Open-access Nomeação, significação e representação: uma abordagem pós-fundacionalista para a gênese do bolsonarismo

Designation, meaning, and representation: an analysis of the discourses behind the genesis of Bolsonarism

RESUMO

Introdução:  Apresentamos uma metodologia de análise de discurso que combina a abordagem pós-fundacionalista sobre a formação de sujeitos políticos com a metodologia do Comparative Manifesto Project (CMP), que mede a frequência e dispersão de temas em textos políticos e os posiciona no espectro ideológico. O foco é nos discursos de Jair Bolsonaro e em como eles o transformaram de representante de grupos minoritários a líder de massas com aspirações hegemônicas.

Materiais e métodos:  Foram analisados 1.534 discursos de Bolsonaro na Câmara dos Deputados, de 1991 a 2018, para medir a frequência e a dispersão dos temas abordados ao longo do tempo. Utilizamos um sistema de codificação duplo, baseado nas categorias do CMP e no sistema de indexação da Câmara.

Resultados:  Inicialmente, os discursos eram dominados pela categoria “Militares Positivo” (104). A partir do quinto mandato, prevaleceram as categorias “Lei e Ordem Positiva” (605.1), “Democracia Positiva” (202.1), “Moralidade Positiva” (603) e “Elites Pré-Democráticas Positivo” (305.4). O antagonismo ao Partido dos Trabalhadores funcionou como ponto central, unindo diferentes grupos sociais em torno de sua figura. Usando o índice Rile, posicionamos seus sete mandatos e dois programas de governo na escala ideológica, caracterizando-o como líder populista de extrema-direita.

Discussão:  Utilizamos a noção de Razão Populista para explicar como os processos de nomeação, significação e representação constroem sujeitos políticos por meio de discursos que conectam diferentes grupos sociais. Combinada com a metodologia do CMP, essa abordagem se mostrou replicável e útil para outros estudos. Também contribuímos para a análise do populismo de direita global e do bolsonarismo no Brasil.

Palavras-chave
ideologias políticas; populismo; Jair Bolsonaro; Comparative Manifesto Project ; análise de discurso

ABSTRACT

Introduction:  This paper presents a discourse analysis methodology that blends a post-foundationalist approach to the formation of political subjects with the Comparative Manifesto Project (CMP) methodology, which measures the frequency and distribution of themes in political texts and places them on the ideological spectrum. The focus is on Jair Bolsonaro's speeches and how they helped transform him from a representative of minority groups into a mass leader with hegemonic aspirations.

Materials and Methods:  We analyzed 1,534 of Bolsonaro's speeches in Congress between 1991 and 2018 to track the frequency and distribution of the themes addressed over time. We employed a dual coding system, combining the CMP categories with the indexing system used by Congress.

Results:  Initially, Bolsonaro's speeches were dominated by the “Positive Military” (104) category. From Bolsonaro's fifth term onward, the prevailing categories shifted to “Positive Law and Order” (605.1), “Positive Democracy” (202.1), “Positive Morality” (603), and “Positive Pre-Democratic Elites” (305.4). His antagonism against the Workers' Party became a central theme, rallying various social groups around him. Using the Rile Index, we positioned his seven terms and two government programs on the ideological scale, characterizing him as a far-right populist leader.

Discussion:  We used the concept of Populist Reason to explain how the processes of designation, meaning, and representation shape political subjects through discourses that connect different social groups. When combined with the CMP methodology, this approach proved both replicable and valuable for other studies. Our research also contributes to the analysis of global right-wing populism and Bolsonarism in Brazil.

Keywords
political ideologies; populism; Jair Bolsonaro; Comparative Manifesto Project; discourse analysis

I. Introdução1

A vitória eleitoral de Jair Messias Bolsonaro para presidente, em 2018, articulou diferentes sujeitos sociais em torno da pauta da defesa da moralidade tradicional, do punitivismo e do neoliberalismo, naquilo que uma parte da literatura convencionou chamar de neofascismo (Boito Junior, 2021), populismo de direita (Mouffe, 2019; Mudde, 2019), populismo autoritário (Hall, 1988) ou populismo reacionário (Fraser, 2019). Nosso artigo não pretende disputar a adjetivação do fenômeno aqui escolhido, mas utilizar o conceito de populismo como uma ferramenta heurística capaz de decompor nosso objeto, o sujeito político conformado a partir dos discursos de Jair Bolsonaro, em suas menores unidades de análise.

A partir deste instrumental, iremos mapear os elementos discursivos e os marcadores temporais que ensejaram a transformação de Bolsonaro de um representante segmentado de grupos minoritários, portadores de demandas diferenciais, em um líder de massas, com pretensões populares/hegemônicas (Laclau, 2005). Para isso, utilizamos a abordagem pós-fundacionalista de Ernesto Laclau (2005) e Chantal Mouffe (Laclau & Mouffe, 2015), procurando identificar, na cronologia discursiva do ex-deputado, quais foram os sujeitos sociais articulados e reivindicados em seus atos de fala. Com isso, foi possível distinguir o núcleo originário de adesões mais tardias, ainda que nosso objeto não sejam os segmentos sociais e os cidadãos em si, mas o modo como as temáticas e sinalizações a determinados grupos aparece nos discursos de Jair Bolsonaro.

Para identificar os diferentes sujeitos sociais que foram discursivamente mobilizados por Bolsonaro neste período, bem como os temas utilizados para atraí-los, utilizamos uma combinação de metodologias qualitativas e quantitativas de análise de discurso, com propósito de estabelecer a dispersão temática e frequencial do conjunto de atos de fala que compõem nossa base de dados. Sendo assim, utilizamos um duplo sistema de codificação já trabalhado previamente (Jorge et al., 2020, 2022; Jorge et al., 2018), ancorado nas categorias elaboradas pelo Comparative Manifestos Project (CMP-Marpor) (Lehmann et al., 2024a)2 e no próprio sistema de categorização da Câmara dos Deputados (Câmara dos Deputados 2024a)3. Para alcançar nosso objetivo, observamos as oscilações temporais nas categorias selecionadas de modo a quantificar as recorrências temáticas e suas variações nos discursos proferidos por Bolsonaro na Câmara dos Deputados ao longo de seus sete mandatos consecutivos (1991-2018).

Na primeira parte do artigo, apresentamos de que maneira a teorização de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe funciona como ferramenta heurística para a análise dos processos de articulação de sujeitos sociais que possibilitam a construção de um sujeito político com pretensões hegemônicas. A segunda parte do artigo apresenta a metodologia e o processo de codificação, discutindo a importância da adequação entre a lente teórica e a metodologia para a compreensão da gênese de fenômenos políticos através do discurso. A terceira parte apresenta os resultados da dispersão temática e frequencial dos sete mandatos de Bolsonaro sob a forma de inferências acerca da correlação entre suas rupturas e continuidades discursivas e o processo de expansão da cadeia de equivalências (Laclau & Mouffe, 2015; Laclau, 2005) em torno da sua liderança. Ademais, compreendendo o antagonismo como dinâmica estruturante dos processos de construção de identidades políticas, encontramos nas recorrentes menções ao Partido dos Trabalhadores, em particular, e à esquerda, em geral, evidências que corroboram nossa hipótese de que este seria o ponto nodal a partir do qual os diferentes elos dessa cadeia se conectam.

Por fim, mobilizamos o índice Rile (Jorge et al., 2020) para indicar como Bolsonaro se movimentou ao longo do espectro ideológico, comparando-o com outras lideranças brasileiras e mundiais associadas ao campo da direita e extrema-direita. Deste modo, através dos resultados apresentados acreditamos ter sido possível evidenciar que sua caracterização como um populista de extrema-direita é adequada em sua pretensão analítica descritiva. Partindo da teoria do discurso, a originalidade deste esforço está exatamente na combinação entre a metodologia proposta pelo Comparative Manifestos Project e o uso da abordagem pós-fundacionalista para a análise do processo de formação de sujeitos políticos a partir de processos de nomeação, significação e representação.

