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Editorial

Editorial

Este número da Revista de Sociologia e Política é bastante atípico. Ele constitui-se apenas de artigos diversos, sem nenhum dossiê temático ou resenhas bibliográficas; além disso, ele apresenta-se apenas na versão eletrônica, sem um equivalente impresso.

Por que essas características? Por três motivos.

Em primeiro lugar, a quantidade de artigos submetidos para avaliação à Revista de Sociologia e Política tem crescido exponencialmente nos últimos anos, o que resulta, por sua vez, no aumento proporcional de artigos aprovados. Como, todavia, a quantidade de trabalhos científicos que a Revista pode publicar por ano é limitada, decidimos criar um número extra para dar vazão a parte dos textos aprovados e, portanto, diminuir o tempo de espera para a divulgação dos resultados de pesquisas. Diga-se de passagem que isso não é desimportante: considerando a data em que escrevemos estas linhas – segundo semestre de 2008 –, a lista de artigos aprovados já alcança 2011.

O segundo motivo é conexo ao primeiro. Se até 10 ou 15 anos atrás o meio exclusivo de difusão das pesquisas científicas era o impresso, com o advento do meio eletrônico e sua popularização tal quadro modificou-se radicalmente: cada vez mais, mais artigos estão disponíveis na internet e, paralelamente, em veículos gratuitos. Dessa forma, a "publicação" de artigos não significa mais que esses textos deverão ser impressos em papel, mas que, diferentemente, aparecem em periódicos de qualidade, independente do meio, que os dispõem para o grande público. Prova disso é o aumento na quantidade de periódicos exclusivamente virtuais, que vão desde publicações beletristas e para-acadêmicas até revistas vinculadas a programas de pós-graduação; por outro lado, as agências de fomento no Brasil – em particular o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) –, em seus editais de apoio a publicações científicas, não fazem mais referência às versões impressas dos periódicos, passando paulatinamente a apoiar os títulos que estão disponíveis na rede, exclusivamente nesse meio ou não.

O terceiro motivo é o mais prosaico de todos, mas nem por isso o menos importante: limitações orçamentárias. Da mesma forma que a maior parte dos periódicos científicos nacionais, a Revista de Sociologia e Política sobrevive financeiramente graças a auxílios e apoios públicos, seja via agências de fomento (o CNPq ou a Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná), seja via de verbas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) dedicadas às publicações acadêmicas; muitas vezes também recorremos aos recursos do curso de Especialização em Sociologia Política da UFPR. Essa realidade é diferente daquela dos países anglófonos – Estados Unidos e Inglaterra à frente –, em que periódicos conseguem manter-se graças às assinaturas dos seus leitores e à aquisição de artigos individuais: entretanto, esse formato só é possível graças à delegação de todo o processo editorial para empresas altamente especializadas (e lucrativas), restando aos editores as tarefas intelectualmente mais centrais e mais importantes de seleção acadêmica dos artigos e das seções das revistas.

Pois bem: a diferença entre uma versão impressa e uma exclusivamente virtual é expressiva. Cerca de 70% dos custos totais de uma revista são gastos com impressão – os outros 30% correspondendo a revisão, diagramação, traduções diversas e serviço de secretaria. Mantendo a qualidade acadêmica e editorial, mas eliminando o que de ordinário corresponde a um pesado ônus, é possível publicarmos um terceiro número, exclusivamente virtual, da Revista de Sociologia e Política ao ano (padrão desejável em revistas científicas).

Mais do que isso: na verdade, planejamos transformar este terceiro número, atualmente de caráter excepcional, em um número regular, passando a Revista de Sociologia e Política de uma publicação semestral para uma quadrimestral. Evidentemente, tal desiderato somente será possível caso ocorra a realocação regular dos recursos atualmente destinados à impressão de exemplares – o que depende pelo menos tanto de cada um dos periódicos quanto das agências de fomento (no caso da Revista de Sociologia e Política: CNPq e Fundação Araucária).

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Este número compõe-se de 11 artigos, abrangendo diversas áreas da Ciência Política: Teoria Política, História do Pensamento Político, relações entre Economia e Política, reforma do Estado, Política Comparada, Elites Políticas, Participação Política.

Ele inicia-se com o artigo da cientista política portuguesa Eunice Seixas, que problematiza o conceito de "terrorismo", tão em voga desde o início do século XXI; para a autora, epistemologicamente não é possível desvincular desse conceito os valores assumidos pelos analistas que o utilizam, nem, normativamente, é possível deixar de dissociá-lo de temas centrais como o (Estado de) Direito, a democracia e os direitos humanos.

Em seguida, Danilo Martuscelli analisa as relações intelectuais que mantiveram entre si Gramsci e Althusser, a propósito da obra de Maquiavel. Os objetos mais específicos de análise são as filosofias da história que cada um desses três teóricos defendiam, incluindo aí as relações de causalidade histórica deles: história cíclica e devida à natureza humana para Maquiavel, teleológica e baseada na economia para Gramsci, pluricausal e sem teleologia para Althusser.

