Open-access Habitação, saneamento e voto: como bens duráveis moldam o comportamento eleitoral

Housing, sanitation, and voting: how durable goods shape electoral behavior

RESUMO

Introdução:  Políticas de bens duráveis, como habitação e saneamento, são relevantes para milhões de pessoas, mas seus efeitos eleitorais ainda são pouco conhecidos. Este artigo investiga: i) quem recebe bens duráveis; ii) como o favoritismo político influencia a distribuição desses bens; iii) quais são seus efeitos eleitorais; e iv) quais fatores explicam as variações nesses efeitos.

Materiais e métodos:  Foi realizada uma revisão de escopo da literatura acadêmica internacional publicada nos últimos 20 anos. A busca foi conduzida de forma estruturada no Google Scholar, utilizando a ferramenta Publish or Perish para coleta dos estudos. Após aplicação de critérios de seleção, foram analisados 19 artigos. Os trabalhos selecionados foram categorizados em quatro grupos principais, com base no tipo de bem analisado (público ou privado) e em subtemas recorrentes, como a disputa entre eleitores indecisos (swing voters) e eleitores leais (core voters), os mecanismos de captura política por elites locais e os efeitos eleitorais associados à distribuição de bens duráveis.

Resultados:  A distribuição de bens duráveis varia segundo o contexto político. Em geral, swing voters tendem a ser mais beneficiados, sobretudo quando os bens são de maior valor. Já os core voters costumam ser priorizados quando o bem tem menor valor ou em períodos próximos às eleições. O favoritismo político e a captura por elites locais também influenciam a alocação de recursos, embora disputas territoriais possam limitar esses efeitos. Os impactos eleitorais das políticas de bens duráveis dependem do tipo de bem, do momento político e da percepção dos eleitores sobre os benefícios recebidos. A variação nos retornos eleitorais é explicada por fatores como o valor percebido do benefício, o calendário eleitoral, a distribuição territorial e a capacidade do governo de responder a demandas em situações críticas.

Discussão:  Os estudos analisados mostram que não existe uma lógica única para a distribuição de benefícios materiais nem para seus efeitos eleitorais. Esses efeitos variam de acordo com o contexto político, o tipo de bem concedido e a percepção dos eleitores. A distinção entre bens públicos, como saneamento e eletricidade, e bens privados, como habitação, é fundamental para compreender essas variações. A literatura indica que diferentes tipos de políticas produzem padrões distintos de alocação de recursos e retornos eleitorais. Explorar essas diferenças contribui para identificar mecanismos causais e avançar na formulação de modelos explicativos sobre o impacto político da distribuição de bens materiais.

Palavras-chave
habitação; saneamento básico; política distributiva; efeitos eleitorais; revisão de escopo

ABSTRACT

Introduction:  Policies that provide durable goods, such as housing and sanitation, affect millions of people, yet their electoral impact remains largely unexplored. This article investigates: (i) who receives these goods; (ii) how political favoritism shapes their distribution; (iii) the electoral consequences of such policies; and (iv) the factors that account for variation in these effects.

Materials and methods:  We conducted a scoping review of international academic literature published over the past 20 years. The search was systematically carried out using Google Scholar, and studies were collected via the Publish or Perish tool. After applying selection criteria, 19 articles were included in the analysis. The studies were categorized into four groups based on the type of goods examined (public or private) and recurring themes, including the targeting of swing versus core voters, strategies of political capture by local elites, and the electoral effects associated with the distribution of durable goods.

Results:  The distribution patterns of durable goods vary across political contexts. Swing voters generally receive more benefits, particularly when goods are high-value, while core voters tend to be prioritized for lower-value goods or near election periods. Political favoritism and capture by local elites also shape resource allocation, although territorial electoral competition can constrain these effects. The electoral impact of durable goods policies depends on the type of good, political timing, and voters' perceptions of the benefits received. Variations in electoral returns are influenced by factors such as the perceived value of the benefit, the electoral calendar, territorial distribution, and the government's capacity to respond to critical demands.

Discussion:  The studies reviewed indicate that there is no single logic guiding the distribution of material benefits or their electoral effects. These effects vary according to political context, the type of good, and voters' perceptions. Distinguishing between public goods (e.g., sanitation, electricity) and private goods (e.g., housing) is essential for understanding these variations. The literature shows that different types of policies generate distinct patterns of resource allocation and electoral returns. Analyzing these differences helps reveal the underlying causal mechanisms and refine explanatory models for understanding the political effects of material benefit distribution.

Keywords
housing; sanitation; distributive politics; electoral effects; scoping review

I. Introdução1

Nos últimos anos, o campo de políticas públicas e seu impacto no comportamento eleitoral recebe crescente atenção na América Latina. é intrigante, porém, que os estudos privilegiem um mesmo tipo de programa: as transferências de renda (Bohn, 2011; Báez Ramírez et al., 2012; De La O, 2013; Zucco, 2013; Côrrea & Cheibub, 2016; Díaz-Cayeros et al., 2016; Pavão, 2016; Pinho Neto, 2018; Simoni Jr, 2022). De maneira geral, a literatura negligencia o impacto eleitoral de políticas habitacionais, grandes obras de infraestrutura, programas de combate à pobreza energética e outras políticas voltadas para a distribuição de bens duráveis.

Diante dessa lacuna, este artigo investiga em que medida e por meio de quais mecanismos a distribuição de bens duráveis influencia o comportamento eleitoral. Por meio de uma revisão de escopo da literatura publicada nas últimas duas décadas, analiso como esses programas moldam as escolhas dos eleitores. Ao sistematizar os principais achados, debates e lacunas do campo, o artigo contribui para consolidar uma agenda de pesquisa ainda incipiente sobre a distribuição de bens duráveis e seus efeitos eleitorais.

A revisão identifica quatro frentes principais de investigação: padrões de distribuição desse tipo de bem, efeitos eleitorais diretos e indiretos, mecanismos de mediação entre os políticos e os eleitores (em particular, clientelismo), e dinâmicas de accountability. Embora os resultados empíricos sejam heterogêneos, emergem regularidades quanto à importância da visibilidade, da atribuição de autoria e das mediações locais.

II. Bens duráveis e modelos de política distributiva: conceitos centrais

O termo “bens duráveis” descreve um conjunto amplo de políticas que proporcionam benefícios de longo prazo, como habitação, infraestrutura e saneamento. Embora não haja consenso sobre sua definição, é inegável a importância desses benefícios para uma parcela significativa da população mundial: quase metade dos beneficiários de redes de proteção social recebe transferências não-monetárias (Honorati et al., 2015), e mais de 90% dos países de baixa renda possuem programas que incluem tais benefícios (Gadenne et al., 2024). Não à toa, programas como o Minha Casa Minha Vida e o Programa Cisternas são historicamente tão importantes para campanhas governamentais e estratégias eleitorais no Brasil.

Do ponto de vista eleitoral, a distribuição de políticas públicas, incluindo bens duráveis, está intrinsicamente ligada à definição de uma estratégia ótima de alocação que maximize o retorno eleitoral para o incumbente. A literatura clássica sobre política distributiva, por sua vez, busca responder a um dilema central: quem serão os beneficiários dessas políticas? Os modelos costumam dividir o eleitorado em dois grupos distintos, analisando qual deles trará maior vantagem nas urnas (Arulampalam et al., 2009; Stokes et al., 2013). De um lado, uma leva de estudos aponta a tendência de partidos políticos distribuírem bens públicos ou privados para seus eleitores leais (core voters), o que funciona como uma troca direta pelo apoio político anterior (Cox & McCubbins, 1986; Díaz-Cayeros et al., 2016). A segunda vertente foca nos eleitores voláteis (swing voters). Nessa leva de estudos, os partidos direcionam recursos para eleitores indecisos, maximizando o impacto dos recursos para garantir votos (Dixit & Londregan, 1996; Stokes, 2005). A partir deles, surgiram uma série de outros trabalhos que incorporam questões como o timing (Baskaran et al., 2015) e a polarização política do eleitorado (Gans-Morse et al., 2014) para entender as estratégias de alocação de políticas públicas.

