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Cultura política e desigualdade: o caso dos conselhos municipais de Curitiba

Political culture and inequality: the case of municipal councils in Curitiba

Culture politique et inegalite: le cas des conseils de la ville de Curitiba

Resumos

Este artigo estuda os membros dos principais conselhos gestores de políticas públicas no município de Curitiba (Conselho de Saúde, Conselho de Assistência Social, Conselho do Trabalho e Conselho da Criança e do Adolescente), no estado do Paraná. Observamos que os grupos analisados possuem, em relação à população brasileira em geral, maior quantidade de recursos de cultura política e, portanto, de incentivos ao ativismo político. Em seguida, discutimos duas questões teóricas relativas à "cultura política": primeiramente, analisamos o problema da relação de causalidade existente entre essas instituições e a cultura política dos seus membros: quanto a esse ponto, reconhecemos a importância dos efeitos institucionais sobre a cultura política dos indivíduos e, ao mesmo tempo, o papel ativo que fatores externos às instituições analisadas exercem sobre a intensidade desses efeitos. Em segundo lugar, seguindo uma direção alternativa àquela que predomina na literatura consagrada, analisamos a cultura política como um recurso desigualmente distribuído entre os grupos que compõem as instituições analisadas e que, portanto, pode ser pensada como uma das bases da desigualdade política.

democracia; cultura política; conselhos


This article studies members of the major public policy management councils in the municipality of Curitiba (Councils of Health, Social Welfare, Labor and Council on Children and Youth), state of Paraná. We observe that the groups studied have - in relation to the Brazilian population in general- a larger amount of political culture resources and therefore, more incentives for political activism. We then go on to discuss two theoretical questions related to "political culture". First, we look at the problem of the causal relationship between these institutions and the political culture of their members. In this regard, we recognize the importance of institutional effects on the political culture of individuals and at the same time, the active role that factors that are external to the institutions analyzed here have on the intensity of such effects. In the second place, following an alternative route to the one that is usually taken in the literature of the field, we look at political culture as a resource that is unequally distributed among the groups that make up the institutions studied here and that can therefore be considered one of the bases of political inequality.

democracy; political culture; councils


Cet article étudie les membres des principaux conseils administratifs de politiques publiques dans la ville de Curitiba (Conseil de Santé, Conseil de la Sécurité Sociale, Conseil du Travail et Conseil de l'Enfant et de l'Adolescent), dans l'état du Paraná. Nous avons observé que les groupes étudiés possèdent, par rapport à la population brésilienne d'une manière générale, plus de recours de culture politique et par conséquent plus d'encouragement à l'activisme politique. Ensuite, nous discutons les deux questions théoriques concernant la «culture politique»: d'abord, nous analysons le problème de la relation de causalité qui existe entre ces institutions et la culture politique de ses membres: ici, nous reconnaissons l'importance des effets institutionnels sur la culture politique des individus et parallèlement le rôle actif que des facteurs en dehors des institutions analysées exercent sur l'intensité de ces effets. Ensuite, en nous inspirant d'une direction alternative à celle qui prédomine dans la littérature consacrée, nous analysons la culture politique en tant que recours inégalement partagé entre les groupes composant les institutions analysées et qui peut donc être prise pour l'une des causes de l'inégalité politique.

démocracie; culture politique; conseils


Cultura política e desigualdade: o caso dos conselhos municipais de Curitiba1 1 Este artigo apresenta parte do resultado da pesquisa "Democracia e Políticas Sociais", financiada pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e desenvolvida pelo Núcleo de pesquisa "Democracia e Instituições Políticas". A pesquisa contou com a consultoria na área de estatística e processamento de dados do Professor Malco Camargos.

Political culture and inequality: the case of municipal councils in Curitiba

Culture politique et inegalite: le cas des conseils de la ville de Curitiba

Mario Fuks; Renato Monseff Perissinotto; Ednaldo Aparecido Ribeiro

RESUMO

Este artigo estuda os membros dos principais conselhos gestores de políticas públicas no município de Curitiba (Conselho de Saúde, Conselho de Assistência Social, Conselho do Trabalho e Conselho da Criança e do Adolescente), no estado do Paraná. Observamos que os grupos analisados possuem, em relação à população brasileira em geral, maior quantidade de recursos de cultura política e, portanto, de incentivos ao ativismo político. Em seguida, discutimos duas questões teóricas relativas à "cultura política": primeiramente, analisamos o problema da relação de causalidade existente entre essas instituições e a cultura política dos seus membros: quanto a esse ponto, reconhecemos a importância dos efeitos institucionais sobre a cultura política dos indivíduos e, ao mesmo tempo, o papel ativo que fatores externos às instituições analisadas exercem sobre a intensidade desses efeitos. Em segundo lugar, seguindo uma direção alternativa àquela que predomina na literatura consagrada, analisamos a cultura política como um recurso desigualmente distribuído entre os grupos que compõem as instituições analisadas e que, portanto, pode ser pensada como uma das bases da desigualdade política.

Palavras-chave: democracia; cultura política; conselhos.

ABSTRACT

This article studies members of the major public policy management councils in the municipality of Curitiba (Councils of Health, Social Welfare, Labor and Council on Children and Youth), state of Paraná. We observe that the groups studied have – in relation to the Brazilian population in general- a larger amount of political culture resources and therefore, more incentives for political activism. We then go on to discuss two theoretical questions related to "political culture". First, we look at the problem of the causal relationship between these institutions and the political culture of their members. In this regard, we recognize the importance of institutional effects on the political culture of individuals and at the same time, the active role that factors that are external to the institutions analyzed here have on the intensity of such effects. In the second place, following an alternative route to the one that is usually taken in the literature of the field, we look at political culture as a resource that is unequally distributed among the groups that make up the institutions studied here and that can therefore be considered one of the bases of political inequality.

Keywords: democracy; political culture; councils.

RÉSUMÉS

Cet article étudie les membres des principaux conseils administratifs de politiques publiques dans la ville de Curitiba (Conseil de Santé, Conseil de la Sécurité Sociale, Conseil du Travail et Conseil de l'Enfant et de l'Adolescent), dans l'état du Paraná. Nous avons observé que les groupes étudiés possèdent, par rapport à la population brésilienne d'une manière générale, plus de recours de culture politique et par conséquent plus d'encouragement à l'activisme politique. Ensuite, nous discutons les deux questions théoriques concernant la «culture politique»: d'abord, nous analysons le problème de la relation de causalité qui existe entre ces institutions et la culture politique de ses membres: ici, nous reconnaissons l'importance des effets institutionnels sur la culture politique des individus et parallèlement le rôle actif que des facteurs en dehors des institutions analysées exercent sur l'intensité de ces effets. Ensuite, en nous inspirant d'une direction alternative à celle qui prédomine dans la littérature consacrée, nous analysons la culture politique en tant que recours inégalement partagé entre les groupes composant les institutions analysées et qui peut donc être prise pour l'une des causes de l'inégalité politique.

Mots-clés: démocracie; culture politique; conseils.

I. INTRODUÇÃO

Sabe-se que a primeira tentativa de formulação sistemática e aplicação do conceito de cultura política foi empreendida por Gabriel Almond e Sidney Verba, no livro The Civic Culture, lançado na década de 1960. Nessa obra os autores afirmavam que os valores, sentimentos, crenças e conhecimentos eram relevantes para explicar os padrões de comportamentos políticos adotados pelos indivíduos. O seu objetivo era, por meio de um estudo que se estendeu por cinco países (Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Alemanha e México), determinar o grau de congruência entre esse conjunto de variáveis subjetivas e o sistema político. Esse trabalho constitui-se, portanto, em uma tentativa pioneira de estabelecer um elo explicativo entre, de um lado, as atitudes e motivações subjetivas dos atores sociais e, de outro, a sua conduta política e seus efeitos sobre o funcionamento das instituições democráticas.

A proposta teórica presente no livro de Almond e Verba foi, no entanto, bastante criticada em função do seu "etnocentrismo ocidentalizante" (PATEMAN, 1989) e da sua adesão a um conceito minimalista de democracia, além de pressupor a existência de uma cultura política homogênea em cada sociedade2 2 Almond (1989) argumenta que o tamanho da amostra não permitiu desagregá-la no nível dos subgrupos relevantes, exceto em relação às variáveis "classe" e "instrução". . Tais críticas forçaram uma reavaliação do conceito de cultura política (ALMOND & VERBA, 1989b; ALMOND, 1990) que, atualmente, passa por um revival.

Esse renascimento também estimulou a Ciência Política e a Sociologia brasileiras a produzir estudos orientados pela preocupação com a dimensão subjetiva dos fenômenos políticos. Mais especificamente, vários pesquisadores brasileiros têm-se dedicado a investigações sobre o caráter da cultura política nacional, relacionando-a à possibilidade de fortalecimento do regime democrático recentemente implantado no país, nem sempre chegando a conclusões semelhantes. Podemos identificar dois grupos de pesquisa que divergem quanto ao problema da permanência (CASTRO, 1995; CARVALHO, 1999) ou mudança (LAMOUNIER & SOUZA, 1991; Moisés, 1995) de um padrão de comportamento político orientado por valores e crenças que dificultariam a implementação de relações políticas pautadas pela horizontalidade e pela igualdade, favoráveis ao desenvolvimento democrático3 3 Descrições detalhadas sobre essa cultura política e de como ela foi permeando todas as nossas relações sociais desde o período Imperial podem ser encontradas em autores como Sérgio Buarque de Hollanda, Oliveira Vianna, Vítor Nunes Leal. Ainda que de caráter marcadamente ensaístico, esses estudos buscaram demonstrar como desenvolveu-se e manteve-se no Brasil uma relação tutelar entre o senhor provedor e o súdito submisso. .