Joana Moura e Marcelo Kunrath Silva discutem questões teóricas e metodológicas ligadas às pesquisas sobre espaços participativos. Os autores criticam a visão substancialista que predomina no Brasil e que resulta em um maniqueísmo entre sociedade civil (boa) e Estado (mau), propondo uma perspectiva relacional que encare esses dois âmbitos, sem dúvida alguma, como eventual mas não necessariamente em conflito entre si, podendo haver inúmeras situações de complementaridade entre eles e mesmo outros âmbitos analíticos. Para viabilizar essa perspectiva, os autores sugerem o uso da análise de redes sociais (ARS).

Egidio Furlanetto retoma uma discussão sociológica clássica: os meios de os países desenvolverem-se economicamente. A partir da análise de uma literatura principalmente, institucionalista, o autor identifica as principais críticas a ela dirigidas, especialmente pelos cientistas sociais, e propõe a importância explicativa central para o conceito de capital social. Para o bom sucesso do desenvolvimento econômico de regiões específicas, o autor afirma a necessidade de encarar as duas abordagens – institucionalista e do capital social – como complementares, mais que como concorrentes.

Felix Lopez faz uma análise comparativa entre as instituições políticas (incluídas aí as práticas sociais) da Índia e do Brasil, a partir de uma área que tem crescido bastante no país, a Antropologia Política. Ao investigar os procedimentos adotados em cada país para a nomeação de cargos de confiança, o autor sublinha os interesses envolvidos em cada caso e os respectivos critérios de legitimidade; dessa forma, a importância das variáveis culturais é enfatizada para a compreensão de sistemas políticos específicos.

Cássio Barbosa e Marta Rocha analisam as dinâmicas de comissões parlamentares das câmaras baixas de alguns países do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile e Uruguai). Considerando três variáveis explicativas – estruturais, procedimentais e as relativas ao poder das comissões –, os autores identificam haver incentivos para diversos padrões de comportamento (clientelista, especializado e realizados dos interesses dos partidos). Assim, concluem que esses comportamentos não são excludentes e que são influenciados ainda por outras variáveis, como o padrão de relacionamento entre os poderes Executivo e Legislativo.

João Amoroso Botelho investiga os resultados que a reforma da lei eleitoral venezuelana de 1992 trouxe para o sistema político-partidário desse país, enfatizando, em particular, as intenções dos atores políticos e sociais. Enquanto, por um lado, a "sociedade civil" buscou maior participação e controle na indicação dos candidatos a deputados, os grandes partidos venezuelanos buscaram manter o controle sobre o sistema político do país, ao mesmo tempo que maior legitimidade. A conclusão do autor é que, embora uns e outros tenham tido êxito parcial nessas demandas, foram os grandes partidos os mais prejudicados, pois sua participação na grande política venezuelana diminuiu gradativamente ao longo das décadas de 1990 e de 2000, cedendo lugar a novas forças sociais e, portanto, a novos partidos políticos.

Christian Lynch apresenta uma pesquisa no campo da História das Idéias Políticas, contrapondo as perspectivas de Joaquim Nabuco e de Rui Barbosa a propósito dos conceitos de "liberalismo" e de "democracia". Enquanto até a abolição da escravatura ambos defendiam que democracia e liberalismo andavam juntos, depois de 1888 essas perspectivas mudaram: Rui Barbosa manteve-se fiel ao liberalismo, sob o risco de oligarquização da política (contra a democracia, portanto), enquanto Nabuco passou a defender o avanço das reformas sociais (de caracteres democráticos) por meio de um "despotismo esclarecido" (iliberal, portanto). Para o autor, esse confronto entre as posições entre de Rui Barbosa e de Joaquim Nabuco ilustra parte da história política do país.

Flávio Rezende apresenta uma discussão sobre os limites impostos aos processos de reforma do Estado realizados nos anos 1990 e, em particular, em 1995 no Brasil. Após repassar os principais objetivos e etapas dessas reformas, o autor afirma que muitas dessas reformas não obtiveram êxito, tendo sido encerradas ou simplesmente abandonadas. Para explicar esses fracassos, Rezende apresenta quatro argumentos principais identificáveis na literatura especializada, em particular a falha seqüencial.

Fabiano Engelmann analisa uma tendência na formação dos professores dos cursos de pós-graduação em Direito do Brasil: a realização de cursos no exterior. Para o autor, essa tendência é um aspecto da inserção dos vários países na globalização, em que, ao contrário do que se afirma, o Estado-nação não perde força ou importância, mas exige de (alguns de) seus condutores conhecimentos e inserções específicos, agora em âmbito internacional.

Por fim, Cristiano Monteiro analisa as relações concretas que se desenvolvem entre o Estado e agentes do mercado em processos de reformas econômicas voltadas para o mercado; em particular, o autor estuda o caso da aviação comercial brasileira. De 1960 – quando se constituiu o setor – e os anos 1990 – quando ocorreram alterações profundas no marco regulatório do Estado e da economia brasileira –, os empresários da aviação civil passaram de uma atuação mais particularista e com estreitos vínculos com a burocracia pública para uma situação em que foram desafiados, tanto política quanto economicamente, tendo que modificar seus modos de atuação.

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A Revista de Sociologia e Política integra o Programa de Apoio a Periódicos da Universidade Federal do Paraná e conta com seu patrocínio, bem como do curso de Especialização em Sociologia Política do Departamento de Ciências Sociais da mesma instituição, aos quais expressamos nossos sinceros agradecimentos.

Gustavo Biscaia de Lacerda

Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008
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