomas legais sejam submetidos a um controle político e outros, a um controle jurisdicional. Um bom exemplo seria a Suíça.

Dentre as formas de controle de constitucionalidade, a que nos interessa especificamente é a segunda, ou seja, o controle jurisdicional. A literatura constitucional considera como sendo duas as formas de controle jurisdicional:

a) controle difuso: qualquer juiz pode (tem competência para) declarar a inconstitucionalidade das leis e atos normativos no julgamento de casos concretos. Nesse tipo de controle não se atinge a lei em tese, ou seja, os julgados só afetam o objeto jurídico em questão e as partes envolvidas e

b) controle concentrado: o Tribunal constitucional provocado por uma ação direta de (in)constitucionalidade decidirá sobre a lei em tese. Portanto, não é necessária a existência de um conflito jurídico concreto. A norma in abstractu é atingida e seu efeito é erga omnes (contra todos). Nesse tipo de controle, o Tribunal possui o monopólio sobre o controle de constitucionalidade.

Existem algumas ressalvas a se fazer diante das formas de controle de constitucionalidade aqui apresentadas. A literatura constitucional classifica as formas ou tipos de controle com base no princípio geral de que não há juízo sem autor (nemo index sine actore) (SILVA, 2002, p. 50).

Pela via incidental ou difusa qualquer cidadão possui a capacidade de ingressar com uma ação no Judiciário. O sistema difuso permite a qualquer juiz declarar inconstitucional o estatuto legal que, em seu entendimento, fira a Constituição. A sua decisão pode vir a ser revogada por um tribunal no sistema recursal. Em caso de uma Federação cabe ao litigante observar a jurisdição competente (federal ou estadual).

No que concerne à via abstrata ou concentrada, o autor competente tem sua iniciativa resguardada pela Constituição, ou seja, a Constituição possibilita a contestação em abstrato por determinados autores, por via da revisão abstrata.

Existe ainda uma terceira forma de classificação que seria de iniciativa exclusiva do juiz, dentro de um processo de partes. Mesmo as partes eximindo-se de pedir a inconstitucionalidade, é facultado ao juiz a iniciativa. Tal iniciativa está prevista, por exemplo, no caso alemão.

Uma outra forma de classificação possível seria a que contempla simultaneamente as duas formas anteriores (difusa e concentrada) em um mesmo país. Esta é chamada de "mista" ou "híbrida". Brasil e Portugal servem como exemplo.

III. O PALÁCIO DE MÁRMORE

Atual sede da Corte Suprema norte-americana é sem dúvida de uma arquitetura grandiosa. Situa-se no lado oposto ao Capitólio e ocupa um quarteirão inteiro. Possui como matéria prima principal o mármore e sua fachada interior é constituída de madeira nobre, o carvalho.

Antes de sua atual sede, a Corte Suprema dos Estados Unidos ocupou o Royal Exchange Building em Nova York, depois foi para o Old City Hall na Filadélfia, até ser transferida para Washington, onde ocupou um espaço cedido pelo Senado norte-americano7 7 Um pequeno detalhe: o espaço cedido foi o sótão. . Apenas em 1935 o prédio e atual sede da Corte ficou pronto. Após o término da construção, alguns juízes da Suprema Corte que não gostaram da opulência das instalações continuaram trabalhando em casa.

Com a renovação dos juízes, a opulência do "Palácio de Mármore" foi deixada de lado e a rotina dos trabalhos da Corte transferiu-se definitivamente para sua sede. A trajetória de inquilino do Senado norte-americano para proprietário de um suntuoso palácio demonstra bem a importância que a Corte Suprema possui na vida política dos EUA.

III.1. Os federalistas e o caráter contra-majoritário da corte constitucional

Os federalistas foram responsáveis pela filtragem, diminuição ou repartição do poder do parlamento norte-americano. James Madison, Alexander Hamilton e John Jay entraram para a história política dos Estados Unidos da América e de todo o mundo quando decidiram publicar uma série de artigos que tinha por objetivo convencer a população norte-americana, principalmente seus representantes, da necessidade de construir-se uma nação livre, mas unificada. Em 27 de outubro de 1787 foi publicado o primeiro artigo federalista no Independent Journal de Nova York; os autores utilizaram o cognome "Publius".

A América pós-revolucionária ou América independente conviveu com um dilema: continuar como confederação ou edificar uma federação. Isto é, permanecer como um conglomerado de Estados independentes ou estabelecer um laço mais forte entre as treze ex-colônias inglesas. Na verdade, o que se passou foi a necessidade de regular e controlar interesses (econômicos e políticos) que transcendiam as fronteiras dos Estados formadores da confederação. A esse respeito, não foi propício o forte ambiente libertário criado pela Revolução Americana. Existia um entusiasmo excessivamente ardoroso em prol da liberdade que foi facilmente revertido em autonomia pelas ex-colônias.

Um dos casos mais famosos, constante da bibliografia histórica da época, demonstra claramente como o radicalismo empunhado por algumas Assembléias Legislativas no pós- revolução acelerou a discussão sobre a criação de uma federação. O caso do estado Rhode Island foi exemplar. A Assembléia Legislativa desse estado, além de não enviar nenhum delegado para a convenção continental de 1787, também não concordou em transferir para o Congresso interestadual 5% das taxas alfandegárias sobre produtos industrializados.

A estrutura institucional da confederação norte-americana atentava, basicamente, para dois princípios: o poder era descentralizado e estava na periferia. Este poder concentrava-se, sobretudo, nos legislativos populares. O único poder central, o Congresso Continental, composto de 2 a 7 membros de cada Estado confederado, foi esvaziado após a guerra da independência. Segundo os federalistas, o vácuo de poder produzido pela ausência de um poder central implicou o surgimento de rivalidades e confusão entre os estados.

Foi nesse ambiente de conturbação institucional que as teses federalistas ganharam peso e extensão. Aqui, nossa preocupação preliminar é contextualizar a discussão sobre o surgimento do Tribunal Constitucional, órgão político que ao lado do Senado e do aumento do poder de veto do poder Executivo norte-americano constituíram-se nos mais eficientes mecanismos institucionais de freios e contra-pesos ao poder da maioria.

Uma das principais argumentações utilizadas pelos federalistas para justificar a institucionalização de mecanismos que controlassem o poder da maioria foi a necessidade de conter a violência e o facciosismo. "Entendo como facção um grupo de cidadãos, representando quer a maioria, quer a minoria do conjunto, unidos e agindo sob um impulso comum de sentimentos ou de interesses contrários aos direitos dos outros cidadãos ou aos interesses permanentes e coletivos da comunidade" (MADISON, 1984, p. 148).

Para Madison, as causas do facciosismo não podiam ser "extirpadas do convívio social"; portanto, a única alternativa seria buscar meios para controlar seus efeitos. O remédio, de seu ponto de vista, seria a constituição de uma efetiva união dos Estados (uma federação): "[...] um número maior de cidadãos e um território mais extenso se ajustam melhor sob um governo republicano do que sob um democrático, e é essa circunstância principalmente que torna as combinações facciosas menos temidas no primeiro caso do que no segundo" (idem, p. 153).

A preocupação de Madison era, fundamentalmente, a estabilidade institucional (governabilidade). O crescente temor das decisões tomadas pelas Assembléias estaduais intensificou essas preocupações. Roberto Gargarella, em seu estudo sobre a Suprema Corte norte-americana, faz um minucioso relato das tensões políticas de então: "[...] desde fines del siglo XVIII, las legislaturas aparecieron como directas 'poleas de transmisión' de exigentes demandas de la ciudadanía. Mas concretamente, en muchos casos (y forzadas por circunstancias económicas agobiantes, según veremos) tales legislaturas se vieron obligadas a tomar medidas económicas perjudiciales para los sectores más acomodados de la sociedad. Este tipo de reacciones legislativas resultaron inacetapbles para buena parte de la clase dirigente norteamericana, y dieron origen a los mencionados temores contra las legislaturas" (GARGARELLA, 1996, p. 17).

