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Mídia e democracia: falsas confluências

Medias et democracie: fausses confluences

Media and democracy: false convergences

Resumos

Este trabalho pretende demonstrar as falsas confluências do papel da mídia em relação à democracia e às teorias políticas acerca da democracia. Para tanto, procura-se refletir criticamente sobre os argumentos: a) que naturalizam o fato de a notícia ser uma mercadoria, b) voltados aos (supostos) fins públicos da mídia, embora seus órgãos sejam em larga medida privados e c) que vinculam esses órgãos aos valores liberal-democráticos. Assim, o texto procura demonstrar ao mesmo tempo a ausência e a necessidade de anteparos - consubstanciados na teoria dos freios e contrapesos - aos poderes constituídos, sobretudo da mídia; apontar o paradoxo da intermediação entre as esferas pública e privada realizada pela mídia e questionar até que ponto a mídia realiza a idéia de que quem controla deve ser controlado, sobretudo em um mundo em que as comunicações ampliaram sua atuação para dimensões planetárias. Conclui-se que a democracia somente poderá efetivar-se caso haja controles democráticos sobretudo sobre a mídia, assim como urge criarem-se, em escalas nacional e internacional, meios públicos de informação: nem privados nem estatais.

mídia; democracia; teoria da democracia; controles democráticos


Ce travail vise montrer les fausses confluences du rôle des médias par rapport à la démocracie et aux théories politiques concernant la démocracie. A cet effet, nous essayons de réfléchir de façon critique sur les arguments: a) rendant naturel le fait que les informations soient une marchandise, b) tournés vers les (soi-disant) buts publics des médias, bien que leurs organismes soient privés et c) reliant ces organismes aux valeurs libéro-démocratiques. Ainsi, le texte cherche à montrer à la fois l'absence et le besoin de supports - personnifiés dans la théorie des freins et des contrepoids - face aux pouvoirs constitués, surtout les médias& souligner le paradoxe de l'intermédiation entre les secteurs public et privé, effectuée par les médias et vérifier dans quelle mesure les médias contribuent à l'idée que celui qui contrôle doit être contrôlé, surtout dans un monde où les communications ont élargi leur rôle dans des dimensions planétaires. La conclusion est que non seulement la vraie démocracie ne s'établira que si des contrôles démocratiques surtout sur les médias soient mis place, mais encore que des moyens d'informations publics, ni privé ni appartenant à l'état, soient créés d'urgence sur le plan national.

médias; démocracie; théorie de la démocracie; contrôles démocratiques


This articles discusses the false convergence between the role of the media in promoting democracy and political theories of democracy. With this purpose in mind, we propose critical reflections on arguments that: 1) naturalize the fact that "the news" is a commodity; b) focus on the (supposedly) public goals of the media, in spite of the reality that their agencies are largely private; c) link these agencies to liberal- democratic values. Thus, the text attempts to show both the absence of and need for shields - personified in the theories of weights and counterbalances - against the powers that be, particularly those of the media. We point to the paradox involved in the media's role as intermediary between public and private spheres and question the degree to which the media permit fulfillment of the idea that those have control should be controlled, particularly in a world in which communication has extended its action to the planetary level. We conclude that democracy can only be made effective if democratic controls over the media are exercised; this makes the creation of national and international level public information media that would be neither privately nor state owned and managed.

media; democracy; democratic theory; democratic control


DOSSIÊ MÍDIA E POLÍTICA

Mídia e democracia: falsas confluências1 1 Este artigo é uma derivação, crítica e rediscutida, do projeto de pesquisa que desenvolvi, intitulado A agenda da transformação, referente à construção da agenda ultraliberal no Brasil, e que foi financiado pelo Núcleo de Pesquisas e Publicações (NPP) da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

Media and democracy: false convergences

Medias et democracie : fausses confluences

Francisco C. P. Fonseca

RESUMO

Este trabalho pretende demonstrar as falsas confluências do papel da mídia em relação à democracia e às teorias políticas acerca da democracia. Para tanto, procura-se refletir criticamente sobre os argumentos: a) que naturalizam o fato de a notícia ser uma mercadoria, b) voltados aos (supostos) fins públicos da mídia, embora seus órgãos sejam em larga medida privados e c) que vinculam esses órgãos aos valores liberal-democráticos. Assim, o texto procura demonstrar ao mesmo tempo a ausência e a necessidade de anteparos – consubstanciados na teoria dos freios e contrapesos – aos poderes constituídos, sobretudo da mídia; apontar o paradoxo da intermediação entre as esferas pública e privada realizada pela mídia e questionar até que ponto a mídia realiza a idéia de que quem controla deve ser controlado, sobretudo em um mundo em que as comunicações ampliaram sua atuação para dimensões planetárias. Conclui-se que a democracia somente poderá efetivar-se caso haja controles democráticos sobretudo sobre a mídia, assim como urge criarem-se, em escalas nacional e internacional, meios públicos de informação: nem privados nem estatais.