II. O conceito de populismo e a gênese discursiva dos sujeitos políticos

A teoria da representação apresentada em A Razão Populista (Laclau, 2005) se caracteriza enquanto abordagem formal estruturada a partir de cinco elementos: “(a) o líder; (b) o povo, (c) a plebe, (d) o seu outro - as elites, ou, na terminologia utilizada pelo autor em Política e ideologia na teoria marxista (1980), o bloco no poder -; [e por] (e) um discurso de antagonismo que articula estes quatro elementos de modo mais ou menos conflitivo” (Silva, 2019, p. 50, grifo nosso). Seu caráter formal subjaz à crítica do autor às abordagens fenomenológicas e historicistas, sobretudo aquelas formuladas na América Latina, nas quais o populismo aparece como resposta a processos de modernização tardios e incompletos.

Uma forma simplificada de condensar as abordagens clássicas do populismo foi formulada e apresentada por Panizza (2005). O autor as segmenta em duas categorias: “generalizações empíricas” e “abordagens históricas”, sendo ambas marcadas por uma perspectiva ôntica e, portanto, distinta das abordagens formais. As “generalizações empíricas” buscam compreender o populismo como uma “construção de características distintivas que oferecem uma série de atributos que caracterizam o fenômeno” (Panizza, 2005, p. 2). Estudos como os de Wiles (1969) e Canovan (1981) exemplificam esse tipo de abordagem ao tentarem listar determinadas características que se acredita serem capazes de definir o fenômeno populista, generalizando-as a partir de estudos de casos específicos.

As “abordagens históricas” descortinam o populismo como um fenômeno contingente e transitório. Esse tipo de abordagem “consiste em associar o populismo a um momento histórico específico, uma formação social, um processo histórico ou um conjunto de circunstâncias históricas” (Panizza, 2005). Dialogando com Panizza, ressaltamos a dicotomia entre as dimensões ontológica/formal, estruturada pelo antagonismo entre povo e elite, e suas expressões ônticas/fenomênicas, formadas pelas experiências históricas, as quais podem assumir os mais diferentes contornos. Ao optar por uma abordagem formal, que separa analiticamente a forma política populista de suas experiências históricas, a teorização laclauniana habilita-se para lidar com a amplitude de experiências tipificadas como populistas, pois permite que a diversidade de atributos fenomênicos deixe de ser vista como um defeito e possa ser trabalhada como uma característica do tipo de fenômeno abarcado por essa categoria.

Antes de explicar a abordagem de Laclau, devemos pontuar que existem outras abordagens formais para além dela. é o caso, por exemplo, da abordagem ideacional, formulada por autores como Cas Mudde & Rovira Kaltwasser, que entendem o populismo sob a forma de uma ideologia magra (thin centered ideology) constituída por apenas dois elementos: (i) o repúdio às elites e (ii) a centralidade atribuída ao povo como agente político (people-centrism), que se manifesta na concepção da “vontade geral” como fundamento de legitimidade das decisões do líder ou partido. Essa definição é desdobrada em três requisitos: (a) uma cosmovisão moral maniqueísta; (b) a visão do povo como uma totalidade homogênea e virtuosa; e (c) a definição da elite como corrupta e selvagem (Mudde & Kaltwasser, 2012, 2013; Mudde, 2019; Hawkins & Kaltwasser, 2018, p. 3).

A abordagem de Mudde & Kaltwasser foi utilizada no Brasil para avaliar os discursos de campanha de Jair Bolsonaro por Tamaki & Fuks (2020, p. 106), a partir da delineação do “povo puro” versus a “elite corrupta”, sendo a última identificada com a esquerda em geral e o PT em particular, sendo descrita como “corrupta, ineficiente e responsável por executar um plano de espalhar sua ideologia no poder (...) [bem como] desmerecer a família tradicional e seus valores” (Tamaki & Fuks, 2020, p. 115, tradução nossa). Carvalho & Paiva (2022, p. 224), por outro lado, em uma abordagem baseada na análise crítica do discurso, defendem que Bolsonaro “construiu uma figura populista baseada no antipetismo” associando a “luta anticorrupção” à rejeição de “todo e qualquer discurso que representasse a ideologia - palavra muito utilizada por ele - da esquerda”.

Ricci et al. (2021) também se valem da abordagem de Mudde, Kaltwasser, apontando inclusive a maneira como os autores se apropriam, com modificações, da teoria de Laclau. Mudde & Kaltwasser (2012 apud Ricci et al., 2021, p. 3) diferenciam sua abordagem da de Laclau ao afirmar que a última é mais ampla e generalista, incorporando o antagonismo de maneira formal e, portanto, tornando-se abstrata demais para efetuar análises empíricas rigorosas. Ricci et al. (2021, p. 10) defendem que “o populismo de Bolsonaro é menos abstrato do que o de Lula: povo e elite têm semblantes facilmente identificáveis”. “De um lado”, explicam eles, “quando Bolsonaro fala em povo, ele distingue claramente, entre os brasileiros, os compatriotas, que defendem os valores da família tradicional. Por outro lado (...) [se questiona] a ideologia de gênero defendida pela esquerda, [e nesse sentido] o populismo de Bolsonaro é excludente” (Ricci et al., 2021, p. 10).

Nossa proposta visa justamente endereçar a crítica de Mudde & Kaltwasser (2012 apud Ricci et al., 2021) de que a teoria laclauniana seria abstrata demais, e despreocupada com questões empíricas. Defendemos que a abordagem ontológica/formal tem a vantagem de associar o populismo, enquanto manifestação ôntica ideal-típica, à sua hipótese sobre a ontologia do político. Sob esta chave, pensa-se na forma antagonística assumida pelo populismo como modalidade do político. Entendendo esta dinâmica como uma relação de representação na qual constituem-se o sujeito (o representante) e o objeto (o representado), o populismo surge como um tipo específico de representação na qual o discurso de antagonismo contrapõe o povo e as elites.

Para prosseguirmos, primeiramente, é preciso esclarecer os pressupostos ontológicos específicos da teoria laclauniana. No ensaio “Glimpsing the future”, Laclau (2004, p. 315-316) prefigura algumas das formulações da Razão Populista que apareceram na obra homônima publicada no ano seguinte (Laclau, 2005, p. 67-72). Ali, o autor ressalta a centralidade da dimensão psicanalítica para a construção da ontologia do político, defendendo que esta não lida apenas com a mente individual - ou com a clínica - mas descreve a totalidade do campo sociopolítico. Nesse sentido, sua obra é construída a partir da análise de Joan Copjec (1994 apud Laclau, 2005, p. xi) das implicações lógicas da teoria lacaniana, em que ambos se referem à relação em que uma universalidade é construída a partir do investimento radical em um objeto particular que assume o lugar da totalidade (Laclau, 2005, p. 226-227, 2014, p. 133). Em termos retóricos, cabe assinalar que esta operação é denominada como uma sinédoque (a parte representando o todo) - figura de linguagem que Laclau (2005, p. 72) defende ter uma função ontológica central no fechamento do sistema significacional - cuja própria retoricidade é calcada em uma figura ainda mais elementar: a catacrese, na medida em que o deslocamento dos termos não se dá entre termos precisamente definidos.

Além da psicanálise, a segunda dimensão que Laclau aponta como central a sua reflexão ontológica é a da significação (Laclau, 2005, p. 68, 2014, p. 133). Laclau (2005, p. 68) parte da afirmativa de que não há termos positivos no sistema linguístico, apenas diferenças, isto é, relações negativas, para compreender como tal negatividade das relações constitui um campo de objetividade puramente diferencial que, para além do campo regional da fala e da escrita, também compreende a totalidade do campo sociopolítico. Essa totalidade só deve existir enquanto tal se diferenciada daquilo que não está contido dentro de seus limites (Laclau, 2007, p. 37), porém, já que isto se trata dos limites da própria significação, eles próprios não podem ser significados enquanto uma simples diferença. Portanto, conclui Laclau (2005, p. 70), este elemento não pode ser simplesmente mais uma diferença, mas, em vez disso, deve ser excluído, e ser demonstrado apenas como a interrupção na própria significação (Laclau, 2007, p. 37).