Após a Revolução Americana de 1776, as Assembléias estaduais firmaram-se como defensoras da cidadania. Boa parte desse comportamento pode ser atribuída ao papel de pressão exercido pelas Assembléias comunais. A relação dos participantes das Assembléias comunais com os representantes das Assembléias Legislativas era muito intensa e foi-se estreitando, o que possibilitou, em boa medida, uma espécie de controle da primeira sobre as decisões da segunda.

Paralelamente a essa crescente relação de poder entre as Assembléias comunais e legislativas ocorreu um processo de crise econômica, levando boa parte dos comerciantes e produtores rurais ao endividamento. Esse período (1780-1790) foi marcado por uma intensa participação política da "classe dos devedores". Estes pressionavam as Assembléias Legislativas por meio das Assembléias comunais em busca de formas e meios para solver seus débitos.

A agudização da crise econômica gerou um forte aumento da pressão por parte dos devedores que passaram, inclusive, a obstaculizar o trabalho da justiça, impedindo que os julgamentos de cobrança fossem realizados. "Siguiendo una prática en la que se habían iniciado en los tiempos de la Revolución, los deudores comenzaron a obstaculizar la reunión de las Cortes de justicia, obligando a los jueces a suspender sus convocatórias. Este movimiento antijudicial se propagó inmediato por los distintos estados, ya que eran numerosos los deudores en idéntica situación" (idem, p. 22).

A consequência política desse quadro de instabilidade econômica foi a adesão de várias Assembléias Legislativas estaduais em prol dos devedores. Esse cenário gerou uma descrença no sistema institucional vigente principalmente entre os credores. O temor em torno da possibilidade de um despotismo legislativo foi se alastrando. "En este sentido, el caso más destacado fue el de Rhode Island, donde el amplio grupo de los deudores llegó directamente a controlar el gobierno del estado. En efecto, en 1786 los deudores eligieron a Jonathan Hazard ( quien actuaba como su principal portavoz) como gobernador de Rhode Island. Su programa de gobierno consistía casi íntegramente en medidas tendentes a aliviar los problemas de la deuda, que comenzaron a ser aplicadas tan pronto como Hazard accedió al poder. En Rhode Island, no sólo se emitió moneda, sino que se dispusieron multas para aquellos que se negasen a aceptar dicho circulante. Más aún, se estableció que los jueces debían convocar públicamente a los acreedores que se negasen a recibir la nueva moneda, y dar las obligaciones por canceladas, en caso de que aquéllos persistiesen en su negativa" (idem, p. 23).

Como foi possível perceber, os devedores vinham ocupando espaço político e transformando a arena decisória dos legislativos das então ex-colônias inglesas em câmaras de obstáculos às execuções judiciais, numa prática comum antes do processo de emancipação das colônias. A tentativa dos devedores de fugir às obrigações pecuniárias gerou uma forte reação por parte dos credores, que logo se uniram a outros segmentos da sociedade tendo em vista resguardar seus direitos.

No que concerne ao desenho institucional norte-americano, as providências visavam reverter o quadro que se havia instaurado. Nesse sentido, foram criados mecanismos que tinham por finalidade conter as ações "mal pensadas" do lobby dos devedores. A argumentação erigida nessa direção sustentava-se em dois supostos básicos:

1) a convicção de que na política existem alguns poucos princípios verdadeiros e que estes não são percebidos pelo povo comum e

2) a convicção de que as maiorias podem, em determinado momento, agir irracionalmente.

Seguindo os ensinamentos de Montesquieu (1992), os federalistas aperfeiçoaram os instrumentos de controle mútuo entre os poderes. A idéia central era que as inovações propostas gerassem uma maior centralização do poder, ou seja, a passagem de uma confederação para uma federação. Por outra via, podemos dizer que essas alterações foram cruciais para o fortalecimento da supremacia constitucional em detrimento da supremacia parlamentar que à época reinava. Do ponto de vista prático, a intenção era que as instituições de veto estabelecidas no famoso congresso de Filadélfia (Tribunal Constitucional, veto presidencial e o Senado) atuassem como barreiras de contenção ao ímpeto do facciosismo e a uma possível ditadura da maioria.

III.2. O controle difuso de constitucionalidade e a judicialização da política nos EUA

O controle jurisdicional norte-americano – denominado pela literatura constitucional de controle difuso – não foi previsto constitucionalmente. Por ironia do destino, o embrião do controle jurisdicional não partiu de uma delegação estrita ou incisiva do poder representativo como ocorreu nos demais países que possuem o instituto do controle jurisdicional. Apesar de a Constituição norte-americana prever o princípio da separação dos poderes classicamente estabelecido por Montesquieu e ter aprimorado a doutrina de controles mútuos do sistema político (prevendo entre outras coisas a Suprema Corte), obra dos artigos federalistas, a instituição do controle jurisdicional foi um feito da própria Suprema Corte norte-americana, ou seja, não foi prevista pelos constituintes de Filadélfia. Portanto, os pilares que ergueram a possibilidade de o Judiciário intervir no processo decisório dos países ocidentais foram estabelecidos no caso Marbury versus Madison pelo Chief Justice John Marshall em 18038 8 Não cabe aqui uma análise mais detalhada sobre a emancipação da Suprema Corte como controladora da constitucionalidade. Existe um grande número de obras que fazem referência ao surgimento do controle jurisdicional nos EUA, dentre elas Rodrigues (1958) e Swisher (1962). .

Passemos a mencionar alguns aspectos importantes do sistema de controle jurisdicional norte-americano e seu relacionamento com a política. Para tanto, tomamos como base a análise feita pelo politicólogo norte-americano Lawrence Baum:

1) como sabemos, a Corte Constitucional norte-americana não enfrenta questões jurídicas em abstrato. Em vez disso, lida com questões in concreto. A Corte dificilmente determina o resultado final de um caso para as partes e, sim, orienta o tribunal inferior em sua nova consideração do caso (BAUM, 1987, p. 14-15);

2) questões como o número de juízes, suas qualificações e seus deveres foram fixadas por lei ordinária e pela tradição em vez de especificadas na Constituição (idem, p. 29). Em conseqüência, a legislação que trata de questões cruciais à independência do poder Judiciário nos EUA são reguladas por lei ordinária (com trâmite processual ordinário);

3) A escolha dos juízes da Suprema Corte norte-americana precisa passar pelo crivo do Senado, cabendo a este a homologação da escolha feita pelo Presidente. A identidade ideológica9 9 A bipolarização partidária da política norte-americana reflete-se na escolha dos juízes (BAUM, 2001, cap. 2). , boa formação10 10 Boa parte dos juízes formou-se nas mais prestigiosas universidades norte-americanas (BAUM, 2001, p. 60-61). e a competência profissional11 11 Boa parte dos juízes ocupava cargos de destaque na burocracia pública federal (BAUM, 2001, p. 64-65). têm sido fatores relevantes na escolha dos juízes. Existe também uma forte influência da American Bar Association (ABA)12 12 A Ordem dos Advogados nos EUA. na escolha dos futuros juízes da Corte. Desde 1920 até meados de 2000 ocorreram 148 nomeações para a Suprema Corte, destas 108 tiveram o assento garantido, 8 declinaram da indicação ou morreram antes da posse e 28 não obtiveram a confirmação do Senado (BAUM, 2001, p. 31-33);