Vale observar, porém, que, tanto nos estudos clássicos quanto naqueles desenvolvidos por pesquisadores brasileiros, há um claro predomínio de análises voltadas para grupos populacionais extremamente amplos4 4 Certamente, há exceções. Em relação aos estudos brasileiros, ver, por exemplo, Lima e Cheibub (1996). . Este artigo pretende seguir direção contrária no que se refere a esse ponto, isto é, estamos interessados no estudo da cultura política de um pequeno grupo. Se a nossa escolha, por um lado, afasta-nos dos temas mais abrangentes e ambiciosos presentes nos estudos de referência sobre cultura política (estabilidade, eficácia institucional, consolidação da democracia), por outro, oferece uma oportunidade para explorarmos algumas outras questões, não menos importantes, abordadas pelas teorias da cultura política e da democracia. Entre essas questões, destacamos as seguintes: 1) o problema da distribuição da cultura política como uma das dimensões da desigualdade política entre as "elites" e o "cidadão médio"; 2) a questão da desigualdade no que concerne à distribuição da cultura política mesmo no interior de um grupo de elite e 3) o tema da influência das instituições na formação da cultura política dos pequenos grupos. São essas questões que orientarão a nossa análise das instituições que se constituem no objeto de estudo do presente artigo, quais sejam, os conselhos gestores de políticas sociais do Município de Curitiba.

Embora essas questões tenham como horizonte temático a presença da desigualdade na cultura política e no engajamento cívico, a proposta do artigo é a de explorar cada uma delas de maneira autônoma nas três seções do artigo. A primeira parte, além de cumprir uma função descritiva, apresentando o perfil dos membros dos conselhos, situa esse grupo em relação ao que outras pesquisas apontam como a "cultura política brasileira". Os dados referentes à renda, escolaridade e, especialmente, ao engajamento cívico e à cultura política revelam serem os conselheiros uma elite, com características bem distintas daquelas que constituem a cultura política brasileira.

Na segunda parte, o artigo discute a distribuição da cultura política e do engajamento cívico entre os membros dos conselhos analisados. Sugerimos que essa distribuição pode ser pensada como um dos fatores que definem a desigualdade política entre os grupos, analisada em termos do acesso diferenciado a dois tipos de recursos: 1) o ativismo político (filiação partidária, associativismo e engajamento eleitoral) e 2) as orientações subjetivas (competência política subjetiva e interesse por política).

Na última seção, tratamos da relação entre instituições e cultura política. Procuramos saber se a experiência de participar dos conselhos estimulou, de alguma forma, o aumento do interesse por política. Além disso, consideramos também como outras experiências institucionais (em especial a associativa) afetam o interesse dos conselheiros por política.

II. O PERFIL DOS CONSELHEIROS: NOVA INSTITUCIONALIDADE E NOVA ELITE

A Constituição Federal de 1988 criou, segundo alguns analistas, uma nova "institucionalidade pública" (GOHN, 2001, p. 85) que passou a vigorar a partir de então em alguns setores importantes das políticas públicas. Essa nova orientação trouxe consigo duas importantes mudanças no processo de elaboração de políticas governamentais: a descentralização, isto é, a transferência da responsabilidade decisória para as unidades subnacionais (estados e municípios), e o viés claramente participativo que, a partir daquele momento, deveria caracterizar o processo decisório. Uma expressão fundamental dessas mudanças institucionais são os diversos conselhos gestores de política pública, que se constituem na nova arena, essencialmente participativa, em que o processo decisório deve ocorrer.

A partir dos incentivos criados pela Constituição Federal de 1988 e por outras normas complementares, tais instituições surgiram em todas as instâncias da Federação, em alguns casos como condição necessária para repasse de recursos financeiros. No caso do Município de Curitiba, os conselhos analisados neste trabalho foram criados ao longo da década de 1990.

Neste artigo, analisaremos os seguintes conselhos: Conselho Municipal de Assistência Social de Curitiba (CMASC), Conselho Municipal de Saúde de Curitiba (CMS), Conselho Municipal de Trabalho (CMERT) e Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (Comtiba)5 5 Entrevistamos a totalidade dos conselheiros do CMERT e do Comtiba. Dois conselheiros do CMS e um do CMASC não foram localizados. Exceto no caso do CMERT (gestão 2000-2001), todos os conselheiros entrevistados foram membros da gestão 1999-2001 dos conselhos estudados. . O nosso universo, como demonstra a Tabela 1, restringe-se a um grupo de setenta e cinco conselheiros.

Nesses conselhos encontra-se um grupo com características que indicam terem os seus membros um perfil de elite (RIBEIRO, 1997; SANTOS JR., 2001; FUKS, 2002). Os critérios convencionalmente utilizados para caracterizar tal parcela da população não deixam dúvidas. Primeiramente, destacamos que apenas 33,3% dos conselheiros possuem renda mensal inferior a dez salários mínimos, com 22,7% percebendo mais de vinte salários e 17,3% mais de quarenta. Outro dado relevante é o que se refere à escolaridade dos membros dessas organizações, pois, entre graduados e pós-graduados, encontramos um percentual acumulado de 66,7%, além de não existir nenhum analfabeto e apenas 5% terem somente o Ensino Fundamental.

Além dos dados apresentados acima, deve-se levar em consideração que os membros desses conselhos pertencem a um grupo de associações que representam determinados segmentos da sociedade civil organizada6 6 Além da representação governamental. e que são "filtradas" após um longo processo de seleção. É importante observar que são as organizações de maior porte as que têm participado dos conselhos de maneira contínua. Nesse sentido, é significativo que 90% das organizações que atuam nos conselhos há cinco gestões possuem funcionários, enquanto nenhuma entidade que foi eleita apenas uma vez para atuar em algum conselho encontra-se na mesma condição. O orçamento das entidades também cresce à medida que aumenta o número de gestões. Considerando as entidades com apenas uma gestão, nenhuma tem um orçamento que ultrapasse R$ 100 000,00 anuais. Já a grande maioria (83%) das entidades com cinco gestões recebem mais de R$ 100 000,00 anuais, sendo que 33,3% recebem mais de R$ 1 000 000,00. Esse quadro reforça o perfil de elite dos conselhos, pois a reeleição é, praticamente, um monopólio das organizações "profissionais".

Uma questão clássica nos estudos sobre cultura política é aquela que pretende identificar o grau de interesse dos indivíduos em relação aos assuntos políticos. Como demonstra a Tabela 2, no grupo investigado encontramos um alto grau de interesse por política, o que contrasta com o panorama descrito pelas pesquisas realizadas em nível nacional, tal como a de Moisés (1995), em que 30% dos entrevistados declararam não possuir nenhum interesse por política.

É interessante notar que esses dados são comprovados quando tentamos identificar formas concretas de manifestação desse interesse declarado, pois 74,7% dos conselheiros afirmam ler sobre política nos jornais e revistas quase todos os dias. O percentual aumenta para 86,7% quando a questão é a audiência diária de noticiário político em televisão ou rádio.

Outra dimensão relacionada ao interesse por política é o engajamento cívico. Avaliamos o ativismo político dos conselheiros a partir de três variáveis: ativismo eleitoral, associativismo e filiação partidária. Assim, identificamos que mais da metade dos conselheiros participou intensamente de diversas atividades nas eleições para a Prefeitura de Curitiba no ano 2000 (64% compareceram a comícios e 63% trabalharam voluntariamente na campanha eleitoral). Os dados referentes ao associativismo e à filiação partidária reforçam esse quadro. As tabelas 3 e 4 apresentam números inequívocos: em relação ao padrão médio de comportamento na democracia brasileira, marcado predominantemente pela apatia política, o grupo apresenta um alto grau de engajamento cívico.

Se compararmos esses números com a média selhos estudados apresentam-se como verdadeiras apontada pelo levantamento realizado, em 1966, “comunidades cívicas”. Nesse levantamento, 27% pelo IBGE7 7 Na ausência de dados sobre associativismo em Curitiba, contamos com os dados referentes às capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador) selecionadas pelo IBGE ("Associativismo, Representação de Interesses e Intermediação Política") e tabulados por Santos Júnior (2001). Supomos que, no limite, a média de Curitiba não seja, significativamente, superior à média dessas capitais. em cinco capitais brasileiras, os conselhos estudados apresentam-se como verdadeiras “comunidades cívicas”. Nesse levantamento, 27% da população era filiada a associações (SANTOS JR., 2001, p. 149) e apenas 3%, filiada a partidos políticos (idem, p. 163). A comparação com os dados referentes aos membros dos conselhos de Curitiba não poderia ser mais ilustrativa: apenas 9,3% dos conselheiros não pertencem a nenhuma associação e 41,9% são filiados a partidos políticos8 8 Esse contraste permanece mesmo quando consideramos a população da capital com maior desempenho. De acordo com os dados da pesquisa, em Porto Alegre, 38% da população tinha vínculo associativo e 6% era filiada a partidos políticos. .

