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O Supremo Tribunal Federal como a rainha do jogo de xadrez: fragmentação partidária e empoderamento judicial no Brasil

RESUMO

Introdução:

Este artigo analisa o processo de empoderamento do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil entre 1945 e 2015. O objetivo é explicar o que tornou o STF tão poderoso institucionalmente e como isso ocorreu. Estudos sobre a expansão global do poder judicial apontam uma multiplicidade de causas para explicar esse fenômeno, mas pesquisas recentes vêm indicando a fragmentação político-partidária como a principal causa do empoderamento judicial. O presente trabalho testa a hipótese de que quanto maior a fragmentação partidária, mais poder institucional o STF possuirá.

Materiais e Métodos:

Como variável dependente, foi criado um indicador sintético que mensura o poder institucional do Supremo Tribunal Federal ano a ano. As variáveis independentes mensuraram anualmente a composição partidária da Câmara dos Deputados para o mesmo período. Além dessas variáveis, foram importadas outras medidas da base de dados do V-Dem. Para essa análise foram utilizados modelos lineares simples, lineares generalizados e multinomiais.

Resultados:

Foi identificado um alto impacto da fragmentação partidária no empoderamento institucional do STF. Em todos os testes, a fragmentação partidária aumentou as chances de empoderamento institucional do Poder Judiciário brasileiro.

Discussão:

As reformas exógenas que geraram esse empoderamento se deram com o apoio do Poder Executivo e com a leniência do Poder Legislativo, transformando a Suprema Corte brasileira na Rainha do jogo de xadrez institucional nacional.

PALAVRAS-CHAVE:
Poder Judiciário; fragmentação partidária; empoderamento judicial; Supremo Tribunal Federal; multinomial; análise fatorial

ABSTRACT

Introduction:

This article deals with the Supreme Federal Court’s empowerment trajectory, exploring exogenous variables in order to explain what made the Supreme Court so institutionally powerful, and how it happened. After the classic studies on the global expansion of the judicial power, that pointed to a myriad of causes as a result of the phenomenon, several recent researches have indicated the political-party fragmentation as the main cause of judicial empowerment. Seeking to corroborate these analyses, the present work analyzes the institutional empowerment of the Brazilian Judiciary from 1945 to 2015, testing the hypothesis the greater the party fragmentation, more institutional power the STF holds.

Materials and Methods:

As a dependent variable, a synthetic indicator was created to measure the institutional power of the Federal Supreme Court year by year. The independent variables measure the party composition of the Chamber of Deputies annually for the same period. In addition to these variables, other measures were imported from the V-Dem database. For this analysis, simple linear, generalized linear and multinomial models were used.

Results:

We identified significant impact of party fragmentation on institutional empowerment of the Supreme Court. In all tests, party fragmentation increased the chances of institutional empowerment of the Brazilian judiciary.

Discussion:

The exogenous reforms that generated this empowerment took place with the support of the Executive and the leniency of the Legislative, transforming the Brazilian Supreme Court into the Queen of the Chess.

KEYWORDS:
Judiciary Power; Partisan Fragmentation; judicial empowerment; Supreme Federal Court; multinomial; factorial analysis

I. Introdução1 1 Essa pesquisa teve apoio de fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Agradecemos aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos da Revista Sociologia e Política.

Durante o desenvolvimento e aperfeiçoamento das democracias modernas, as atenções estiveram voltadas ao Poder Representativo. O Corpo Legislativo sempre foi tido como o vetor da legitimidade e soberania, ou seja, o vértice da própria ideia de governo democrático. Desde as reformas incrementais no modelo inglês, vê-se um crescente aperfeiçoamento do Parlamento, cujo poder foi sendo gradativamente compartilhado com a Monarquia até o seu desenho institucional atual, sob a égide do princípio da soberania do parlamento, ou seja, é do Legislativo a última palavra.

Em contraposição ao modelo britânico, Madison elaborou um sistema de freios e contrapesos onde o Legislativo estaria separado do Executivo e juízes lotados em um tribunal superior controlariam os demais poderes através da aplicação exegética da Constituição. Ou seja, a soberania do parlamento daria lugar à supremacia da constituição. Sob a égide desse princípio, Madison e Hamilton, com uma forte participação da própria Suprema Corte americana2 2 Vide a exemplar decisão da referida Corte no caso Marbury versus Madison. , desenharam um modelo que deu ao Judiciário a última palavra dentro do processo decisório, através da revisão judicial. O próprio sistema de common law contribuiu para que a Suprema Corte estadunidense estabelecesse, principalmente após o caso Marbury vs. Madison, os próprios limites e alcances em sua atuação dentro do arcabouço da revisão dos atos dos demais poderes.

Esse modelo de controle por juízes se mostrou bastante eficaz e bastante difundido no período posterior à segunda guerra, pois era capaz de inibir as paixões majoritárias, evitando que políticos perigosos, mas legislativamente majoritários, acendessem ao poder, como no caso da Alemanha no período nazista. Assim, a clássica coletânea de Tate & Vallinder (1995)Tate, N. C, & Vallinder, T., 1995. The Global Expansion of Judicial Power. New York: University Press., foi o primeiro esforço acadêmico com o escopo de compreender as causas e consequências deste processo que havia ganho dimensões globais. Ou seja, no que tange às democracias ocidentais, não são mais os parlamentares os detentores da última palavra no processo decisório, cada vez mais os juízes ocupam um papel central nessa dinâmica. Se trata de um segmento com forte ascensão política e social, especialmente selecionados para compor um órgão judicial com competência especial3 3 São inúmeros os trabalhos que demonstram essa assertiva, destacaríamos os de Sweet (2000), David (2002) e Maravall & Przeworski (2003). .

O Brasil seguiu esse movimento global de expansão do Judiciário e em 1988, conformou no seu desenho constitucional a junção de dois modelos de revisão judicial, o modelo americano e o modelo concentrado kelseniano, que no desenho original era exercido por um órgão administrativo alheio aos três poderes, mas que no Brasil ficou a cargo do mesmo órgão ao qual coube o tipo de revisão norte-americana. Surgia assim, o atual Supremo Tribunal Federal4 4 O antigo Supremo Tribunal de Justiça, da época imperial do Brasil foi renomeado Supremo Tribunal Federal com a constituição provisória, através do Decreto 510, de 22 de junho de 1890. Para uma visão das diferenças e fusão dos modelos ver Carvalho (2007). . Entretanto, esse modelo não surgiu aleatória nem acidentalmente. O histórico nacional de rupturas democráticas e de instabilidade política teria papel principal na dotação de poder da nossa suprema corte5 5 A título de ilustração sugerimos a leitura de Barbosa (2015) onde se trata da institucionalização do controle de constitucionalidade no sistema brasileiro. . A pergunta principal dessa pesquisa é direcionada a como e por que o Supremo Tribunal Federal se tornou tão poderoso. Quem dotou o STF de mais poder, o Executivo ou o Legislativo? Qual o efeito do regime político nesse aumento de poder? A hipótese principal é a de que a fragmentação político-partidária fez com que o Legislativo e Executivo, dotassem o STF com poder suficiente para proteger elites que deixam o poder, bem como evitar gridlocks congressuais, dotando a suprema corte com capacidade de resolver impasses decisionais de forma a garantir a fluidez do sistema político, afastando a paralisia decisória.

Para testar essas hipóteses, foi montado um banco de dados entre os anos de 1945 e 2015, onde cada ano é um evento e no qual estão mensuradas dezessete variáveis exógenas, dentre as quais destacamos cinco indicadores de empoderamento institucional do STF e do Judiciário, três medidas para fragmentação partidária através do número efetivo de partidos (NEP), do número mínimo de partidos para implementar uma mudança constitucional (NMP) e o índice de fracionalização de Douglas Rae6 6 Para mais detalhes ver Rae (1971). (F), além de duas variáveis de competição política (poliarquia e competição política) e uma variável binária de controle para regime político. Termos interativos também foram criados para captar os efeitos marginais do regime. Assim, o artigo está dividido em três seções, após essa introdução (I). Na segunda fazemos uma breve análise da evolução do poder judicial no geral, e no Brasil em especial. Na terceira seção retomamos o debate institucional e exploramos os dados, na quarta rodamos os modelos e fazemos as análises. Por fim, trazemos as conclusões (V) e considerações finais.