4) quem influencia a pauta de julgamento na Corte Suprema? 1º) O Congresso possui o controle sobre a competência de apelação da Corte, cabendo a ele regulamentar a jurisdição de todo o sistema judiciário. Portanto, o Congresso pode determinar que tipo de caso pode chegar à Corte; 2º) os litigantes, já que a Corte é uma instituição passiva, ou seja, não pode atuar ex-officio; 3º) a própria Corte, pois ela pode abster-se de uma decisão final sobre qualquer assunto que seja parte de sua competência facultativa. A capacidade de escolher os casos que lhe são levados torna a Corte Suprema parecida com o Legislativo, pois tal feito não é comum aos tribunais13 13 Em geral, nos países de tradição jurídica romano-germânica, as cortes têm por obrigação legal manifestar-se. . Todos os tribunais têm certa capacidade de peneirar o litígio levado a eles, mas poucos têm liberdade tão completa de rejeitar casos, como acontece com a Corte norte-americana14 14 No caso de rejeição pela Corte Suprema, prevalece o entendimento dado pelo tribunal anterior. . Além do mais, o grande volume de pedidos de julgamento permite que a Corte seja altamente seletiva (BAUM, 1987, p. 113-115);

5) a questão mais importante a respeito dos litigantes talvez seja: por que eles se tornaram envolvidos em casos na justiça e os levaram até a Corte Suprema? A maioria das pessoas procura evitar o litígio ou ao menos terminá-lo o mais cedo possível, principalmente, devido a seu alto custo e ao risco que ele provoca. Analisando os tipos de litígio na Corte norte-americana podemos dizer que existem dois tipos:

i) o litígio tradicional: os litigantes em geral apelam contra decisões dos tribunais porque acreditam em seu ganho potencial com uma apelação bem sucedida, e a probabilidade de êxito é suficiente para justificar transtornos e despesas adicionais.

ii) o litígio político: os litigantes não buscam o auto-interesse, o objetivo do litígio político é a promoção de políticas a que são favoráveis. A probabilidade de êxito, portanto, não faz muita diferença: o mais importante é deixar claro para o público sua discordância.

"O litígio comum costuma ser terminado numa fase relativamente pouco demorada porque os participantes acham mais lucrativo solucionar sua disputa ou até mesmo aceitar uma derrota do que continuar a luta. Em contraste, os litigantes políticos, freqüentemente, só podem obter vitórias significativas conseguindo que um caso chegue aos níveis mais altos do sistema" (idem, p. 118). Os litígios políticos atraem os grupos de interesse que ajudam a arcar com a carga financeira e outros custos decorrentes da tramitação de um processo por meio do sistema judiciário e são apreciados pelos juízes da Corte em sua escolha, pois esses casos apresentam maior probabilidade de envolver as questões pelas quais os juízes se interessam;

6) o governo federal responde por 1/3 de todas as ações na Corte norte-americana (BAUM, 2001, p. 99);

7) o Solicitador-Geral15 15 Seria o Procurador-Geral da República no Brasil. evita levar à Corte casos sem importância. Nas palavras de Erwin Griswold, Solicitador-Geral de 1967 a 1973: "Com efeito, o Solicitador-Geral faz a maior parte da triagem que é feita em outros casos pela Corte Suprema, pois procura levar à Corte apenas casos [...] que acha que a Corte aceitará". Segundo Baum, a pré-seleção de casos ajuda a preservar o relacionamento especial do governo federal com aquele tribunal (BAUM, 1987, p. 138);

8) quando um litigante leva um caso à Corte Suprema, ela pode dispor do caso de várias maneiras diferentes. Basicamente, ela tem três opções. 1º) pode recusar-se completamente a apreciar o caso. A grande maioria dos casos é tratada dessa maneira – cerca de 93% no ano de 1982. 2º) a Corte pode aceitar o caso para apreciação com tratamento completo, inclusive argumentação oral perante si e uma decisão sobre o mérito, com sentença completa, explicando a decisão. 3º) a Corte pode aceitar o caso, mas não lhe dá tratamento completo. Portanto, existe uma decisão sumária (idem, p. 139). Em outras palavras, podemos dizer que a Corte norte-americana possui um elevado poder de escolha sobre o que e como decidir;

9) a legitimidade para propor uma ação à Corte tem sido um tema recorrente. A norma que regula a legitimidade da parte esta belece que um tribunal não pode apreciar um caso a menos que a parte esteja perante ele apropriadamente. "Por força de sua complexidade e de sua ambigüidade, as normas de competência e de legitimidade das partes requerem interpretação ocasional e, como o mais elevado tribunal, a Corte Suprema é o intérprete mais importante" (BAUM, 2001, p. 150);

10) a faculdade de escolher os casos que quer julgar aliada à capacidade de conceder a legitimidade da propositura de uma ação torna a Corte Suprema norte-americana capaz de estabelecer estratégias de escolha de casos. Por exemplo, se algum caso não apresentar clareza suficiente para permitir uma decisão lúcida ou requiser que os juízes cheguem a uma decisão sob fundamentos diferentes daqueles que gostariam de usar, é provável que esses casos não sejam apreciados. Portanto, os juízes procuram evitar completamente certas questões por força de seu caráter controverso e do dano que a Corte poderia infligir a ela mesma ao procurar resolvê-los (idem, p. 157-158);

11) um dos problemas contemporâneos dos tribunais no ocidente é o crescimento e acúmulo de processos. Em 1983 os litigantes levaram 4 222 casos a Corte Suprema; em 1998 esse número pulou para 7 109 casos. Esta tem sido uma tendência. Quais são as conseqüências do crescimento? A primeira é o abarrotamento de casos que leva a uma necessidade no aumento da capacidade decisional do tribunal, acarretando uma piora na qualidade das decisões, pois os juízes terão menos tempo para decidir, principalmente os casos de mérito (idem, p. 117-122);

12) "A pauta da Corte é altamente diversificada e esse tribunal tem oportunidade de contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas em muitos campos. Essa diversidade não significa que a Corte dá igual atenção a um grande número de áreas de política. A maior parte de seus esforços concentra-se numa faixa de casos mais ou menos estreita. Nesse sentido, a Corte pode ser vista como especialista [...].A concentração da Corte em certos campos pode ser examinada na base da distribuição dos casos que ela decide com opiniões completas" (BAUM, 1987, p. 246). A especialização é facilitada pela capacidade da Suprema Corte em decidir o que deseja julgar;

13) a Corte Suprema intervém de forma direta e indireta no processo de elaboração de políticas por meio do uso da revisão judicial. Portanto, a revisão judicial permanece como o principal mecanismo do ativismo judicial. O padrão de uso da revisão judicial pela Corte para anular políticas governamentais, provavelmente, é o melhor indicador do ativismo da Corte e dos limites sobre o seu ativismo (idem, p. 260-270);

14) em toda sua história, até o fim de 1999, a Corte Suprema norte-americana revogou 148 leis federais, no todo ou em parte (BAUM, 2001, p. 195). No entanto, em grande parte do tempo a Corte tem revogado leis muitos anos depois de sua promulgação. "Falando de um modo geral, a revogação pela Corte de leis do Congresso é mais significativa quando as próprias leis são importantes e são revogadas com relativa rapidez. Somente uma minoria de casos entra nessa categoria". Poucas foram as vezes que a Corte invalidou atos presidenciais (BAUM, 1987, p. 262-265). Isso significa que a intervenção política da Suprema Corte nos Estados Unidos foi e muitas vezes é hiper-dimensionada por vários autores do direito público e cientistas políticos. O número efetivo de intervenções (ativismo) não sustenta o status de "supercorte" pregado em verso e prosa nos escritos sobre o tema e

15) no âmbito federativo, a Corte tem-se mostrado mais ativa. "Em geral, o nível de ativismo parece ter aumentado no curso da história da Corte. Ainda mais notável é a variação entre níveis de governo. A Corte tem estado consideravelmente mais disposta a revogar políticas estaduais e municipais do que a revogar políticas federais. Com exceção do período do New Deal e de algumas decisões isoladas em outros períodos, a Corte não tem resistido a importantes elementos de políticas nacionais" (idem, p. 268).

III.3. Composição da Suprema Corte

A Constituição norte-americana estabelece que a Corte Suprema deve ter seus membros indicados pelo Presidente dos Estados Unidos e confirmados pela maioria do Senado. Determina que eles sejam vitalícios desde que possuam "bom comportamento"16 16 Estão presentes aqui a garantia da vitaliciedade no exercício do cargo e a investidura ou forma de ingresso. . Os juízes podem renunciar e sofrer processo de impeachment. Outras questões, como o número de juízes, suas qualificações e seus deveres, foram fixadas por lei e pela tradição em vez de especificadas na Constituição (idem, p. 89).