é curioso, porém, que os modelos não façam distinções quanto aos tipos de bens oferecidos. A distribuição de uma política de transferência de renda, por exemplo, é avaliada de maneira similar a uma política habitacional, construção de estradas ou outras políticas públicas. Considerando que a utilidade do bem distribuído e os custos informacionais influenciam a política distributiva em todos os modelos, entretanto, é provável que diferentes categorias de bens sejam priorizadas ou não na alocação para um determinado grupo. Os partidos políticos deveriam destinar diferentes tipos de bens para distintas do eleitorado, com o objetivo de otimizar seus gastos em política pública (Kramon & Posner, 2013).

Tendo isto em vista, é fundamental analisar a particularidade da política distributiva e impactos eleitorais dos bens duráveis. No presente texto, os defino em oposição aos bens não duráveis. Enquanto os bens não duráveis têm uso imediato e são geralmente menos custosos, os duráveis costumam ter maior valor agregado e podem ser utilizados por um longo período. Podem ainda ser divididos em dois tipos, de acordo com quem será beneficiado pelo bem: não excludente (público) ou excludente (privado). Um exemplo do primeiro pode ser encontrado na construção de estradas e hospitais, enquanto, no segundo caso, temos a doação de cisternas individuais, vouchers para habitações, entre outros. A escolha dos bens duráveis como objeto de estudo também é relevante dado que se diferenciam de outros tipos de bens ao impactar a renda dos beneficiários no longo prazo (Arvate et al., 2018; Bobonis et al., 2021; Frey, 2022; Simoni Jr, 2024). Além disso, eles têm a capacidade de sinalizar um compromisso do partido com o beneficiário para além do período eleitoral (Albertus, 2013; Araújo et al., 2024). Diante dessas particularidades, a revisão sistemática traz uma contribuição importante à literatura de comportamento eleitoral e política distributiva.

III. Metodologia da revisão de escopo

Revisões sistemáticas da literatura têm ganhado destaque na Ciência Política nos últimos anos (Lamba et al., 2019; Schaefer et al., 2019; Batista et al., 2021). Em geral, essa linha de investigação segue cinco etapas. A primeira etapa consiste em definir o problema de pesquisa e palavras-chave, passos necessários para iniciar a busca por estudos relacionados nas bases de dados em etapas posteriores. Em seguida, estabelecer os critérios para a inclusão de materiais na amostra a ser analisada. Na terceira etapa, definir as informações a serem extraídas dos estudos selecionados, com vistas a sumarizar as informações dos artigos. O quarto passo é o da análise sistemática dos dados, onde métodos estatísticos são usados para responder questões sobre métodos utilizados, objetos de estudo e outros aspectos essenciais de trabalhos anteriores. Por fim, a interpretação dos resultados principais, identificação das lacunas no conhecimento e apresentação de uma síntese abrangente do debate acadêmico.

Na prática, o termo “revisão sistemática” tem sido utilizado como um rótulo abrangente para distintas estratégias de levantamento e análise da literatura. Neste artigo, no entanto, adoto o formato de uma revisão de escopo (scoping review), voltada a mapear, organizar e sintetizar os principais eixos analíticos de um campo ainda em consolidação. Ao contrário das revisões sistemáticas tradicionais, centradas na avaliação da qualidade dos estudos e na resposta a uma pergunta de pesquisa muito delimitada, as revisões de escopo buscam descrever o estado do conhecimento, identificar conceitos-chave, mapear abordagens metodológicas e apontar lacunas. Como destacam Munn et al. (2018), essa abordagem é particularmente adequada para literaturas fragmentadas, com desenhos empíricos diversos e fronteiras conceituais indefinidas, como é o caso da pesquisa sobre os efeitos políticos de bens duráveis.

Tendo em vista esses objetivos, defino primeiramente as palavras-chave2. A escolha foi feita a partir da nossa pergunta de pesquisa e dos artigos de Bobonis et al. (2021) e Frey (2022), cujas obras se aproximam do objeto deste artigo. As pesquisas foram realizadas em português e inglês, englobando textos produzidos entre 2000 e 2023. As fontes analisadas são as revistas acadêmicas de impacto global nas áreas de Ciência Política e Economia, medidas de acordo com a avaliação da Qualis Periódicos 2016-2020 (nível A1)3. Outros critérios são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Critérios utilizados na revisão de escopo

Após a realização das pesquisas no Publish and Perish, foi selecionada uma sub-amostra por meio da presença de termos correlatos à política, eleições ou voto nos abstracts ou títulos. As palavras escolhidas foram: voto, vote, ballot, elections, eleições, votes, support e apoio. Em uma segunda etapa, realizei uma leitura manual dos abstracts, obtendo uma nova amostra com conexão específica ao tema.

O terceiro passo consistiu na definição do método de avaliação dos papers coletados. Os trabalhos selecionados foram divididos de acordo com o bem estudado, a metodologia empregada (diferenças em diferenças, regressão linear, regressão probit etc) e tipo de experimento realizado. Neste último caso, separo as abordagens quantitativas em:

  • Observacionais: dados da pesquisa são apenas coletados pelo pesquisador, sem que tenha se envolvido em sua produção.

  • Experimentais: nos quais o tratamento é alocado aleatoriamente pelo pesquisador;

  • Estratégias de identificação de efeitos causais (EIEC): quando o tratamento não é implementado pelo pesquisador e é probabilístico ao depender de um fator externo, como em regressões descontínuas, matching e diferenças em diferenças.

  • Mista: quando apresenta mais de uma metodologia quantitativa.

Outro enquadramento importante foi feito em termos do foco da obra, se no eleitor ou no político. Utilizando os jargões da economia, defino duas categorias: política distributiva do lado da oferta (supply-side politics), se referindo à implementação da política distributiva sobre o ponto de vista dos políticos incumbentes, e política distributiva do lado da demanda (demand-side politics), do ponto de vista dos eleitores. De tais categorias, se desdobram alguns tópicos importantes na literatura sobre clientelismo, política distributiva e voto retrospectivo, tais como o debate swing voter x core voter, a captura de benefícios por grupos privilegiados, o papel de características sociodemográficas na accountability democrática e impactos eleitorais. Temas correlatos também foram explorados na revisão sistemática de Golden & Min (2013), que trata da política distributiva ao redor do mundo.

Após definir esses critérios, é possível examinar os resultados centrais da revisão da literatura. A seguir, apresento a análise da literatura que conecta bens duráveis ao comportamento eleitoral. Em seguida, abordo os debates centrais e as áreas em que a literatura mostra lacunas significativas.

IV. O voto e a política distributiva de bens duráveis: 20 anos de produção

O que foi produzido sobre o tema nos últimos 20 anos? Nesta seção, apresento um resumo das pesquisas recentes produzidas sobre a política distributiva de bens duráveis e seus impactos eleitorais. Para tal, realizo inicialmente uma análise exploratória dos artigos encontrados, descrevendo os conteúdos, principais autores, evolução do campo, metodologias utilizadas, redes de relacionamento e outras características das publicações. Ao todo, realizei oito pesquisas no Publish and Perish, onde encontrei mais de 4000 materiais ligados às palavras-chave escolhidas para a busca. O passo-a-passo da triagem para seleção da amostra está resumida no diagrama da Figura 1.