II. Síntese da Evolução do Poder Judicial

No ano de 1752, Montesquieu registrou que de todos os poderes o Judiciário é, em alguma medida, próximo a nada. Sua obra, o clássico O Espírito das Leis, viria a ser um marco na teoria da separação dos poderes. De fato, os Juízes não ocuparam lugar de destaque na construção dos modelos de democracia, seja na Antiguidade Clássica, seja no período pós-absolutismo. Nem mesmo James Madison em seus artigos federalistas havia pensado em dar tanto destaque à Suprema Corte, que no seu desenho institucional operava como mecanismo de freios e contrapesos dentro da lógica federativo-presidencialista do modelo norte americano. Foi um conjunto de decisões judiciais7 7 Destacamos as duas mais importantes: Caso Marbury vs. Madison em 1803 e Caso Lochner vs. State of New York em 1905. que construíram através do precedente, a força que a Corte Constitucional estadunidense passou a exercer diante dos demais poderes. Esses casos foram seminais, não apenas para reforçar os checks-and-balances, mas também para ilustrar a Suprema Corte como policy-maker, como ficou delineado no artigo seminal de Robert Dahl (Dahl 1957Dahl, R., 1957. Decision-making in a Democracy: The Supreme Court as a National Policy-Maker. Journal of Public Law, s/v, nº6, pp. 279-295.).

Enquanto que o modelo difuso de revisão judicial norte-americano encontrava um ambiente favorável no sistema de common law, que permite o Judiciário inovar no Direito através da regra do precedente, o modelo de civil law exigia um desenho institucional positivo através do Legislativo, o que de certa forma impedia um auto empoderamento do Judiciário. Foi em 1920, na Áustria, que Hans Kelsen e Carl Schmitt travaram um intenso debate8 8 O debate encontra-se em Herrera 1994. sobre a adoção de um modelo de intervenção judicial que não fosse tão forte quanto o dos Estados Unidos. Foi daí que surgiu o modelo concentrado-abstrato, onde um órgão alheio ao Judiciário, mas com a última palavra sobre a Constituição, teria como prerrogativa principal protegê-la das maiorias legislativas conjunturais, buscando dar uma estabilidade jurídica ao longo do tempo. Porém, esse debate só ganhou proporções mundiais no pós-segunda guerra, quando as nações europeias se viram fragilizadas pelo Princípio da Soberania do Parlamento9 9 Para mais sobre o princípio da Soberania do Parlamento, ver Koopmans (2003). , e buscaram modelos que as protegessem do populismo e das maiorias legislativas convenientes. A partir daí o desenho institucional madisoniano consagrou o Princípio da Supremacia da Constituição, que passou a ser adotado por diversos países europeus e latino-americanos. Ou seja, o Poder Judiciário passou a ser visto dentro dos três poderes como fator de estabilidade contra maiorias legislativas que tendessem à tirania da maioria.

Essa nova configuração na teoria da separação dos poderes dotou o Judiciário de um protagonismo até então inédito, que ao fortalecê-lo institucionalmente através das regras constitucionais, permitiu que Juízes passassem a interferir com mais força e frequência na arena política. Como Lijphart (2003Lijphart, A., 2003. Modelos de Democracia: desempenho e padrões e governo em 36 democracias. Trad. Roberto Franco. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 258) pontuou, se um órgão é criado com o propósito exclusivo de examinar a constitucionalidade da legislação, é muito provável que ele realize essa tarefa com alguma vitalidade. O caso brasileiro é ainda mais interessante, pois sua suprema corte, o Supremo Tribunal Federal – STF, não é um órgão exclusivo do exame de constitucionalidade. Ele também atua como instância recursal ordinária nos casos em que é instância originária para ações contra algumas autoridades públicas, além de apreciar os recursos extraordinários, onde exerce a revisão judicial difusa e atua como revisor judicial concentrado. Ou seja, o modelo brasileiro é um modelo híbrido que uniu o modelo norte-americano e o modelo kelseniano. Porém, esse modelo foi uma construção feita no tempo, de forma gradativa e incremental. Nem sempre o STF foi tão poderoso, como demonstrou Aliomar Baleeiro na obra O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido, publicada em 1968 (Baleeiro 1968Baleeiro, A., 1968. O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido. Rio de Janeiro: Forense.). O Gráfico 1 ilustra essa evolução no tempo. O eixo y representa o número de palavras contido na seção dedicada ao Poder Judiciário em cada Constituição por mandatos presidenciais (eixo x) em função das modificações feitas por constituições e emendas constitucionais. Assim foi possível captar o “tamanho” de cada um dos três poderes, permitindo sua comparação. O gráfico evidencia que o ano de 2004 (Lula 2003-2010) foi o momento em que o Judiciário (linha preta) ultrapassou o Legislativo (linha vermelha). O Executivo está representado pela linha azul. Foi naquele ano que houve a reforma do judiciário (Emenda 45 de 2004), com a criação do Conselho Nacional de Justiça fazendo com que o controle do Judiciário central passasse a ser ainda mais forte.

Gráfico 1
Evolução dos Três Poderes (1891 – 2014)

Além da reforma do Judiciário, Andrei Koerner ressaltou que o Presidente Lula, ao assumir a Presidência da República em 2003, teve dificuldades de implementar sua agenda pela via Legislativa, optando pela via judicial ao nomear para o STF ministros progressistas ligados a partidos de esquerda e movimentos sociais (Koerner 2013Koerner, A., 2013. Ativismo Judicial? Jurisprudência constitucional e política no STF pós-88. Novos Estudos - CEBRAP, s/v, nº 96, pp. 69-85. DOI: 10.1590/S0101-33002013000200006
https://doi.org/10.1590/S0101-3300201300...
). Esse argumento fica bastante ilustrado no Gráfico 2, com o alinhamento dos indicadores10 10 Para mais detalhes, ver Barbosa (2015, pp. 63-98). de empoderamento judicial e de fragmentação partidária. Esses indicadores foram construídos através da análise fatorial de seis variáveis em dois blocos: 1) empoderamento judicial, onde foram fatorizadas as variáveis que mediam o tamanho da extensão do Poder Judiciário na Constituição através do número de palavras (NPPJ), o grau de detalhamento do texto constitucional relativo ao Judiciário (D) e o Indicador de Empoderamento do STF (iSTF11 11 Esse indicador será melhor detalhado adiante, na seção de metodologia. ); 2) fragmentação partidária, onde foram fatorizadas as variáveis do número efetivo de partidos (NEP), o índice de fracionalização de Rae (F) e o número mínimo de partidos para implementar uma mudança constitucional (NMP). Para mais detalhes, ver Barbosa (2015, pp. 63-98).

Gráfico 2
Indicador de Empoderamento Judicial e de Fragmentação Partidária entre 1945 e 2013

No Gráfico 2, o eixo y é representado pelos indicadores fatorizados, já o eixo x representa o ano de alterações constitucionais (por Constituição e por emendas). A linha pontilhada em vermelho significa o ponto de não-retorno, ou seja, após a Constituição de 1988 não há como Executivo e/ou Legislativo voltar(em) atrás e diminuir(em) os poderes do Judiciário, a não ser que este concorde com essa redução, o que é bastante improvável, uma vez que compete ao próprio STF o controle sobre as mudanças constitucionais, qualquer tentativa de reduzir-lhe poder através de Emenda Constitucional, caberá a ele decidir sobre a própria redução de poder. Esse evento especificamente mostra que, dentro da ordem constitucional vigente, é o STF quem delibera sobre os próprios poderes, competindo a ele fazer uma autorrestrição (o Gráfico 1 mostra que não há redução de poder após 1988). Já a linha pontilhada em cinza, ilustra o argumento de Koerner (2013), exatamente quando os indicadores de fragmentação partidária e de empoderamento judicial se alinham no tempo. Esse alinhamento sugere uma correlação extremamente forte entre fragmentação partidária e empoderamento judicial.