O número de juízes da Corte Suprema nos EUA tem variado bastante. Já foi de seis, oito, dez, oito e nove. A composição atual é prevista no Código Judiciário Federal, responsável pela regulação da competência dos tribunais federais. Não existe, pois, uma constitucionalização da composição da Corte norte-americana. A ausência de previsão constitucional implica a possibilidade de retaliações dos poderes representativos, ou seja, sanções que a Corte pode sofrer pelo Congresso e pelo Presidente (idem, 287-291).

III. 4. Competência da Suprema Corte

Síntese da competência da Corte Suprema (BAUM, 1987, p. 27; 2001, p. 11)17 17 Algumas categorias de menor importância não estão relacionadas. :

1 - Competência originária

A. Casos obrigatórios (têm de ser julgados pela Corte)

A.1. Disputas entre estados

B. Casos facultativos (a Corte não precisa julgá-los)

B.1. Casos levados por um estado;

B.2. Disputa entre um estado e o governo federal;

B.3. Casos que envolvem pessoal diplomático ou estrangeiro.

2 - Competência apelatória

A. Casos obrigatórios

A.1. Casos em que um tribunal federal declarou inconstitucional uma lei do Congresso, se o governo federal é parte; quaisquer casos nos quais uma Corte Suprema estadual declarou inconstitucional uma lei do Congresso;

A.2. Casos nos quais um tribunal estadual manteve uma lei estadual contra uma reclamação de que conflitava com a Constituição ou com uma lei federal;

A.3. Casos nos quais um tribunal federal revogou uma lei estadual sob fundamento de que ela conflitava com a Constituição ou com uma lei federal;

A.4. Decisões de tribunais distritais federais especiais de três juízes.

B. Casos facultativos

B.1. Todas as decisões da cortes de apelação federal, exceto aquelas das categorias obrigatórias;

B.2. Todas as decisões do tribunal estadual de instância mais alta com competência sobre o caso e que envolvam questões de leis federais, exceto aquelas da categoria obrigatória.

Os Estados Unidos foram, sem dúvida, o país que lançou a base do controle jurisdicional sobre a vida política moderna. O seu exemplo está repleto de peculiaridades, dentre as quais, uma das mais intrigantes é a forma como surgiu o controle, ou seja, por via do próprio poder burocrático ou judiciário. Os países europeus que adotaram o controle jurisdicional fizeram-no de forma diferenciada.

IV. OS PALÁCIOS DE KELSEN

O grande mentor dos tribunais constitucionais europeus foi sem dúvida Hans Kelsen. O primeiro tribunal constitucional em solo europeu foi previsto pela Constituição austríaca de 1920, por obra e influência de Kelsen (seria sua marca no desenho constitucional das democracias ocidentais européias do século XX).

A idéia de um tribunal responsável por arbitrar os conflitos políticos e institucionais do Estado gerou uma grande polêmica. Prova disso, o embate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt causou repercussão na Europa.

Os anos que antecederam a República de Weimar, que aboliu o regime autoritário e aderiu ao parlamentarismo, foram repletos de turbulências para a ordem civil na Alemanha e no continente europeu. Além da I Guerra Mundial, cujo principal legado foi o Tratado de Versalhes18 18 O Tratado estabeleceu condições opressivas que feriam, no entendimento de muitos, a soberania do Estado. No caso germânico, parte do território ficou sob poder da França, aumentando o temor de uma fragmentação do Estado alemão. , tivemos entre 1917 e 1920 a Revolução Bolchevique e os levantes comunistas alemães. Esse cenário marcou profundamente o debate político e ideológico da Europa.

Kelsen possui uma definição de democracia que podemos denominar de liberal e formal. Para ele, um regime democrático move-se pela disputa de opiniões no Parlamento. A idéia de disputa pressupõe uma divisão entre maiorias e minorias conjunturais, variando conforme o objeto em discussão. A existência de uma minoria pressupõe a possibilidade de criação de direitos que resguardem essa minoria ou que impeçam um governo drástico ou violento, no limite, uma ditadura da maioria. "De fato, a existência da maioria pressupõe, por definição, a existência de uma minoria e, por conseqüência, o direito da maioria pressupõe o direito à existência de uma minoria. Disso resulta não tanto a necessidade, mas principalmente a possibilidade de proteger a minoria contra a maioria. Essa proteção da minoria é a função essencial dos chamados direitos fundamentais e liberdades fundamentais, ou direitos do homem e do cidadão, garantidos por todas as modernas constituições das democracias parlamentares" (KELSEN, 1993, p. 67).

Como seria possível então garantir a atuação e sobrevivência das minorias? Ou melhor, quem seria responsável por fazer valer os direitos e liberdades fundamentais? Para Kelsen, o tribunal constitucional seria o meio idôneo para se fazer valer a essência da democracia, ou seja, seria o instrumento de validade do compromisso constante entre os grupos representados no parlamento. O tribunal atuaria como tutor, oferecendo proteção aos direitos das minorias frente às decisões da maioria (HERRERA, 1994, p. 204).

A percepção central era que sem controle a democracia não duraria. Contudo, a idéia de um tribunal controlando o parlamento não era a preferida pela elite burguesa européia recém saída da monarquia. Além do mais, a magistratura no velho continente estava ligada ao Rei (boa parte dos juízes permaneceu nos cargos após a queda das monarquias européias). Esse fato poderia gerar conflitos se os magistrados fossem os responsáveis pela indicação de seus representantes no tribunal constitucional. Para fugir dessa armadilha conjuntural, Kelsen estabeleceu que os membros do tribunal seriam indicados pelo parlamento. Além de facilitar a aceitação de sua idéia no parlamento, aumentou o nível de legitimidade dos juízes que seriam escolhidos por membros eleitos pelo povo (idem, p. 205).

A argumentação em torno da necessidade de um tribunal constitucional foi amadurecendo. Em sua obra clássica: Teoria geral do Estado, Kelsen estabelece os parâmetros institucionais para a existência do tribunal. Segundo ele, o órgão encarregado do controle de constitucionalidade deve ser distinto e independente dos poderes representativos, pois esses são os principais sujeitos a controlar por via das leis e regulamentos. No plano técnico, Kelsen propõe que o tribunal possa, mediante uma sentença, anular em caráter geral o ato de inconstitucionalidade de leis e regulamentos que estejam subordinados à Constituição. Portanto, os juízes ordinários não poderiam exercer o controle de constitucionalidade das leis pela via incidental, nem ao menos lhes seria facultado o pedido de revisão ao tribunal constitucional, como ocorre no caso norte-americano. A idéia de um controle constitucional centralizado, no pensamento de Kelsen, fica aqui expressa de forma evidente. (idem, p. 206).

A independência perante os poderes representativos e a capacidade de anular a legislação produzida pelo parlamento, fizeram-no reconhecer que o tribunal por ele pretendido excederia uma função estritamente jurisdicional. Assim, o tribunal exerceria uma função de "legislador negativo", obviamente com menos poder que o parlamento, que possui poucas limitações no ato de legislar. No caso do tribunal, as limitações eram impostas pela jurisdição – determinada pela Constituição – e pela passividade, já que a Corte só pode atuar mediante provocação. Nesse sentido, pode-se dizer que o tribunal kelseniano adquiriu uma postura quase-judicial e/ou quase-legislativa.

Na via contrária ao posicionamento de Kelsen, Schmitt (dentre tantas outras discordâncias)19 19 Para um mapeamento resumido das discordâncias entre esses autores, ver Herrera (1994, p. 195-202). , manifestou-se radicalmente contra a criação de um tribunal que mediasse os conflitos políticos.