A competência política subjetiva9 9 Esse termo designa a percepção dos atores acerca do seu próprio papel dentro do sistema político. Trata-se de uma auto-avaliação realizada pelos indivíduos sobre sua atuação diante dos fatos e objetos políticos, em especial sobre a sua capacidade de influenciar a tomada de decisões. dos membros dos conselhos está em consonância com os dados até aqui apresentados. De acordo com os dados que apresentamos a seguir (Tabela 5), o grupo investigado tem em alta conta sua capacidade de influenciar as decisões políticas10 10 O que, mais uma vez, contraria levantamentos realizados com a população em geral. Moisés (1995) encontrou 57,8% dos entrevistados afirmando não influenciar a política, o que corrobora as afirmações acerca da chamada passividade do brasileiro que, de acordo com José Murilo de Carvalho, "[...] é a própria definição do não-cidadão, do súdito que sofre, conformado e alegre, as decisões do soberano [...]", algo que pode ser entendido como uma auto-avaliação negativa no campo da ação política (CARVALHO, 1997, p. 36). .

Essa mesma situação apresenta-se quando a auto-avaliação refere-se especificamente à atuação dos entrevistados no interior dos seus respectivos conselhos. Quando perguntamos sobre o poder de influenciar as decisões dentro do Conselho, encontramos um percentual acumulado entre as opções "grande" e "médio" de 76%. Nesse caso específico merece destaque o Comtiba, conselho em que as opções "pequeno poder" e "nenhum poder" sequer apareceram.

A primeira conclusão do trabalho é que tanto em termos do perfil sócio-econômico como em termos da cultura política11 11 A relação entre renda e escolaridade, de um lado, e participação e engajamento político, de outro, não é exclusiva da experiência dos conselhos. Ela tem sido observada como um fenômeno comum nas democracias (SCHLOZMAN, VERBA & BRADY, 1999, p. 431; SANTOS JR., 2001 p. 156-162). o grupo sob investigação constitui-se em uma elite. Considerando esta dimensão subjetiva dos conselheiros, podemos afirmar que tais instituições aproximam-se bastante do que Putnam (1996) chama de "comunidade cívica".

Essa conclusão apenas reforça e qualifica a partir da análise dos dados o que já era esperado. Sendo constituído pelos representantes de associações da sociedade civil e por atores estatais e, além disso, dependendo basicamente do interesse e do trabalho voluntário, causaria surpresa se a nossa análise indicasse o "Conselho" como uma instituição em que predominasse a participação "difusa" da população. Isso indica que o entendimento corrente do Conselho como uma instituição caracterizada pela "participação ampliada" deve, ao menos, ser avaliada à luz dos dados disponíveis. Se, de um lado, parece evidente que a participação nos conselhos amplia aquela presente nas instituições políticas tradicionais, por outro, as pesquisas existentes indicam que a emergência dos conselhos gestores de políticas públicas não superou a distinção entre uma minoria de cidadãos politicamente ativos e a maioria passiva.

Na próxima seção examinaremos se, e em que medida, os indicadores de cultura política já apresentados estão uniformemente distribuídos entre os conselheiros dos diversos segmentos que compõem os conselhos. Assim como entendemos existir uma associação entre, de um lado, perfil sócio-econômico e cultura política e, de outro, participação política, supomos também que essa participação seja desigual em função dos recursos que os vários segmentos possuem. No sentido de avançarmos nessa direção, passaremos a considerar um tipo específico de recurso político: a cultura política.

III. CULTURA POLÍTICA, ENGAJAMENTO CÍVICO E DESIGUALDADE NOS CONSELHOS

Como dissemos anteriormente, alguns estudos clássicos tendem a pensar a cultura política dentro das populações estudadas de maneira agregada12 12 Isso não significa que a teoria tenha desconsiderado o caráter heterogêneo de cada sociedade. O debate em torno de diferenças associadas a fatores como religião, etnia e gênero revela essa preocupação. Não por acaso, o conceito de "subcultura política" é parte integrante da teoria da cultura política. Rennó (1998, p. 82-85), em sua revisão da literatura sobre cultura política, analisa alguns estudos específicos sobre subculturas políticas. , ou seja, uma sociedade pode ser qualificada como tendo um ou outro tipo de cultura política sem que se atente para eventuais desigualdades na distribuição desse recurso entre os grupos que constituem a comunidade analisada.

Isso se deve, em certa medida, ao tipo de questão que orienta esses estudos. Quando se procura, a partir do estudo da cultura política, explicação para fenômenos como as condições de estabilidade política do regime democrático (ALMOND & VERBA, 1989a) ou o desempenho diferenciado das instituições democráticas (PUTNAM, 1996), os valores agregados de cultura política parecem os mais relevantes. Mas se, como pretendemos fazer aqui, o foco da investigação volta-se para a política como arena de conflito, torna-se importante levar em consideração a distribuição da cultura política entre os grupos estudados. Nesse sentido, sugerimos que o conceito de cultura política aplicado ao estudo dos conflitos entre os grupos de uma dada comunidade deve ser entendido como um "recurso político" específico e desigualmente distribuído e, portanto, como um dos possíveis condicionantes da desigualdade política.

Schumpeter (1961) insistiu que a participação diferenciada na política é um traço definidor da democracia. Bastante influenciada por esse autor, a maioria dos teóricos contemporâneos da democracia incorporou essa afirmação às suas análises sem, contudo, problematizá-la. Vários outros analistas, porém – alguns deles inclusive ligados à tradição "realista" sistematizada por Schumpeter –, perceberam a necessidade de abordar a desigualdade política como um problema que poderia afetar o bom funcionamento desse regime. Dessa forma, a participação diferenciada deixa de ser vista como um dado e passa a ser explicada pelas dificuldades de organização enfrentadas por determinados grupos (SCHATTSNEIDER, 1960; OLSON, 1999), pelo acesso diferenciado à informação e ao governo (DOWNS, 1999) ou pela exclusão de certos atores ou assuntos das arenas de ação e debate públicos (BACHRACH, 1967).

Recentemente, essa questão tem sido debatida no âmbito dos estudos sobre cultura política. Mas, ao que parece, o tom do debate é mais o de crítica do que o de proposição. Assim, embora os críticos de esquerda (WIATR, 1980; PATEMAN, 1989) tenham chamado a atenção para o fato de que a teoria da cultura política não leva em consideração a desigualdade – especialmente aquela fundada em diferenças de classe13 13 Pateman observa que, no estudo de Almond e Verba, a adesão a valores democráticos era mais saliente nos grupos de maior escolaridade (e status ocupacional), especialmente aqueles que demonstraram alto grau de competência política subjetiva (PATEMAN, 1989, p. 71). Ou seja, o sentimento de competência dos cidadãos depende de "quem eles são" ( idem, p. 76). A crítica de Pateman a Almond e Verba é que eles não consideram, em suas conclusões, essas diferenças de distribuição, em uma mesma sociedade, do sentimento de competência política, indicando a ausência da classe operária da vida política. – como fator explicativo, esses autores não formulam uma teoria alternativa a partir da incorporação desse aspecto14 14 Ao menos nas obras citadas. .

No debate atual sobre "engajamento cívico", autores como Skopol (SKOCPOL & FIORINA, p. 1999) e o próprio Verba (SCHLOZMAN, VERBA & Brady, 1999) reservam lugar de destaque para a análise da desigualdade. Esses autores entendem que a distribuição desigual de recursos cívicos entre os grupos e indivíduos de uma determinada sociedade constitui-se em uma questão central para compreender fenômenos relacionados à participação política.

Ao enumerar os motivos pelos quais a participação em atividades voluntárias deve ser considerada como um elemento relevante na vida social, Schlozman, Verba e Brady (1999) incluem um novo argumento em defesa do engajamento cívico. Além dos argumentos clássicos, centrados no desenvolvimento das habilidades individuais e na criação de uma comunidade orientada por valores democráticos, os autores avaliam que, se bem distribuída, a participação em atividades voluntárias possibilita a proteção igual de interesses na vida pública. Como essa participação não é, de fato, bem distribuída, a questão da desigualdade política assume a forma de um problema teórico e prático. Quando nós afastamo-nos de uma concepção de "interesses congruentes de uma comunidade" para uma "de interesses de indivíduos ou grupos em conflito" e, portanto, para uma preocupação com a proteção igual dos interesses, as questões associadas à representação assumem posição de destaque. O que importa não é somente a quantidade de atividade cívica, mas também a sua distribuição, não apenas quantas pessoas participam, mas também quem são elas" (idem, p. 429).

Seguindo essa mesma direção, o nosso objetivo aqui é apresentar um estudo preliminar capaz de avaliar o rendimento analítico de categorias associadas, direta ou indiretamente, à teoria da cultura política quando aplicadas à investigação dos conflitos políticos a partir da ótica da desigualdade15 15 Pretendemos retomar essa questão em um estudo posterior, inteiramente dedicado à elaboração de um modelo de análise voltado para a compreensão dos mecanismos de influência política no processo decisório dos conselhos. . A nossa proposta, portanto, é a de "exportar" categorias do campo da cultura política e do engajamento cívico para um universo distinto, isto é, o campo da desigualdade política e das relações de poder engendradas por ela, tal como abordada pela teoria contemporânea da democracia.

Os dados apresentados no item anterior revelam que o grupo analisado por nós constitui-se em uma elite portadora de uma cultura política bem acima da média da população brasileira. Trata-se agora de saber como esse recurso é distribuído entre os conselheiros. A questão a responder nesta seção é a seguinte: como se dá a distribuição da cultura política entre os diversos segmentos (usuários, trabalhadores, prestadores de serviço e gestores) que compõem os conselhos aqui analisados16 16 É preciso ter em mente que a análise desenvolvida no presente artigo tem um caráter genérico, ou seja, não pretende desenvolver argumentos levando em consideração as particularidades de cada conselho. Nesta seção, a despeito das singularidades existentes em cada conselho no que se refere ao perfil dos segmentos e à distribuição de recursos entre os segmentos, tais instituições foram analisadas de maneira agregada. ?