A Constituição de 1988 ignorou a preocupação de Kelsen em criar um Judiciário tão poderoso quanto o estadunidense. E foi além, incorporando um modelo mais brando, mas que no desenho institucional brasileiro tornou-se extremamente forte, uma vez que na concepção de Kelsen, o controle concentrado deveria ser exercido por um órgão administrativo alheio aos três poderes e não pelo Poder Judiciário, como é no Brasil. Dessa forma, o modelo brasileiro torna o Supremo Tribunal Federal (do ponto de vista prescritivo-normativo) um órgão institucionalmente extremamente poderoso. Entretanto, ter o poder institucional de agir não garante fazê-lo (contrariando o argumento de Lijphart). Como no modelo nacional o Judiciário é inerte, é preciso que outros órgãos o provoquem. E essas demandas de fato vêm ganhando força na medida em que o STF as responde com o que os juristas chamam de ativismo judicial.

Mas o que leva um poder político eleito a permitir que um poder não eleito possa interferir de forma definitiva sobre suas ações? Por que Legislativo e/ou Executivo dotam o Judiciário com um poder institucional (poder normativo) tão forte?

II.1. A Incerteza Política e o Insurance Model

John Ferejohn (2002)Ferejohn, John, 2002. Judicializing Politics, Politicizing Law. Law and Contemporary Problems. 65(3), pp. 41-68. recorre ao desenho institucional madisoniano ao argumentar que o espaço político usado para crítica e contestação políticas pode sofrer várias formas de abuso de forma a ameaçar a própria operacionalização da democracia. De acordo com Ferejohn

Madison insistiu que o espírito das facções pode ser perigoso à liberdade e, mais adiante, à democracia. Ele também reconheceu, entretanto, que em uma república, facções e partidos, que servem mais adiante a interesses públicos e privados, não podem ser abolidos sem minar o próprio governo republicano. Na melhor das hipóteses, as políticas das facções e dos partidos podem ser reguladas ou dirigidas de forma a limitar a probabilidade de abusos. A forma mais satisfatória de regulação reside no processo eleitoral para corrigir patologias políticas. É claro que, caso as autorregulações democráticas falhem, há os tribunais constitucionalmente empoderados como salvaguarda que pode ser empregada para limitar abusos no processo legislativo (Ferejohn, 2002, p. 50. Tradução Nossa)12 12 Madison insisted that the spirit of faction can be dangerous to liberty and therefore, ultimately, to democracy. He also recognized, however, that in a republic, factions and parties, which serve to further both public and private interests, cannot be abolished without undermining republican government itself. At best, the politics of faction and party can be regulated or managed to limit the likely abuses. The most satisfactory form of regulation relies on the electoral process to correct political pathology. Of course, if democratic self-regulation fails, there are court-enforced constitutional safeguards that may be employed to limit abusive lawmaking. .

Ferejohn argumenta que, em contraste ao argumento anterior, a lei ou sua aplicação, deve ocorrer dentro de tribunais. Sua aplicação é controversa, mas é de se esperar que na maior parte dos casos, seja uma questão técnica de encontrar os princípios corretos sob os quais a disputa seja estabelecida. O dever dos juízes é promover tribunais justos e não tendenciosos antes que partidos políticos em conflito possam estabelecer suas disputas diante de regras legais previamente estabelecidas (Ferejohn 2002, p. 50). Esse modelo, continua Ferejohn, enxerga os tribunais como locais onde disputas específicas são travadas, não como uma arena onde regulações gerais são formuladas. Ou seja, uma Suprema Corte como mecanismo eficaz de prevenir a tirania da maioria ou paixões populares, como pontuou Jon Elster (2000Elster, J., 2000. Ulisses Liberto – Estudos sobre Racionalidade, Pré-compromissos e Restrições. São Paulo: Editora Unesp., p. 156), passaria a ser apenas uma de suas funções. Ferejohn oferece duas respostas a esse aumento do escopo de atuação do Judiciário (judicialização da política).

A primeira refere-se ao aumento da fragmentação de poder dentro dos poderes políticos, que limita a capacidade de legislar, ou de ser o lugar onde políticas públicas podem ser efetivamente formuladas, ou seja, é o que Ferejohn chama de hipótese da fragmentação: quando os poderes políticos não podem agir, as pessoas que buscam resolver seus conflitos tenderão a gravitar sobre instituições que podem entregar soluções. As instituições que podem oferecer essa solução são os tribunais, principalmente onde a legislatura é dividida (Ferejohn 2002, p. 55). A segunda diz respeito à expectativa de que alguns tribunais podem ser confiáveis para proteger uma grande gama de valores importantes contra potenciais abusos políticos. Essa é a hipótese jurídica.

Mas o que leva os constituintes a incluir no texto constitucional mecanismos de revisão judicial, capazes de revisar os atos legislativos futuros? Segundo Ginsburg (2003Ginsburg, T., 2003. Judicial Review in New Democracies. Cambridge: University Press., pp. 24-25), isso depende das posições de poder dos constituintes nos governos pós-constituição, e o fator-chave que eles levam em consideração é o da incerteza, no momento de construção constitucional, da futura configuração política. Ginsburg delineia dois cenários extremos que reforçam seu argumento. O primeiro diz respeito a um cenário de partido único, cujos incentivos para estabelecer um árbitro neutro para resolver disputas são muito poucos. O segundo diz respeito a um cenário de muitas forças políticas, onde nenhum partido tem confiança de que continuará no poder nas próximas eleições. Quando as forças políticas estão sob impasses ou dispersas, nenhum partido consegue prever quem vencerá as eleições após a implementação da Constituição. Ou seja, não havendo nenhum partido político confiante na possibilidade de vitória eleitoral, todos eles irão preferir limitar a maioria, e mais adiante, irão valorizar instituições minoritárias, como a revisão judicial. Ginsburg denominou esse raciocínio de insurance model of judicial review. Ou seja, a revisão judicial opera como apólice de seguro contra impasses e dispersões dos partidos políticos na arena decisória.

A literatura que aborda a temática da construção institucional aponta para outras formas explicativas deste fenômeno (Ingram 2015Ingram, M. C., 2015. Judicial Power in Latin America. Latin American Research Review, 50(1), pp. 250-260.). Não obstante a força do insurance model, que possui forte influência nos países de transição recente, como é o caso brasileiro, é preciso reconhecer que ela não é soberana. É exequível apontar falhas no argumento de que elites declinantes teriam força para empoderar instituições no intuito de conservar minimamente seus interesses (Ingram 2016Ingram, M. C., 2016. Crafting Courts in New Democracies: The Politics of Subnational Judicial Reform in Brazil and Mexico. New York: Cambridge University Press.). “De igual forma, o argumento centrado na incerteza oriunda do incremento na competição eleitoral não é capaz de explicar o timing e o conteúdo dessas reformas” (Da Ros 2017Da Ros, L., 2017. Em que Ponto Estamos? Agenda de Pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In F. Engelmann, (org.). Sociologia Política das Instituições Judiciais. Porto Alegre: Editora UFRGS., p. 61).

Os chamados atores internos (membros do Judiciário) também podem ter papel fundamental na formulação dessas mudanças. Eles são diretamente beneficiados com o fortalecimento das cortes, inclusive, em alguns casos, superando a força das elites em declínio (Couso et. al. 2010Couso, J. A.; Huneeus, A. & Sieder, R. (orgs.), 2010. Cultures of Legality: Judicialization and Political Activism in Latin America. New York: Cambridge University Press.). Apesar de reconhecermos a relevância e importância das explicações teóricas concorrentes insistimos que, para o caso brasileiro, as evidências do insurance model ganham relevo nos trabalhos que aprofundaram o modus operandi do constitutional building.