Nesse momento, fica evidente a terceira dimensão da ontologia laclauniana: a dimensão política, derivada da leitura da tradição marxista realizada no Hegemonia e estratégia socialista (Laclau & Mouffe, 2015, p. 34-37). Mais precisamente, Laclau & Mouffe (2015, p. 204-206) explicam que a subversão da totalização do campo significacional, compreendido como o próprio campo sociopolítico, deve se dar no interior do próprio sistema; e, porque não se pode representar uma identidade negativa de forma direta, “ela só pode ser representada indiretamente, através de uma equivalência entre seus momentos diferenciais (...) dois termos, para serem equivalentes, devem ser diferentes”. é justamente a partir da exclusão de um elemento que não pode ser representado no interior do sistema que todas as diferenças se tornam equivalentes na sua rejeição comum do elemento excluído (Laclau, 2005, p. 70).

Aqui, ocorre um movimento crucial da teoria laclauniana: uma diferença, sem deixar de ser uma diferença particular, assume a representação de uma totalidade que é incomensurável consigo mesma, e este corpo se torna dividido entre (i) a particularidade que ele ainda é; e (ii) a significação universal que ele carrega. Essa operação é o que, para Laclau (2005, p. 70), se chama hegemonia. Nesse momento, a identidade particular - diferencial - do significante hegemonizado é esvaziada, e ele passa a representar a falta que é a própria impossibilidade da totalização absoluta do sistema significacional/sociopolítico (Laclau, 2007, p. 42) - o que Laclau & Mouffe (2015, p. 171-176) chamaram de “impossibilidade da sociedade” -; assim, ele se configura como um significante vazio. As dinâmicas equivalenciais (Laclau & Mouffe, 2015, p. 73-74 e 205-207), portanto, se manifestam como o operador privilegiado de uma edificação hegemônica: a criação de um status quo político-econômico e social (Laclau, 2005, p. 120-124; Mendonça, 2008).

As cadeias de equivalência, por sua vez, são geradas mediante a identificação entre grupos que se reconhecem marginalizados do polo hegemônico. Cabe ressaltar que não é necessário que o setor hegemônico seja, de fato, majoritário na sociedade, pois sua potencialidade é intimamente ligada à sua capacidade de universalizar suas demandas. Tampouco é preciso que aqueles que se percebem excluídos estejam objetivamente em uma situação de subalternidade, mas sim que sejam percebidos dessa forma por seus membros e, possivelmente, mas não necessariamente, por outros observadores externos (Aboy Carlés, 2010). Este é um ponto fulcral para a aplicação desta formulação aos elementos que conformam o que aqui entendemos como a cadeia de equivalências que forma o sujeito político bolsonarista e que nos permitem caracterizá-lo como populista. Sob este aspecto, o elemento formal estruturante é o antagonismo para com um outro sujeito político, engendrado a partir de discursos identificados com o Partido dos Trabalhadores (PT) e com a esquerda em geral (Rennó, 2020; Amaral, 2020). Sendo assim, neste contexto discursivo, a ideia de opressão e de plebe não está associada a uma determinada posição social (negativamente posicionada para um observador externo) que nos permita falar de uma identidade política popular, mas sim uma gramática de construção identitária que em muitos casos pode ser interpretada como o processo de “construção de um povo” (Laclau, 1994, p. 35-37, 2005, p. 120-124).

Na parte em que apresentamos e discutimos os resultados encontrados mediante a aplicação da metodologia aqui desenvolvida, é possível salientar a progressão do antagonismo nos discursos de Jair Bolsonaro. Com isso, conseguimos mapear o processo de transformação do parlamentar de um representante de demandas diferenciais e minoritárias para um líder com pretensões hegemônicas, porta voz de demandas equivalenciais. Sob esta perspectiva, surge um recém-formado sujeito político que aspira a transformar a atual correlação de forças, uma vez que cada ator coletivo que o conforma percebe que suas demandas e identidades não são adequadamente atendidas e representadas pelos grupos dominantes. Nessa forma de articulação, as identidades particulares de cada grupo são em certa medida subsumidas, visando à constituição de um novo sujeito que as engloba. é nesse ponto que a teoria laclauniana abre espaço para uma análise mais aprofundada acerca da relação entre esses atores sociais que compõem discursivamente o sujeito político analisado, sendo este o fundamento da nossa opção por utilizá-la para compreender a ascensão do sujeito político bolsonarista.

III. Cadeia de equivalências e ponto nodal: chaves heurísticas para a compreensão da origem do bolsonarismo

Retomando nosso caso para tornar a visualização mais simples e avançar na apresentação do argumento acerca da gênese de sujeitos políticos. A partir da articulação discursiva de demandas de diferentes sujeitos sociais, podemos elencá-las segundo uma ordem cronológica de articulação que será objeto de demonstração ao longo das próximas seções: (i) demandas relativas aos militares e suas famílias, reivindicando melhores condições de salário e benefícios; (ii) demandas relativas aos profissionais de segurança pública e privada com os mesmos interesses; (iii) demandas de admiradores da ditadura militar, nostálgicos dessa forma de ordenar a sociedade; (iv) demandas punitivistas sobre o tema da segurança pública; (v) demandas conservadoras, críticas às políticas públicas de inclusão de minorias levados a cabo pela esquerda; e (vi) demandas economicamente liberais a favor da redução dos gastos públicos. Elas não são excludentes, mas abarcam perspectivas, interesses e identidades diferentes, articuladas pela percepção de que são excluídos por aqueles que ocupam o poder (Laclau & Mouffe, 2015), no caso, o Partido dos Trabalhadores (PT).

é, portanto, a partir da enunciação desse antagonismo em relação ao PT que este sujeito político é formado. Isto ocorre a partir da aglutinação das demandas de diferentes grupos sociais que, ao se identificarem com os discursos do líder, criam vínculos entre si. Segundo nossa hipótese, Jair Bolsonaro utilizou o antagonismo com relação à esquerda em geral - que, como será demonstrado, aparece como uma constante em seus discursos na Câmara dos Deputados - e, posteriormente, ao PT, como um ponto nodal através do qual a cadeia de equivalências entre esses diferentes sujeitos sociais foi estabelecida, de modo a constituir o sujeito político bolsonarista. Compreendidos como elementos discursivamente privilegiados por meio dos quais são configuradas as práticas articulatórias hegemônicas, os pontos nodais são parcialmente responsáveis por converter demandas particulares/diferenciais em demandas universais/equivalentes (Laclau & Mouffe, 2015, p. 206; Laclau, 2005, p. 70; Mendonça, 2003) a partir do “estofo” da flutuação significacional (Laclau, 2005, p. 152-153).

Por outro lado, tais pontos nodais se distinguem de significantes flutuantes (Laclau, 2005, p. 131) que, ao contrário da fixação de identidades promovidas pelo ponto nodal, operam a partir do excesso de significados que ficam “em suspenso” quando a particularidade de uma demanda se torna independente de sua articulação equivalencial, e podem flutuar conforme as demandas constituintes das diferentes identidades que compõem a cadeia de equivalências (Laclau, 2014, p. 21-25). Sendo assim, na conformação discursiva aqui analisada, momentos em torno do antipetismo e do antiesquerdismo flutuam para ganhar sentidos particulares de modo a concatenar com cada uma das demandas acima. Esse argumento também foi defendido por André Mendes & Terezinha Silva, que analisaram, a partir de Laclau & Mouffe, como “a aproximação de agentes tão diferentes como os conservadores e os neoliberais foi facilitada pela criação de uma identidade entre eles: o antipetismo” (Mendes & Silva, 2022, p. 85) (ver também Rennó, 2020; Amaral, 2020).