Como se percebe, entendemos os segmentos como grupos dotados de recursos políticos (nesse caso específico, a cultura política) desiguais e, portanto, de capacidades também desiguais para atuar dentro do Conselho17 17 Uma primeira análise a respeito da distribuição de diversos recursos políticos entre os conselheiros encontra-se em Fuks (2002). . Nesse sentido, uma boa compreensão do funcionamento dessas instâncias participativas exige conhecer as especificidades desses grupos e os impactos dessas especificidades sobre a capacidade de participação de cada um deles. Em suma, o nosso objetivo é iniciar um trabalho de elaboração de indicadores que, posteriormente, possibilitem avaliar se e em que medida a distribuição desigual do recurso "cultura política" afeta a possibilidade de participação política dos indivíduos que compõem os diversos segmentos dos conselhos aqui analisados e contribuir para entender a relação de poder que se estabelece entre eles. Desse modo, as variáveis abordadas no item anterior de maneira agregada (interesse por política, ativismo eleitoral, associativismo, filiação partidária, competência política subjetiva em geral e dentro do Conselho) serão agora analisadas tendo em vista os diferentes segmentos acima citados.

Comparando como se distribui o "interesse por política" entre os diversos segmentos (Tabela 6) podemos perceber que o segmento dos trabalhadores é o que tem maior interesse por política (84,6%), seguidos dos prestadores de serviço (78,9%), ocupando os gestores o terceiro lugar (66,7%) e, por último, os usuários, com 63,2%. Entre os trabalhadores, apenas 7,7% dos seus membros disseram ter pouco interesse por política; entre os prestadores de serviço, 15,8% optaram pela mesma resposta; 31,6% entre os usuários e 33,3% entre os gestores. Esses dados confirmam que os trabalhadores, seguidos pelos prestadores de serviço, constituem-se no segmento que mais interesse tem por política.

Como sabemos, o interesse por política não se traduz mecanicamente em ativismo político. Vejamos, então, se a distribuição do ativismo político (entendido aqui como a conjugação de engajamento eleitoral, associativismo e filiação partidária) segue a distribuição vista acima. No que se refere ao engajamento eleitoral (variável composta pela soma de outras três: comparecimento a comício, trabalho gratuito para candidato ou partido e colocação de cartazes em casa e outros lugares), podemos perceber que os dados destoam amplamente daqueles referentes ao "interesse por política".

Em primeiro lugar, salta aos olhos uma regularidade quanto ao segmento dos usuários. Os usuários, que demonstram ser o segmento cujos membros optam em menor proporção pela alternativa "muito interesse por política"18 18 Embora tal proporção, em si, não seja baixa. Como vimos, 63,2% dos usuários dizem ter muito interesse por política. , revelam-se, no caso do ativismo eleitoral, os mais engajados, como demonstra a Tabela 7.

Outra regularidade que desafia a relação entre interesse por política e ativismo eleitoral pode ser encontrada no caso dos prestadores de serviço. Esse segmento, como vimos, é composto por um número significativo de indivíduos que afirmam ter um alto interesse por política. No entanto, esse mesmo segmento contém, reiteradamente, o menor número de indivíduos que dizem ter-se engajado no processo eleitoral.

Como explicar essa inversão de posição entre os usuários e os prestadores quando se passa do interesse por política para o ativismo eleitoral? Qualquer que seja essa explicação, ela deve considerar que, em relação a esses dois segmentos, não há associação entre o "engajamento intelectual" – expresso na atenção dada aos assuntos políticos – e o "engajamento emocional"19 19 "A atenção às mensagens políticas está associada ao engajamento intelectual ou cognitivo em relação aos assuntos públicos, em oposição ao engajamento emocional ou afetivo" (ZALLER, 1992, p. 21). Esse tipo de questão remete-nos a um debate mais amplo a respeito da relação entre os componentes da cultura política (entendidos como orientações subjetivas) e o comportamento político a ser explicado. , traduzido no envolvimento efetivo com mundo da política.

O caso dos prestadores ilustra bem essa autonomia do interesse em relação ao envolvimento com a política. Sendo o segundo segmento com maior nível de escolaridade e, de longe, o que mais se informa sobre política em jornais ou revistas (94,7%), os prestadores apresentam o perfil típico dos cidadãos intelectualmente atentos em relação aos assuntos da política20 20 Essas condições cognitivas, exclusivas de uma elite educada e interessada em política, não apenas se referem ao volume de informação, mas também à capacidade de localizar, organizar, entender e julgar um amplo leque de informações a partir dos quadros de referência ideológicos abstratos que organizam o debate político (CONVERSE, 1964, p. 214). Portanto, ainda que essa atenção intelectual não se converta, automaticamente, em ativismo político, podemos supor que os prestadores apresentam condições "cognitivas" favoráveis para atuar politicamente, desde que haja motivação para tanto. (Tabela 8).

Por outro lado, grande parte dos prestadores é oriunda de entidades filantrópicas que buscam nos conselhos recursos públicos destinados a ações assistenciais e, nesse sentido, estão muito mais voltadas para os seus interesses, por assim dizer, corporativos, do que para as questões mais amplas da luta política.

Já os usuários manifestam intenso envolvimento emocional pela política enquanto atividade, sem que esse engajamento venha acompanhado de um igual interesse por política. Como podemos observar na tabela acima (Tabela 8), esse baixo interesse por política é confirmado pela freqüência21 21 Obviamente, tanto esse interesse como a freqüência da leitura de jornal são considerados, aqui, como "baixos" apenas em relação aos demais segmentos dos conselhos. em que esse segmento dedica-se à leitura de notícias políticas no jornal.

Nesse caso, podemos sugerir que os usuários expressam um certo desinteresse por política no sentido específico de não reservarem espaço significativo de seu tempo para o consumo de mensagens políticas. Essa pouca procura por informação política pode estar associada ao fato de que os conselheiros que representam os usuários possuem, em comparação com os demais segmentos, menor renda e escolaridade e, possivelmente, em associação com esses dois fatores, menor tempo disponível. Entretanto, conforme os nosso dados indicam, isso não impede que esse segmento envolva-se, com bastante intensidade, em atividades políticas.

O segmento dos gestores também apresenta razoáveis surpresas quando comparamos o interesse por política com o engajamento eleitoral. Vimos que no interior desse mesmo segmento a proporção dos que respondem ter muito interesse por política é das menores. No entanto, quando se leva em conta o engajamento eleitoral dos gestores, os dados revelam uma inserção significativa dos seus membros no processo político-eleitoral (Tabela 7). Isso talvez explique-se pela própria natureza desse segmento. Formado, em geral, por funcionários de órgãos públicos que mantêm uma relação de confiança com o Executivo local, a participação ativa nos momentos de eleição é quase uma obrigação. Além disso, alguns gestores são também filiados a partidos, o que certamente favorece altos índices de engajamento eleitoral.

Os trabalhadores, por sua vez, apesar de ficarem atrás dos usuários, também revelam um alto grau de engajamento eleitoral. Em nenhuma das três atividades eleitorais aqui analisadas as cifras ficaram abaixo de 60%. A filiação sindical predominante nesse setor e o ativismo político que, normalmente, está associado a essas entidades explicam, em parte, esse fato.

Mais importante do que apontar a congruência ou discrepância entre o interesse por política e o engajamento eleitoral dos diferentes segmentos é salientar que, vistos como recursos, tanto o interesse por política como o ativismo eleitoral têm a potencialidade de se converter em condições favoráveis para a ação política nos conselhos. Ou seja, se, por um lado, não há uma relação direta e necessária entre interesse por política e envolvimento com atividades eleitorais, por outro, supomos haver uma relação entre ambos e a influência política dos segmentos que atuam nos conselhos. Embora não sejam tão visíveis nem tão palpáveis como os recursos coletivos tradicionais da ação política (recursos financeiros e organizacionais), esses dois tipos de recursos individuais (os recursos cognitivos e os recursos de ativismo) potencializam a ação política dos segmentos que os possuem (FUKS, 2002).

Outro importante atributo que compõe o ativismo político é o associativismo. Todos os segmentos têm níveis altíssimos desse recurso. Entre os usuários e trabalhadores a totalidade dos seus membros está ligada a uma ou mais associações. Entre os prestadores e os gestores esse índice diminui, mas permanece alto: 89,5% e 79,2%, respectivamente22 22 Deve-se levar em consideração que o pertencimento a uma associação é requisito legal para a representação de usuários e trabalhadores. Dessa forma, os altos índices de associativismo entre prestadores e gestores podem ser vistos como ainda mais significativos, pois para esses segmentos não há qualquer exigência legal nesse sentido. .

Os usuários estão vinculados sobretudo a associações de bairros (63,2%), movimentos religiosos (57,9%) e organizações não-governamentais (ONGs) (42,1%); os trabalhadores, como era de se esperar, estão em peso nos sindicatos (84,6%) e nas associações profissionais (61,5%); entre os prestadores de serviço predomina a filiação às ONGs (63,2%), outros conselhos (52,6%) e associações profissionais e movimentos religiosos (ambos com 42,1%); por fim, os gestores estão presentes sobretudo em associações profissionais e outros conselhos gestores (ambas com 50%).