A Influência dos chamados atores jurídicos no processo de consecução da Constituição é ponto pacífico dentro da literatura brasileira. Contudo, isto não significa que estiveram ausentes mediações construídas ao longo do processo de manufatura da Constituição. Neste caso o PMDB foi fortemente favorecido pelo o princípio da proporcionalidade partidária, pois, além de possuir a maioria dos constituintes (54,2% do total), tinha a seu favor um princípio flexível para a ocupação dos cargos de destaque. As oito relatorias das comissões foram ocupadas por constituintes do PMDB, em flagrante desrespeito ao princípio da proporcionalidade partidária. Além disso, o PMDB respondeu pela relatoria de treze subcomissões e pela presidência de outras quinze.

Sem adentrar muito nas questões do processo Constituinte de 1988, fica claro que a elite que negociou a transição não era a decadente. O PMDB era o principal partido de oposição ao regime e dele nasceu todas as negociações relativas aos grupos de pressão da sociedade (Coelho 1999Coelho, R. C., 1999. Partidos Políticos: Maiorias Parlamentares e Tomada de Decisão na Constituinte. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.). O que não foi diferente para o caso do empoderamento judicial.

Se durante a constituinte não houve maiores dificuldades para confluir os modelos madisoniano e kelseniano de controle sobre atos normativos, o período posterior também não revela dificuldades. Uma vez que o argumento de Ginsburg é para períodos de constitutional building, é nas alterações constitucionais que reside maior atenção, uma vez que, como disse Melo 2007Melo, M. A., 2007. Hiperconstitucionalização e Qualidade da Democracia – Mito e Realidade. In C. R. Melo & M. A. Sáez (orgs). Democracia Brasileira: Balanços e Perspectivas para o Século 21. Belo Horizonte: Ed. UFMG, pp. 237-265., não é difícil modificar a Constituição, assim o argumento ganha força não apenas a cada período constitucional, mas a cada emenda que modificou o próprio Poder Judiciário. De 1891 a 2013 foram 29 alterações, sendo sete por constituições e 22 por emendas constitucionais. Dessas 22 emendas, dez (45,5%) foram de autoria do Legislativo e doze (54,5%) foram de autoria do Executivo (todas exógenas). O gráfico a seguir ilustra o aumento de poder do Judiciário desde 1891 a 2015.

Fica evidente que os governos democráticos contribuíram muito mais para a inclinação da reta de ajuste do que os governos ditatoriais (como ilustrado no Gráfico 3), o que corrobora a argumentação de Ginsburg. Isso ficará ainda mais claro na seção 4, onde os dados darão respostas ainda mais robustas. Até aqui, tanto Ginsburg quanto Ferejohn dão sólida contribuição para a formulação da hipótese de que, quanto maior a fragmentação partidária, maior é o empoderamento do Judiciário.

Gráfico 3
Dispersão do Número de Palavras do Poder Judiciário por Mandato Presidencial entre 1891 e 2015

III. Metodologia, métodos e dados

As mudanças institucionais implementadas pelas constituições e suas respectivas emendas não foram aleatórias nem legadas ao acaso, foram fruto de um cálculo estratégico que levou em consideração a própria trajetória do sistema político brasileiro. O aspecto institucional é premente nesta análise, uma vez que analisa o que fazem as instituições, como elas se mantêm e como os atores se comportam. Há, portanto, duas perspectivas em que uma leva em consideração um cálculo estratégico e a outra os aspectos culturais. Hall & Taylor (2003)Hall, Peter A. & Taylor, Rosemary C., 2003. As Três Versões do Neoinstitucionalismo. Lua Nova, s/v, nº 58, pp. 193-224. DOI: 10.1590/S0102-64452003000100010
https://doi.org/10.1590/S0102-6445200300...
argumentam que o comportamento do indivíduo nunca é inteiramente estratégico, sendo limitado pela sua visão de mundo, ou seja, para os culturalistas os indivíduos buscam mais a satisfação do que a otimização. A perspectiva do cálculo estratégico vai em sentido contrário, mostrando que as instituições se mantêm porque realizam algo próximo do Equilíbrio de Nash. Os institucionalistas históricos, de outro modo, trabalham com ambas as perspectivas quando tratam da relação entre instituições e ação. Segundo Victória Hattam (1993)Hattam. V. C., 1993. Labor Visions and State Power. The Origins of Business Unionism in the United States. Princeton: University Press. a diferença entre contextos institucionais tem incidência direta sobre as relações de poder.

III.1 Criação do indicador iSTF

Adotamos a variável dependente iSTF, elaborada por Barbosa 2015Barbosa, L. V. de Q., 2015. O Silêncio dos Incumbentes: fragmentação partidária e empoderamento judicial no Brasil. Tese de Doutorado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco. 13 13 Para o iSTF, Barbosa 2015 optou por não estabelecer uma escala, mas manter um padrão de contagem, principalmente em função dos modelos lineares generalizados, sendo a escala mais apropriada para o modelo binomial negativo, como mostrado por Nelder & Wedderburn (1972). , que é um indicador com base em Shugart & Carey (1992)Shugart, M. S. & Carey, J. M., 1992. President and Assemblies: Constitutional Design and Electoral Dynamics. New York: Cambridge University Press. – que criaram um índice de poderes institucionais do Presidente da República a partir de duas dimensões, onde uma é o poder de legislar e a outra diz respeito a poderes não legislativos, numa escala de zero (fraco) a 4 (forte), em cada dimensão. Portanto, a variável dependente iSTF, pode ser representada pela seguinte fórmula: iSTF = p(AA) + j(gAP), onde o termo p significa a capacidade processual ativa, ou seja, capacidade de agir mediante provocação de um autor com legitimidade processual ativa AA14 14 Esses autores com capacidade processual ativa estão elencados no art. 103 da Constituição Federal do Brasil, e são eles: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;V o Governador de Estado ou do Distrito Federal;VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. . O termo j significa a prerrogativa de julgar atores constitucionalmente autorizados a figurarem no polo passivo, seja em grupo ou individualmente gAP15 15 Aqui são contabilizadas todas as autoridades que podem ser julgadas pelo STF, como consta na Constituição Federal do Brasil. . Dessa forma são contados os agentes que podem demandar, juntamente com os agentes que podem ser demandados, formando um conjunto de poderes institucionais que autorizam o STF a agir nos mais variados cenários, seja no controle difuso, concentrado e até mesmo em ações originárias contra autoridades públicas, a exemplo de Presidente da República, Parlamentares e o alto escalão do Gabinete. Esse indicador, portanto, mensura o empoderamento judicial do Supremo Tribunal Federal.

III.2 Descrição, Fontes e Mensuração das Variáveis

Além do iSTF, destacamos duas variáveis independentes, doravante exógenas, para captar a fragmentação partidária: Número Efetivo de Partidos da Câmara dos Deputados (NEP), e o Número Mínimo de Partidos (NMP) para implementar uma mudança constitucional (como alternativa ao NEP). Essa medida foi criada por Negretto 2013Negretto, G. L., 2013. Making Constitutions: Presidents, Parties and Institutional Choice in Latin America. New York: Cambridge University Press., para captar o exato número de partidos com influência de implementar mudanças constitucionais, situação que o NEP não capta. Nesse sentido, Negretto propõe o NMP como sendo o tamanho da “coalizão da reforma”: uma variável discreta indicando o número mínimo de partidos necessários para formar uma coalizão apta a conseguir aprovar emendas constitucionais. Para ele,

Se um partido controla 75% das cadeiras, o número mínimo de partidos para aprovar mudanças constitucionais será um, seja maioria absoluta ou qualificada. Entretanto, se a Casa Legislativa é composta por cinco partidos compartilhando 49, 16, 13, 12 e 10% das cadeiras, o número mínimo de partidos requerido para aprovar mudanças na Constituição será dois ou três, a depender da regra de emendamento (Negretto 2013Negretto, G. L., 2013. Making Constitutions: Presidents, Parties and Institutional Choice in Latin America. New York: Cambridge University Press., p. 85. Tradução Nossa)16 16 If one party controls 75 percent of the seats, the minimum number of parties to pass constitutional changes will be one, whether under absolute or qualified majority. If, however, the constituent body is composed of five parties sharing, say, 49, 16, 13, 12 and 10 percent of the seats, the minimum number of parties required to pass constitutional changes is either two or three depending on whether the decision rule is absolute or two-thirds. .