Figura 1
Triagem para seleção dos artigos

Após a filtragem de acordo com os critérios pré-estabelecidos, li os abstracts e adicionei material novo com o Research Rabbit (Baskaran et al., 2015), e assim obtive uma amostra final de dezenove artigos. Eles são mostrados no Quadro 2.

Quadro 2
Materiais trabalhados

Em primeiro lugar, nota-se que a área ainda não recebeu a devida atenção no campo da política distributiva. A grande quantidade de materiais produzidos sobre clientelismo e pork-barrel não se traduz em um número significativo de produções publicadas em revistas A1 sobre a política distributiva de bens duráveis. Apesar dos políticos desempenharem um papel mais importante na alocação de tais ativos em comparação com as políticas de transferência de renda, a maioria dos autores concentrou-se nos impactos eleitorais das últimas (Imai et al., 2020). Destaca-se, entretanto, que os anos de 2022 e 2023 apresentaram um leve aumento na comparação com outros períodos. O Gráfico 1 sumariza estas informações.

O gráfico mostra uma produção baixa nos anos iniciais da pesquisa. Entre 2000 e 2008, não foram encontradas publicações relativas ao tema no Publish and Perish4. O trabalho seminal de Golden & Picci (2008) é uma das primeiras obras que tratam diretamente de bens duráveis, analisando os determinantes políticos da distribuição de gastos de infraestrutura do governo italiano em 92 províncias entre 1953 e 1994. Até o ano de 2013, a produção permanece baixa, com média de 1 publicação por ano, quando há um pico de 3 publicações. Duas delas são revisões sistemáticas sobre as principais produções no campo da política distributiva, que também incorporam testes próprios sobre o impacto eleitoral de projetos governamentais de eletricidade e alocação de bens variados no Sul Global (Golden & Min, 2013; Kramon & Posner, 2013). Como nota-se na Tabela 1, os três artigos anteriores estão entre os mais citados da amostra, com mais de trezentas citações cada5.

Gráfico 1
Número de artigos por ano
Tabela 1
Artigos com mais citações

Os artigos podem ser divididos de acordo com o tipo de bem durável: excludente (privado) ou não excludente (público). Na definição de Ortega & Penfold-Becerra (2008), bens não excludentes são bens públicos cujo acesso não pode ser facilmente excluído, enquanto os bens privados são aqueles cujo consumo por uma pessoa impede que os outros o tenham. Essa distinção é relevante, pois diferentes tipos de bens podem levar a diferentes resultados eleitorais e estratégias de distribuição (Albertus, 2013). Os autores de cada grupo tendem a compartilhar literaturas e colaborar entre si. Com base nesse critério, classifiquei as obras conforme apresentado na Figura 2.

Figura 2
Clusters de autores de acordo com o tipo de política pública

No que diz respeito às temáticas trabalhadas por cada autor, nota-se a formação de quatro clusters distintos. A Figura 3 sumariza as informações. Em primeiro lugar, há papers que tratam de políticas habitacionais (“moradia”). Tais autores cobrem distintas regiões, com enfoque nas transformações no comportamento eleitoral e participação política de beneficiários - e outros indivíduos indiretamente afetados - de políticas de distribuição de terra ou subsídios para compra de casas na áustria, Brasil, índia e Venezuela. Dentro do contexto das políticas de transferências in-kind, estão incluídas as doações de cisternas, computadores e outros bens direcionados diretamente aos beneficiários. O terceiro grupo (“infraestrutura”) é composto por bens duráveis públicos, como a construção de hospitais, estradas e o fornecimento de energia elétrica para uma região. Por fim, destaco os artigos que buscaram analisar de maneira mais abrangente as transferências de bens duráveis do governo.

Figura 3
Clusters de autores de acordo com a temática do artigo

Os autores analisam, em especial, a política distributiva de bens duráveis na América Latina e na ásia, com destaque para trabalhos produzidos na índia e no Brasil, que contaram com 4 e 5 artigos, respectivamente. No caso dos estudos indianos, destaca-se a importância da temática da eletricidade para os estudos de política distributiva no país. Nota-se ainda que os três artigos produzidos no contexto africano abordaram vários países simultaneamente, possivelmente devido à disponibilidade de informações comparativas no continente. Por exemplo, Kadt & Lieberman (2017) e Gallego et al. (2023) utilizam dados do Afrobarômetro, que coleta dados estatísticos e realiza pesquisas em mais de 40 países africanos6. Em contraste, outros estudos se concentram na distribuição de políticas em um só Estado (Gráfico 2).

Gráfico 2
Países mais analisados nos artigos

O Gráfico 3 mostra os principais métodos e tipos de experimento empregados. A maioria das pesquisas usou estratégias de identificação de efeitos causais, quando o pesquisador não implementa o tratamento, mas aproveita situações em que ele ocorre de forma quase aleatória em razão de fatores externos. Destaco três casos de “diferenças em diferenças” e três regressões descontínuas. Muitos desses trabalhos também combinaram essas estratégias com dados observacionais para maior robustez das análises, resultando em um número maior de regressões lineares ou logísticas na amostra. Além disso, é relevante mencionar um caso especial de método não paramétrico (matching), presente no artigo de Kadt & Lieberman (2017). Essa variedade de abordagens na área demonstra que há diversas possibilidades de pesquisa a serem exploradas sobre a política distributiva de bens duráveis.

Gráfico 3
Métodos e tipos de experimentos utilizados nos artigos

Para além do ciclo exploratório, quais são os principais debates e contribuições dos artigos no período recente? Na próxima seção, exploro estas questões a partir das classificações apresentadas na revisão de escopo, em debate com as discussões centrais da literatura de política distributiva no mundo.

V. A política distributiva do lado da oferta: o que pensa o político?

V.1. Quem recebe a alocação? O debate core vs. swing voter

Nesta seção, lido com uma das questões mais relevantes na literatura sobre política distributiva: qual tipo de eleitor recebe a alocação da política pública?

Como vimos anteriormente, um problema dos modelos clássicos de política distributiva é que eles negligenciam como varia a distribuição de um bem de acordo com suas características. O trabalho de Albertus (2013) aborda diretamente essa lacuna da literatura. Na obra, o autor parte da ideia de que os partidos políticos desenvolvem uma “estratégia de votos multi-bens” (multi-good voting strategy): todo governo possui um conjunto abrangente de políticas públicas para oferecer e, a depender do bem ofertado, foca no core voter ou no swing voter. Usando dados de transferências discricionárias (em especial, distribuição de terras e assistência técnica rural) na Venezuela entre os anos 1960 e 1990, o autor chega à conclusão de que bens valiosos, de difícil revogação e com benefícios a longo prazo são destinados aos swing voters, enquanto os de curto prazo são direcionados aos core voters.

Albertus chama os primeiros de bens “privados discricionários não clássicos”, em contraste aos “clássicos”. O raciocínio por trás da alocação de tais benefícios está relacionada ao custo marginal para elevar a percepção do eleitor quanto ao compromisso futuro do partido. A partir de determinado ponto da distribuição, oferecer um bem valioso a um core voter implicaria um custo alto ao governo em comparação aos ganhos eleitorais. Por serem mais custosos e difíceis de serem removidos, os bens não clássicos podem sinalizar ao eleitor indeciso um compromisso futuro do partido, aumentando significativamente a probabilidade de mudança em seu comportamento eleitoral. A estratégia, evidentemente, deve ser acompanhada pela capacidade do partido de construir redes de conhecimento sobre os swing voters e monitorá-los.