A relação entre estar vinculado a alguma associação e ter muito interesse por política parece ser bem forte, como demonstra a Tabela 9. É verdade que entre os que não têm qualquer vínculo associativo a resposta "muito interesse por política" (57,1%) prevalece sobre a resposta "pouco interesse por política" (42,9%). No entanto, entre aqueles que disseram pertencer a uma ou mais associações, a diferença é mais significativa, sendo que, nesses casos, a opção pela resposta "muito interesse por política" jamais foi menor do que 65%. Portanto, quando um indivíduo está ligado a uma ou mais associações, ele tende a ter mais interesse por política do que menos.

Significa isso dizer que aqueles segmentos com maior índice de associativismo são, necessariamente, os mais engajados? Certamente, a relação não é tão simples, sendo preciso levar em conta o tipo de associação a que pertencem, majoritariamente, os membros dos diversos segmentos. No que se refere ao comparecimento a comícios, parece ser mais importante pertencer a associações de bairros (tipo de associativismo que predomina entre os usuários) do que estar vinculado a outro tipo de entidade. Entre os filiados a associações de bairro, 87% disseram ter comparecido a comícios, seguidos pelos membros de movimentos religiosos (70,4%).

Em relação ao engajamento voluntário a favor de uma candidatura ou partido, mais uma vez a associação de bairro parece ser um tipo de associativismo estratégico. Entre os que se reconheceram como membros desse tipo de entidade, 91,3% disseram envolver-se nesse tipo de atividade, seguidos de longe pelos filiados a ONGs (61,3%).

Mais uma vez, entre os que dizem pertencer a uma associação de bairro, encontramos a maior percentagem dos que se dispuseram a colar cartazes – 73,9%. Entre os filiados às outras entidades, o número daqueles que se dispuseram a exercer esse tipo de atividade gira em torno de 55%, atingindo 62,5% apenas entre os vinculados a alguma associação profissional. Podemos perceber, assim, que, no que diz respeito ao engajamento eleitoral, diferentes associações parecem produzir efeitos distintos sobre os membros dos diversos segmentos.

Isso reforça a tese de que qualquer análise do vínculo entre associativismo e atuação política exige levar em consideração o tipo de associação a que estão vinculados os diversos segmentos da sociedade (certamente, partidos políticos não podem ser igualados a corais de música). Não sabemos, no entanto, qual é o impacto dessas diferenças entre as associações na ação política dentro dos conselhos. Para o propósito deste artigo, esses dados servem mais como uma orientação metodológica, indicando que não devemos considerar o associativismo como uma atividade política homogênea quando se trata de avaliar o seu peso como recurso político.

A última variável do "ativismo político" refere-se à filiação partidária. Os membros dos diversos segmentos filiam-se a partidos políticos? Quais? Aqui a proeminência do segmento usuário é enorme (Tabela 10). Entre os membros desse segmento, 77,8% estão filiados a partidos políticos, contra 30,8% dos trabalhadores, 26,4% dos prestadores e 33,3% dos gestores.

É plausível supor que o acesso a estruturas partidárias constitui-se em um dos mais importantes recursos para o aumento da cultura cívica dos cidadãos. Acreditamos, portanto, que, assim como os demais recursos de ativismo (engajamento eleitoral e associativismo), a filiação partidária constitui-se em uma variável-chave para explicar a capacidade diferenciada de atuação política dos segmentos.

É importante perguntarmos, por fim, se esses elementos analisados anteriormente (interesse por política, ativismo eleitoral, associativismo e filiação partidária) têm alguma relação com a "competência política subjetiva", ou, por outra, se o fato de os diferentes segmentos terem acesso diferenciado aos recursos analisados tem alguma relação com a percepção que seus membros têm de sua capacidade de influenciar a política, tanto em geral como dentro do conselho em que atuam.

No que se refere à política em geral, todos os segmentos têm um alto grau de competência política subjetiva, como os dados apresentados abaixo demonstram (Tabela 11). Isso está de acordo com o alto interesse por política e o intenso associativismo que podemos encontrar entre os conselheiros.

A situação repete-se no que diz respeito à competência política subjetiva referente à atuação dentro do Conselho, como demonstra a Tabela 12. Como se percebe, a sensação de que se tem um poder grande ou médio de influenciar as decisões no Conselho predomina em todos os segmentos. Chama a atenção, no entanto, o fato de que entre os prestadores de serviço, 63,2% responderam ter um grande poder e apenas 21,1% um poder médio. Nos outros segmentos, ao contrário, prevalece, de modo bastante acentuado, a opção "médio" sobre a opção "grande".

O que podemos concluir, então, a partir dos dados e considerações apresentados acima? Constatamos que algumas desigualdades existem, mas elas não têm qualidade "cumulativa", isto é, nenhum segmento possui uma maior quantidade de todos os recursos. Em princípio, dois segmentos contam com condições favoráveis para atuar nos conselhos no que se refere à posse de recursos de cultura política: os prestadores de serviço e os usuários. Além de dispor de um interesse maior pela política, que assume a forma de recurso cognitivo (aquisição de informação mediante leitura cotidiana de notícias políticas), os prestadores revelaram possuir em maior grau um recurso de cultura política por excelência: a competência política subjetiva. Já os usuários sobressaem-se nas atividades voluntárias que constituem os recursos de ativismo (especificamente, o ativismo eleitoral e a filiação partidária). No entanto, considerando o conjunto dos dados, são esses dois segmento que apresentam o desempenho menos uniforme em relação às dimensões da cultura política analisadas nessa seção. Sendo assim, os trabalhadores e os gestores possuem os recursos de cultura política de forma mais equilibrada. Em que medida essas desigualdades, de fato, são convertidas em influência política nos conselhos é uma questão que só pode ser avaliada a partir do estudo do processo decisório nessas arenas23 23 Esse estudo está em andamento e tem como fonte as atas dos conselhos investigados. Entendemos, no entanto, que a posse dos recursos associados ao engajamento cívico é apenas um dos elementos a serem considerados na explicação da existência de desigualdade política nos conselhos. Outros tipos de recursos individuais (renda, escolaridade) e coletivos (orçamento e recursos humanos das entidades) devem ser levados em conta. Além dos recursos, serão analisados os constrangimentos institucionais, especialmente no que diz respeito ao peso das posições e instâncias estratégicas, assim como o grau de coesão dos segmentos e as alianças e conflitos entre eles. Obviamente, a investigação empírica a respeito da influência política dos segmentos que compõem cada um dos conselhos em questão exigirá o abandono do tom genérico a partir do qual o presente artigo considera essas instituições. Isso significa que, ao tomar como objeto de estudo cada um dos conselhos, as particularidades de seu contexto, de sua estrutura e, especialmente, do perfil dos segmentos que o compõem estarão presentes. .

IV. A INFLUÊNCIA DA INSTITUIÇÃO NA CULTURA POLÍTICA E SUAS MEDIAÇÕES

Vimos, em um primeiro momento, que o grupo de conselheiros aqui analisado é composto por indivíduos com um perfil de elite no que se refere não apenas às características convencionais (sociais e econômicas), mas, principalmente, à cultura política e ao engajamento cívico. Em seguida analisamos a "cultura política" como um recurso político em si e procuramos discutir a idéia de que uma eventual distribuição desigual desse recurso poderia afetar a participação política dos diversos segmentos e, desse modo, constituir-se em um dos condicionantes da desigualdade política. Esta terceira seção tem dois objetivos intimamente relacionados: primeiro, saber se a participação desses indivíduos nas instituições em questão – os conselhos gestores de políticas públicas – afetou o seu interesse por política; segundo, saber se o impacto sobre a cultura política dos conselheiros é mediado pelas especificidades dos segmentos que compõem essas instituições. Por meio desse segundo objetivo retomamos o tema da desigualdade discutido na seção anterior, embora façamos isso de uma perspectiva distinta, isto é, não mais preocupados com a distribuição desigual de recursos, mas sim com o impacto diferenciado da instituição sobre a cultura política dos conselheiros. Entretanto, antes de apresentarmos os dados relativos a esse problema, convém justificar a importância da questão.

A literatura sobre cultura política, especialmente a partir do debate suscitado pelo livro The Civic Culture (ALMOND & VERBA, 1989a), sempre colocou como um dos seus temas centrais a relação de causalidade existente entre as dimensões cultural e institucional da vida política (BARRY, 1978; INGLEHART, 1988; ALMOND, 1989; LIPHART, 1989; PATEMAN, 1989; STREET, 1993). De um lado, em uma perspectiva "culturalista", sugere-se que a orientação subjetiva dos cidadãos (tolerância, confiança, igualdade, competência política) constitui-se em variável fundamental para entender o (bom ou mal) funcionamento das instituições políticas democráticas. De outro lado, em uma vertente "institucionalista", acredita-se que a estrutura política (desenho institucional, desempenho governamental, regras e normas legais) é a responsável por produzir nos cidadãos determinadas disposições subjetivas (e. g.: apoio ou desconfiança em relação ao regime democrático). Como toda oposição direta, essa também é demasiadamente simplista e mesmo os autores usualmente vinculados às duas correntes dificilmente poderiam ser acusados de defender relações de causalidade tão diretas.