Dessa forma, tanto o NEP quanto o NMP serão consideradas variáveis independentes e utilizadas separadamente, uma vez que entre elas há forte correlação, o que gera multicolinearidade se presentes no mesmo modelo. Além dessas variáveis, também utilizamos outras com base em Linzer & Staton 2015Linzer, D. A. & Staton, J. K., 2015. A Global Measure of Judicial Independence. Journal of Law and Courts, 3(2), pp. 223-256. DOI: 10.1086/682150
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e algumas do banco Varieties of Democracy (V-DEM). As relações entre variáveis estão descritas abaixo. As quatro primeiras variáveis são as dependentes, sendo a primeira o indicador iSTF seguido das variáveis de Linzer & Staton 2015Linzer, D. A. & Staton, J. K., 2015. A Global Measure of Judicial Independence. Journal of Law and Courts, 3(2), pp. 223-256. DOI: 10.1086/682150
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. As variáveis a partir de NEP são as independentes e buscam medir fragmentação político-partidária (NEP, NMP, F, Poliarquia e Competição Política). Essas duas últimas foram extraídas o banco Varieties of Democracy (V-DEM) para os exatos anos em análise. Regime é uma variável binária mensurada para determinar períodos democráticos (1) e autoritários (0), facilitando a criação de termos interativos capazes de mostrar o efeito marginal da fragmentação política e partidária em tais períodos. O indicador sintético iSTF mede o número de prerrogativas que o Supremo Tribunal Federal teve ao longo do tempo, indo desde o controle difuso de constitucionalidade ao concentrado, passando pelo número de atores que podem acionar tal mecanismo de revisão judicial, bem como pelas autoridades sujeitas à atuação da Suprema Corte, buscando mensurar seu poder institucional17 17 O poder institucional aqui é entendido como Barbosa (2015) propôs, ou seja, é um poder descrito nas regras do jogo (precisamente a Constituição), não se trata de um poder utilizado (cujas variáveis não seriam institucionais, mas decisionais, analisando as decisões da corte). Mais especificamente é um poder de jure, ou seja, de poder agir. E o poder de agir interfere no cálculo que os atores legislativos fazem ao tomar decisões, dentro do processo decisório. . A variável LJI18 18 Para uma explicação mais detalhada ver Linzer & Staton (2015, p. 225). significa Latent Judicial Independence e busca medir uma medida unificada para duzentos países de 1948 a 2015 (Linzer & Staton 2015Linzer, D. A. & Staton, J. K., 2015. A Global Measure of Judicial Independence. Journal of Law and Courts, 3(2), pp. 223-256. DOI: 10.1086/682150
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, p. 224). A variável XCONST é baseada no projeto da Polity IV e foi desenhada para medir a extensão com a qual decisões constrangem o poder discricionário do Executivo (Linzer & Staton 2015Linzer, D. A. & Staton, J. K., 2015. A Global Measure of Judicial Independence. Journal of Law and Courts, 3(2), pp. 223-256. DOI: 10.1086/682150
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, p. 226). Para fins estatísticos, nós recalculamos essa variável e criamos a variável XCONST_cat, uma variável ordinal de três categorias: fraco (0 a 2), médio (3 e 4) e forte (5 e 6). Já a variável Poliarquia19 19 Para uma explicação mais ampliada, ver Coppedge et. al. (2017b, p. 49), e Teorell et. al. (2016). (v2x_polyarchy) é um indicador que mede cinco componentes: “incumbentes eleitos”, “eleições livres e justas”, “liberdade de expressão”, “liberdade de associação” e “cidadania inclusiva” (Teorell et. al. 2016Teorell, J. et. al., 2016. Measuring Electoral Democracy with V-Dem Data: Introducing a New Polyarchy Index – V-Dem Working Paper 2016:25. University of Gothenburg., p. 2). É intuitivo dizer que, quanto maior o nível de Poliarquia, maior o nível de competição política, e maior é o nível de incerteza em função da fragmentação partidária, levando a um empoderamento judicial como forma de garantir os limites do jogo político. Por último, utilizamos uma variável exclusiva para competição política (e_polcomp) o V-Dem (Coppedge et. al. 2017aCoppedge, M. et. al., 2017a. V-Dem [Country-Year/Country-Date] Dataset v7.1.). As tabelas (Tabela 1) a seguir mostram as descrições estatísticas das variáveis utilizadas.

Tabela 1
Descrição Estatística das Variáveis

O período é de 1945 a 2015, com exceção das variáveis de Linzer & Staton (2015) que vão de 1948 a 2015 e da variável de competição política, do V-DEM, que se inicia em 1946. Além das variáveis descritas na Tabela 2, também utilizamos outras do próprio V-Dem, como o Judicial Constraints on Executive Index (v2x_jucon) bem como as variáveis utilizadas para ao seu cálculo como compliance with judiciary (v2jucomp), compliance with high court(v2juhccomp), high court Independence index (v2juhcind), lower court Independence index (v2juncind). Esses indicadores também medem a força do Poder Judiciário. Foi necessário mensuramos a relação que as variáveis possuem entre si, para evitar problemas de multicolineariedade e avaliar o uso de uma análise fatorial para utilizarmos variáveis transformadas com o intuito de diminuir o número de variáveis utilizadas. A seguir há as matrizes de correlação entre as variáveis (Tabelas 2 e 3). As cinco primeiras variáveis foram coletadas do banco Varieties of Democracy (V-DEM) para o período 1945-2015, medem independência e força judicial em constranger o Executivo. Como elas estão extremamente correlacionadas entre si, é mais adequado reduzir a um fator único através de análise fatorial. Esse fator único iremos chamar de Indicador Judicial a partir do V-DEM. Nas demais variáveis independentes (NEP, NMP, F, Poliarquia e Competição Política), que já foram explicadas anteriormente é possível verificar uma correlação extremamente alta e significativa (exceto o Indicador de Fragmentação, que é o resultado da análise fatorial e carrega alta carga de variância de todas as demais variáveis independentes). Ou seja, se mostrou bastante acertado o de análise fatorial de fator único para agregar essas informações e facilitar um único modelo de mínimos quadrados ordinários – MQO. A análise fatorial está descrita na tabela a seguir.

Tabela 2
Matriz de Correlação de Pearson Entre Variáveis Dependentes e Independentes
Tabela 3
Matriz de Correlação de Pearson com Variáveis Judiciais Desagregadas e de Fragmentação Política e Partidária

Devido a essa associação entre as variáveis, o ideal a se fazer é uma análise fatorial. Segundo Hair et. al. (2005Hair, J. F.; Anderson, R. E.; Tatham, R. L. & Black, W. C., 2005. Análise Multivariada de Dados. Rio de Janeiro: Bookman., p. 89), “a análise fatorial pode ser usada para examinar padrões ou relações latentes em um grande número de variáveis e determinar se a informação pode ser condensada ou resumida em um conjunto menor de fatores ou componentes.” Esse tipo de análise é uma técnica multivariada de métodos estatísticos, cujo propósito é definir a estrutura subjacente em uma matriz de dados (Hair et. al. 2005Hair, J. F.; Anderson, R. E.; Tatham, R. L. & Black, W. C., 2005. Análise Multivariada de Dados. Rio de Janeiro: Bookman., p. 91). As variáveis independentes também seguem o mesmo padrão de correlação como mostrado abaixo. O método de extração é o de componentes principais com rotação varimax com 25 interações por convergência. O fator foi salvo por método de regressão cuja variável ficará padronizada, como se verificará mais adiante.