Complementando essa perspectiva, Frey (2022) analisa o caráter particular de bens duráveis e irrevogáveis, mas enfatiza possíveis efeitos contraproducentes. Se para Albertus, sua distribuição dificilmente traria algum resultado ruim para o político, o outro trabalho estuda os efeitos indiretos não desejáveis de tais programas para as máquinas clientelistas. A explicação é simples: no médio e longo prazo, bens duráveis aumentam a renda dos beneficiários e reduzem sua vulnerabilidade econômica. Como resultado, diminui a probabilidade de futuras trocas clientelistas. Do ponto de vista dos partidos clientelistas no poder, a estratégia de fornecer bens duráveis seria, portanto, pouco interessante. Contudo, do ponto de vista dos partidos que desafiam máquinas políticas locais, o efeito renda pode gerar mudança no comportamento eleitoral.

A capacidade de mobilização partidária também entra no cálculo dos partidos. Como no modelo clássico de Stokes et al. (2013), a capacidade de credit-claiming dos partidos está relacionada à atuação dos brokers em determinada região. Reconhecendo a intermediação, Frey define em sua “teoria para alocação especial de bens duráveis” que os partidos antecipariam os prováveis efeitos anti-incumbente e distribuiriam a política pública de acordo com o nível de mobilização do partido do prefeito no município. Ao analisar a política distributiva do Programa Cisternas no Brasil, ele enxerga duas tendências: i) incumbentes estaduais distribuem mais benefícios para os municípios controlados por políticos alinhados e com baixa capacidade de mobilização, onde os ganhos eleitorais são provavelmente maiores; ii) à medida que a capacidade de mobilização cresce, o efeito renda coloca um risco maior às atividades clientelistas dos políticos locais, fazendo com que incumbentes estaduais focalizem cada vez mais em municípios controlados pela oposição (Frey, 2022, p. 13). A última estratégia é ainda mais provável de acontecer em áreas mais vulneráveis, onde os benefícios são mais valiosos7.

Resultados inesperados sobre o impacto dos brokers no credit-claiming de políticas públicas de bens duráveis também são encontrados no contexto africano. Na obra de Kadt & Lieberman (2017), a análise de uma survey com beneficiários revelou que a oferta de investimentos massivos em serviços básicos de infraestrutura (por exemplo, saneamento básico) levou os eleitores a reavaliarem suas expectativas sobre futuras políticas governamentais e a buscar por partidos alternativos. A evidência pode indicar que partidos incumbentes mobilizem menos bens duráveis para eleitores mais pobres, com vistas a manter suas expectativas. Manter laços frequentes com os beneficiários e prever possíveis alterações em suas demandas por política pública é um passo fundamental para gerar impactos eleitorais desejados.

Outro trabalho que considera a capacidade individual dos parlamentares e de seus brokers é o seminal artigo Pork Barrel Politics in Postwar Italy, de Golden & Picci (2008). O paper analisa os determinantes políticos da distribuição de gastos de infraestrutura do governo italiano em 92 províncias entre 1953 e 1994. Eles mostram que, quando os distritos elegem deputados politicamente mais influentes dos partidos governantes, eles recebem maiores investimentos. Isso sugere que legisladores com recursos políticos recompensam seus eleitores fiéis ao investirem em projetos públicos em suas áreas de representação. Nesses casos, os partidos no poder não conseguem controlar adequadamente seus próprios membros do parlamento para concentrar os investimentos nas áreas de maior força eleitoral do partido. Portanto, em sistemas de lista aberta, os incentivos de reeleição de legisladores poderosos podem competir com interesses partidários coletivos. Isso ocorre especialmente quando não há sobreposição geográfica substancial nas áreas de apoio. A capacidade de centralização e coesão partidária é, portanto, fundamental para compreender qual eleitor será beneficiário da política pública de bens duráveis.

Nos textos que tratam da distribuição de grandes projetos de infraestrutura também são frequentes os debates sobre o tempo da entrega da política pública. Baskaran et al. (2015) apresentam evidências de que os governos estaduais induzem ciclos eleitorais na provisão de serviços de eletricidade. Estudando as eleições especiais na índia, os autores revelam que a manipulação do fornecimento de energia é mais forte em estados onde o governo foi previamente representado por um candidato alinhado e há uma disputa eleitoral acirrada. A conclusão também é defendida por Golden & Min (2013), que analisam o fornecimento de energia no estado de Uttah Pradesh durante as eleições gerais. Para os autores, há ainda uma forte discrepância em relação aos valores cobrados pela energia em períodos imediatamente anteriores às eleições.

Tendo em vista as contribuições da literatura, nota-se que os mecanismos mobilizados são bastante diferentes a depender do cluster analisado. No caso da alocação de benefícios in-kind e moradias, os autores destacam a maior tendência de distribuição do bem para o swing voter devido ao custo marginal elevado de distribuir um bem durável para o core voter em comparação a outros tipos de bens (Albertus, 2013) e da possível quebra de laços clientelistas entre o eleitor fidelizado e a máquina partidária - já que bens duráveis podem diminuir a probabilidade de trocas clientelistas futuras ao garantirem um aumento de renda para os beneficiários e queda de sua vulnerabilidade econômica (Frey, 2022). Já em textos que exploram infraestrutura e eletricidade, é comum encontrar maior distribuição de benefícios para o core voter.

Nesses últimos estudos, a prioridade para o core voter é pensada em dois contextos distintos. A primeira situação trata dos momentos em que há restrições orçamentárias e disputas eleitorais acirradas (Baskaran et al., 2015). Sob estas condições, pequenas variações na qualidade do serviço público (no caso, distribuição de energia) em cidades onde há maior probabilidade de garantir o credit-claiming podem ser decisivas para o resultado eleitoral, na medida em que bens duráveis são comumente muito valorizados na decisão do voto. A segunda situação trata de contextos de sistema de lista aberta e onde os legisladores eleitos têm ampla força eleitoral. Para Golden & Picci (2008), quando isso ocorre, o objetivo eleitoral imediato do parlamentar tende a suplantar o desejo de alocação do líder partidário. Como o partido enfrenta dificuldades para controlar plenamente seus membros no parlamento, os deputados podem privilegiar seus eleitores ao investir em projetos em suas áreas de representação. Logo, a capacidade de centralização partidária e o nível de competição eleitoral emergem como variáveis essenciais na análise dos artigos que compõem esse cluster.

Considerar os conflitos redistributivos da política de bens duráveis é outra contribuição importante dos trabalhos. Como veremos a seguir, os artigos se inserem em um conjunto mais amplo de textos que abordam a captura da política distributiva por determinados grupos políticos.

V.2. O conflito distributivo: captura por grupos de interesse e favoritismo político

Muitos estudos já documentaram que regiões governadas por políticos alinhados ao governo central recebem mais recursos do que aquelas governadas por partidos de oposição. Para além de tais links, partidos com fortes tendências religiosas, étnicas, raciais, regionais ou linguísticas tendem a favorecer e consolidar ligações clientelistas com seu eleitorado (Kitschelt, 2000). Não à toa, em revisão proposta sobre a literatura de política distributiva, Golden & Min (2013) encontram casos de captura das políticas públicas por determinados grupos políticos ou étnicos em países tão distintos quanto França, índia, Quênia e Zâmbia.