No que tange ao tema da guarda da Constituição, Schmitt defendeu que o verdadeiro defensor da Constituição deveria ser o Führer. Sua oposição à idéia liberal da divisão dos poderes proposta por Montesquieu é justificada por sua definição de democracia e por sua ojeriza à tendência de neutralização da política. "O Estado Parlamentar é um Estado de Partidos de Coalisão instável. Deste modo, segundo Carl Schmitt, ao invés de ser o cenário em que atuam representantes nacionais livres, no lugar de ser o transformador dos interesses de partido em uma vontade acima deles, o parlamento converte-se no teatro da distribuição pluralista dos poderes sociais organizados. São duas as conseqüências inevitáveis desta situação: há a incapacidade de obtenção de maiorias e de atuação em razão do pluralismo ou a maioria que eventualmente se constitui busca utilizar todas as possibilidades legais como instrumentos e meios de assegurar seu poder. Quando o Estado se transforma em uma estrutura formalista não há mais fidelidade ao Estado ou à Constituição, mas fidelidade a organização social, colocando em risco a formação da unidade política [...] A saída é um poder neutralizador, que, utilizando-se dos poderes de exceção, consiga excluir quem é hostil ou estranho à ordem política, podendo jogar a legitimidade contra a legalidade e, assim, excluir o inimigo" (BERCOVICI, 2004 p. 82-83).

Em um escrito tido como possivelmente oportunista20 20 Era o ano de 1934, a influência nazista tomava toda a Alemanha e Schmitt já fazia parte do partido de Adolf Hitler. , Schmitt radicaliza a idéia de responsabilidade constitucional do Führer, estabelecendo que cabe a ele a manutenção da ordem e das instituições (MACEDO JÚNIOR, 1993, p. 79). "Recoloca-se, pois, a questão de que o Poder Judiciário autônomo – formado por funcionários de carreira, juízes independentes, inamovíveis e não responsáveis – não pode desempenhar a função política de defender o direito e a legalidade. Para o jurista alemão, a função da Corte Constitucional, tanto mais numa perspectiva normativista, se vê numa situação dilemática. É praticamente uma contradição em termos, um juiz apolítico decidir sobre questões políticas, partindo do lado jurídico, apenas por que quer ser apolítico. O juiz é colocado numa situação forçada, sem saída: ou ele toma a decisão política, e então coloca em si a pretensão impossível perante a opinião política de um funcionário do Judiciário que seja mais que a opinião política de um líder (Führer) político; ou ele recusa a decisão por sentimento de responsabilidade política e então se expõe à acusação de rejeição da justiça (idem, p. 83).

Em outras palavras, o magistrado, que por definição normativa kelsiana deve ser apolítico, neutro, no máximo um intérprete rígido da Constituição, deverá decidir sobre questões constitucionais ou políticas. Isso significa que a decisão de um juiz independente, porém irresponsável do ponto de vista político, subordina a vontade do soberano e de seus seguidores21 21 Schmitt aceitava o controle judicial desde que fosse exercido de forma completa: toda a vida política submetida ao poder Judiciário, inclusive aos tribunais ordinários, como é nos Estados Unidos (HERRERA, 1994, p. 208). .

As disputas política e ideológica entre dois dos mais importantes publicistas da época demonstram quanto foi rico o debate em torno da implantação dos tribunais constitucionais na Europa. Em um primeiro momento, a resistência da elite européia recém-saída da monarquia e do totalitarismo político que se abateu sobre a Europa fez com que Schmitt levasse a melhor. Contudo, os resultados da II Guerra Mundial, entre eles, a democratização e a proliferação dos tribunais constitucionais em território europeu, firmaram a vitória das idéias de Kelsen22 22 Apesar da proeminência dos tribunais constitucionais nas democracias ocidentais, o debate teórico em torno da legitimidade destes é amplo e controverso. Neste sentido ver Elster e Slagstad (1999) e Maravall e Przeworski (2003). .

V. O NOVO CONSTITUCIONALISMO

O debate entre Kelsen e Schmitt deixou claro que antes da II Guerra Mundial as democracias constitucionais proibiam a revisão da legalidade dos estatutos pelo poder Judiciário. Não havia constrangimentos substantivos ao ato legislativo como, por exemplo, os direitos fundamentais hoje constitucionalizados. Geralmente, o conflito entre uma norma ordinária e a constitucional era ignorado pelo Judiciário. Desde o fim da II Guerra Mundial um novo constitucionalismo emergiu. Os direitos humanos foram codificados e tiveram um lugar privilegiado nas novas constituições européias. Uma instituição quase-judicial23 23 Como foi dito, a expressão "quase-judicial" foi cunhada por Kelsen para designar uma competência e um status especial da Corte Constitucional. chamada Corte Constitucional surgiu para estabelecer a superioridade normativa da Constituição. Trata-se, é claro, de uma nova configuração constitucional, distinta daquelas que consagraram o Estado de Direito no período anterior. "Enquanto nas primeiras Constituições os principais objetivos eram a limitação dos poderes dos monarcas, a afirmação do império da Lei e a proteção das liberdades individuais, as mais recentes guiam-se por valores democráticos, enfatizando os direitos sociais" (SADEK, 2004, p. 79).

No início do século XX a engenharia institucional pensada por Kelsen foi vitoriosa, pois ele sabia que a elite européia não aceitaria o estabelecimento de uma revisão judicial nos moldes norte-americanos. Quais seriam os motivos para um eventual fracasso do modelo norte-americano na Europa após a II Guerra Mundial?

a. A sacralização da lei. Os princípios republicanos das revoluções liberais e o dogma rousseauniano da infalibilidade da lei transformaram as antigas monarquias européias em reinos da lei. Nesse sentido, era impossível pensar na capacidade dos juízes ordinários europeus, grande parte deles afinados com o regime deposto pelas revoluções liberais, em controlar a constitucionalidade das leis, tal qual a América de Tocqueville (FAVOREU, 2004, p. 20);

b. a incapacidade do juiz ordinário para exercer a justiça constitucional. "Os juízes constitucionais são em geral magistrados de carreira, pouco aptos a assumir um trabalho de controle das leis, trabalho que, como veremos, é inevitavelmente criativo e que vai muito além das suas funções tradicionais de simples intérpretes e fiéis servidores das leis. A própria interpretação das normas constitucionais e especialmente do núcleo central destas, que é a Declaração dos Direitos Fundamentais, é normalmente muito diferente da interpretação das leis ordinárias; ela não se coaduna com a tradicional fraqueza e timidez do juiz de modelo continental" (Cappelletti apud FAVOREU, 2004, p. 20) e

c. a ausência de unidade de jurisdição. "O sistema do tipo estadunidense só funciona bem onde há unidade de jurisdição, porque nestes países (da common law) não há separação entre os contenciosos e a dimensão constitucional" (FAVOREU, 2004, p. 21). A justiça constitucional não se divide, apesar de ser hierarquizada.

Como a política constitucional foi organizada na Europa? Como o sistema parlamentar de governo acomodou a adjudicação constitucional? Diante da impossibilidade de sucesso do modelo norte-americano, Kelsen acreditava que uma Corte Constitucional com poderes cuidadosamente prescritos pela Constituição não receberia hostilidade da elite européia. Nesse sentido, o jurista de Viena elaborou uma forma de atuação das cortes que, por um lado, dava ao tribunal constitucional o poder de garantir a supremacia da Constituição e, por outro, limitava a sua atuação revisional aos procedimentos utilizados pelo Legislativo (SWEET, 2000, p. 34-35).

No que tange à revisão judicial, e excetuando os Estados Unidos, é possível afirmar que a expansão dos poderes judiciais foi propiciada por condições históricas extraordinárias. Ela aconteceu em momentos em que o status político, econômico e social estavam deslegitimados ou foram destruídos por guerras ou graves crises. Assim foi na Europa do período posterior à II Guerra Mundial24 24 Países como o Brasil, a Espanha e Portugal também confirmam essa tendência. Em todos esses casos a revisão judicial foi implantada depois de mudanças significativas no status quo. .