A nossa hipótese é de que Jair Bolsonaro articulou a sua cadeia de equivalências a partir da construção do ponto nodal que constitui o antagonismo em relação ao PT, principal organizador dos diferentes sujeitos que possibilitaram a sua vitória nas eleições de 2018 (Rennó, 2018; Amaral, 2020; Mendes & Silva, 2022). é a partir deste ponto nodal que se dá a construção da cadeia de equivalências responsável por articular discursiva e politicamente esses sujeitos sociais em uma relação antagonística, que antes estavam dispersos em suas reivindicações, e se tornam um sujeito político que caracterizamos aqui como bolsonarismo.

IV. Metodologia

Circunscrita ao desafio de compreender o fenômeno aqui denominado como bolsonarismo a partir das articulações discursivas que operaram a mutação de seu perfil como representante, esta pesquisa se dedicou à análise quantitativa e qualitativa de todos os discursos proferidos por Jair Bolsonaro em Plenário durante seus sete mandatos como Deputado Federal (Silva, 2024). A análise de conteúdo e análise de discurso não são simples técnicas para o estudo de textos e performances diversas. Constituindo-se como um campo de conhecimento (Cappelle et al., 2003) estas abordagens conformam proposições teórico metodológicas que auxiliam a categorizar dados coletados. Portanto, dentro do próprio campo da análise de discurso e análise do conteúdo existem diferentes caminhos a se traçar, dependendo do objetivo da pesquisa e dos dados que serão operacionalizados.

Tendo em vista nosso propósito, de descrever quantitativamente a dispersão temática e temporal dos discursos de Jair Bolsonaro, optamos pela metodologia delineada pelo Manifesto Project Database (Lehmann et al., 2024b), que consiste em associar um conjunto de códigos, indicativos de temas determinados, a porções de texto. A codificação dos textos políticos nos possibilita mensurar, segundo seus idealizadores, as mudanças entre posições políticas ou ênfases ao longo do tempo em partidos específicos, as diferenças entre posições políticas ou ênfases entre partidos e as diferenças entre países (Volkens et al., 2013). Neste artigo, iremos utilizar as categorias do CMP para observar como se deu o processo de criação das cadeias de equivalência entre diferentes sujeitos sociais que passaram a conformar a base eleitoral de Jair Bolsonaro. Este método tem como pressuposto a ideia de que cada sentença ou quasi-sentença, a partir de cada documento analisado, pode ser classificada por meio de um mesmo sistema de categorias políticas relacionadas, de acordo com um conjunto de regras e instruções próprias (Jorge et al., 2020). Nesta pesquisa, procedemos uma adaptação desta metodologia, uma vez que em vez de quasi-sentenças, utilizamos como unidade de análise a íntegra do discurso.

A importação dos discursos foi feita a partir do repositório de dados disponível no site da Câmara Federal. O mecanismo de busca da Câmara nos permite selecionar o parlamentar, o estado, o partido político, o período e o espaço regimental onde decorre o discurso, isto é, se foi em comissões ou no plenário). Diante das opções, selecionamos: Bolsonaro, Rio de Janeiro, 1991-2022, Plenário. O resultado desta pesquisa inicial foi uma listagem conformada por 1.539 discursos. A íntegra do discurso, assim como outras informações relevantes, como: data, ano, sessão, fase (Câmara dos Deputados, 2024b), sumário, orador, palavras-chave e o horário foram copiados para uma planilha de Excel, para posteriormente serem lidos, discutidos e categorizados pela equipe. No processo de sistematização dos discursos, encontramos cinco discursos com problemas, dois discursos estavam duplicados e três discursos estavam indisponíveis. Então, ao final da importação dos dados, nós ficamos com 1.534 discursos para categorizar.

O método de sistematização da base de dados foi elaborado para extrair o máximo de informações de cada discurso. Por isso, expandimos o sistema categorial para além dos códigos do CMP, incluindo um segundo sistema, composto pelas 31 categorias temáticas da Câmara do Deputados4. Ademais, para analisar com mais detalhe as temáticas que foram identificadas após a primeira leitura como sendo mais recorrentes em seus discursos, – como por exemplo a alusão aos militares, a moralidade tradicional, aos direitos humanos, a crítica à esquerda e ao PT - delineamos questões fechadas que nos permitiram quantificar e diferenciar tipos de menções a estes temas que por vezes apareciam em discursos dedicados a outros temas. Após a definição dos sistemas categoriais e das questões específicas foi construída uma tabela dividida em 26 colunas e em 1.540 linhas (cabeçalho + 1.539 discursos recolhidos do site)5.

Na parte da análise quantitativa, a partir de variáveis pré-estabelecidas na literatura e no processo legislativo, preenchemos uma coluna com uma das 31 categorias temáticas da Câmara do Deputados, e a outra coluna, com uma das 56 categorias propostas pelo Comparative Manifestos Project (CMP-Marpor). As categorias do CMP-Marpor e suas subcategorias estão agrupadas em sete domínios, a saber: 1) relações internacionais, que contém dez categorias e duas subcategorias; 2) liberdade e democracia, que agrupa quatro categorias e seis subcategorias; 3) sistema político, que abrange cinco categorias e seis subcategorias; 4) economia, que reúne dezesseis categorias e duas subcategorias; 5) estado de bem-estar e qualidade de vida, que comporta sete categorias; 6) estrutura da sociedade, que possui oito categorias e quatorze subcategorias; e, por fim, 7) grupos sociais, com seis categorias e duas subcategorias (Volkens et al., 2013). Para complementar a codificação, criamos abas para auxiliar na compreensão de algumas recorrências discursivas e, ao longo do texto, iremos explicar melhor o porquê da utilização de algumas delas: “Fala do PT”, “Fala da Ditadura Militar”, “Fala sobre Direitos Humanos”, “Fala sobre Minorias”, “Fala sobre os Militares”, “Fala sobre Família” e “Menção ao Lula”.

Ao final da apresentação da distribuição temporal dos temas ao longo dos mandatos, iremos posicioná-los no espectro ideológico. Para isso, utilizaremos o índice Rile, que é uma forma de agrupar as informações disponíveis em todas as categorias (econômicas, políticas e societárias) de uma forma condensada (Volkens et al., 2013, p. 65) com o propósito de operacionalizar o posicionamento de textos políticos no continuum formado entre esquerda e direita. A aplicação do índice Rile exige o uso de 36 categorias que são distribuídas em dois blocos ideológicos6. Com 13 categorias em cada bloco, um dos blocos é identificado como “direita” e o segundo, como “esquerda”. As categorias que não foram incluídas em nenhum dos dois blocos devem ser identificadas como “outros” (Jorge et al., 2020).

V. Apresentando os resultados: rupturas e continuidades discursivas na trajetória legislativa de Jair Bolsonaro

A trajetória política de Jair Bolsonaro começou em 1988, ano da sua eleição para o cargo de vereador do município do Rio de Janeiro. Após dois anos de mandato, o ex-capitão assumiu o cargo de deputado federal, no ano de 1991. A sua votação para deputado federal se manteve estável ao longo dos seus seis mandatos (Silva, 2024). O desempenho eleitoral destoante aconteceu na eleição de 2014, em que ele foi eleito com 400% de votos a mais do que na eleição de 2010. Na apresentação dos resultados sobre seu sexto mandato, surgem algumas evidências que permitem compreender esse processo de ampliação das bases eleitorais, mediante a aglutinação de novas demandas, em particular, aquelas relacionadas ao sexto domínio relativo à estrutura social, no qual encontramos as categorias referentes à defesa da moralidade tradicional. Vamos apresentar os dados a partir da frequência de ocorrência das categorias do Comparative Manifestos Project e das colunas que criamos a partir da análise dos discursos.