O viés alocativo tem origem nas necessidades eleitorais dos políticos (Meireles, 2019). Durante o período eleitoral, os cidadãos podem pressionar os políticos mais efetivamente para atender suas demandas. A capacidade de um indivíduo em exercer influência sobre as decisões alocativas, porém, também está conectada a redes prévias de contato, ao tamanho da participação econômica de seu grupo e outros diversos fatores. é nesse contexto de disputa pela distribuição privilegiada de recursos que Golden & Min (2013) conduzem sua pesquisa.

A eletricidade é um item extremamente valorizado pelos eleitores na índia. Para além do uso doméstico, ela é fundamental para tubos ou conjuntos de bombas, que são utilizados para extrair água subterrânea para irrigação nas produções agrícolas durante a estação seca. Devido ao elevado preço desses bens, entretanto, apenas um pequeno conjunto de fazendeiros ricos possui tais recursos duráveis (Golden & Min, 2013). A manutenção e reparação de tais bens também custa caro. Não à toa, as elites locais pressionam os incumbentes tanto para fornecer bens duráveis rurais quanto distribuir mais eletricidade nos meses que antecedem as eleições gerais. Tendo isto em mente, os autores buscam analisar se os proprietários de tubulações e bombas de água em Uttar Pradesh (UP) são sistematicamente favorecidos com acesso desproporcional à eletricidade.

Os resultados encontrados corroboram a noção de que a política energética em UP é responsiva a uma pequena elite rural. Se, como foi apresentado na seção anterior, cada partido indiano procura direcionar eletricidade para as áreas onde seus próprios eleitores estão mais concentrados, por outro, todos os partidos fornecem eletricidade extra para um grupo de interesse poderoso, composto por fazendeiros com tubulações e bombas de água. Os efeitos eleitorais de tal distribuição desigual, entretanto, não são conclusivos. Uma explicação possível: tanto os core voters quanto grupos de interesse foram beneficiados, apesar das diferenças no fornecimento energético durante períodos eleitorais. A conclusão do artigo de Golden & Min revela a importância de avaliar a responsividade da política pública aos interesses dos beneficiários antes de buscar conflitos redistributivos: a tentativa de identificar conflitos políticos subjacentes às alocações de recursos pode resultar em resultados espúrios (Golden & Min, 2013, p. 24). O trabalho de Kramon & Posner (2013) também aponta problemáticas similares. Ao estudar o contexto africano, os pesquisadores observam que o favoritismo na política distributiva de um benefício em direção a um determinado grupo pode ser contrabalançado pelo favoritismo em relação a outro grupo em uma área completamente diferente. Ou seja, o tipo de bem que você estuda muda a conclusão que você vai obter. A afirmação dá subsídio a caminhos importantes para a literatura de distribuição de bens duráveis.

Diante dessas evidências, ambos os artigos convergem ao defender que tirar interpretações gerais sobre as estratégias e padrões de distribuição de bens duráveis a partir da análise de apenas um bem específico pode ser enganoso. Embora reconheçam a tendência de elites locais de influenciarem o rumo de políticas públicas, também enfatizam a necessidade de considerar outros bens que possam equilibrar qualquer suposto favorecimento étnico, racial ou religioso na alocação de benefícios. Partindo desse ponto, Kramon & Posner (2013, p. 9) levantam questões importantes para investigação dos bens duráveis: eles são, de fato, mais propensos a manipulação política ou direcionamento partidário? Por quê? Como ciclos eleitorais impactariam essas alocações? Quais tipos de condições institucionais (tipo de regime, regras eleitorais) afetam os tipos de bens que são usados para favorecer a coalizão de apoio de um líder e o padrão de sua distribuição?

Nesta seção, explorei esse debate do ponto de vista do político incumbente. Mas, e do ponto de vista do eleitor? Que características sociais afetariam o tipo de bem demandado? De que maneira cada benefício influencia o comportamento eleitoral dos indivíduos? A seguir, analiso como a literatura de política distributiva de bens duráveis responde tais perguntas.

VI. A política distributiva do lado da demanda: o que pensa o eleitor?

VI.1. Clientelismo e renda

A literatura sobre clientelismo só não é mais vasta que a miríade de suas definições na literatura nacional e internacional. Hicken & Nathan (2020) aponta que a maioria das definições do clientelismo compartilham dois pontos: a contingência - a crença que o eleitor cumprirá das expectativas do político e a iteração - expectativas mútuas de novas trocas no futuro. Para Kitschelt (2000), as práticas clientelistas envolvem investimento em infraestrutura técnico-administrativa, mas não em modos de agregação de interesse e formação de programas. Não há, portanto, “reciprocidade e voluntarismo”, mas sim “exploração e dominação” (Kitschelt, 2000, p. 849). Por sua vez, de maneira mais sucinta, Stokes et al. (2013) definem o clientelismo como uma “forma não programática de redistribuição direcionada, na qual os benefícios são condicionados (implicitamente ou explicitamente) ao apoio eleitoral dos beneficiários em relação a seus patrões.

Independentemente da definição, o clientelismo envolve trocas entre o cliente e patrão. Mas essas interações não se limitam a uma única direção: as escolhas dos cidadãos também desempenham um papel importante nesse contexto. Uma vasta quantidade de estudos aborda este tema, dando ênfase à vulnerabilidade como uma das principais razões pelas quais os cidadãos continuam se envolvendo em práticas clientelistas (Dixit & Londregan, 1996; Stokes et al., 2013; Ravanilla & Hicken, 2023).

No âmbito das políticas distributivas de bens duráveis, o artigo de Bobonis et al. (2021) é um dos marcos desta literatura. Após diagnosticarem que a maioria das pesquisas não tratavam do caráter transitório da pobreza, os autores examinam de que maneira a vulnerabilidade dos eleitores explicava a tendência de participar de práticas clientelistas. Para abordar esta hipótese, eles desenvolveram junto à ONGs um experimento de construção de cisternas em distintos municípios do Brasil e entrevistaram os beneficiários antes e depois da entrega da política pública. Em geral, tais bens reduzem a vulnerabilidade dos cidadãos ao garantir o consumo de água durante períodos de seca, evitar possíveis contaminações e melhorar o bem-estar diário dos indivíduos. Além disso, as cisternas servem de espaços de armazenamento quando os governos enviam caminhões-pipa para fornecer água às cidades com graves problemas de secas.

Com base no survey, os autores apontam que a provisão do bem durável levou à diminuição da probabilidade dos cidadãos de participarem em trocas clientelistas. Além disso, as quedas foram notadas tanto nos períodos eleitorais quanto em períodos não eleitorais. Para Bobonis et al. (2021), isto ocorre pois o clientelismo funciona como um “seguro informal” em contextos de grande vulnerabilidade. Neste caso, os políticos abrem mão de oferecer políticas que garantem uma segurança mais duradoura para os cidadãos, considerando o risco de quebra das relações clientelistas. Logo, os beneficiários tiveram a opção de diminuir a solicitação de bens para candidatos e prefeitos incumbentes a partir de uma intervenção direcionada à superação deste problema.

Essa interpretação, contudo, é desafiada por Kumar (2021), que apresenta evidências contrastantes. De acordo com o autor, transferências governamentais ligadas à habitação e serviços complementares, como tratamento de esgoto e provisão de água, podem mudar as expectativas dos cidadãos sobre o que os governos podem oferecer e o conteúdo de suas reinvindicações. Neste sentido, quando pensamos nas práticas clientelistas sob o ponto de vista do eleitor, a política distributiva pode induzir ainda mais demandas, mesmo quando os indivíduos diminuem sua vulnerabilidade (Kumar, 2021, p. 2). Kadt & Lieberman (2017) chamam este processo de uma “prestação de contas matizada” (nuanced accountability): o beneficiário da política pública dá atenção à entrega de bons serviços e produtos, mas usa seu conhecimento e experiência com mais nuances que previsto em boa parte da literatura. Ao estudar o investimento em serviços hospitalares e infraestrutura na área da saúde na Turquia, Adiguzel et al. (2023) complementam tal visão ao analisarem que “eleitores não votam apenas com base na existência ou ampliação das instalações hospitalares, mas levam em conta como mudanças na distribuição geoespacial dessas instituições impactaram sua experiência geral com o sistema público de saúde” (Adiguzel et al., 2023, p. 4, tradução do autor).