Esse debate, na verdade, obscurece a inovação da teoria da cultura política, que reside na afirmação de que as experiências vivenciadas pelos indivíduos em instituições não-governamentais são fundamentais para a definição de suas atitudes em relação ao sistema político. Portanto, a teoria da cultura política, em sua origem, não desconhece nem, muito menos, desvaloriza o papel das instituições no processo de formulação dos valores e crenças dos cidadãos a respeito do mundo da política. Não há dúvida, porém, de que essa perspectiva teórica valoriza como fator explicativo exatamente aquelas instituições que se encontram fora da experiência estritamente política.

Não por acaso, a socialização política, entendida como "processo pelo qual culturas políticas são mantidas ou transformadas" (ALMOND & POWELL JR., 1972, p. 46), é uma categoria-chave nessa teoria. "O livro The Civic Culture focalizou aquelas atitudes políticas que dariam apoio ao sistema político democrático. O pressuposto era de que um número de forças conduzia ao desenvolvimento de tais atitudes: educação; democratização dos sistemas de autoridades não-governamentais na família, na escola e no trabalho; confiança geral nos demais cidadãos" (ALMOND & VERBA, 1989b, p. 399).

Ao ampliar o espaço em que ocorre a socialização política, de modo a incluir experiências coletivas relevantes, tais como guerras, crises econômicas, movimentos de massa, greves e negociações, e partidos políticos (ALMOND & POWELL JR., 1972, p. 46, 49), as reformulações recentes da teoria da cultura política estreitaram ainda mais o vínculo entre formação de disposições subjetivas e instituições, tornando bem mais complexa a relação de causalidade entre ambas. Esse é também o entendimento de Liphart a respeito de como Almond e Verba percebem a relação entre cultura política e estrutura política. Segundo aquele autor, trata-se de uma relação bidirecional em que a socialização adulta inclui também "a experiência com o sistema político" (LIPHART, 1989, p. 49).

Entre os autores que se dedicam a investigar a relação entre o ambiente institucional e a cultura política, tanto do ponto de vista teórico como empírico, Carole Pateman (1992) merece um lugar de destaque. Pateman parte de uma tradição que pensa a democracia como experiência participativa24 24 Inspirada em Rousseau e Stuart Mill. a ser alcançada por meio de uma "educação pública" fundada na "participação em muitas esferas da sociedade na atividade política" (idem, p. 33-34), provocando assim um "efeito psicológico sobre os que participam" (idem, p. 35).

Embora tendo como referência (empírica e normativa) um modelo de democracia que se opõe àquele adotado pelos autores de The Civic Culture25 25 Não por acaso, o primeiro capítulo do livro é dedicado à crítica do modelo de democracia proposto por Schumpeter. Pateman argumenta que a passividade política dos cidadãos deve-se à inexistência de fatores institucionais favoráveis a uma atitude mais ativa. Portanto, a apatia não é um estado natural, mas um problema: a conseqüência das estruturas institucionais existentes. , Pateman incorpora a compreensão da relação entre a socialização em instituições societais e a estrutura política de uma determinada sociedade proposta por Almond e Verba. De acordo com essa compreensão, o padrão de relação dominante nas instituições "não-políticas" gera conseqüências decisivas no funcionamento do sistema político: "[...] Se fora da esfera política ele dispõe de oportunidade de participar de um amplo leque de decisões sociais, provavelmente esperará ser capaz de participar do mesmo modo das decisões políticas. Além disso, a participação na tomada de decisões não-políticas pode dar-lhe a destreza necessária para engajar-se na participação política" (idem, p. 68).

Como se pode notar, essa literatura pensa a influência das instituições como atuando de modo homogêneo sobre a cultura política de indivíduos e grupos com características distintas entre si. Assim como no caso da "distribuição" da cultura política, o debate em torno da relação entre instituições e cultura política não concede o devido destaque ao caráter heterogêneo da sociedade. Do nosso ponto de vista, como dissemos antes, esse tema deve também ser analisado à luz do problema da desigualdade. Nesse caso, porém, não se trata de entendê-la em termos de acesso desigual a recursos, como fizemos na seção anterior, mas sim como descrevendo os efeitos diferenciados que a instituição pode gerar sobre a cultura política de seus membros tendo em vista as especificidades dos grupos a que eles pertencem. Nesse sentido, o objetivo desta seção consiste em saber, em um primeiro momento, se tais instituições geram algum impacto sobre a cultura política dos seus membros, notadamente sobre o seu interesse por política, e, em seguida, ver como esse impacto é mediado pela natureza dos segmentos e das associações que compõem os conselhos analisados neste trabalho.

No que diz respeito ao impacto da instituição sobre o interesse por política dos conselheiros, os dados agregados mostram-nos que 44% dos entrevistados disseram que o seu interesse por política aumentou em função da participação no conselho em que atuava26 26 Estamos cientes dos limites desses dados. Eles referem-se não apenas à percepção dos atores, mas à sua memória. Os entrevistados foram, nessa pergunta, solicitados a lembrar se houve aumento de seu interesse por política a partir da experiência de participação no Conselho, cujo início ocorreu, ao menos, dois anos antes da entrevista. Sabemos também que boa parte dos conselheiros participa, há bastante tempo, de diversas associações e que, portanto, teriam uma certa dificuldade de identificar o peso de cada uma dessas experiências no seu interesse por política. . Trata-se de cifra que nos permite ao menos sugerir, a partir da avaliação dos próprios entrevistados, a existência de um impacto dos conselhos sobre o interesse por política dos agentes que participam dessas instituições.

É interessante, porém, sair um pouco dessa dimensão agregada e analisarmos os dados relativos a essa questão – aumento do interesse por política após participação nos conselhos – junto com outras duas dimensões importantes para o tema: em primeiro lugar, os diversos segmentos que compõem os conselhos e, em seguida, o associativismo dos agentes. Veremos que a especificidade dos segmentos e o tipo de associativismo são elementos que interferem na intensidade do impacto que a instituição produz sobre a cultura política dos conselheiros.

O estudo da relação entre experiência institucional e interesse por política nos conselhos gestores deve começar por uma referência aos segmentos que compõem essas instituições (usuários, trabalhadores, prestadores de serviço e gestores) por duas razões. Primeiramente, porque os conselhos são órgãos colegiados e todos os procedimentos decisórios e eleitorais que lhes dizem respeito levam em consideração a existência dos segmentos. Em segundo lugar, a especificidade de cada segmento (seus recursos técnicos, materiais e políticos, o setor social que representam) constitui-se, a nosso ver, no mais importante fator explicativo (embora não o único) para entender-se a dimensão do impacto que a experiência conselhista pode gerar sobre seus membros.

Assim, levando em consideração cada segmento, a afirmação de que a participação no Conselho aumentou o interesse por política foi distribuída conforme os dados apresentados na Tabela 13.

Uma forma de avançar na análise da relação entre participação nos conselhos e interesse por política nos diversos segmentos é olhar para a variável “número de gestões” (Tabela 14), que nos permite perceber o seguinte: entre os conselheiros que viviam a sua primeira experiência nos conselhos, as alternativas "permaneceu igual" e "aumentou" obtiveram, cada uma, 50% das respostas; entre aqueles que participavam de uma segunda gestão os números foram, respectivamente, 43,5% e 56,%. A partir daí, isto é, entre os que participaram de três, quatro e cinco gestões, a relação inverte-se, passando a predominar a resposta "permaneceu igual". Em função desses dados, é plausível afirmar que o impacto da experiência conselhista sobre o interesse por política dos conselheiros é menor à medida que atinge e supera três gestões.

Em tal sentido, é interessante observar que o segmento dos gestores tem 83,4% dos seus membros exercendo de três a cinco gestões e apenas 12,5% entre uma e duas gestões (Tabela 15). Esses dados podem ajudar a explicar porque apenas 33,3% dos membros desse segmento afirmaram ter o seu interesse por política aumentado após participarem do Conselho. Exatamente o oposto ocorre com os usuários. Nesse segmento, 73,7% dos seus membros estão no exercício das primeira e segunda gestões, enquanto apenas 26,3% dividem-se entre as terceira, quarta e quinta gestões. Esses dados também podem ajudar-nos a entender porque entre os usuários predomina a avaliação de que o interesse por política tenha aumentado após participarem do Conselho (52,6%).

Podemos explicar a situação dos gestores recorrendo à idéia de que o interesse por política desse segmento sofre de uma certa "inelasticidade". Nesse caso específico, devemos levar em consideração dois aspectos importantes: de um lado, trata-se de um grupo de conselheiros que, muito provavelmente, não tem nos conselhos o seu locus preferencial de atividade política. Enquanto representantes governamentais, os gestores estão o tempo todo, por dever de ofício, obrigados a lidar com o dia-a-dia dos governos e com aspectos diversos da luta política e partidária e, como indicam os dados sobre as gestões, os membros desse segmento estão, há bastante tempo, engajados na atividade política28 28 Os dados sobre o número de gestões não nos informam a respeito do tempo de atividade política fora dos conselhos. Entretanto, fornecem-nos a evidência de que, no que se refere a essas instituições, os gestores são, de longe, os mais experientes. . Essas duas características – locus preferencial de atividade política e tempo de atividade – fazem dos gestores indivíduos, por assim dizer, "saturados" de política e sobre os quais uma nova experiência conselhista dificilmente produziria algum impacto.