Sua vida pregressa ao cargo público que ocupou a partir de 1988 nos apresenta traços constituintes do sujeito político bolsonarista que se constituiu7 posteriormente, e funcionam como moldura qualitativa para a compreensão dos dados quantitativos apresentados. O período em que Bolsonaro estudou na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) (Governo Bolsonaro: conheça…, 2019), de 1973 a 1974, atuando posteriormente no Exército, foi um momento chave para a Ditadura Militar. Alguns acontecimentos importantes que ocorreram nesse ínterim marcaram a trajetória de Bolsonaro, como o confronto à Guerrilha do Araguaia (CNV, 2014). O combate aos guerrilheiros estimulado durante o seu período de treinamento na AMAN8 fortaleceu o anticomunismo como organizador da vida social, traço que sempre foi constitutivo da formação política das Forças Armadas brasileiras (Teixeira, 2014).

Martin Egon Maitino (2018, p. 123) também ressalta esses elementos do antagonismo de Bolsonaro para com o comunismo na sua análise, avaliando como a “continuidade entre a esquerda guerrilheira do período autoritário e a contemporânea ocupa um lugar importante na forma como Bolsonaro descreve o campo político do Brasil democrático”. “Ao ressaltar essa ligação”, afirma Maitino (2018, p. 123), “o deputado projeta sobre a disputa política contemporânea as clivagens da Guerra Fria e do período militar, reatualizando o anticomunismo e elementos da Doutrina de Segurança Nacional”. é a partir desse componente anticomunista que “o deputado constrói um discurso pautado no antipetismo. O Partido dos Trabalhadores é reconhecido como o eixo central da política nacional e, portanto, como seu principal inimigo” (Maitino, 2018, p. 123).

A flutuação significacional em torno do ponto nodal “antipetismo” ocorreu, ao longo do tempo, em torno de demandas não atendidas - categorizadas aqui a partir do Comparative Manifestos Project (Werner et al., 2014) - dentre elas: (i) uma ordem civil na qual os militares não têm o mesmo protagonismo (sendo esta denúncia codificada com a categoria 305.49 que indica a nostalgia das elites pré-democráticas), nem o mesmo poder aquisitivo (codificado com a categoria 104, que indica demanda por maior orçamento concedido aos militares); (ii) uma ideia de segurança pública que restringe o uso da violência por atores públicos e privados (codificado pelo 605.1, que indica a defesa de um entendimento punitivista sobre o tema); (iii) uma ideia de sociedade na qual o Estado tem um papel determinante na economia (crítica que é codificada pelas categorias: 401, 414, 505, relativas à defesa da ortodoxia econômica); (iv) da redução das desigualdades econômicas e sociais através de políticas de ação afirmativa (codificado pelas categorias: 505, 507, 603, 608.1, que indicam posicionamentos contrários ao aumento de despesa com direitos sociais); e (v) da corrupção supostamente associada a todo o sistema político e partidário (304, que identifica a crítica à corrupção). Essa flutuação dos significantes vai ser delimitada pelas identidades parciais de cada subgrupo que compõem a cadeia de equivalências formada em torno dos discursos do líder que, portanto, precisa se ater a estes limites discursivos/objetivos da sua atuação para não desagradar seus correligionários.

Assim sendo, podemos dizer que o seu comportamento como parlamentar se constituiu inicialmente através de uma atuação como representante de demandas diferenciais, ou seja, defensor de um sujeito social cuja identidade é bem delimitada e constante. Este seu vínculo se restringia, no começo, a membros das Forças Armadas, principalmente os praças e seus parentes. é possível notar no Gráfico 1 a predominância de ocorrência da categoria 104: Militares Positivo, usada por nós para designar comentários favoráveis às Forças Armadas, incluindo aqueles de natureza pecuniária, isto é, voltados à defesa do aumento dos repasses financeiros oferecidos pela União a eles.

Gráfico 1
Distribuição dos códigos do CMP nos quatro primeiros mandatos

Essa atuação do parlamentar enquanto defensor de demandas diferenciais foi mantida até o seu quinto mandato (1991-2010), com a frequência da categoria 104 sendo predominante. No sexto mandato (2011-2014) a categoria 104 perde o posto de a categoria mais frequente nos discursos do deputado, abrindo espaço para sinalizações mais abrangentes, capazes de atrair outras demandas que, por sua vez, passaram a encontrar representação no discurso de Bolsonaro. Esta diminuição vai acontecendo de maneira progressiva, isto é, a partir da mobilização de novos temas que se destacam nos discursos do parlamentar. Para melhor testar nossa hipótese inicial, acerca da centralidade da defesa dos direitos dos militares nos discursos de Bolsonaro, criamos em nossa planilha uma coluna fechada para quantificar todos os discursos proferidos pelo parlamentar em torno de uma única pergunta: “O discurso defende os direitos dos Militares?”. As respostas possíveis foram: não menciona; elogios gerais às forças armadas; investimentos no setor militar; referente à carreira; e outros.

Através dessa dinâmica pudemos observar que as citações referentes à carreira militar se sobrepõem quantitativamente aos outros temas discutidos em plenário. Como podemos observar no Gráfico 2, é no sexto mandato de Jair Bolsonaro (2011/2014) que a resposta “outros” passa a opção “referente à carreira”, dentro dos discursos proferidos no plenário que defendem o direito dos militares.

Gráfico 2
Distribuição dos discursos que defendem o direito dos militares

Retomando a dispersão temática das categorias do primeiro mandato que foram apresentadas no Gráfico 1, outro elemento constitutivo dos primeiros anos como parlamentar de Jair Messias Bolsonaro são as alusões às camadas médias, sinalizadas com a categoria 704, que abarca discursos que versavam sobre os direitos da “Classe Média e Grupos Profissionais10” de forma positiva. Em nosso pacto de codificação11, convencionamos que todos os discursos que fossem feitos em defesa dos direitos e interesses dos servidores civis e militares da União12 receberiam o código 704, diferenciando o das alusões restritas aos integrantes das Forças Armadas.

A defesa dos servidores civis e militares da União, categorizada pela 704, apareceu de forma expressiva nos três primeiros mandatos de Jair Bolsonaro como deputado federal. O conteúdo dessa categoria era principalmente a defesa dos direitos previdenciários e de reajustes salariais para o funcionalismo público, frente aos programas de reforma econômica e administrativa conduzidas pelos governos de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Durante o seu primeiro mandato, Bolsonaro manteve uma atuação crítica aos governos de Fernando Collor de Mello e do seu sucessor Itamar Franco, cobrando, sobretudo, medidas que garantissem a recomposição dos salários e do poder de compra dos servidores civis e militares da União, denunciando que aquelas medidas poderiam condenar todos os servidores públicos à “miserabilidade aguda” (Diário do Congresso Nacional, 1991, p. 6.736). A postura contrária às medidas de austeridade econômica, que atingem diretamente a carreira e o poder de compra dos servidores civis e militares, continuará sendo uma pauta de grande envolvimento do deputado federal durante o seu segundo e o seu terceiro mandato. Essa evidência chama atenção para algo que será comentado mais adiante: o caráter relativamente recente das demandas economicamente liberais na conformação discursiva de Bolsonaro.

Sendo assim, é possível identificar que os seus discursos já demonstravam, desde o início de sua atuação como parlamentar, uma flutuação de significados com o propósito de sinalizar a outros grupos dentro do espectro da classe média. O vínculo com os servidores civis e militares da União ratifica a tese de que a sua representação política advém das camadas médias da população fluminense. Esse argumento foi reforçado na análise da trajetória legislativa de Bolsonaro através de seus projetos de lei, demonstrando a ausência de projetos ligados a temas macroeconômicos, em especial, os de caráter redistributivo (Silva, 2024). Em seu terceiro mandato, a categoria 704 está em segundo lugar de todas as categorias proferidas, contudo ela vai começar a ficar em desuso. Este é um ponto importante pois é um indício de um afastamento de Bolsonaro de marcadores discursivos heterodoxos, em termos de expansão das capacidades estatais, em prol da ortodoxia liberal.