Figueiredo Filho & Silva Júnior (2010)Figueiredo Filho, D. B. & Silva Júnior, J. A. da, 2010. Visão Além do Alcance: uma introdução à análise fatorial. Opinião Pública, 16, (1), pp. 160-185. DOI: 10.1590/S0104-62762010000100007
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estabelecem didaticamente três estágios de planejamento de uma análise fatorial. No primeiro deles, há quatro pressupostos a serem satisfeitos: 1) número mínimo de casos entre 50 e 100 e a razão de 5 casos para cada variável. Embora não haja 100 casos, o que, segundo Hair et. al. (2005)Hair, J. F.; Anderson, R. E.; Tatham, R. L. & Black, W. C., 2005. Análise Multivariada de Dados. Rio de Janeiro: Bookman., seria o ideal para um resultado mais robusto, a razão entre o número de casos e a quantidade de variáveis deve ser maior do que cinco para um. Sendo assim, com 29 eventos e três variáveis, esse pressuposto foi satisfeito. 2) os coeficientes de correlação entre as variáveis devem ficar acima de 0,30. Por ambas as tabelas de correlação, fica claro que esse pressuposto também foi satisfeito. 3) o teste de Kaiser-Meyer-Olklin (KMO), que varia entre 0 e 1 (quanto mais próximo de 1, melhor). Para Hair et. al. 2005Hair, J. F.; Anderson, R. E.; Tatham, R. L. & Black, W. C., 2005. Análise Multivariada de Dados. Rio de Janeiro: Bookman., um KMO de 0,50 é considerável aceitável. 4) o Bartlett’s Test of Sphericity (BTS) deve ter um p valor < 0,05. A Tabela 4, a seguir, apresenta os coeficientes desses dois testes tanto em relação às variáveis dependentes quanto em relação às variáveis independentes (Tabela 4).

Tabela 4
Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e Teste de Esfericidade de Bartlett

Superado esse primeiro estágio de satisfação dos pressupostos, o segundo é centrado na técnica de extração dos fatores: componentes principais, fatores principais, fatoração por imagem, fatoração por verossimilhança máxima, fatoração alfa, mínimos quadrados não ponderados e mínimos quadrados (Figueiredo Filho & Silva Júnior 2010Figueiredo Filho, D. B. & Silva Júnior, J. A. da, 2010. Visão Além do Alcance: uma introdução à análise fatorial. Opinião Pública, 16, (1), pp. 160-185. DOI: 10.1590/S0104-62762010000100007
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, p. 167). Os autores mostram que tanto a análise de componentes principais (ACP) quanto a análise fatorial (AF) “procuram produzir combinações lineares de variáveis que capturem o máximo possível da variância das variáveis observadas” (Figueiredo Filho & Silva Júnior 2010Figueiredo Filho, D. B. & Silva Júnior, J. A. da, 2010. Visão Além do Alcance: uma introdução à análise fatorial. Opinião Pública, 16, (1), pp. 160-185. DOI: 10.1590/S0104-62762010000100007
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, p. 167). Sobre a melhor técnica, os autores mostram que

Para Garson 2009Garson, G. D., 2009. “Factor Analysis” from Statnotes: Topics in Multivariate Analysis [online]. Disponível em < http://faculty.chass.ncsu.edu/garson/pa765/statnote.htm > . Acesso em 10.ago.2020.
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“a análise de componentes principais é em geral preferida para fins de redução de dados (traduzindo o espaço das variáveis num espaço ótimo de fatores), enquanto a análise fatorial é em geral preferida quando o objetivo da pesquisa é detectar a estrutura dos dados ou a modelagem causal”. De acordo com Hair et al., 2006, na maioria dos casos tanto a ACP, quanto a AF, chegam aos mesmos resultados se o número de variáveis superar 30 ou se as comunalidades excederem 0,60 para a maior parte das variáveis. Este artigo utilizará o método de componentes principais por ser o mais utilizado PALLANT, 2007Pallant, J., 2007. SPSS Survival Manual. London: Open University Press.. (Figueiredo Filho & Silva Júnior 2010Figueiredo Filho, D. B. & Silva Júnior, J. A. da, 2010. Visão Além do Alcance: uma introdução à análise fatorial. Opinião Pública, 16, (1), pp. 160-185. DOI: 10.1590/S0104-62762010000100007
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, p. 167).

A técnica utilizada, nessa pesquisa, para reduzir essas duas categorias de variáveis a dois fatores é a de componentes principais, pela qual se mede a quantia total de variância que uma variável original compartilha com todas as outras variáveis incluídas na análise. A questão agora passa a ser a quantidade de fatores (Tabela 5).

Tabela 5
Eigenvalues* * Com base em Garson (2009) quanto maior o eigenvalue, maior a contribuição explicativa da variância das variáveis, ou seja, quanto maior o eigenvalue maior é a carga de variância que o fator acumula. (Critério de Kaiser para uso de análise fatorial)

Aqui o pesquisador enfrenta um trade off entre parcimônia e explicação. Quanto mais fatores forem extraídos, menor é o grau de parcimônia, no entanto, maior é a quantidade total de variância pelos fatores. Por outro lado, quanto menos fatores forem extraídos, maior é o grau de parcimônia, todavia, menor será a quantidade total de variância carregada pelos fatores. Dessa forma, a solução ótima é identificar o número mínimo de fatores, que maximiza a quantidade de variância total explicada. (Figueiredo Filho & Silva Júnior 2010Figueiredo Filho, D. B. & Silva Júnior, J. A. da, 2010. Visão Além do Alcance: uma introdução à análise fatorial. Opinião Pública, 16, (1), pp. 160-185. DOI: 10.1590/S0104-62762010000100007
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, p. 168).

Segundo esses autores, a regra do eigenvalue (critério de Kaiser) sugere que devem ser extraídos apenas fatores com eigenvalue acima de 1, já que “o fator que apresenta baixo eigenvalue está contribuindo pouco para explicar a variância nas variáveis originais” (Figueiredo Filho & Silva Júnior 2010Figueiredo Filho, D. B. & Silva Júnior, J. A. da, 2010. Visão Além do Alcance: uma introdução à análise fatorial. Opinião Pública, 16, (1), pp. 160-185. DOI: 10.1590/S0104-62762010000100007
https://doi.org/10.1590/S0104-6276201000...
, p. 168). Para eles, o segundo estágio do planejamento da análise fatorial deve seguir por: 1) tipo de extração (que, no caso desse trabalho, é a dos componentes principais); 2) regra de Kaiser, onde apenas fatores com eigenvalue acima de 1 devem ser extraídos; 3) a variância acumulada deve ser acima de 60%. As tabelas a seguir resumem esses dados tanto para as variáveis dependentes quanto para as variáveis independentes (Tabela 6).

Tabela 6
Descrição das variáveis fatorizadas

A seguir mostramos a relação das variáveis fatorizadas com as demais variáveis independentes. É possível verificar, portanto, que a relação de uma única variável dependente fatorizada com as demais variáveis independentes não ficou muito alterada, possibilitando a utilização de um modelo linear simples (MQO) (Tabela 7).

Tabela 7
Matriz de Correlação de Pearson com variável dependente fatorizada

IV. Modelos formais e análises de dados

Devido à natureza e à distribuição das variáveis, para testar a hipótese de que quanto maior a fragmentação partidária, maior é o empoderamento judicial, foram adotadas duas técnicas de estatística inferencial: a binomial negativa, que faz parte dos modelos lineares generalizados e o clássico mínimos quadrados ordinários (MQO) dos modelos lineares simples. A escolha da técnica se deu em virtude da distribuição da variável dependente, que neste caso, viola as regras do modelo linear, sendo a principal delas a da distribuição normal. Os modelos lineares generalizados buscam fazer frente a variáveis que não possuem distribuição normal, mais precisamente, buscam atender a distribuições típicas de contagens. Vários estudos dão suporte teórico aos modelos lineares generalizados, destacando-se os de Nelder & Wedderburn 1972Nelder, J. A. & Wedderburn, R. W. M., 1972. Generalized Linear Models. Journal of the Royal Statistics Society, 135(3) pp. 370-384. DOI: 10.2307/2344614
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, Feigl & Zelen 1965Feigl, P. & Zelen, M., 1965. Estimation of exponential survival probabilities with concomitant information. Biometrics. 21(4), pp. 826-838. DOI: 10.2307/2528247
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, Berkson 1944Berkson, J., 1944. Application of the logistic function to bioassay. Journal of the American Statistical Association, 39 (227), pp. 357-365. DOI: 10.1080/01621459.1944.10500699
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, Dyke & Petterson 1952Dyke, G. V. & Petterson, H. D., 1952. Analysis of factorial arrangements when the data are proportions. Biometrics, 8(1), pp. 1-12. DOI: 10.2307/3001521
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.