Na Europa, esse novo constitucionalismo pode ser caracterizado assim:

1) as instituições de Estado estabelecidas tiveram sua autoridade derivada exclusivamente de uma Constituição escrita;

2) a Constituição atribuiu ao povo o poder soberano, que é expresso por meio das eleições;

3) o uso da autoridade pública, inclusive a autoridade legislativa, ficou restrito aos conformes da Constituição e

4) além das leis (a Constituição principalmente), foram criados alguns direitos e um sistema judicial que garantisse seu cumprimento (idem, p. 37).

Na prática, o contrato constitucional europeu (Alemanha, Itália e Espanha, especialmente) do período posterior à II Guerra Mundial gerou negociações e produziu alguns resultados que divergem a respeito do posicionamento do poder. O mais importante consenso foi o estabelecimento, pelos contratantes, do sistema parlamentar de governo, ou seja, o princípio do governo majoritário, construído pela maioria parlamentar eleita. Esse resultado estabelece uma força de concentração do poder no Parlamento. Os outros resultados vão de encontro a essa tendência centralizadora. O federalismo funciona como uma força centrífuga, obrigando o Estado nacional a dividir seu poder com os entes federados. Outra característica que limitou a concentração de poder no parlamento foi a codificação dos direitos fundamentais e das liberdades individuais. A sua conseqüência imediata foi a diminuição do poder discricionário do legislador ordinário e do próprio Executivo perante esses direitos. Por fim, a adoção da Corte Constitucional Kelseniana, que apesar de ser teoricamente uma força centrífuga de poder (ou contramajoritária), pode também operar dentro de uma tendência centrípeta. Basta para isso que as decisões do tribunal sejam alinhadas com a maioria parlamentar no poder (idem, p. 38-40). O caso norte-americano está repleto de exemplos em ambas as direções.

Em suma, nas democracias liberais européias as constituições estabeleceram as instituições de Estado e distribuíram as competências governamentais de cada ramo de poder. Neste sentido, Sweet (2000) aponta para dois tipos ideais de Constituição na Europa:

1) modelo da supremacia legislativa: a constituição estabelece as regras do jogo eleitoral e distribui as capacidades entre as instituições governamentais. As eleições legitimam a supremacia da autoridade legislativa e a maioria legislativa constitui-se como expressão da autoridade formalizada. A Inglaterra e a França são os países pioneiros e até hoje influenciam e são influenciadas por esse sistema, que remonta às revoluções liberais contra o antigo regime (monarquias absolutistas) e

2) modelo da supremacia da Constituição: as regras constitucionais estabelecem as instituições governamentais que por sua vez serão ligadas à sociedade por via das eleições. No entanto, uma camada de constrangimento substantivo é adotada no uso das atribuições de autoridade pública. Esses constrangimentos substantivos (o mais importante deles são os direitos) dão possibilidades a atores não-estatais de reclamar a execução ou o descumprimento da legislação contra o Estado. Essas reclamações vêm em forma de argumentos nos quais os atos do Estado são tidos como inválidos (ou ilegítimos), pois, violam os direitos individuais. A Alemanha, a Itália e a Espanha são os países que expressam bem esse modelo.

Cada vez mais o modelo da supremacia da Constituição vem influenciando o mundo ocidental. A própria escola do direito consuetudinário (ou common law), refratária de qualquer sistematização das normas, vem dando sinais de fraqueza em sua ortodoxia (DAVID, 1997, cap. IV). Entretanto, o formato e a aplicabilidade do decision-making judicial na Europa dificulta em muito a mera exportação de abordagens da vasta literatura norte-americana na explicação de seus efeitos. As diferenças existentes não podem ser desconsideradas. Pelo contrário, elas influenciam diretamente qualquer análise acerca do processo decisório judicial e seus reflexos na política. Sendo assim, é preciso construir uma reflexão teórica que leve em conta o ambiente em que a política constitucional européia foi-se consolidando (SWEET, 2000).

VI. A REVISÃO ABSTRATA DA LEGISLAÇÃO E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NA EUROPA

Em que aspectos fundamentais diferem a revisão da legislação efetuada na Europa da realizada nos Estados Unidos?

O Quadro 1, acima, deixa claras as várias diferenças entre o modelo norte-americano e o europeu. A independência judicial é formalmente mais forte na Europa, que constitucionalizou o número, as qualificações e os deveres dos juízes, tornando mais difícil, com isso, que as decisões do tribunal sejam ameaçadas por retaliações do poder político.


Por outro lado, a forma de escolha do juiz constitucional na Europa é mais politizada, além de estar distribuída perante os poderes políticos, aumentando com isso o grau de negociação em uma possível indicação. O integrante da Corte Constitucional, uma vez indicado, permanece na Corte por tempo determinado. Ou seja, além de uma negociação mais difícil, pois não existe a exclusividade da escolha em uma pessoa, também existe a responsabilidade do escolhido para com o grupo, facção ou partido político que o indicou. Nos Estados Unidos, a vitaliciedade e a exclusividade da escolha pelo Presidente relativiza a influência política tornando a Corte Suprema menos propensa às pressões do mundo político. No entanto, a legislação que regula o ingresso e a atividade no tribunal obedece ao trâmite ordinário, facilitando com isso possíveis retaliações por parte dos poderes representativos.

No que diz respeito à influência exercida pela pauta de julgamento, o destaque fica para a capacidade da Suprema Corte norte-americana de decidir, na grande maioria dos casos, o que deseja julgar. Esse controle da agenda de julgamento aproxima a Suprema Corte norte-americana de um poder político.

Por fim, o peso das decisões da Suprema Corte norte-americana em todo o sistema de controle de constitucionalidade é infinitamente menor do que o exercido pelas Cortes européias. O monopólio das decisões sobre a constitucionalidade de diplomas legais na Europa torna os tribunais constitucionais mais aptos à judicialização, visto que esses tribunais não podem deixar de julgar os conflitos que são levados pelos litigantes. No caso norte-americano, como vimos, o tipo de controle de constitucionalidade (difuso) e o próprio sistema processual dificultam a ampliação do campo jurisdicional.

Após a exposição das diferenças entre os modelos norte-americano e europeu, fica evidente que a revisão abstrata da legislação, típica do modelo europeu, altera de forma significativa o entendimento do processo de expansão do poder judicial sobre questões políticas. O que torna patente a necessidade de um modelo de análise diferenciado.

Antes de tudo, é preciso deixar claro que a revisão abstrata da legislação é apontada como a grande protagonista do processo de judicialização da política na Europa. A judicialização da política, de uma forma bem ampla e praticamente consensual, refere-se ao processo geral em que o discurso legal – normas de comportamento e linguagem – penetra e é absorvido pelo discurso político. Em uma perspectiva menos abstrata o consenso em torno do conceito de judicialização acaba. Por exemplo, do ponto de vista macro, a judicialização pode se entendida como a possibilidade de interferência judicial em reformas implementadas por governos eleitos. Este tipo de afirmação divide os estudiosos sobre o tema. Para alguns, a participação do judiciário no policy-making (processo decisório) significa a remoção de responsabilidades das instituições representativas. Por outro lado, há quem defenda a interferência judicial baseado na capacidade dos tribunais de moderar as tendências radicais, encorajar a centralização do poder e pacificar a vida política em geral (STONE, 1995, p. 206). Essa análise normativa sobre a funcionalidade do Judiciário é importante, mas ajuda pouco no esclarecimento do fenômeno da judicialização.

Em uma análise mais focada, podemos afirmar que o processo político pode ser descrito como judicializado quando houver possibilidade de censura constitucional futura ou quando uma decisão baseada na jurisprudência altera os resultados legislativos. Essa definição é sensível em duas direções:

a) impacto direto ou a faculdade do veto judicial e

b) impacto indireto ou os resultados políticos podendo ser alterados por reações antecipadas dos atores políticos (idem, p. 207).