Outra questão não abordada no artigo é que alguns bens podem impor custos ao beneficiário. Analisando a distribuição de benefícios em espécie (in-kind, e.g. doação de alimentos e de tapetes de oração) em campanhas eleitorais na Indonésia, Amick (2018) desenvolveu uma teoria que busca lidar com esta lacuna. Para o autor, duas forças explicam padrões de distribuições de políticas públicas em países onde partidos políticos não são claramente diferenciados e há pouco conhecimento do eleitorado. No nível das campanhas políticas, há a tentativa de diminuir os custos dos bens distribuídos para os eleitores e aumentar o impacto eleitoral. Tomando isto em conta e considerando a preferência de muitos eleitores por bens em espécie, a maioria dos benefícios são distribuídos em locais onde vários itens podem ser distribuídos para várias pessoas, como em feiras e mercados tradicionais. Já no nível do beneficiário, ele aceitará o benefício uma vez que sua utilidade supere os custos de transporte e de escolha.

O problema é que tanto os custos de transporte e a utilidade do bem variam à medida que o eleitor aumenta sua renda. Esta variação, entretanto, se dá de forma desigual. Em determinado nível de renda, os custos praticamente se mantém iguais. Um exemplo dos autores facilita esta compreensão: ter uma moto ou um carro traz uma variação de custo muito menor entre elas do que carregar os benefícios através do ônibus. A utilidade, entretanto, tende a diminuir de maneira menos acentuada. No exemplo analisado, a doação de um bem durável como um tapete religioso não necessariamente diminuirá de forma tão grande entre um indivíduo com renda média em comparação a um eleitor pobre. Tomando isto em conta, eleitores com renda mais alta acabam se excluindo de aceitar transferências em espécie, o que não fariam no caso de transferências em dinheiro. Logo, ao impor um pequeno custo aos potenciais eleitores, a distribuição de bens duráveis tende a focalizar melhor os eleitores mais pobres (Amick, 2018, p. 236).

Nichter & Nunnari (2022) também buscaram contribuir à literatura. Em pesquisa realizada no Brasil, os autores avaliam quais fatores entram no cálculo do cidadão quando ele decide declarar apoio público a algum político ou partido em contextos de clientelismo. Em distintos países, esta declaração é normalmente feita nas campanhas por meio do uso de parafernálias políticas como bandeiras, broches, adesivos e outras demonstrações públicas de voto. Após a realização de um survey próprio no Facebook, os pesquisadores apontam ao menos cinco questões importantes: i) o valor do benefício oferecido; ii) a possibilidade de que o político vença as eleições; iii) se há algum custo social ou material envolvido em apoiar o político; iv) se o político pode monitorar as declarações de seus eleitores com o auxílio dos brokers; e) a quantidade de candidatos envolvidos em práticas clientelistas.

Os resultados indicam que os cidadãos frequentemente respondem a incentivos clientelistas ao decidirem se vão declarar apoio durante as campanhas. Quando os eleitores podem obter benefícios pós-eleitorais ao declarar apoio aos candidatos vencedores suas decisões de expressar apoio político publicamente muitas vezes refletem mais do que apenas preferências políticas. Fica evidente, portanto, que os cidadãos não são meros espectadores nas relações clientelistas. Suas ações têm um impacto significativo para além dos momentos eleitorais e podem influenciar diretamente a oferta de políticas distributivas clientelistas futuras. Tomando em conta os possíveis impactos das parafernálias políticas nos resultados eleitorais, os pesquisadores também indicam a necessidade de novas investigações para confirmar se a ação de um cidadão pode “influenciar a crença de outros cidadãos sobre a probabilidade de vitória de um candidato” (Nichter & Nunnari, 2022, p. 2209).

Os estudos mencionados nesta seção revelam duas abordagens distintas na análise do comportamento do eleitorado. Nos trabalhos focados em benefícios in-kind, há a tendência de retratar o cidadão como preso em um ciclo de vulnerabilidade, que o torna dependente de benefícios clientelistas. Aqui, a renda emerge como o principal fator considerado para analisar as mudanças no comportamento eleitoral antes ou depois do recebimento de políticas públicas. Por outro lado, nos artigos que abordam grandes projetos de infraestrutura na áfrica e na ásia, o comportamento do eleitor é visto de maneira mais matizada. Não se pode ignorar a influência do valor dos benefícios para o comportamento do eleitor, mas é igualmente importante levar em conta que as expectativas dos eleitores em relação ao que o governo pode oferecer podem variar quando recebem uma política pública. Do mesmo modo, fatores como o local onde uma política pública foi executada e a qualidade da implementação também acabam por influenciar as demandas dos eleitores em relação ao governo.

Na próxima seção, abordo como vários autores buscaram avaliar esses e outros impactos diretos e indiretos da política distributiva de bens duráveis.

VI.2. A accountability: quais são os retornos eleitorais da alocação?

No modelo clássico de Downs (1999), o eleitor faz uma decisão consciente e racional ao votar. Quando deposita seu voto nas urnas, ele busca maximizar seu bem-estar ao assegurar a prestação de contas e influenciar os rumos das políticas desenvolvidas pelo governo. Na prática, entretanto, o processo de credit-claiming é muito mais complexo, envolvendo uma série de mediações que frequentemente estão além do controle do governo. Não à toa, a literatura desenvolveu uma série de refinamentos sobre como os eleitores percebem e processam a ação governamental. Grofman (2004) mostra como modelos contemporâneos questionam premissas como a suposição de que preferências políticas podem ser representadas em um espaço unidimensional (geralmente esquerda-direita) e a motivação puramente office-seeking dos partidos, construindo uma agenda mais sensível às dinâmicas reais de atribuição de responsabilidade e recompensa eleitoral. De forma complementar, evidências empíricas recentes também tensionam pressupostos centrais do modelo, ao demonstrar, por exemplo, como fatores exógenos (Achen & Bartels, 2012, 2017; Cooperman, 2022), capacidade de mobilização (De La O, 2013) e estratégias de comunicação dos incumbentes (Simoni Jr, 2022) moldam o comportamento eleitoral para além da lógica puramente programática.

Levando em conta estas mediações, pesquisas recentes no campo do comportamento eleitoral buscaram avaliar o impacto eleitoral de distintas políticas distributivas de bens duráveis ao redor do mundo. O trabalho de Pop-Eleches & Pop-Eleches (2012) é um dos exemplos dessa literatura. Os autores discutem como a distribuição de cupons de 200 euros para comprar computadores entre eleitores mais pobres e com filhos com idade escolar na Romênia pode afetar o comportamento eleitoral dos beneficiários. No estudo, os efeitos encontrados foram positivos, tendo os ganhadores dos cupons aumentado sua propensão de votar em candidatos de partidos de coalizão do governo central nas eleições locais. Tal efeito ocorreu tanto por meio de maior mobilização política entre os core voters quanto por mudanças entre o eleitorado indeciso. Estes efeitos não se direcionaram, entretanto, a variações nas expectativas ou avaliação do governo central. Ao analisar os surveys realizados antes e 2 anos depois da entrega da política pública entre os beneficiários, os autores concluem que o papel mediador dos governos locais foi fundamental para o resultado. O trabalho também indica a persistência de efeitos eleitorais de longo-prazo do programa, mas não oferece explicações para este resultado.