As variáveis dependentes estão na primeira linha, seguidas das técnicas utilizadas. As variáveis independentes estão na primeira coluna à esquerda. Foram feitos três modelos (entre parênteses) para cada técnica. O primeiro modelo é o irrestrito, com todas as variáveis independentes para se verificar multicolinearidade e buscar um modelo mais ajustado, mais parcimonioso, que denominamos de modelo 2, onde foram mantidas apenas as variáveis que resistiram ao teste de multicolineariedade (VIF – Variance Inflation Factor). Já o terceiro modelo obrigatoriamente tem como única variável independente o indicador de fragmentação político-partidária, através de análise fatorial das demais variáveis independentes. Os modelos estão dispostos nas tabelas a seguir, após seguem as análises (Tabelas 8 e 9).

Tabela 8
Modelos de Regressão Binomial Negativo e Linear Simples (MQO)
Tabela 9
Modelo de Regressão Multinomial (logit e probit)

Os dados corroboram as hipóteses de que quanto maior a fragmentação político-partidária, maior é a tendência de empoderamento do Poder Judiciário. Para o teste do indicador iSTF, as variáveis NMP e Competição Política mostraram um impacto positivo no indicador. Como os valores estão exponencializados, a interpretação é que, o aumento de uma unidade no número mínimo de partidos aumente a chance de o Judiciário ser fortalecido em 11,43%. Já o aumento de uma unidade na competição política dá um aumento de chance de 3,93%. Já o indicador de fragmentação é mais complexo, pois ele varia em desvios-padrão. Logo, o aumento de um desvio padrão no indicador, produz um aumento de chance de 45,46% no indicador iSTF. O mais intuitivo é ficarmos com o modelo dois. De todo modo, tanto o modelo 2 quanto o modelo 3 mostram que quanto maior é a fragmentação político-partidária, mais forte o Judiciário fica.

Para o teste da variável LJI (Latent Judicial Independence) de Linzer & Staton 2015Linzer, D. A. & Staton, J. K., 2015. A Global Measure of Judicial Independence. Journal of Law and Courts, 3(2), pp. 223-256. DOI: 10.1086/682150
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, apenas uma variável foi estatisticamente significante no modelo parcimonioso. Como o modelo é linear simples, um aumento de uma unidade na competição política produz um aumento de 0,05 na unidade do LJI, que varia de 0,079 a 0,637. Já o modelo três aponta que o aumento de um desvio padrão no indicador de fragmentação, produz um aumento de 0,1494 no LJI. Em ambos os casos é bem intuitivo afirmar que, novamente, mas com outras formas de mensuração para poder judicial, o aumento da fragmentação aumenta os indicadores que medem o poder do Judiciário.

Para o teste da variável XCONST, novamente apenas a variável de competição política foi estatisticamente significante, onde o aumento de uma unidade provoca o aumento de chance de 23,03% na variável dependente que mede o nível de constrangimento do judiciário sobre o Executivo. Já o indicador de fragmentação aponta um aumento de 53,21%.

Para o teste da variável fatorizada V-Dem Judicial Index, duas variáveis apresentaram importância estatística: NMP e poliarquia. Significa dizer que, o aumento de uma unidade nessas variáveis aumenta em 0,1480 e 2,1717 desvios-padrão na variável dependente, respectivamente. Já o indicador de fragmentação produz um aumento de 0,9247 desvio-padrão. A seguir o teste para a variável XCONST categorizada em 3 níveis.

Para a variável ordinal foi utilizada a técnica multinomial (mlogit no STATA) e escolhemos a categoria fraca para ser o resultado-base. Em comparação com um constrangimento fraco, é mais provável haver um constrangimento médio em havendo um aumento na fragmentação político partidária. É ainda mais provável haver um constrangimento forte em comparação com a categoria fraco. Os efeitos marginais também mostraram isso. No modelo probit, lê-se praticamente da mesma forma, há uma maior probabilidade de constrangimento médio e ainda maior em constrangimento forte, comparando com constrangimento fraco, quando se aumenta uma unidade na variável dependente, que por estar fatorizada, essa unidade corresponde a um desvio padrão, o que é um valor muito elevado, mas é interessante para se medir o impacto (se positivo ou negativo, e sua intensidade) (Tabela 10).

Tabela 10
Efeitos Marginais

A Tabela 10 mostra os efeitos marginais após o modelo logit multinomial, onde se pode verificar que o aumento de uma unidade (desvio padrão) no indicador de fragmentação, há uma probabilidade de 36,84% de haver um forte constrangimento do Judiciário sobre o Executivo. No modelo probit os efeitos marginais são praticamente os mesmos. Há uma maior probabilidade de um constrangimento forte em comparado com fraco, quando aumenta-se uma unidade na variável independente.

IV.1 Termos Interativos20 20 Para ver mais sobre a técnica de termos interativos ver Brambor et. al. (2006).

A variável regime (1 = democracia, 0 = ditadura) foi utilizada apenas para medir o efeito da fragmentação político-partidária sobre o empoderamento judicial nos diferentes tipos de regime enfrentados pelo Brasil. Sendo assim, o termo interativo foi criado a partir da variável independente que se mostrou estatisticamente significante em todos os modelos acima, optamos então pelo indicador de fragmentação (FragFac). Os resultados da interação de fragmentação e regime estão na Tabela 11.

Tabela 11
Impacto da Fragmentação sobre Empoderamento em diferentes regimes (termos interativos)

Fica evidente que, quando o período é democrático, o impacto da fragmentação sobre o empoderamento judicial é ainda maior, e isso é bastante intuitivo visto que ditadores não costumam aceitar contestações, principalmente dentro dos três poderes. Embora tenha havido um discreto empoderamento judicial durante os períodos ditatoriais, o único ator com capacidade de ingressar com ações constitucionais era o Procurador-Geral da República, de livre e exclusiva nomeação do Presidente da República durante todo o regime ditatorial, controlando assim as demandas apresentadas à Suprema Corte. Isso fica mais evidente no gráfico a seguir.

A imagem à esquerda mostra a interação da fragmentação política com regime impactando no indicador iSTF, enquanto na imagem à direita se vê o impacto da fragmentação no indicador V-Dem Judicial Index. Em ambos os casos é possível verificar o efeito do regime político no empoderamento do Judiciário. Por fim, a partir dos dados de Barbosa 2015Barbosa, L. V. de Q., 2015. O Silêncio dos Incumbentes: fragmentação partidária e empoderamento judicial no Brasil. Tese de Doutorado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco. verificamos um banco com 23 emendas constitucionais que modificaram poderes e prerrogativas do Poder Judiciário nas constituições brasileiras de 1891 a 2013. A tabela a seguir organiza essas informações (Gráfico 4).

Gráfico 4
Efeito Marginal de Fragmentação Política sobre Empoderamento Judicial

Já em relação a quem mais contribuiu para alterar textos constitucionais para empoderar o Judiciário, a tabela de referências cruzadas a seguir sumariza os dados (Tabela 12).

Tabela 12
Autoria e Regime por emendas constitucionais de 1891 a 2013

Das 22 emendas, o Executivo foi autor de 54,5%. No regime ditatorial essa participação foi ainda maior, lembrando que durante o regime ditatorial, o controle de constitucionalidade abstrato era de autoria exclusiva do Procurador-Geral da República, que era de exclusiva e livre nomeação do Presidente da República, tendo este total controle sobre a revisão abstrata. Isso mostra que não apenas o Legislativo, mas principalmente o Executivo teve bastante interesse e iniciativa de aumentar as prerrogativas do Poder Judiciário.