Para a literatura recente, sistemas que contêm a revisão abstrata tendem a ter maior experiência de judicialização que sistemas que não a contêm. A expansão da revisão judicial da legislação tem sido um fenômeno observado não apenas na Europa. Boa parte das chamadas "novas democracias" contemporâneas possuem uma singularidade no que diz respeito à judicialização: nessas novas democracias existe a revisão judicial da legislação (TATE & VALLINDER, 1995).

Dos 35 países independentes e democráticos que compõem o território europeu, 17 possuem o controle abstrato da legislação. A terceira onda de democratização deu uma contribuição crucial para a expansão da revisão judicial. Dos 13 que se de mocratizaram desde 1970, 12 adotaram tribunais com revisão abstrata (MAGALHÃES, 2003).

Alec Stone, observando o fenômeno da judicialização na França e na Alemanha, chegou a algumas assertivas sobre a origem, o desenvolvimento e os efeitos da judicialização. Quatro pontos gerais merecem ser destacados:

1) a explicação prevalecente para a alegada expansão do poder judicial nas democracias contemporâneas é que tanto a oposição partidária quanto as Cortes são atores sem constrangimentos. Portanto, ambos estariam inclinados a exercer uma constante vigilância sobre os atos da maioria. A Corte Constitucional e a oposição política estão conectadas uma à outra por um tipo de cinto de transmissão jurisprudencial. A oposição judicializa o processo legislativo com a intenção de ganhar o que outrora perdeu no processo político convencional. As contestações da oposição oferecem uma crucial oportunidade à Corte para construir a lei constitucional e para ampliar as técnicas jurisprudenciais de controle, em outras palavras, para fazer política. Um alto nível de judicialização da política torna a jurisprudência constitucional mais densa e técnica (STONE, 1995, p. 208);

2) a judicialização é um fenômeno passível de verificação empírica. O impacto direto é observado nos resultados do julgamento. O indireto pode ser observado e em alguns casos medido. A lógica seria que o governo prefere compor com a oposição de forma a garantir um acordo mais modesto diante de suas pretensões, que sofrer uma censura constitucional. Stone chama esse efeito de autolimitação: o exercício de autoconstrangimento por parte da maioria legislativa, em antecipação a uma eventual decisão negativa da Corte Constitucional (idem, p. 207);

3) a judicialização não é um processo permanente nem uniforme. A análise dos dados sobre o impacto da Corte Constitucional na arena política manifesta uma dinâmica própria de possibilidade constitucional e constrangimento para cada país, de acordo com a intensidade da interação da política constitucional e o desenvolvimento do controle constitucional. O processo legislativo é mais ou menos judicializado em função dessas variações (ibidem) e

4) técnicas criativas de controle, que em parte foram criadas pelas cortes para amortecer o impacto de suas decisões, têm fortalecido seu domínio sobre os resultados políticos (idem, p. 208).

O certo é que as generalizações em torno da Alemanha e da França ajudam na criação de abordagens analíticas para o entendimento do processo de judicialização da política. Em uma análise mais detalhada do fenômeno é possível criar hipóteses e testá-las empiricamente. Contudo, o Quadro 2 abaixo mostra que também existem diferenças.


Apesar das generalizações possíveis, o fato é que a Alemanha e a França também possuem diferenças significativas, principalmente no que se refere ao desenho institucional de suas Cortes, como bem mostra o Quadro 2.

Em ambos os casos é possível verificar o monopólio do mundo político sobre as indicações para a Corte. A Alemanha destaca-se por impor limites ou requisitos de qualificação para o exercício do cargo. Dentre eles, seis dos dezesseis juízes devem ser escolhidos dentre os juízes dos tribunais federais superiores. A França, pelo contrário, não estabelece nenhum critério de qualificação para o cargo. A legislação francesa ainda faculta aos ex-Presidentes uma cadeira cativa no Conselho constitucional, e vitaliciedade no exercício do cargo. Ou seja, diferentemente dos demais membros indicados, que são temporários, os ex-Presidentes só perdem o exercício da função de membro do Conselho mediante morte, renúncia ou aposentadoria (MORAES, 2000, p. 140)25 25 Os ex-presidentes só passaram a ocupar as sessões do Conselho Constitucional de 1959 a 1962. De 1962 até 1996 o Conselho foi composto exclusivamente pelos nove juízes nomeados (FAVOREU, 2004, p. 93). .

No que toca à forma de controle jurisdicional, existe uma aparente diferença entre o sistema francês e o alemão. Ambos dão guarida ao controle abstrato, sendo que, no caso alemão, também é previsto o controle difuso.

No entanto, o controle difuso de constitucionalidade alemão diferencia-se do modelo original norte-americano. Nos Estados Unidos, apesar da forte vinculação que as decisões da Suprema Corte impõem sobre os demais órgãos da justiça norte-americana, é facultado a qualquer juiz, federal ou estadual, a possibilidade de declarar a inconstitucionalidade de um estatuto legal. No caso alemão, isso não ocorre. Ao deparar-se com um estatuto legal que em seu entendimento é inconstitucional, o juiz remete os autos do processo em questão para a Corte Constitucional e aguarda a verificação da constitucionalidade. Só após a promulgação da sentença sobre o caso é que o juiz dá prosseguimento ao seu trabalho no caso em questão. Dessa forma, no sistema alemão, o Tribunal Constitucional possui exclusividade sobre a declaração de constitucionalidade de qualquer estatuto legal.

As diferenças também são notadas nos resultados das ações julgadas pelos tribunais constitucionais alemão e francês. A Tabela 1 abaixo mostra os resultados da França. O Conselho Constitucional na França foi originalmente criado para garantir a supremacia do Executivo sobre o processo legislativo26 26 A trajetória do Conselho Constitucional na França vai de uma radical oposição entranhada no constitucionalismo revolucionário até sua aprovação em 1958. O Conselho nasce junto com a Quinta República francesa. Sobre o debate jurídico em torno do Conselho Constitucional na França, ver Falcon (1991). . Entretanto, atualmente o Conselho possui um forte poder de constrangimento sobre o governo e a maioria parlamentar, como demonstram os dados da Tabela 1. Podemos dizer que correu um forte processo de autonomização do Conselho na vida política francesa.

Segundo Stone, o aumento substantivo de contestações ocorre a partir de 1974, basicamente por dois motivos:

1) uma emenda constitucional garantiu aos parlamentares o direito de contestar. Pela tabela podemos notar que entre 1974 e 1990 os parlamentares foram responsáveis por 241 (ou 96,8%) das 249 contestações. Como resultado, desde 1981, mais da metade das contestações foram aceitas, ou seja, resultaram em uma anulação e

2) o próprio ativismo do Conselho. A ampliação da jurisdição teve influência direta nessa abertura (STONE, 1995, p. 210).

A Alemanha, como mostra a Tabela 2, difere bastante da França. Em quarenta anos ocorreram apenas 112 contestações pela via abstrata. Na França, só entre 1981-1987 foram 136 casos. Quais seriam as causas dessas disparidades? Segundo Stone, diferentemente da prática francesa, os partidos de oposição na Alemanha tradicionalmente trabalham para não obstruir e sim para cooperar na construção da lei. Outro argumento levantado por ele é que o processo de policy-making na Alemanha é altamente passível de veto, o que multiplica os impedimentos estruturais e serve para filtrar legislações audaciosas, ou seja, existe um intenso processo de negociação e o consenso é buscado de forma incessante (idem, p. 212-213). Não podemos esquecer ainda que, ao contrário da Alemanha, a França, na reforma constitucional de 1974, atribuiu aos parlamentares o poder de contestar a constitucionalidade de um estatuto pela via abstrata.

Vejamos os dois primeiros argumentos de forma mais detalhada. Os níveis de litígio serão provavelmente altos se os interesses dos partidos de oposição (particularmente aqueles que têm acesso à litigação) não forem levados em conta. Convencionalmente, a presença de muitas instituições ou a adoção de vetos institucionais no policy-making (bicameralismo simétrico e incongruente, Presidente com efetivo poder de veto; coalizão ou minoria governamental) provavelmente retiram o incentivo ao litígio. O contrário ocorre com um partido majoritário que domine o Executivo em um sistema unicameral ou bicameral débil.