Benefícios in-kind podem gerar sentimento de reciprocidade entre o eleitor e o político (Finan & Schechter, 2012). Sem dúvidas, a qualidade do bem distribuído e a utilidade para determinado grupo são questões importantes para gerar sentimento mais prolongado de gratidão no beneficiário da política pública. Bechtel & Hainmueller (2011) buscaram contribuir para esta literatura no que se refere a respostas à desastres naturais. Em 2002, a enchente do rio Elba causou estragos materiais de grande porte na Alemanha e deixou milhares de desabrigados. Em resposta, o governo lançou o maior pacote de ajuda humanitária desde a Segunda Guerra Mundial, que incluiu a distribuição de alimentos e bens de primeira necessidade, o envio de 40 mil soldados para operações de resgate e apoio, além de investimentos estruturais em cidades duramente atingidas, como Dresden. Como a tragédia ocorreu 1 mês antes das eleições federais, os autores buscaram avaliar o impacto eleitoral das medidas adotadas pelo governo. Nesse contexto, eles descobriram que os formuladores da política pública obtiveram impactos significativos nos resultados eleitorais por pelo menos 2 ciclos eleitorais. A distribuição de benefícios e forte presença do governo em um momento de grande necessidade para a população gerou um reforço ao credit-claiming por parte dos partidos no poder. As respostas efetivas e abrangentes do governo têm o potencial de produzir consequências eleitorais de prazo mais longo do que o inicialmente previsto na literatura tradicional sobre o eleitorado de curto prazo.

Uma lacuna de ambos os papers é que parte dos resultados pode ter tido influência de particularidades da Romênia e da Alemanha. é o que demonstram os trabalhos de Gallego et al. (2023), na áfrica Subsaariana, e Goyal (2024), na índia. Com dados do Afrobarômetro sobre clientelismo e eleições em mais de 10 países, os primeiros encontram efeitos nulos ou insignificantes em quase todos os processos eleitorais analisados. Apesar de seis casos terem levado a alguma variação no nível de mobilização políticas dos beneficiários, apenas o nigeriano, em 2003, pode ter gerado um impacto mais visível na propensão a votar em um partido. Goyal (2024) demonstra que efeitos nulos podem ser encontrados até mesmo em projetos de grande aporte e abrangência do governo. No artigo, o autor investiga a resposta eleitoral ao maior programa de estradas rurais do mundo, o Prime Minister's Village Road Scheme (PGMSY). A resposta é preocupante para a accountability de grandes obras públicas de estradas. Elas não geraram apoio eleitoral para o partido no poder, mesmo quando se explorou fatores subnacionais como qualidade, relevância, miopia, corrupção ou preocupações de atribuição8.

Outros trabalhos também avaliaram o que Goyal chama de “bens públicos altamente atribuíveis” (highly attribulate public goods). Este é o caso dos papers que tratam de mudanças nos comportamentos eleitorais e preferências políticas a partir de políticas distributivas de moradia.

Kumar (2021) é um dos autores que inaugura o campo de estudos. Sua pesquisa revela que participar do programa de subsídio à moradia aumenta as reivindicações, o conhecimento sobre o governo municipal e altera as preferências políticas dos beneficiários, mesmo entre aqueles que alugam as casas. Além disso, a política de subsídios cria grupos de interesse no nível local, onde suas ações podem ter efeitos positivos e negativos no processo eleitoral. Esses resultados são notáveis por serem os primeiros a identificar causalmente os efeitos políticos das políticas habitacionais. No entanto, o estudo não aborda possíveis consequências indiretas, como o fenômeno not-in-my-backyard em regiões específicas, quando há resistência ou oposição de moradores locais em relação à projetos benéficos à sociedade como um todo, mas vistos como indesejáveis localmente por distintas razões (por exemplo, queda do preço dos imóveis; gentrificação).

Em tais programas, transformações no comportamento político podem até surgir antes mesmo da moradia ser entregue. O artigo de Bueno et al. (2022) revela que ganhadores recentes (early winners) do sorteio de casas do Minha Casa Minha Vida - aqueles que foram sorteados, mas ainda não se mudaram - relatam atitudes mais conservadoras que ganhadores antigos (late winners). Esse “conservadorismo” é medido por um índice de valores políticos construído com nove itens de survey, distribuídos em três dimensões: redistribuição (apoio a políticas redistributivas), individualismo (ênfase na autossuficiência individual) e mercado (confiança nos mecanismos de mercado em detrimento da intervenção estatal). A explicação dos autores é que, enquanto aguardam a entrega, os beneficiários enfrentam frustrações no processo de implementação - como atrasos e burocracia - e isso gera um ceticismo momentâneo em relação ao Estado, reduzindo seu apoio a políticas redistributivas. Quando a casa finalmente é entregue, essas frustrações perdem força, e os beneficiários voltam a expressar maior apoio à redistribuição. Assim, mais do que possuir uma casa própria, é a condição de beneficiário de uma política pública de bem durável que reconfigura valores políticos. Tanto os ganhadores recentes quanto os ganhadores antigos, porém, tendem a demandar de maneira mais intensa por issues ou benefícios específicos (claim-making).

Uma nova contribuição de Bueno et al. (2023) responde ao questionamento prévio de Kumar. Em outro estudo sobre o Minha Casa Minha Vida, os impactos eleitorais diretos e indiretos do programa foram objeto de análise. No que se refere aos impactos diretos, os resultados não são significativos: o survey realizado com ganhadores e não ganhadores do programa não encontra maior probabilidade de o beneficiado votar no partido incumbente. Quando avaliam os efeitos indiretos, entretanto, as localidades que implementam o MCMV votam proporcionalmente mais nos candidatos do governo, tanto nas eleições presidenciais quanto municipais. Uma explicação para esse processo é que, em projetos que distribuem grandes benefícios, há poucos ganhadores entre todo o universo de participantes das loterias do governo. Nesses casos, as experiências reais dos beneficiários do programa não são tão importantes eleitoralmente quanto os próprios objetivos do programa e suas entregas, já que os perdedores conhecem pouco sobre sua implementação. Logo, a “política social como lógica de propaganda torna-se o canal dominante de feedback” (Bueno et al., 2023, p. 2).

Importantes efeitos indiretos de programas habitacionais também são encontrados na áustria. Cavaille & Ferwerda (2023) mostraram que o conflito distributivo sobre benefícios in-kind geraram apoio a partidos anti-imigração. O ponto de inflexão analisado pelos autores é uma diretiva da União Europeia que obrigava os municípios a abrirem as loterias de habitações públicas para imigrantes previamente excluídos. Após sua entrada na disputa pela política pública, os imigrantes passaram a ser vistos pelos nativos como competidores nos “canais distributivos de bem-estar social”. De maneira geral, os benefícios in-kind são propensos a ativar esta percepção de competição de recursos entre eleitores tendo em vista que “seu consumo é limitado geograficamente e seu fornecimento é mais reduzido no curto prazo que outros tipos de transferências” (Cavaille & Ferwerda, 2023, p. 4). Preocupações subjacentes sobre o acesso às políticas sociais podem aumentar ainda mais em um período de ajuste fiscal e destituição de políticas de bem-estar social. Percebendo a importância do tópico para um eleitorado amplo de indivíduos de classe média e baixa, os partidos anti-imigração tiveram a capacidade de converter o conflito distributivo em maior apoio nas urnas. Uma interpretação puramente culturalista do avanço da extrema-direita na Europa, neste sentido, deixa de lado a importante contribuição das políticas distributivas para os resultados eleitorais.