Palavras-chave: mídia; democracia; teoria da democracia; controles democráticos.

ABSTRACT

This articles discusses the false convergence between the role of the media in promoting democracy and political theories of democracy. With this purpose in mind, we propose critical reflections on arguments that: 1) naturalize the fact that "the news" is a commodity; b) focus on the (supposedly) public goals of the media, in spite of the reality that their agencies are largely private; c) link these agencies to liberal- democratic values. Thus, the text attempts to show both the absence of and need for shields – personified in the theories of weights and counterbalances – against the powers that be, particularly those of the media. We point to the paradox involved in the media's role as intermediary between public and private spheres and question the degree to which the media permit fulfillment of the idea that those have control should be controlled, particularly in a world in which communication has extended its action to the planetary level. We conclude that democracy can only be made effective if democratic controls over the media are exercised; this makes the creation of national and international level public information media that would be neither privately nor state owned and managed.

Keywords: media; democracy; democratic theory; democratic control.

RÉSUMÉ

Ce travail vise montrer les fausses confluences du rôle des médias par rapport à la démocracie et aux théories politiques concernant la démocracie. A cet effet, nous essayons de réfléchir de façon critique sur les arguments: a) rendant naturel le fait que les informations soient une marchandise, b) tournés vers les (soi-disant) buts publics des médias, bien que leurs organismes soient privés et c) reliant ces organismes aux valeurs libéro-démocratiques. Ainsi, le texte cherche à montrer à la fois l'absence et le besoin de supports – personnifiés dans la théorie des freins et des contrepoids – face aux pouvoirs constitués, surtout les médias& souligner le paradoxe de l'intermédiation entre les secteurs public et privé, effectuée par les médias et vérifier dans quelle mesure les médias contribuent à l'idée que celui qui contrôle doit être contrôlé, surtout dans un monde où les communications ont élargi leur rôle dans des dimensions planétaires. La conclusion est que non seulement la vraie démocracie ne s'établira que si des contrôles démocratiques surtout sur les médias soient mis place, mais encore que des moyens d'informations publics, ni privé ni appartenant à l'état, soient créés d'urgence sur le plan national.

Mots-cles: médias; démocracie; théorie de la démocracie; contrôles démocratiques.

I. INTRODUÇÃO

Tendo em vista que tanto a teoria política acerca da democracia quanto a dinâmica dos regimes democráticos têm como pressuposto ser a "liberdade de expressão" um elemento crucial à idéia democrática – cujos desdobramentos são a pluralidade de opiniões e a responsabilização de sua emissão –, este trabalho objetiva refletir sobre as conseqüências teóricas e históricas dessa assertiva. Opta-se aqui por aceitar metodologicamente as premissas – aliás afirmadas pelos próprios veículos de comunicação – de que a notícia é uma mercadoria, dado o caráter capitalista da esmagadora maioria das sociedades, e de que a democracia liberal permite a liberdade de expressão por meio da propriedade privada dos meios de comunicação. Dada a autodefinição da mídia como pilar da democracia liberal, pretende-se, assim, questionar a validade dessa vinculação entre democracia e mídia, a partir de uma perspectiva teórica em que toda forma de poder deve encontrar freios que a regulem.

Para discutirmos esses elementos, é fundamental enfatizar que a mídia promove a intermediação entre as esferas pública e privada, o que implica a atuação de atores privados mediando seja outros interesses privados, seja (principalmente) interesses públicos, coletivos, o que significa uma grave ambigüidade tendo em vista a própria mídia pertencer à esfera dos interesses privados, a começar por seu caráter empresarial. Além disso, em razão de, por um lado, haver um consenso teórico e histórico de que a mídia possui poder – de formar opinião e imagens, de influenciar agendas e os poderes constituídos – e de que, por outro lado, todos os poderes necessitam de anteparos, deve-se questionar quais são os controles democráticos existentes ao poder da mídia. É importante ressaltar que a teoria política de estirpe democrática consolidou-se fortemente por meio da tradição republicana afirmadora da necessidade de freios e contrapesos, que, por seu turno, influenciou decisivamente a constituição do Estado de Direito e a maneira de pensar a política moderna.

Todos esses fatores confluem para a premente necessidade de estabelecer-se controles democráticos a um poder cada vez mais sem controle – o da mídia, desde há muito considerado um quarto poder –, que, além do mais, torna-se ainda mais complexo em razão das novas tecnologias informacionais que alargam a esfera pública (a "sociedade global"), ao mesmo tempo em que ampliam o poder da mídia, pois tornado transnacional.