Em outras palavras, baixos níveis de disciplina partidária, a necessidade de maiorias especiais na aprovação de alguns importantes diplomas legais, a falta de controle governamental sobre a agenda plenária, a existência de uma atuação legislativa especializada dentro das comissões do Parlamento, a ausência de regras majoritárias na escolha dos membros das comissões e de seus respectivos presidentes, e o poder legislativo de uma comissão para iniciar uma emenda, são fatores que reduzem os níveis de revisão abstrata da legislação. Por extensão, esses fatores reduzem a concentração de poder dentro da legislatura e maximizam a influência da oposição no policy-making. Portanto, quanto maior a concentração de poder no processo decisório ou, dito de outra forma, quanto menor a possibilidade de vetos múltiplos no processo decisório, maior a possibilidade de uma judicialização da política.

Na Alemanha, como mostra a Tabela 2, entre 1951 e 1991, apenas 112 leis foram remetidas para a revisão abstrata. Isto dá uma média de 2,5 leis por ano contra mais de 10 na França. Nessa linha de raciocínio, a Alemanha apresenta um número relativamente maior de fatores de inclusão da oposição no processo de policy-making. Assim, o processo legislativo alemão é altamente passível de veto, com impedimentos estruturais múltiplos que servem para filtrar legislações audaciosas (MAGALHÃES, 2003).

De uma forma muito geral, as instituições da democracia consensual tendem a reforçar empiricamente a menor importância global das cortes e da revisão judicial na vida política.

VII. CONCLUSÃO

A partir de uma análise do desenho institucional do controle de constitucionalidade, este artigo procurou demonstrar a necessidade de um estudo diferenciado entre os processos de judicialização da política ocorridos no âmbito dos tribunais constitucionais das principais correntes do direito ocidental: romano-germânica e common law.

As evidências dessas diferenças foram apontadas durante o texto. Como resultado, vimos que o desenho institucional e o impacto das decisões dos tribunais no modelo norte-americano e no modelo europeu são bem diferenciados. Por exemplo, o formato mais concentrado de controle de constitucionalidade dificulta a atuação mais discricionária do aparelho judiciário, como acontece nos Estados Unidos; e provoca uma parceria jurisprudencial entre a oposição, que em boa parte dos casos tem legitimidade para propor uma ação de revisão abstrata da legislação, e os juízes do tribunal contra as maiorias conjunturais, como acontece na Europa.

Nesse sentido, abordagens focadas no desenho institucional e na forma de controle variam bastante entre os dois modelos aqui estudados. Em conseqüência, é pouco provável que possamos estabelecer um padrão eficiente de análise que abarque ambos os modelos simultaneamente.

Portanto, concluímos que a análise de um fenômeno judicial com forte implicações políticas, como é o caso da revisão judicial ou mais especificamente do controle de constitucionalidade, pode ser significativamente melhor compreendido se os aspectos institucionais forem levados em consideração.

Recebido em 20 de março de 2006

Aprovado em 10 de julho de 2006

Ernani Carvalho (ernani_carvalho@hotmail.com) é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador da mesma instituição.

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  • 1
    Este artigo é um capítulo revisto da minha tese de doutorado. Agradeço aos membros da banca e aos pareceristas da
    Revista de Sociologia e Política pelos comentários.
  • 2
    Para uma introdução às diferenças entre as escolas do direito ocidental, ver David (1997; 2002).
  • 3
    "Corte" e "Tribunal" serão usados aqui com o mesmo significado.
  • 4
    Existe uma polêmica entre os estudiosos do tema sobre a forma de controle que o Conselho Constitucional exerce: política ou jurisdicional. Os que afirmam que o Conselho é político apegam-se à ausência de requisitos para ocupar o cargo de conselheiro como um forte indicador da politização dessa instituição. No outro flanco, os que afirmam que o Conselho exerce um controle jurisdicional destacam os limites jurisdicionais ou mesmo legiferantes, típicos de tribunais constitucionais, como sua característica fundamental. Enfim, parece-nos mais uma questão de nomenclatura de pouca densidade em uma análise política como a nossa.
  • 5
    Veremos adiante que os Estados Unidos são um caso à parte no que diz respeito à gênese do controle de constitucionalidade. Lá não houve uma delegação explícita de poderes para controlar a constitucionalidade.
  • 6
    Sweet (2000) defende que a "velha" forma de fazer política vem sendo substituída por uma nova que implica a participação efetiva dos tribunais na vida política dos países.
  • 7
    Um pequeno detalhe: o espaço cedido foi o sótão.
  • 8
    Não cabe aqui uma análise mais detalhada sobre a emancipação da Suprema Corte como controladora da constitucionalidade. Existe um grande número de obras que fazem referência ao surgimento do controle jurisdicional nos EUA, dentre elas Rodrigues (1958) e Swisher (1962).
  • 9
    A bipolarização partidária da política norte-americana reflete-se na escolha dos juízes (BAUM, 2001, cap. 2).
  • 10
    Boa parte dos juízes formou-se nas mais prestigiosas universidades norte-americanas (BAUM, 2001, p. 60-61).
  • 11
    Boa parte dos juízes ocupava cargos de destaque na burocracia pública federal (BAUM, 2001, p. 64-65).
  • 12
    A Ordem dos Advogados nos EUA.
  • 13
    Em geral, nos países de tradição jurídica romano-germânica, as cortes têm por obrigação legal manifestar-se.
  • 14
    No caso de rejeição pela Corte Suprema, prevalece o entendimento dado pelo tribunal anterior.
  • 15
    Seria o Procurador-Geral da República no Brasil.
  • 16
    Estão presentes aqui a garantia da vitaliciedade no exercício do cargo e a investidura ou forma de ingresso.
  • 17
    Algumas categorias de menor importância não estão relacionadas.
  • 18
    O Tratado estabeleceu condições opressivas que feriam, no entendimento de muitos, a soberania do Estado. No caso germânico, parte do território ficou sob poder da França, aumentando o temor de uma fragmentação do Estado alemão.
  • 19
    Para um mapeamento resumido das discordâncias entre esses autores, ver Herrera (1994, p. 195-202).
  • 20
    Era o ano de 1934, a influência nazista tomava toda a Alemanha e Schmitt já fazia parte do partido de Adolf Hitler.
  • 21
    Schmitt aceitava o controle judicial desde que fosse exercido de forma completa: toda a vida política submetida ao poder Judiciário, inclusive aos tribunais ordinários, como é nos Estados Unidos (HERRERA, 1994, p. 208).
  • 22
    Apesar da proeminência dos tribunais constitucionais nas democracias ocidentais, o debate teórico em torno da legitimidade destes é amplo e controverso. Neste sentido ver Elster e Slagstad (1999) e Maravall e Przeworski (2003).
  • 23
    Como foi dito, a expressão "quase-judicial" foi cunhada por Kelsen para designar uma competência e um
    status especial da Corte Constitucional.
  • 24
    Países como o Brasil, a Espanha e Portugal também confirmam essa tendência. Em todos esses casos a revisão judicial foi implantada depois de mudanças significativas no
    status quo.
  • 25
    Os ex-presidentes só passaram a ocupar as sessões do Conselho Constitucional de 1959 a 1962. De 1962 até 1996 o Conselho foi composto exclusivamente pelos nove juízes nomeados (FAVOREU, 2004, p. 93).
  • 26
    A trajetória do Conselho Constitucional na França vai de uma radical oposição entranhada no constitucionalismo revolucionário até sua aprovação em 1958. O Conselho nasce junto com a Quinta República francesa. Sobre o debate jurídico em torno do Conselho Constitucional na França, ver Falcon (1991).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Recebido
      20 Mar 2006
    • Aceito
      10 Jul 2006
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