No seu terceiro mandato (1999-2002), a frequência das categorias ainda se mantém estável, com a 104: Militares Positivo em primeiro lugar e a 704: Classe média e Grupos Profissionais Positivo em segundo lugar. Todavia, é neste mandato, que identificamos a emergência de duas categorias que vão se tornar imprescindíveis para a constituição política do bolsonarismo enquanto um sujeito político com pretensões hegemônicas: 605.1: Lei e Ordem Positiva e 305.4: Elites Pré Democráticas Positivo.

é no seu quarto mandato (2003-2006) que se observa uma viragem. Um dos pontos chaves dessa modificação de seu sujeito político é o envolvimento do deputado com as discussões sobre políticas públicas relacionadas à segurança pública, que foram postas em debate público, principalmente devido ao referendo conduzido pelo Governo Federal sobre o Estatuto do Desarmamento. Esse acontecimento orientou a performance política de Bolsonaro durante o período devido à posição que ele assumiu de coordenador da Frente Pró-Armas no Rio de Janeiro (Alonso, 2023). é nesse contexto que a categoria 605.1: Lei e Ordem Positiva ganha destaque e se torna a segunda mais frequente durante o seu mandato.

Dois comentários devem ser feitos sobre esse momento político. O primeiro é a constatação, a partir da análise do perfil dos deputados federais das forças repressivas do Estado que foram eleitos entre 1998 e 2014 feita por Berlatto et al. (2016), de que ocorreu um crescimento em 2006 do número de candidatos e do número de eleitos oriundos da polícia, demonstrando a força dessa pauta na sociedade. A segunda constatação é salientar a importância do achado de Faganello (2015) sobre a bancada da bala em São Paulo que, segundo a autora, é seu lugar de origem. Em sua pesquisa, Faganello observa que esse voto está concentrado em zonas de classe média, o que dialoga com nossa tese a respeito do sujeito político bolsonarista (Silva, 2024).

A categoria 605.1: Lei e Ordem Positiva foi utilizada em discursos que tiveram menções favoráveis à aplicação rigorosa da lei e de ações mais duras contra o crime doméstico (Volkens et al., 2013). Na trajetória legislativa de Bolsonaro, a categoria organizou os discursos que defendem aumentos e melhores condições de vida para os policiais, discursos reivindicando a diminuição da maioridade penal e ressaltando a importância da segurança interna. Apesar de estar muito presente em toda a trajetória discursiva do parlamentar, aparecendo desde o seu segundo mandato, é a partir do quarto mandato que essa temática ganha relevância, tornando-se a categoria mais frequente no seu último mandato.

é especialmente neste período de discussão do Estatuto do Desarmamento que os discursos de Bolsonaro começam a articular as três primeiras demandas que vão constituir o que aqui definimos como o núcleo duro do sujeito político do bolsonarismo: (i) direitos dos militares e suas famílias; (ii) admiradores da ditadura militar; e (iii) defensa de uma concepção punitivista de ordem e de sociedade - sendo estes dois últimos estruturados a partir de um antagonismo do cidadão de bem (Kalil, 2018; Solano, 2018) conquanto à ideia de direitos humanos defendida pela coalizão de forças liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Em seu discurso, o punitivismo é combinado à crítica à “corrupção” dirigida ao plano político, sendo operada uma marcação voltada à radicalização do antagonismo em ambos os casos. Tal amálgama pode ser resumido através da expressão: bandido bom é bandido morto. é possível identificar no discurso de Bolsonaro, proferido em junho de 2005 em sessão de homenagem aos militares mortos na Guerrilha do Araguaia, o cidadão de bem que se antagoniza com os defensores dos direitos humanos enquanto ideal de dignidade estendida aos “marginais”, “bandidos”, “vagabundos” e outros adjetivos que são usados na construção desse significante flutuante (Laclau, 2005), que se aplica ora aos criminosos comuns, ora aos políticos, ora aos militantes atuais, como no caso do MST, e do passado, como no caso daqueles que lutaram contra a ditadura militar.

Não obstante, é durante o seu quinto mandato (2007-2010) que começamos a observar novas temáticas aparecendo no seu discurso, no que parece ser uma virada de chave na construção do sujeito político do bolsonarismo (Gráfico 3). Isso se traduz na redução da frequência relativa da categoria 104: Militares Positivo e o aparecimento das novas categorias que iriam se destacar por sua frequência nos próximos anos de mandato e que possibilitaram a constituição de seu sujeito político a partir da construção de um ponto nodal em torno do antagonismo à esquerda em geral e ao PT em particular. As categorias, no caso, são: 305.4: Elites Pré Democráticas Positivo; 605.1: Lei e Ordem Positiva, 201.2 Democracia Positiva, 603: Moralidade Positiva e 202.1: Direitos Humanos Positivo.

Gráfico 3
Distribuição dos códigos do CMP no 5° mandato

A categoria 305.4: Elites Pré Democráticas Positivo se refere à cooperação política, durante o período de transição, as autoridades dos período pré-democrático, como a defesa de anistia para as práticas perpetradas pelo regime e a não investigação dos crimes que foram cometidos por sua elite dirigente durante o período de ditadura militar (Volkens et al., 2013). Em nosso pacto de codificação, determinamos que seriam codificados com 305.4 todos os discursos que fizessem alusões nostálgicas à ditadura militar e seus responsáveis, ou que tivessem como plano de fundo o questionamento à implementação da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Contudo, a categoria 305.4: Elites Pré Democráticas Positivo só ganha relevância em seus discursos a partir do quarto mandato (2003-2006), chegando a ser a categoria mais proferida no seu sexto mandato (2011-2014). Essa evidência confirma a afirmação de Starling (2022, p. 86), de que “a utopia regressiva de Bolsonaro está agarrada com firmeza aos anos da ditadura militar”. Segundo a autora, a visão de mundo que norteia a conformação de um núcleo normativo em torno do qual se construirá o sujeito político formado neste processo se estrutura a partir de uma percepção romantizada da ditadura militar, presente em parcelas subalternas das Forças Armadas, “fanatizadas pelo anticomunismo e pela sede de repressão” (Starling, 2022; Teixeira, 2014).

Como é possível de ver no Gráfico 4, a categoria 305.4: Pré Elites Democráticas Positivo foi a mais utilizada para enquadrar os discursos proferidos por Bolsonaro no período, seguido pela categoria 603: Moralidade Positiva. Em seguida, a categoria 104: Militares Positivo, e a categoria 605.1: Lei e Ordem Positiva.

Gráfico 4
Distribuição dos códigos do CMP no 6° mandato

A categoria 305.4: Pré Elites Democráticas Positivo dominou os discursos proferidos por Bolsonaro durante o seu sexto mandato, devido aos conflitos em torno da implementação da CNV (Silva & Paolino, 2023). Contudo, a novidade foi o crescimento da categoria 603: Moralidade Positiva. Ela já havia ganhado espaço em seus discursos, sendo a quinta mais utilizada durante o seu quinto mandato, mas foi adquirindo ainda mais relevância conforme elementos da conjuntura política ganhavam força dentro e fora do parlamento. Essa categoria ganhou força durante este período pelo embate entre representantes da bancada evangélica, que vinha aumentando sistematicamente dentro do Congresso Nacional e na sociedade brasileira, e a agenda proposta por organizações da sociedade civil de defesa dos direitos humanos, organizada a partir das conferências nacionais, e de seus aliados dentro do parlamento.