II. O PAPEL EMPRESARIAL DA MÍDIA E O CARÁTER MERCANTIL DA NOTÍCIA

Os órgãos da mídia, quando privados, são empresas capitalistas de comunicação2 2 Na verdade, sobretudo a partir da década de 1990 as empresas de comunicação cada vez mais ampliaram o seu espectro de atuação, por meio de fusões e aquisições, e transformaram-se em empresas de comunicação e entretenimento, com conseqüências importantíssimas no que tange à chamada "espetacularização" da política. Mais ainda, de modo crescente essas empresas vêm diversificando sua atuação nos mais distintos mercados, tanto em âmbito local como internacional, o que implica uma intrincada gama de interesses empresariais (comerciais e financeiros) que se entrecruzam, levando ao paroxismo o caráter mercantil da mídia. , que, portanto, objetivam o lucro. Segundo Max Weber, deve-se observar a relação entre capital e função ideológica, pois "Se ha dicho que el obvio cambio de opinión de determinados diarios franceses [...] puede explicarse simplemente por el hecho de que el importante capital invertido de forma fija por estas modernas empresas periodísticas justifica el aumento de su nerviosismo, y las hace depender del público, al detectarse cualquier inquietud entre éste, que suele traducirse en la anulación de pedidos, resultando esta situación comercialmente insoportable. [...]

[...] Debemos preguntarnos: qué significa el desarrollo capitalista en el interior de la propia prensa para la posición sociológica de la prensa en general, para el papel que desempeña en la formación de la opinión pública?" (WEBER, 1992, p. 255; grifos no original).

Assim, o papel mercantil da mídia torna-se distinto de seus similares de outros setores econômicos, pois, não bastasse o poder de modelar a opinião, sua mercadoria – a notícia – está sujeita a variáveis mais complexas e sutis do que as existentes nos produtos comuns. A necessidade de altos investimentos em capital fixo, sobretudo em virtude das novas tecnologias informacionais, faz que uma eventual perda de leitores e anunciantes cause prejuízos nessa atividade "de risco" que é a produção de informação. O poder da mídia implica, portanto, um instável equilíbrio entre: a) formar opinião, b) receber as influências de seus consumidores (leitores, ouvintes, telespectadores, internautas, entre outros) e sobretudo de toda a gama de fornecedores e anunciantes, além do próprio Estado (em virtude de questões tributárias e regulatórias), c) auferir lucro e d) atuar como aparelho privado de hegemonia3 3 Sobretudo a grande imprensa (notadamente a impressa) atua como aparelho privado de hegemonia. Apliquei essa categoria analítica (que convive com o caráter empresarial da mídia) aos principais jornais brasileiros em minha tese de doutoramento intitulada Divulgadores e Vulgarizadores: a grande imprensa e a constituição da hegemonia ultraliberal no Brasil (FONSECA, 2001). . A inversão de capital fixo apontada por Weber é, dessa forma, um elemento-chave nesse equilíbrio.

Observado esse elemento central, pode-se discutir o poder da mídia, dada a renitente afirmação, notadamente por parte de seus proprietários, da legitimidade do caráter mercantil da notícia, assim como o perfilhamento dos órgãos de comunicação às teses republicanas (liberal-democráticas). A notícia, portanto, tomada per se e enquanto "processo produtivo", é considerada similar a qualquer outra mercadoria – como os produtos agrícolas, industriais e serviços –, tornando-se irrelevante o fato de ser "imaterial". Como dissemos acima, aceitaremos essa premissa com vistas a analisar suas conseqüências.

O aspecto crucial a observar refere-se ao fato de que a notícia como mercadoria possui uma especificidade ausente dos outros tipos de mercadoria. Afinal, sua utilização pode causar danos a pessoas, instituições, grupos sociais e sociedades, na medida em que, no limite, as notícias possuem o poder de fabricar e distorcer imagens e versões a respeito de acontecimentos e fenômenos, simultaneamente à sua função de informar. É claro que não se trata de considerar o processo de informar como neutro, pois ele próprio submete-se a um conjunto de variáveis (como a visão do consumidor de notícias, das testemunhas e das fontes, assim como o próprio "processo produtivo" das notícias – intrinsecamente complexo). Mas entre essa impossibilidade intrínseca e os interesses políticos, econômicos e sociais dos proprietários privados dos meios de comunicação e suas eventuais bases de representação – enfatize-se: interesses aumentados pela ausência de controles sociais sobre a mercadoria notícia –, há um verdadeiro abismo.

Neste ponto deve-se evitar um duplo risco, que é o de considerar como possível uma neutralidade absoluta que, todavia, no limite seria inumana, assim como negligenciar a existência de um poder desmedido e largamente sem controles (democráticos) sobre a (in)formação da opinião – poder cada vez mais concentrado em escala internacional, nunca é demais sublinhar. A indagação que se coloca, então, é: quem controla, efetiva e democraticamente, o poder da mídia? Quais instituições servem-lhe de contrapeso?