Os dados sobre os prestadores a esse respeito são menos contundentes, mas apontam para a mesma direção. No interior desse segmento, 47,4% estão concentrados na segunda gestão (não há nenhum membro na primeira gestão) e 47,4% distribuídos entre as terceira, quarta e quinta gestões. Ao mesmo tempo, quando perguntados se o interesse por política havia aumentado após participarem do conselho, as respostas dos prestadores dividiram-se também de maneira razoavelmente próxima entre "permaneceu igual" (52,6%) e "aumentou" (42,1%).

O segmento dos trabalhadores, entretanto, parece não se encaixar plenamente nessa linha de argumentação. No interior desse segmento, 38,5% dos representantes dos trabalhadores estão distribuídos entre a primeira e segunda gestões e 61,6% entre três e cinco gestões. Contudo, quando perguntados se o interesse por política havia aumentado após participarem do conselho, as respostas dos trabalhadores dividiram-se entre "permaneceu igual", com 46,2%, e "aumentou", com 53,8%. Dado o predomínio de trabalhadores que participaram dos conselhos por mais de três gestões, era de se esperar, na linha de raciocínio anunciada acima, que o interesse por política tendesse à estagnação.

De toda forma, os dados sobre gestores, usuários e prestadores sugerem que a participação no conselho tende a ter impacto positivo sobre o interesse por política até um determinado patamar, a partir do qual essa experiência parece ser cada vez menos eficaz no que se refere à sua capacidade de fomentar o "interesse por política". Portanto, os dados acima apontam para algum tipo de relação entre tempo de permanência nos conselhos e a capacidade de essa experiência alterar o interesse por política dos entrevistados.

Além do tempo em que os conselheiros atuavam nos conselhos, consideramos também a relação entre o fato de um indivíduo pertencer a alguma associação (em uma escala de zero a seis associações) e a sua avaliação sobre o aumento ou não do seu interesse por política após a experiência no conselho em que atuava29 29 Convém observar que, neste momento, estamos referindo-nos apenas aos vínculos associativos que os conselheiros mantinham fora dos conselhos em que atuavam no momento da entrevista. Essa observação é importante porque a nossa pesquisa entende que o próprio conselho constitui-se em uma experiência associativa. Nesse sentido, por definição, todo conselheiro tem ao menos um vínculo associativo. . De acordo com a Tabela 16, dos indivíduos que não tinham nenhum vínculo associativo, 85,7% avaliaram que o seu interesse por política permaneceu igual e apenas 14,3% disseram que seu interesse aumentou. A situação muda significativamente quando entramos no universo dos conselheiros que têm vida associativa. Nesse caso, somente entre os que declararam pertencer a três associações a opção pela resposta "aumentou" é menor do que a opção por "permaneceu igual".

Desse modo, pelos dados apresentados, parece haver uma relação positiva entre, de um lado, ter vida associativa e, de outro, avaliar que a participação nos conselhos teve como efeito aumentar o interesse desses agentes por política. Assim, em princípio, a avaliação de que o interesse por política aumentou seria decorrência não apenas da experiência no Conselho, mas também da existência de algum vínculo associativo externo à instituição.

Deve-se levar em consideração que os conselheiros que não têm qualquer vínculo associativo (um total de 7) estão distribuídos entre os segmentos dos prestadores (2) e, majoritariamente, dos gestores (5). Nesse caso, as características específicas dos segmentos em questão constituem um fator decisivo para o baixo impacto que a experiência conselhista gerou sobre esses atores. Mais uma vez, verifica-se que somente uma análise mais detida, considerando outras características específicas dos diferentes segmentos (inserção política, posse de recursos diversos, tipo de interesse no conselho etc.), permitir-nos-ia avaliar com mais exatidão o real impacto dessa experiência institucional sobre as disposições subjetivas dos conselheiros.

Quando se discute a relação entre associativismo e interesse por política após a experiência no Conselho é importante saber também se o tipo de associação a que o conselheiro está vinculado tem efeitos diferenciados sobre essa avaliação31 31 Apesar de alguns autores indicarem o contrário, entendemos que nem toda associação fomenta o interesse por política. . Os nossos dados sobre associativismo incluem as seguintes associações: ONGs, sindicatos, movimentos religiosos, associações de bairros, associações profissionais e outros conselhos.

Podemos perceber que aqueles que pertencem a ONGs, movimentos religiosos e associações de bairro têm, majoritariamente, uma avaliação positiva acerca do crescimento do seu interesse por política depois de participar dos conselhos (Tabela 17). Sendo assim, parece que para um número significativo dos conselheiros ligados a essas associações participar do conselho é percebido como um elemento importante no aumento do seu interesse por política.

Vale observar que o oposto ocorre com entidades como os sindicatos, as associações profissionais e os outros conselhos gestores. Em todas elas, entre os que afirmaram ter ligações com essas organizações, o número dos que disseram ter o seu interesse por política permanecido igual é maior do que o número dos que responderam ter aumentado (Tabela 17). Com relação ao que foi dito acima, parece-nos, mais uma vez, ser importante trazer para a análise as especificidades dos segmentos como fator explicativo principal. As associações em que encontramos a maior quantidade de indivíduos que disseram que o seu interesse por política aumentou após a participação no conselho (ONGs, movimentos religiosos e associações de bairro) são aquelas em que também encontramos maior presença de usuários33 33 Exceto nas ONGs, em que os usuários (25,8%) ocupam o segundo lugar, atrás dos prestadores (38,7%). e menor presença de gestores. Ao contrário, nas associações profissionais e em outros conselhos, os gestores têm presença mais significativa, ocupando a segunda posição (com 50%) em ambas.

Para além dessas sugestões de interpretação, e aproveitando para finalizar estas considerações, o que podemos apresentar a título de conclusão? Acreditamos que três pontos merecem ser enfatizados. Primeiro, os dados apresentados no início desta seção mostram que, segundo a percepção dos entrevistados, a experiência de participar dos conselhos gestores produziu impactos quanto ao interesse por política desses indivíduos. No entanto, e aqui avançamos o segundo ponto desta conclusão, este impacto afetou cada segmento de maneira diferenciada. Na nossa perspectiva, os fatores explicativos dessa diferença residem nas especificidades de cada segmento, vistas, nesta seção, em termos de associativismo e tempo de permanência no Conselho. Sendo assim, podemos concluir que, nesse caso, o impacto gerado pela instituição é mediado pelas características de cada um dos grupos vinculados a ela, sendo, portanto, vivenciado de maneira desigual por cada um deles.

V. CONCLUSÃO

O presente trabalho foi escrito tendo em vista duas preocupações teóricas. De um lado, abordamos o problema da relação de causalidade existente entre instituições e cultura política. Quanto a este ponto, seguimos uma linha de interpretação que reconhece a importância dos efeitos institucionais sobre a cultura política de seus membros e, ao mesmo tempo, o papel ativo que fatores externos às instituições analisadas exercem sobre a intensidade desses efeitos. De outro, percebemos que, em geral, a literatura consagrada sobre o tema aborda o problema da cultura política como um atributo de grandes comunidades. Desse ponto de vista, as questões tratadas por esses autores referem-se, predominantemente, ao problema da estabilidade, da consolidação e da competência institucional dos regimes políticos. Outros autores, entretanto, sugerem pensar a cultura política como um recurso desigualmente distribuído entre os grupos que compõem as comunidades analisadas e que, portanto, pode ser uma das bases da desigualdade política. Orientada por essas questões, a análise do nosso objeto – os conselhos gestores e políticas públicas – permite-nos apresentar duas conclusões.

Primeiramente, pudemos constatar que, segundo reconhecimento de parte significativa dos próprios conselheiros, a experiência nos conselhos produziu um impacto positivo sobre o seu interesse por política. Sendo assim, podemos dizer que a presença desses indivíduos em uma instituição de caráter participativo levou-os a interessarem-se mais por política. No entanto, constatamos também que o impacto dessa experiência foi sentido de maneira diferenciada pelos diversos segmentos analisados. Na medida em que esses grupos são portadores de características específicas (experiência associativa, inserção política, tempo de atuação no Conselho, posse de recursos diversos etc.), concluímos que tais especificidades modulam o efeito da instituição de acordo com o segmento que com ela relaciona-se. Esse parece um caso em que instituições e atributos específicos de grupos sócio-políticos diversos colaboram para produzir um efeito específico.

Em segundo lugar, observamos que o grupo analisado já é, em si, a expressão de uma certa desigualdade no interior da sociedade brasileira no que diz respeito à posse de recursos de cultura política e, portanto, de incentivos ao ativismo político. Procuramos, então, saber se no interior desse mesmo grupo havia também traços de desigualdade nesse sentido. Constatamos que, embora dispersas, as desigualdades existem.

A partir da análise apresentada neste artigo, esperamos ter persuadido o leitor quanto à importância de pensar a cultura política não apenas como um atributo das "sociedades", mas um recurso desigualmente distribuído e, por isso, uma das condições da desigualdade política.