V. Conclusões

Se na retomada da discussão democrática nos modelos pós-absolutismo o Parlamento era a instituição central, não há dúvidas que no pós-guerra o Judiciário passou a ter papel de destaque, principalmente em momentos de crise política, onde o alinhamento político (ou coalizões necessárias) se tornaram ponto chave para o bom funcionamento das democracias. Não há como negar que hoje as Supremas Cortes passaram a ser uma peça fundamental na engrenagem do processo decisório, diante da incapacidade dos poderes eleitos em resolverem impasses políticos. O que era, nas palavras de Montesquieu “quase nada”, ou segundo Aliomar Baleeiro (1968) “um desconhecido”, se tornou a Rainha do tabuleiro de um jogo de xadrez.

No Brasil esse processo, embora consolidado pela Constituição de 1988, continuou a evoluir, dando ao Supremo Tribunal Federal a chance de exercer uma capacidade decisória não prevista no texto constitucional. Os modelos foram contundentes em demonstrar que a fragmentação partidária tem impacto positivo e estatisticamente significante no aumento de poder do Supremo Tribunal Federal e que esse impacto é mais forte no período democrático quando comparado com o período ditatorial. Também ficou comprovado que o aumento de poder do STF se deu majoritariamente por emendas constitucionais, das quais o Executivo foi autor da maior parte. Como já foi alertado anteriormente, outras variáveis podem ter peso relativo na explicação de decisões específicas, como por exemplo a própria dinâmica decisória endógena dos Tribunais, fonte exclusiva de auto empoderamento.

O momento atual de crise política e os olhares cada vez mais atentos às decisões dos ministros de nossa suprema corte, corroboram a trajetória crescente de empoderamento institucional, que autoriza o tribunal a decidir peremptoriamente, não apenas dentro do processo de elaboração de políticas públicas, mas também sobre a própria definição do governo e da liberdade de seus membros envolvidos em escândalos. Os impasses pelos quais passa o país recentemente aumentam a demanda por decisões do Supremo Tribunal Federal. Logo, a saída que se tem buscado para driblar (by-pass) os problemas da fragmentação partidária e incertezas políticas é pela via judicial, como uma espécie de apólice de seguro. E tudo isso ocorreu com o apoio, a anuência e o silêncio dos incumbentes.

References

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  • Baleeiro, A., 1968. O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido Rio de Janeiro: Forense.
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  • Teorell, J. et. al., 2016. Measuring Electoral Democracy with V-Dem Data: Introducing a New Polyarchy Index – V-Dem Working Paper 2016:25. University of Gothenburg.
  • 1
    Essa pesquisa teve apoio de fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Agradecemos aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos da Revista Sociologia e Política.
  • 2
    Vide a exemplar decisão da referida Corte no caso Marbury versus Madison.
  • 3
    São inúmeros os trabalhos que demonstram essa assertiva, destacaríamos os de Sweet (2000)Sweet, A. S., 2000. Governing with Judgers: Constitutional Politics in Europe. Oxford: University Press., David (2002)David, R., 2002. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes. e Maravall & Przeworski (2003)Maravall, J.M. & Przeworski, A., 2003. Democracy and the Rule of Law. New York: Cambridge University Press..
  • 4
    O antigo Supremo Tribunal de Justiça, da época imperial do Brasil foi renomeado Supremo Tribunal Federal com a constituição provisória, através do Decreto 510, de 22 de junho de 1890. Para uma visão das diferenças e fusão dos modelos ver Carvalho (2007)Carvalho, E., 2007. Revisão judicial e judicialização da política no direito ocidental: aspecto relevantes de sua gênese e desenvolvimento. Revista Sociologia e Política, s/v, nº 28, pp.161-179. DOI: 10.1590/S1517-45222010000100007
    https://doi.org/10.1590/S1517-4522201000...
    .
  • 5
    A título de ilustração sugerimos a leitura de Barbosa (2015) onde se trata da institucionalização do controle de constitucionalidade no sistema brasileiro.
  • 6
    Para mais detalhes ver Rae (1971)Rae, D., 1971. The Political Consequences of Electoral Laws. New Haven: Yale University Press..
  • 7
    Destacamos as duas mais importantes: Caso Marbury vs. Madison em 1803 e Caso Lochner vs. State of New York em 1905.
  • 8
    O debate encontra-se em Herrera 1994Herrera, C. M., 1994. La polémica Schmitt-Kelsen sobre el guardián de la Constitución. Revista de Estudios Politicos, s/v, nº86, pp. 195-227..
  • 9
    Para mais sobre o princípio da Soberania do Parlamento, ver Koopmans (2003)Koopmans, T., 2003. Courts and Political Institutions – A Comparative View. New York: Cambridge University Press..
  • 10
    Para mais detalhes, ver Barbosa (2015, pp. 63-98).
  • 11
    Esse indicador será melhor detalhado adiante, na seção de metodologia.
  • 12
    Madison insisted that the spirit of faction can be dangerous to liberty and therefore, ultimately, to democracy. He also recognized, however, that in a republic, factions and parties, which serve to further both public and private interests, cannot be abolished without undermining republican government itself. At best, the politics of faction and party can be regulated or managed to limit the likely abuses. The most satisfactory form of regulation relies on the electoral process to correct political pathology. Of course, if democratic self-regulation fails, there are court-enforced constitutional safeguards that may be employed to limit abusive lawmaking.
  • 13
    Para o iSTF, Barbosa 2015 optou por não estabelecer uma escala, mas manter um padrão de contagem, principalmente em função dos modelos lineares generalizados, sendo a escala mais apropriada para o modelo binomial negativo, como mostrado por Nelder & Wedderburn (1972).
  • 14
    Esses autores com capacidade processual ativa estão elencados no art. 103 da Constituição Federal do Brasil, e são eles: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;V o Governador de Estado ou do Distrito Federal;VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
  • 15
    Aqui são contabilizadas todas as autoridades que podem ser julgadas pelo STF, como consta na Constituição Federal do Brasil.
  • 16
    If one party controls 75 percent of the seats, the minimum number of parties to pass constitutional changes will be one, whether under absolute or qualified majority. If, however, the constituent body is composed of five parties sharing, say, 49, 16, 13, 12 and 10 percent of the seats, the minimum number of parties required to pass constitutional changes is either two or three depending on whether the decision rule is absolute or two-thirds.
  • 17
    O poder institucional aqui é entendido como Barbosa (2015) propôs, ou seja, é um poder descrito nas regras do jogo (precisamente a Constituição), não se trata de um poder utilizado (cujas variáveis não seriam institucionais, mas decisionais, analisando as decisões da corte). Mais especificamente é um poder de jure, ou seja, de poder agir. E o poder de agir interfere no cálculo que os atores legislativos fazem ao tomar decisões, dentro do processo decisório.
  • 18
    Para uma explicação mais detalhada ver Linzer & Staton (2015, p. 225).
  • 19
    Para uma explicação mais ampliada, ver Coppedge et. al. (2017bCoppedge, M. et. al., 2017b. V-DEM Codebook v7.1 – Varieties of Democracy (V-Dem) Project. University of Gothenburg., p. 49), e Teorell et. al. (2016)Teorell, J. et. al., 2016. Measuring Electoral Democracy with V-Dem Data: Introducing a New Polyarchy Index – V-Dem Working Paper 2016:25. University of Gothenburg..
  • 20
    Para ver mais sobre a técnica de termos interativos ver Brambor et. al. (2006)Brambor, T.; Clark, W. R. & Golder, M., 2006. Understanding Interaction Models: Improving Empirical Analysis. Political Analysis, 14(1), pp.63-82. DOI: 10.1093/pan/mpi014
    https://doi.org/10.1093/pan/mpi014...
    .
  • A produção desse manuscrito foi viabilizada através do patrocínio fornecido pelo Centro Universitário Internacional Uninter à Revista de Sociologia e Política.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2018
  • Aceito
    14 Jun 2019
  • Aceito
    27 Fev 2020
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