Sendo assim, se a notícia é, de fato, uma mercadoria, é-o de um tipo especial e como tal necessita ser tratada de uma forma igualmente especial, tendo em vista as inúmeras conseqüências que pode acarretar (conseqüências que assumem cada vez mais dimensões planetárias). Como ilustração da repercussão social que as notícias podem ter – na forma estrita ou como boato, versões, insinuações, entre outras modalidades –, basta citarmos as elevações e quedas das bolsas de valores e das moedas em função de especulações muitas vezes iniciadas e/ou estimuladas pela mídia. Mais ainda, a exposição da vida privada de personagens públicos vem, freqüente e crescentemente, ocasionando danos morais às suas imagens, levando inclusive à interrupção de carreiras e ao estigma social: é por isso que a figura dos paparazzi é emblemática tanto da invasão da privacidade quanto do advento de uma sociedade – nesse sentido global – ávida pelo espetáculo, inclusive no âmbito político. Embora não adotemos aqui pressupostos pós-modernos, que imaginam as sociedades contemporâneas como "simulacros", a idéia de "espetacularização" da política e da sociedade – que se distingue do conceito de simulacro –, por meio da mídia, é um elemento crucial ao poder dos meios de comunicação.

Ocorre, assim, uma combinação, muitas vezes propositada, entre o "fato" e a versão, o "real" e o imaginário, o "acontecimento" e a ficção, em prejuízo de algo e/ou alguém (indivíduo ou coletivo). Portanto, essa "confusão" na mídia é, sob todos os aspectos, perniciosa à sociedade democrática. Note-se que não aceitamos a idéia de uma "verdade" única, pois impossível de observar-se, mas sim de uma imprensa que expõe as múltiplas "verdades", isto é, as múltiplas interpretações dos "fatos" (plurais portanto).

Ora, se essas conseqüências do poder da mídia, entre outras, são verdadeiras e, mais ainda, se todos os outros tipos de mercadoria, seus processos produtivos e seus proprietários são, de maneiras diversas, controlados por mecanismos governamentais e da sociedade, por que a mercadoria notícia não deveria submeter-se a mecanismos semelhantes? Note-se que, no Brasil, a produção e o comércio de mercadorias e serviços são controlados por órgãos distintos, como as procuradorias do consumidor (PROCONs), a Secretaria de Direito Econômico (SDE), as agências de regulação setoriais (como a Agência Nacional de Telefonia – ANATEL – e a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL), entre outros órgãos, além de entidades privadas sem fins lucrativos, como o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) – apenas para citar alguns.

É inegável que, em se tratando da informação, a tentação de estabelecer-se controles autoritários, censórios, é grande, o que é aliás comum na história brasileira; daí a preocupação com a liberdade de expressão necessariamente dever nortear qualquer mecanismo de controle que venha a constituir-se, tanto em nível nacional quanto internacional, repelindo-se portanto qualquer tentativa de censura (veremos abaixo algumas alternativas no que tange aos controles democráticos sobre a mídia). Mas não se pode ser conivente com a permissividade dos meios de comunicação, sob pena da legitimação de um efetivo poder sem controle e mesmo de um pensamento único; essa permissividade, em nome da liberdade de expressão, atua como verdadeira máquina de produção do consenso, podendo, no limite, "suprimir" vozes discordantes. Como ilustração, ressalte-se que as proposições neoliberais (que prefiro denominar de "ultraliberais", dada a radicalidade tanto das propostas como de sua forma de operar), tais como as privatizações, a diminuição do papel do Estado, a flexibilização do mercado de trabalho, o individualismo, entre outras, constituíram, a partir dos anos 1980, o chamado "pensamento único", na medida em que se configuraram em um programa de reforma de inúmeros estados nacionais assim como em pressuposto das agências multilaterais, sendo aceitas tais proposições pela maioria esmagadora da mídia em escala internacional4 4 Ver a crítica paradigmática a essa postura nas inúmeras publicações do periódico Le Monde Diplomatique. . Aos discordantes das chamadas "reformas orientadas para o mercado" coube a pecha de "neolíticos" por estarem dissonantes com os ventos do neoliberalismo5 5 Observei, em minha tese de doutoramento (FONSECA, 2001), como a grande imprensa brasileira veiculou a agenda ultraliberal no país, estigmatizando vigorosamente todos que se opusessem seja à própria agenda seja à forma de implementá-la. . Trata-se, portanto, de hegemonia, bloqueadora, contudo, de outras formas de pensar e, como tal, antidemocrática. Note-se que a unicidade de pensamento contraria a tradição que se requer liberal, pois essa tradição é afirmadora do pluralismo que, em rigor, constitui o cerne da preocupação liberal em seu veio político.

Por outro lado, não podemos nos esquecer de que, no século XX, possuir um meio de comunicação, sobretudo com abrangência razoável, requer imensos recursos econômicos, tornando-se proibitivo à maioria absoluta dos grupos sociais, aumentando assim o temor dos liberais democráticos.