Cabe destacar que o sexto mandato de deputado federal de Bolsonaro começou após uma importante vitória do PT, que elegeu para a Presidência da República Dilma Rousseff. Contudo, isso não significou uma vida fácil dentro do Congresso Nacional. O período do Governo Dilma (2011-2016) foi marcado por uma forte tensão entre as políticas públicas apresentadas por setores dos movimentos sociais e institucionais dos direitos humanos e os representantes da bancada evangélica e da bancada da bala (Quadros & Madeira, 2018; Lacerda, 2019).

é possível observar, portanto, que a recorrência da categoria 603: Moralidade Positiva demonstra a articulação e absorção, por intermédio do discurso de Bolsonaro, da defesa de pautas que eram determinantes para os representantes da bancada evangélica, o que pode demonstrar o peso dessa recorrência temática para a articulação de diferentes sujeitos sociais na agregação do campo religioso para o bolsonarismo (Gracino Júnior et al., 2021; Gracino Júnior & Silva, 2023). Sendo assim, o período do seu sexto mandato é de suma importância na nossa análise política, pois foi nesse período, que separa a eleição de 2010 e 2014, que parece ter havido um divisor de águas na carreira política do então deputado (Gracino Júnior et al., 2021).

Isso se deve, é claro, a uma multiplicidade de fatores: o crescimento desde 2010 da bancada evangélica e da bala (Quadros & Madeira, 2018) dentro do Congresso Nacional, o aumento das aparições de Bolsonaro na mídia tradicional (Nascimento et al., 2018), o fortalecimento de grupos organizados de direita na internet (Rocha, 2019) e que emergiram para a cena política a partir das jornadas de junho (Tatagiba, 2015), mas principalmente das contradições que a eclosão social das ruas produziu naquele momento (Alonso, 2023). Um reflexo desse processo foi observado pelo aumento das bancadas dos policiais, dos militares, dos evangélicos e dos ruralistas, o que deu fim à chamada “direita envergonhada” (Cruz, 2015; Kaysel, 2015; Quadros & Madeira, 2018).

Como se pode ver no Gráfico 5, as categorias que se destacaram durante o sétimo mandato marcam a transição das demandas diferenciais (delimitada aos militares e seus simpatizantes) para as demandas equivalenciais, constitutivas de um sujeito político com pretensões hegemônicas. Essas categorias são: 605.1: Lei e Ordem Positiva; 202.1: Democracia Positiva; 603: Moralidade Positiva; 305.4: Elites Pré Democráticas Positivo. As categorias 104: Militares Positivo e 304: Critica a Corrupção, também apareceram com frequência, assim como a categoria 305.1 Autoridade Política: Competência Partidária. Essas duas últimas, por sua vez, passam a ter seu conteúdo determinado pela crítica à atuação política do PT, que, como será demonstrado a seguir, funcionará como ponto nodal na articulação das demandas equivalenciais.

Antes de apresentarmos a distribuição de códigos do último mandato de Jair Bolsonaro, é interessante observar os resultados das frequências da aba “Fala do PT”, fechada para as opções “sim” ou “não”, de modo a facilitar a testagem de nossa hipótese. Dos 1.534 discursos codificados, 434 (28,3%), foram marcados com “sim” na aba em questão. Destes, 103 foram codificados com a categoria 104; 69 com a categoria 305.4; 41 com a categoria 603; e, 31 discursos com a categoria 605.1. Tais resultados, estão em conformidade com a ideia de significação flutuante em torno do nome capaz de instigar antagonismo em sujeitos sociais com entendimentos (e ressentimentos) distintos.

Gráfico 5
Distribuição dos códigos do CMP no 7° mandato

A categoria 605.1: Lei e Ordem Positiva apareceu em destaque principalmente pela repercussão política acerca da discussão sobre a redução da maioridade penal que aconteceu no ano de 2015/2016 no Congresso Nacional. A categoria 202.1: Democracia Positiva diz respeito às menções favoráveis às regras do jogo democrático (Volkens et al., 2013). é uma categoria recorrente na discussão em torno do combate à corrupção, que aparece como um ingrediente capaz de dar liga a todos esses diferentes sujeitos durante o último mandato de Bolsonaro.

Cabe destacar que essa associação entre a direita e a crítica à corrupção de governos populares é longeva, uma vez que o termo funciona como um ponto nodal utilizado pelas elites para mobilizar as camadas médias contra os governos populares - isto é, contra “governos que expandem direitos das classes subalternizadas”, como afirma Lago (2022, p. 43), em um argumento no qual associa os movimentos dirigidos contra os governos de Getúlio Vargas (1930-1945/1951-1954), Juscelino Kubitschek (1956-1961), João Goulart (1961-1964), Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016). Nesses movimentos, as camadas médias foram provocadas pela percepção de que a corrupção dos governantes era a responsável por eventuais privações a elas estabelecidas em prol das classes populares, que em troca lhe ofereciam apoio. Esta demanda, assume a forma de um (re)sentimento difuso e está no bojo da crítica a programas qualificados como assistencialistas e eleitoreiros, como foi o caso do Bolsa Família, conforme argumentamos anteriormente.

Desse modo, o 202.1 surge para demarcar outros significante flutuantes (democracia/liberdade), que flutuam para atingir diferentes segmentos que se sentem oprimidos e privados de suas liberdades pelos ocupantes do poder. é nesse momento que a matriz teórica laclauniana nos auxilia a compreender a importância dessa flutuação de significado para a tecitura da cadeia de equivalências que constitui o bolsonarismo como sujeito político que agrega diferentes sujeitos sociais. Tal agregação é possível através da configuração de um ponto nodal, que os une em torno de uma relação de antagonismo, no caso, contra o sistema político e contra a esquerda que o controla - o bloco no poder, na terminologia laclauniana. A partir daí a Razão Populista passa a operar na sua plenitude, com os cinco elementos que configuram o conceito de populismo (Silva, 2019, 2022):

  1. um líder: Jair Bolsonaro enquanto galvanizador das principais demandas (ou para utilizar uma outra terminologia, issues) dispersas entre os segmentos da opinião pública que compartilham entendimentos conservadores sobre a sociedade, e liberais (privatizantes) em termos econômicos, como demonstra Rennó (2020);

  2. uma plebe: os oprimidos, grupo formado por aqueles que se entendem parte de uma maioria, heterossexual e trabalhadora, os cidadãos de bem (Kalil, 2018);

  3. uma elite opressora que seria a esquerda e as minorias que eles “sustentam” por formarem o bloco no poder: os vagabundos (pobres que dependem do Estado), os criminosos (protegidos pelos defensores dos direitos humanos), assim como os LGBTQIA+ que, através da esquerda no poder estariam impondo seu modo de vida e ameaçando os cidadãos de bem;

  4. um discurso de antagonismo que opõe a plebe à elite opressora, que impede a plebe de se efetivar como

  5. povo, isto é, como aquele que exerce a soberania popular, através de seus representantes (o líder e sua entourage).

Este é o processo por meio do qual o ex-capitão se transforma em um líder populista de extrema-direita, capaz de ultrapassar os limites daqueles que concorriam às eleições presidenciais por esse campo. Nessa dinâmica, conforme a pretensão de uma candidatura presidencial vai se conformando, observa-se uma relativa moderação de seu discurso, o que ocorre a partir de 2014, como é possível observar no Gráfico 6, feito a partir do cálculo do Indice Rile de cada mandato e dos programas de governo apresentados em 2018 e 2022.

Gráfico 6
índice Rile dos mandatos e dos programas de governo (2018/2022)

A despeito desse processo de relativa moderação, Bolsonaro segue passível de ser considerado como um líder populista de extrema-direita, ainda que, enquanto parlamentar, ele tenha sido ainda mais extremista do que enquanto candidato presidencial. Esta consideração é respaldada pela variação do índice Rile observada acima, quando comparamos os patamares dos mandatos, cujo Ir. é em média superior a 75 com os índices do programa de governo apresentado em 2018 (Ir. 42,6)13. Deste modo, concluímos que a caracterização de Jair Bolsonaro como um populista de extrema-direita, além de adequada à compreensão da gênese e dos atributos constitutivos de seu perfil como representante, é alicerçada em parâmetros objetivos e comparáveis, não apenas em termos longitudinais, referentes ao seu próprio continuum discursivo; mas, também quando o comparamos com outras lideranças nacionais e internacionais.