Recebido em 27 de março de 2003

Aprovado em 17 de julho de 2003

Mario Fuks (mariofuks@uol.com.br) é Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Renato Monseff Perissinotto (monseff@uol.com.br) é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ednaldo Aparecido Ribeiro (ednaldo@crg.uem.br) é Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Professor de Ciência Política na Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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  • ZALLER, J. 1992. The Nature and Origins of Mass Opinion Cambrige : Cambrige University Press.
  • 1
    Este artigo apresenta parte do resultado da pesquisa "Democracia e Políticas Sociais", financiada pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e desenvolvida pelo Núcleo de pesquisa "Democracia e Instituições Políticas". A pesquisa contou com a consultoria na área de estatística e processamento de dados do Professor Malco Camargos.
  • 2
    Almond (1989) argumenta que o tamanho da amostra não permitiu desagregá-la no nível dos subgrupos relevantes, exceto em relação às variáveis "classe" e "instrução".
  • 3
    Descrições detalhadas sobre essa cultura política e de como ela foi permeando todas as nossas relações sociais desde o período Imperial podem ser encontradas em autores como Sérgio Buarque de Hollanda, Oliveira Vianna, Vítor Nunes Leal. Ainda que de caráter marcadamente ensaístico, esses estudos buscaram demonstrar como desenvolveu-se e manteve-se no Brasil uma relação tutelar entre o senhor provedor e o súdito submisso.
  • 4
    Certamente, há exceções. Em relação aos estudos brasileiros, ver, por exemplo, Lima e Cheibub (1996).
  • 5
    Entrevistamos a totalidade dos conselheiros do CMERT e do Comtiba. Dois conselheiros do CMS e um do CMASC não foram localizados. Exceto no caso do CMERT (gestão 2000-2001), todos os conselheiros entrevistados foram membros da gestão 1999-2001 dos conselhos estudados.
  • 6
    Além da representação governamental.
  • 7
    Na ausência de dados sobre associativismo em Curitiba, contamos com os dados referentes às capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador) selecionadas pelo IBGE ("Associativismo, Representação de Interesses e Intermediação Política") e tabulados por Santos Júnior (2001). Supomos que, no limite, a média de Curitiba não seja, significativamente, superior à média dessas capitais.
  • 8
    Esse contraste permanece mesmo quando consideramos a população da capital com maior desempenho. De acordo com os dados da pesquisa, em Porto Alegre, 38% da população tinha vínculo associativo e 6% era filiada a partidos políticos.
  • 9
    Esse termo designa a percepção dos atores acerca do seu próprio papel dentro do sistema político. Trata-se de uma auto-avaliação realizada pelos indivíduos sobre sua atuação diante dos fatos e objetos políticos, em especial sobre a sua capacidade de influenciar a tomada de decisões.
  • 10
    O que, mais uma vez, contraria levantamentos realizados com a população em geral. Moisés (1995) encontrou 57,8% dos entrevistados afirmando não influenciar a política, o que corrobora as afirmações acerca da chamada passividade do brasileiro que, de acordo com José Murilo de Carvalho, "[...] é a própria definição do não-cidadão, do súdito que sofre, conformado e alegre, as decisões do soberano [...]", algo que pode ser entendido como uma auto-avaliação negativa no campo da ação política (CARVALHO, 1997, p. 36).
  • 11
    A relação entre renda e escolaridade, de um lado, e participação e engajamento político, de outro, não é exclusiva da experiência dos conselhos. Ela tem sido observada como um fenômeno comum nas democracias (SCHLOZMAN, VERBA & BRADY, 1999, p. 431; SANTOS JR., 2001 p. 156-162).
  • 12
    Isso não significa que a teoria tenha desconsiderado o caráter heterogêneo de cada sociedade. O debate em torno de diferenças associadas a fatores como religião, etnia e gênero revela essa preocupação. Não por acaso, o conceito de "subcultura política" é parte integrante da teoria da cultura política. Rennó (1998, p. 82-85), em sua revisão da literatura sobre cultura política, analisa alguns estudos específicos sobre subculturas políticas.
  • 13
    Pateman observa que, no estudo de Almond e Verba, a adesão a valores democráticos era mais saliente nos grupos de maior escolaridade (e
    status ocupacional), especialmente aqueles que demonstraram alto grau de competência política subjetiva (PATEMAN, 1989, p. 71). Ou seja, o sentimento de competência dos cidadãos depende de "quem eles são" (
    idem, p. 76). A crítica de Pateman a Almond e Verba é que eles não consideram, em suas conclusões, essas diferenças de distribuição, em uma mesma sociedade, do sentimento de competência política, indicando a ausência da classe operária da vida política.
  • 14
    Ao menos nas obras citadas.
  • 15
    Pretendemos retomar essa questão em um estudo posterior, inteiramente dedicado à elaboração de um modelo de análise voltado para a compreensão dos mecanismos de influência política no processo decisório dos conselhos.
  • 16
    É preciso ter em mente que a análise desenvolvida no presente artigo tem um caráter genérico, ou seja, não pretende desenvolver argumentos levando em consideração as particularidades de cada conselho. Nesta seção, a despeito das singularidades existentes em cada conselho no que se refere ao perfil dos segmentos e à distribuição de recursos entre os segmentos, tais instituições foram analisadas de maneira agregada.
  • 17
    Uma primeira análise a respeito da distribuição de diversos recursos políticos entre os conselheiros encontra-se em Fuks (2002).
  • 18
    Embora tal proporção, em si, não seja baixa. Como vimos, 63,2% dos usuários dizem ter muito interesse por política.
  • 19
    "A atenção às mensagens políticas está associada ao engajamento intelectual ou cognitivo em relação aos assuntos públicos, em oposição ao engajamento emocional ou afetivo" (ZALLER, 1992, p. 21). Esse tipo de questão remete-nos a um debate mais amplo a respeito da relação entre os componentes da cultura política (entendidos como orientações subjetivas) e o comportamento político a ser explicado.
  • 20
    Essas condições cognitivas, exclusivas de uma elite educada e interessada em política, não apenas se referem ao volume de informação, mas também à capacidade de localizar, organizar, entender e julgar um amplo leque de informações a partir dos quadros de referência ideológicos abstratos que organizam o debate político (CONVERSE, 1964, p. 214). Portanto, ainda que essa atenção intelectual não se converta, automaticamente, em ativismo político, podemos supor que os prestadores apresentam condições "cognitivas" favoráveis para atuar politicamente, desde que haja motivação para tanto.
  • 21
    Obviamente, tanto esse interesse como a freqüência da leitura de jornal são considerados, aqui, como "baixos" apenas em relação aos demais segmentos dos conselhos.
  • 22
    Deve-se levar em consideração que o pertencimento a uma associação é requisito legal para a representação de usuários e trabalhadores. Dessa forma, os altos índices de associativismo entre prestadores e gestores podem ser vistos como ainda mais significativos, pois para esses segmentos não há qualquer exigência legal nesse sentido.
  • 23
    Esse estudo está em andamento e tem como fonte as atas dos conselhos investigados. Entendemos, no entanto, que a posse dos recursos associados ao engajamento cívico é apenas um dos elementos a serem considerados na explicação da existência de desigualdade política nos conselhos. Outros tipos de recursos individuais (renda, escolaridade) e coletivos (orçamento e recursos humanos das entidades) devem ser levados em conta. Além dos recursos, serão analisados os constrangimentos institucionais, especialmente no que diz respeito ao peso das posições e instâncias estratégicas, assim como o grau de coesão dos segmentos e as alianças e conflitos entre eles. Obviamente, a investigação empírica a respeito da influência política dos segmentos que compõem cada um dos conselhos em questão exigirá o abandono do tom genérico a partir do qual o presente artigo considera essas instituições. Isso significa que, ao tomar como objeto de estudo cada um dos conselhos, as particularidades de seu contexto, de sua estrutura e, especialmente, do perfil dos segmentos que o compõem estarão presentes.
  • 24
    Inspirada em Rousseau e Stuart Mill.
  • 25
    Não por acaso, o primeiro capítulo do livro é dedicado à crítica do modelo de democracia proposto por Schumpeter. Pateman argumenta que a passividade política dos cidadãos deve-se à inexistência de fatores institucionais favoráveis a uma atitude mais ativa. Portanto, a apatia não é um estado natural, mas um problema: a conseqüência das estruturas institucionais existentes.
  • 26
    Estamos cientes dos limites desses dados. Eles referem-se não apenas à percepção dos atores, mas à sua memória. Os entrevistados foram, nessa pergunta, solicitados a lembrar se houve aumento de seu interesse por política a partir da experiência de participação no Conselho, cujo início ocorreu, ao menos, dois anos antes da entrevista. Sabemos também que boa parte dos conselheiros participa, há bastante tempo, de diversas associações e que, portanto, teriam uma certa dificuldade de identificar o peso de cada uma dessas experiências no seu interesse por política.
  • 27
    Um dos entrevistados que participou de três gestões não respondeu a esta questão.
  • 28
    Os dados sobre o número de gestões não nos informam a respeito do tempo de atividade política fora dos conselhos. Entretanto, fornecem-nos a evidência de que, no que se refere a essas instituições, os gestores são, de longe, os mais experientes.
  • 29
    Convém observar que, neste momento, estamos referindo-nos apenas aos vínculos associativos que os conselheiros mantinham
    fora dos conselhos em que atuavam no momento da entrevista. Essa observação é importante
    porque a nossa pesquisa entende que o próprio conselho constitui-se em uma experiência associativa. Nesse sentido, por definição, todo conselheiro tem ao menos um vínculo associativo.
  • 30
    Um dos entrevistados, membro de duas associações, não respondeu a esta questão.
  • 31
    Apesar de alguns autores indicarem o contrário, entendemos que nem toda associação fomenta o interesse por política.
  • 32
    Um dos entrevistados, associado a ONG, e outro, membro de movimento religioso, não responderam a esta questão.
  • 33
    Exceto nas ONGs, em que os usuários (25,8%) ocupam o segundo lugar, atrás dos prestadores (38,7%).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Nov 2003

    Histórico

    • Aceito
      17 Jul 2003
    • Recebido
      27 Mar 2003
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