Portanto, é paradoxal observar que justamente as empresas de comunicação sejam as menos controladas (em termos democráticos, reitere-se) em relação aos outros tipos de capital. Afinal, obter a hegemonia sempre foi o objetivo dos grupos detentores das diversas formas de poder nas sociedades em que o Estado tornou-se "ampliado"6 6 No sentido conceituado por Antonio Gramsci de "Estado ampliado", isto é, "coerção + consenso". . Mais ainda: uma das mais fortes críticas desferidas aos regimes socialistas dizia respeito justamente à impossibilidade do dissenso, em razão do controle estatal dos meios de comunicação. Ou, em outras palavras, do pensamento único, na esteira da unicidade partidária e do monopólio produtivo por parte do Estado, supressor das iniciativas particulares, entre as quais a liberdade de imprensa.

Ora, a situação não seria semelhante em países, como o Brasil, em que há verdadeiros monopólios e oligopólios da comunicação, formais e informais, sem que o Estado e a sociedade possuam instrumentos eficazes para contê-los, que não o jogo do mercado e a Justiça7 7 Em um mercado tão pouco competitivo como o brasileiro, sobretudo no setor de periódicos e de emissoras de televisão, o mercado certamente não é o locus central com vistas à maior democratização do acesso à informação. Aliás, dificilmente o mercado per se possui essa função. Quanto ao poder Judiciário, dado inexistir, na prática, uma lei de imprensa no Brasil, à Justiça cabe julgar os crimes específicos da imprensa por meio das leis gerais dos crimes contra a honra, o que faz que, por exemplo, o direito de resposta, crucial à democracia e à própria honra dos atingidos, seja extremamente frágil no Brasil. Embora haja uma Lei de Imprensa, que data de 9 de fevereiro de 1969, Lei n. 5 520, ela reflete o arcabouço jurídico do Ato Institucional n. 5; por isso, não é utilizada na prática, o que faz que o julgamento dos "crimes de opinião" submetam-se aos códigos Civil e Penal, reconhecidamente insuficientes quanto à punição dos "abusos da opinião", sobretudo por parte dos proprietários dos meios de comunicação. Não bastasse isso, a lei e o aparato judiciário são condições necessárias mas jamais suficientes para a democratização dos meios de comunicação, dada sua necessidade de controles sociais. , sabidamente insuficientes? Apesar de a existência do multipartidarismo, de diversos proprietários de meios de comunicação e do Estado não ser onisciente nem onipresente, não haveria aqui, de certa forma, em perspectiva histórica, um certo consenso forjado8 8 "O consenso forjado" é, aliás, o título que dei ao meu livro sobre o papel da grande imprensa perante a formação da agenda ultraliberal no Brasil, a ser publicado em setembro de 2004 pela editora Arquivo do Estado, São Paulo. por uma sociedade efetivamente não "poliárquica"?

Ocorre que a grande mídia, concebida como ator político-ideológico, deve ser compreendida "[...] fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social" (CAPELATO & PRADO, 1980, p. XIX). Afinal, a mídia representa, por meio de seus órgãos, uma das instituições mais eficazes no que tange à inculcação de idéias em relação a grupos estrategicamente reprodutores de opinião – constituídos pelos estratos médios e superiores da hierarquia social brasileira –, caracterizando-se seus órgãos como pólos de poder.

Assim, uma vez mais a questão apresenta-se: quais mecanismos controlam o quarto poder, sobretudo em um país como o Brasil e mais ainda em um mundo em que a esfera pública vem-se ampliando em escala planetária, além do poder dos oligopólios comunicacionais9 9 Para diversos autores, o mundo passaria por uma verdadeira compressão do espaço e do tempo, que se configuraria como uma das características da contemporaneidade. Em outras palavras, as informações são cada vez mais transmitidas em tempo real – em linha –, encurtando brutalmente o tempo de sua "geração" assim como, especialmente, de sua propagação (transmissão) em escala planetária. Dessa forma, nesse mundo encurtado por satélites, fibras óticas, tevês a cabo, agências noticiosas, jornais e revistas impressos simultaneamente em diversos países (em inglês, língua cada vez mais falada e mesmo traduzida para as línguas nativas); nesse mundo a mídia vem crescentemente extrapolando mais ainda sua influência, pois estendida agora ao planeta. É claro que não falamos de qualquer mídia, isto é, das que se encontram na periferia do sistema. A grande mídia, aquela que influencia suas congêneres nacionais e em conseqüência a população mundial, encontra-se na sede do capitalismo internacional. Assim, se a esfera pública tornou-se cada vez mais global – a ponto de podermos falar de uma agenda planetária, que envolve temas como capital financeiro, cadeia produtiva, miséria, migração, meio ambiente, direitos humanos, armas nucleares, drogas e inúmeros outros – e, se, além disso, a mídia procura, a partir de interesses privados, traduzir e intermediar relações sociais na esfera pública, qual o controle democrático que os cidadãos comuns, agora em dimensão internacional, possuem sobre ela? Se a questão já era complexa em escala nacional, torna-se ainda mais problemática quando pensamos que o "mundo está menor" na medida em que certas fronteiras estão sendo diluídas . Portanto, a compressão espaço-temporal implica o alargamento da esfera pública, pois cada vez menos exclusivamente nacional, devido à crescente "internacionalização" (em sentido amplo). ?