Os dados apresentados nesta seção revelam a falta de um consenso na literatura quanto aos resultados eleitorais decorrentes da distribuição de bens duráveis. No cluster de habitação, em especial, os trabalhos apresentavam resultados eleitorais opostos. Isso se deve principalmente à variedade de mecanismos em jogo em cada artigo: os efeitos sociais de médio prazo na renda, as experiências dos beneficiários com a implementação do programa e o fenômeno NIMBY. Já no cluster de infraestrutura, a maioria dos resultados encontrados foi nula ou insignificante, mas há certa lacuna em termos da clareza de mecanismos explorados.

Um ponto de convergência da maioria dos estudos é a importância de explorar os efeitos indiretos da distribuição de bens duráveis. O requisito é particularmente relevante em políticas de moradia. Dado que os beneficiários representam uma minoria dos eleitores e que tais programas são amplamente promovidos pelo governo, a estratégia de comunicação da política pública tem um papel significativo em seus resultados eleitorais. Isso ocorre porque os não-beneficiários normalmente têm pouca informação sobre a implementação dos programas.

VII. Considerações finais

A análise de políticas de bens duráveis é um campo em ascensão nos estudos de política distributiva e comportamento eleitoral. No texto, identifiquei e apontei as principais contribuições dos artigos publicados em revistas A1 sobre o tema. Quatro clusters distintos foram encontrados: políticas habitacionais, transferências in-kind, infraestrutura e transferências de bens duráveis de forma abrangente. Os autores abordaram diversas questões, agrupadas de acordo com o ator central: a política distributiva do lado da demanda (eleitor) ou do lado da oferta (político), tendo muitos autores contribuindo para ambos os campos, o que reflete uma tendência recente. Além disso, seguindo o modelo de Golden & Min (2013), dividi os textos por subtemas, analisando suas principais contribuições sobre o debate swing voter versus core voter, a captura de benefícios por grupos privilegiados, o papel das características sociodemográficas na accountability e os impactos eleitorais das políticas de bens duráveis.

Em resumo, os modelos oferecem mecanismos plausíveis para analisar os dividendos eleitorais de uma política pública. A maioria dos autores concorda que os bens duráveis têm impacto a médio e longo prazo na renda dos beneficiários e que os políticos consideram possíveis efeitos anti-incumbente ao distribuí-los. Estudos recentes ressaltam a influência dos atores intermediários, como os brokers. Quanto aos benefícios eleitorais, as previsões variam conforme o tipo de bem, a região e o mecanismo avaliado. No caso das políticas de moradia, os resultados variaram dependendo da metodologia utilizada. No entanto, há consenso de que os efeitos sociais indiretos são relevantes, pois programas amplamente divulgados pelo governo podem influenciar a preferência política de não-beneficiários. Os resultados estão resumidos no Quadro 3.

Quadro 3
Análise do resultado dos artigos

O levantamento também evidencia limitações estruturais na geografia da produção acadêmica. A concentração de estudos em países do Sul Global reflete, em parte, a escala dos programas implementados e a disponibilidade de dados. No entanto, essa ênfase empírica reforça uma associação recorrente entre bens duráveis e práticas clientelistas ou particularistas, raramente problematizada. O caso brasileiro é exemplar nesse sentido: embora amplamente estudado, ele condensa as ambiguidades que a literatura tende a tratar de forma dicotômica. Programas como o Minha Casa Minha Vida, o Luz para Todos e o Programa Cisternas articulam estratégias programáticas de redistribuição com mediações locais que desafiam categorias analíticas rígidas.

Com base nesse diagnóstico, é possível delinear caminhos para futuros estudos. Conceitualmente, falta à literatura uma tipologia mais clara e compartilhada sobre o que caracteriza um bem durável no campo da política distributiva, seja por sua diferença frente às políticas de transferência de renda, visibilidade ou permanência. Empiricamente, há espaço para ampliar o escopo da agenda, incorporando contextos menos explorados e avaliando como a provisão de bens duráveis opera sob diferentes arranjos institucionais e capacidades estatais.

Por fim, outras lacunas dizem respeito aos aspectos informacionais da relação entre bens duráveis e comportamento político, bem como à escassez de comparações sistemáticas com programas de transferência de renda. Ainda sabemos pouco sobre como eleitores acessam informações sobre essas políticas, que tipo de mídia influencia suas percepções e de que forma as estratégias de comunicação governamental moldam os mecanismos de atribuição e recompensa. Além disso, no caso brasileiro, apesar da centralidade do Programa Bolsa Família no debate nacional, a literatura carece de estudos que comparem diretamente os efeitos distributivos e eleitorais de programas com desenhos distintos. Avançar nesse tipo de comparação, levando em conta tanto o tipo de bem quanto os canais informacionais envolvidos, é fundamental para aprofundar a compreensão dos efeitos políticos da provisão de bens duráveis.

Declaração de uso de IA

Todas as ideias e argumentos apresentados neste artigo foram elaborados exclusivamente pelo autor, sem o uso de ferramentas de inteligência artificial.

  • 1
    Agradeço aos pesquisadores do MAPE/IESP-UERJ e aos pareceristas anônimos pelos valiosos comentários, bem como à FAPERJ pelo financiamento desta pesquisa.
  • 2
    A estrutura geral da revisão segue diretrizes reconhecidas internacionalmente para revisões sistemáticas, com destaque para os princípios do protocolo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses).
  • 3
    A escolha pelo recorte temporal entre 2000 e 2023 reflete a consolidação recente do tema na literatura internacional. A opção por periódicos A1 buscou garantir comparabilidade e revisão por pares. Reconheço, contudo, que essa escolha pode limitar a inclusão de livros e periódicos relevantes fora desse estrato.
  • 4
    Publicações recentes sobre o tema, como as de Araújo et al. (2024) e Simoni Jr. & Dias (2024) não foram incluídas por estarem fora do escopo temporal.
  • 5
    Na amostra, o número total de citações é de 2.221, a média, de 116,89 citações por artigo e o desvio-padrão, de 188,21. Por outro lado, metade dos artigos recebeu dez ou menos citações.
  • 6
    Disponível em:< https://www.afrobarometer.org/>. Acesso em: 28 de julho de 2024.
  • 7
    Bueno (2018) também apresenta uma estratégia alternativa, que consiste em alocar recursos para Organizações Não Governamentais (ONGs) localizadas em municípios governados por rivais, contornando suas tentativas de reivindicar crédito pelos recursos.
  • 8
    Outra limitação dos artigos é a ausência de reflexão sobre as estratégias de comunicação dos partidos para garantir o credit claiming. No Brasil, trabalhos mais recentes vêm buscando coibir esta lacuna (Simoni Jr., 2022).
  • Declaração de disponibilidade dos dados
    Os dados utilizados nesta pesquisa, bem como os códigos empregados na construção dos gráficos, estão disponíveis em repositório digital público: <https://github.com/tomaspborges/artigos>. Informações adicionais ou materiais complementares podem ser fornecidos mediante solicitação razoável.
  • Financiamento
    Este artigo contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

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Disponibilidade de dados

Os dados utilizados nesta pesquisa, bem como os códigos empregados na construção dos gráficos, estão disponíveis em repositório digital público: <https://github.com/tomaspborges/artigos>. Informações adicionais ou materiais complementares podem ser fornecidos mediante solicitação razoável.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2024
  • Revisado
    21 Maio 2025
  • Aceito
    02 Jul 2025
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