No caso das primeiras, cabe destacar que os índices auferidos pelos candidatos presidenciais do PSDB oscilaram, de 1994 a 2018, entre Ir. 4,843 e Ir. -18,318; embora, em 1989, o valor tenha sido de 32,83. Neste mesmo ano, o PRN de Fernando Collor, atingiu um Ir. de 10,73. Já no tocante ao PRONA, de Enéas Carneiro - outro líder da direita brasileira a quem Bolsonaro é comparado em termos de trajetória e discurso (Jorge et al., 2020, 2022) - cabe destacar que o programa apresentado em 1994, obteve um Ir. de -27,3314. Em termos internacionais, o caráter extremista da trajetória legislativa e do programa de governo de Bolsonaro sobressaem quando o comparamos com outras lideranças da extrema-direita global como Donald Trump, cujo programa de 2016 alcançou um Ir. de 32 e Viktor Orbán, que na eleição de 2018, apresentou um programa com Ir. 35 (Lehmann et al., 2024a).

Um dos propósitos desse texto foi descobrir quais conteúdos temático-discursivos foram utilizados por Bolsonaro nesse processo de ampliação da sua representação que possibilitou a constituição do fenômeno do bolsonarismo, sujeito político com pretensão hegemônica. Sob o prisma da teoria do populismo de Laclau entendida como uma teoria da representação, observamos que os discursos de Bolsonaro incluíam diferentes conteúdos que sinalizavam às diferentes demandas, sendo que muitas vezes os mesmos significantes (liberdade, segurança, democracia, ordem, patriotismo etc.) assumiam sentidos variáveis que flutuavam conforme as identidades e interesses de cada um dos segmentos. Descrever essas demandas e a cadeia de equivalências formada a partir delas, articulando diferentes segmentos sociais no seu processo discursivo, é uma maneira de mensurar a força e o lastro social do bolsonarismo, mas também suas fragilidades - tendo em vista as ambiguidades e contradições possíveis entre essas demandas. Sendo assim, a partir da análise dos discursos proferidos durante a trajetória legislativa de Jair Bolsonaro, podemos concluir que as categorias que mais se destacaram, dispersas ao longo dos mandatos, foram justamente as que possibilitaram a construção desta cadeia de equivalências que, ao redor do antipetismo, constituiu Bolsonaro como um líder populista, conforme a designação laclauniana.

VI. Considerações finais: da gênese do bolsonarismo à sua desidratação

Neste artigo utilizamos a compreensão pós-fundacionalista acerca do processo de formação das identidades políticas para abordar a gênese do fenômeno aqui chamado de bolsonarismo, com particular ênfase à teoria apresentada por Ernesto Laclau em A Razão Populista (2005). As ferramentas propostas pela teoria do populismo laclauniana se voltam sobretudo para a análise da gênese dos sujeitos políticos, demonstrando-se particularmente úteis para operar a decomposição destes objetos em seus elementos constitutivos: os sujeitos sociais que formam o sujeito político que se quer explicar. Este processo, por conseguinte, favorece a elaboração de hipóteses sobre aquilo que conecta esses diferentes sujeitos permitindo ampliar a compreensão sobre o surgimento e funcionamento do fenômeno em questão, ao invés de meramente adjetivá-lo.

Este foi o ponto de partida desta pesquisa e da elaboração de uma metodologia qualitativa e quantitativa voltada à análise dos discursos proferidos por Bolsonaro no Plenário da Câmara dos Deputados ao longo dos seus sete mandatos consecutivos. Através dessas ferramentas teórico-metodológicas foi possível oferecer novas informações acerca deste fenômeno, identificando os marcadores temporais e temáticos que pavimentaram a mudança em seu perfil como representante da direita brasileira. Segundo nossa hipótese, Bolsonaro inicia sua trajetória como representante de demandas diferenciais e, ao longo do tempo, se transforma em um representante de demandas equivalenciais/populistas a partir de um processo de incorporação de marcadores discursivos determinados, que, conforme a metodologia aqui aplicada permitem posicioná-lo na extrema direita do espectro ideológico.

Não obstante, extrapolando os resultados aqui apresentados, elaboramos uma educated guess, utilizando as evidências aqui encontradas como indício de que a utilização destes marcadores permitiu que Bolsonaro se tornasse um galvanizador de demandas ou temas específicos que permeiam alguns segmentos da opinião pública, como demonstrado por Rennó (2020) através de uma pesquisa que observa a operação destes marcadores discursivos em surveys aplicados aos cidadãos. Deste modo, acreditamos ter operado o processo contrário: enquanto Rennó trabalhou com a demanda - os indivíduos e suas opiniões -, nós trabalhamos com a oferta - as elites e seus discursos -, indicando como e quando estes temas surgem e são concatenados nos discursos de Bolsonaro. Em ambas as pesquisas, subjaz a percepção de que, através da vocalização de temas e marcadores discursivos da direita já dispersos no tecido social, o deputado foi capaz de atrair os sujeitos sociais com eles identificados que passaram a compor a cadeia de equivalências formada em torno de Bolsonaro que, com isso, transforma-se em um líder populista.

  • 1
    Agradecemos a toda equipe de pesquisadores do Laboratório de Partidos Políticos, Eleições e Política Comparada (Lappcom) pelo trabalho coletivo de codificação e de discussões. Agradecemos aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política.
  • 2
    O objetivo do CMP é medir as posições políticas de todos os atores relevantes competindo em qualquer eleição democrática no período pós-Segunda Guerra Mundial.
  • 3
    Os códigos da Câmara Federal são as categorias utilizadas pelo Centro de Documentação e Informação da Câmara para a classificação temática das proposições. Essas informações estão disponibilizadas no repositório de dados do site da Câmara Federal.
  • 4
    Esse sistema é uma divisão temática oferecida pelo site da Câmara dos Deputados, que organiza toda produção legislativa desde 2003, a partir de 31 categorias disponibilizadas pelo setor de Dados Abertos da Câmara dos Deputados.
  • 5
    Ao limpar os discursos que estavam com erros, ficamos com esses.
  • 6
    Categorias direita: 104, 201, 203, 305, 401, 402, 407, 414, 505, 601, 603, 605 e 606. Categorias esquerda: 103, 105, 106, 107, 202, 403, 404, 406, 412, 413, 504, 506 e 701.
  • 7
    Sugerimos ouvir o podcast Retrato Narrado da Rádio Novelo que fez uma excelente pesquisa sobre Bolsonaro e suas conexões com a ditadura militar e o anticomunismo.
  • 8
    Informações coletadas pelo podcast Retrato Narrado.
  • 9
    As categorias e subcategorias serão apresentadas no decorrer da discussão sobre os resultados obtidos, de acordo com a formulação de Werner et al. (2014) e Jorge et al. (2020).
  • 10
    A categoria designa sobretudo profissionais liberais.
  • 11
    Durante o processo de codificação adotamos alguns pactos de codificação para lidar com temas recorrentes nos discursos de Jair Bolsonaro.
  • 12
    Bolsonaro utilizava essa expressão: “servidores civis e militares”, para se referir a pedidos de aumento, correção inflacionária, por exemplo.
  • 13
    O processo de moderação atinge seu auge em 2022, quando o Ir do programa de Bolsonaro é 11,74. Essa dinâmica foi explorada em artigos recentes (Silva, 2024).
  • 14
    O programa de Enéas encerra um conteúdo fortemente nacionalista, não apenas em termos políticos, mas, também em termos econômicos, o que explica o fato de ter alcançado um Ir. tão alto.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2024
  • Revisado
    02 Out 2024
  • Aceito
    04 Nov 2024
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