III. O PAPEL PRIVADO DA MÍDIA VERSUS SUA ATUAÇÃO PÚBLICA

Para além do caráter mercantil da notícia, em perspectiva teórica a distinção entre a esfera pública e a esfera privada – conceitos por excelência controversos – encontrou um verdadeiro divisor de águas com as revoluções burguesas, sobretudo a Revolução Francesa, pois inaugurou um novo conceito de liberdade, agora identificado com o mundo privado – por meio, inicialmente, do mercado – e politologicamente definido como pertencente ao caráter negativo da idéia de liberdade. O liberalismo clássico do século XIX afirmou-o enfaticamente, encontrando nas figuras de Benjamin Constant, John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville, entre outros (mesmo que com distinções importantes entre eles), expressões máximas de seu desenvolvimento. Esses autores representam a tradição que melhor expressou os dilemas – de um ponto de vista liberal – acerca do que conteriam ambas as esferas10 10 É interessante observar que, no século XX, autores ultraliberais, como Von Mises, Milton Friedman e sobretudo Friedrich Von Hayek, entre outros, superaram esse dilema ao associar liberdade a privatismo. Em outras palavras, a esfera privada e, nela, o mercado, seriam sinônimos de liberdade. Daí a conhecida denominação de "liberismo" conferida a esta corrente. .

Afinal, segundo esse conceito de liberdade, o espaço privado, que seria garantido fundamentalmente por um Estado de Direito, possibilitaria ao indivíduo, tornado igual a seus semelhantes perante a lei, poder fazer tudo o que quisesse sem ser impedido, assim como deixar de fazê-lo sem ser obrigado a agir em um sentido que não desejasse (em ambos os casos, desde que não infringisse direitos alheios). Para tanto, a condição que permite ambas as possibilidades refere-se justamente à linha limítrofe que separa o público do privado; ou seja, refere-se à existência de direitos definidos aprioristicamente, embora de modo não estático, na medida em que cambiáveis historicamente, no sentido de configurar o que é público, portanto pertencente aos interesses comuns (mas não necessariamente iguais) de todos, e o que diz respeito apenas às individualidades11 11 O imaginário popular referenda essa distinção conceitual por meio da expressão: "o meu direito termina quando começa o seu". . Como observado por Bobbio, em busca de uma compreensão da política moderna, cotejada à antiga, à guisa de Benjamin Constant: "O tema fundamental da Filosofia Política moderna é o tema dos limites, umas vezes mais restritos, outras vezes mais amplos conforme os autores e as escolas, do Estado como organização da esfera política, seja em relação à sociedade religiosa, seja em relação à sociedade civil (entendida como sociedade burguesa ou dos privados)" (BOBBIO, 1986, p. 960).

Ora, no século XIX, o referido Constant, em sua famosa obra acerca da Liberdade dos antigos comparada à dos modernos, mostrou-nos o sentido privatista da liberdade para o homem moderno posterior às revoluções burguesas – esse mesmo privatismo, inclusive, faria degenerar a esfera pública se extremado12 12 O privatismo, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, faz do homem uma espécie de " homoshopping" (com o perdão do neologismo), isto é, aquele que se concebe como homem por meio de tudo o que cerca o universo do consumo, como a propaganda e a cultura do descartável, culminando naquilo que Rousseau, no século XVIII, antevia: a transformação do homem em um ser que é o que possui. Por fim, cabe lembrar que, no século XIX, o liberalismo afirmou o individualismo possessivo como forma de expressar a confiança sem limites na idéia de apropriação e de posse capitalistas. . Apesar dessa ressalva, Constant não só diagnosticou o significado da liberdade moderna como o defendeu: para ele, ao cidadão caberia rogar "[...] à autoridade de permanecer em seus limites. Que ela se limite a ser justa; nós nos encarregamos de ser felizes" (CONSTANT, 1982, p. 24).

Se a separação entre as esferas pública e privada, por um lado, e o privatismo, por outro, marcam o mundo moderno, resultando na separação entre os poderes e impedindo com isso a tirania do poder do Estado, autores como Stuart Mill e Tocqueville temeram um outro tipo de tirania. Essa tirania não proviria mais do Estado e sim da própria sociedade, na medida em que o poder da maioria, sobretudo da opinião majoritária, igualmente resultaria em tirania, a tirania da maioria, com efeitos semelhantes à historicamente temida tirania estatal, tão cara ao pensamento republicano e ao pensamento liberal13 13 É interessante observar que a novela literária contemporânea, também adaptada ao cinema, mostra-nos dois exemplos paradigmáticos do controle totalitário. O primeiro, tornado um clássico, é o famoso 1984, típico do período posterior à 2ª Guerra Mundial, em que o " Big Brother" estatal tudo vê e controla. O segundo, contemporâneo, é o Truman Show, em que uma criança, ainda no ventre da mãe, é comprada por um proprietário de uma rede de televisão, tornando sua vida um espetáculo visto 24 horas por telespectadores, vivida em uma cidade-estúdio em que o único personagem real, Truman, é visto por todos por meio de 18 000 câmeras ocultas: o controle do capitalismo sobre a vida das pessoas é caricatural mas real nessa novela. .

Stuart Mill, em seu clássico Sobre a liberdade, ao relatar a sanha persecutória de caráter moralista a comportamentos pouco usuais (como era o caso da poligamia dos mórmons na Inglaterra do século XIX), temia os seus efeitos, pois, para ele, "[...] a opinião de semelhante maioria, imposta como lei à minoria, em questões de conduta estritamente individual, tanto pode ser certa como errada. Nesses casos, a opinião pública, na melhor hipótese, significa a opinião de algumas pessoas sobre o que é bom ou mau para outras pessoas" (MILL, 1991, p. 149).

Essa assertiva certamente permanece válida, sobretudo no que tange à mídia que, por vezes, contribui para tal caráter persecutório, mesmo que de maneira mais sofisticada no mundo contemporâneo14 14 Basta observar qual a imagem que a mídia brasileira como um todo faz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, por exemplo, que, para além de seus erros e problemas, expressa um problema real e uma demanda legítima. Já em escala internacional, o mesmo pode-se dizer em relação a países como Cuba e Líbia, a líderes como Fidel Castro e Hugo Chávez, entre outros, que, independentemente de suas virtudes e defeitos, são estigmatizados liminarmente. , o que coloca em xeque o pluralismo. Segundo Mill, haveria (em relação aos mórmons) uma: "[...] linguagem de manifesta perseguição usada pela imprensa deste país quando chamada a noticiar o notável fenômeno dos mormonismo" (idem, p. 161)15 15 Deve-se ressalvar, por outro lado, que a tradição marxista nega a existência de uma esfera pública, dado o caráter de classes das sociedades capitalistas. Afinal, haveria uma vinculação inescapável de cada indivíduo aos seus interesses de classe. .

Já Tocqueville, no clássico Da democracia na América16 16 Paradoxalmente, essa obra é a mais citada entre os políticos norte-americanos. , notabilizou o temor de que as sociedades, mesmo as institucionalmente democráticas, produzissem "tiranias da maioria". Para ele, nos EUA, a "[...] maioria [...] exerce uma autoridade real prodigiosa e um poder de opinião quase tão grande; não existem obstáculos que possam impedir, ou mesmo retardar, o seu progresso, de modo a fazê-lo atender às queixas daqueles que ela esmaga no seu caminho. Esse estado de coisas é em si mesmo prejudicial e perigoso para o futuro [...]" (TOCQUEVILLE, 1969, p. 132-133)17 17 Tocqueville também acreditava na proliferação de órgãos de comunicação que, dessa forma, exerceriam socialmente um controle mútuo. Essa idéia, contudo, parece não ter vigorado em nenhum lugar do mundo. . Essas palavras soam, hoje, proféticas!

No que tange à expressão opinião pública, referida diretamente por Mill e indiretamente por Tocqueville, ela continua sendo utilizada abundantemente no debate público contemporâneo, sobretudo pela grande imprensa escrita, que se coloca como sua representante. Trata-se de um falso conceito, como o próprio Mill apontara, pois: a) há inúmeras interpretações conceituais, o que faz desse conceito um verdadeiro campo minado, tal a divergência quanto às suas premissas; b) "opinião pública" para os grandes jornais brasileiros significa a "opinião" de seus leitores, isto é, cerca de 15 milhões de pessoas (em uma perspectiva superestimada), de um universo de 170 milhões de habitantes – ou seja, são as classes médias e proprietárias, tratando-se, portanto, de uma expressão absolutamente restritiva18 18 Esses dados constam da entrevista concedida por Otavio Frias Filho (da Folha de S. Paulo) a este pesquisador. Para ele, a pequena circulação dos jornais no Brasil não seria propriamente um problema, em razão de atingir a grupos fundamentais, pois: "[...] é uma audiência de qualidade, quer dizer, são formadores de opinião, são os chamados profissionais liberais, técnicos, empresários, sindicalistas, professores universitários, são pessoas que têm nas suas perspectivas finalidades de peso em termos de formar opinião. Mas são audiências restritas. A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) tem uma estimativa de que diariamente circulariam no Brasil algo como quatro ou cinco milhões de exemplares. De acordo com os padrões internacionais, normalmente se aceita a faixa de dois a três leitores por exemplar de jornal. Então, em uma expectativa otimista, o Brasil teria quinze milhões de pessoas lendo jornais, algo como dez por cento da população. Eu diria que o universo que os jornais realmente atingem não está muito longe disto. [...] A audiência da imprensa é uma audiência qualitativamente muito importante, mas quantitativamente pequena. E é um público basicamente de classe média. [...] A gente não está fazendo uma interlocução com o conjunto da sociedade, mas [...] com um setor mais ou menos bem definido ideologicamente: a classe média urbana com um bom nível de escolaridade. O público do jornal é esse, a base social dos jornais é essa e a interlocução que a gente tem é com esse tipo de pessoa" (FRIAS FILHO, 2001; sem grifos no original). Evidencia-se, portanto, o que é "opinião pública" para a grande imprensa. – e c) mais importante, essa expressão é invocada pelos jornais, em inúmeras situações, simplesmente para identificar sua própria opinião (igualmente ao que apontara Mill no século XIX), que, embora privada, pretende passar-se por "pública". Além do mais, segundo a iluminadora discussão de Pierre Laborie, deve-se repelir o uso indiscriminado (e popularizado) dessa expressão, pois representa uma verdadeira armadilha. Assim, para o autor, "[...] élucider clairement et justifier l'usage retenu de la notion d'opinion ou d'opinion dominante, préférable à opinion publique car moins restrictive, moins contraignante et moins sujette à chicane. [...] La pluralité d'expression de l'opinion n'est pas incompatible avec l'existence d'un mouvement dominant, de durée et d'amplitude variables. [...]

L'opinion est perpétuellement en état de changement, avec des rythmes saccadés, des régressions, des balancements, sans la progression linéaire d'une direction logique. [...]

[...] Les représentations mentales, articulation essentielle entre le fait, les réactions provoquées et leurs conséquences, doivent donc devenir un objet d'histoire. Elles s'avèrent d'une importance primoridale dans l'étude de l'opinion" 19 19 "[...] Elucidar claramente e justificar o uso consagrado da noção de 'opinião' ou de 'opinião dominante', preferível a 'opinião pública', pois menos restritiva, menos coercitiva e menos sujeita a confusões. [...] A pluralidade de expressões de opinião não é incompatível com a existência de um movimento dominante, de duração e amplitude variáveis. [...] A opinião está perpetuamente em estado de mudança, com ritmos convulsionados, regressões, balanços, sem a progressão linear de uma direção lógica. [...] [...] As representações mentais, articulação essencial entre o fato, as reações provocadas e suas conseqüências, devem portanto tornar-se um objeto da história. Elas demonstram ser de uma importância primordial no estudo da opinião" (Tradução livre do revisor). (LABORIE, 1991, p. 161-164; sem grifos no original).

Como se observa nessa passagem, "opinião pública" implica movimento, dinamismo, transformação e não a cristalização de uma certa opinião. Em razão das influências dos grupos que formam a opinião "dominante", o seu caráter "público" significa, na verdade, a expressão dessa dominância e não a discussão descompromissada de temas com vistas a extrair a "melhor posição". Por tudo isso, "opinião pública" funciona como uma expressão estratégica e fundamentalmente voltada muito mais a encobrir – interesses particularistas e privados – do que a revelar. Daí a descartarmos como conceito analítico, assim como as elaborações habermasianas.

Por fim, cabe dizer que a mídia representa uma instituição em que "[...] se mesclam o público e o privado, [em que] os direitos dos cidadãos confundem-se com os do dono do jornal [no caso da imprensa escrita]. Os limites entre uns e outros são muito tênues" (CAPELATO, 1988, p. 18; 1989). Em outras palavras, a mídia movimenta-se e nutre-se desse ambiente indefinido constituído pelo interesse e pela opinião privados mas que se manifestam como públicos. Por mais que possam também atuar em uma perspectiva pública, sempre estarão presos os meios de comunicação privados a interesses e compromissos privados e mercantis e, o que é essencial, desprovidos de controles efetivos por parte da sociedade e do Estado.

IV. A MÍDIA E AS TEORIAS POLÍTICAS SOBRE A DEMOCRACIA

Como não pretendemos traçar aqui um panorama amplo das teorias políticas sobre a democracia, e sim levantar um problema comum a elas, basta-nos realçar que essas teorias sorvem-se, em larga medida, de autores e experiências históricos sintetizados em O federalista, assim como em Stuart Mill e Tocqueville, como vimos. Por isso é que podemos compreender a famosa sentença de Madison acerca da natureza humana, que certamente pode, e deve, estender-se à mídia: "Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governo. Se os homens fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos do governo. Ao constituir-se um governo [...], a grande dificuldade está em que se deve, primeiro, habilitar o governante a controlar o governado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo. [...] Essa política de jogar com interesses opostos e rivais [...] pode ser identificada ao longo de todo o sistema das relações humanas, tanto públicas como privadas" (MADISON, 1990, p. 273).

Essa desconfiança em relação à natureza humana, tão bem demonstrada por Madison, como se sabe, não é nova na filosofia e na teoria políticas. Afinal, desde Maquiavel e sobretudo desde Hobbes, o ceticismo quanto à solidariedade entre os homens tornou-se marca registrada de diversas correntes de pensamento, culminando naquilo que o "espírito das leis" de Montesquieu e a "teoria dos cheks and balances" de O federalista sintetizaram como forma de controlar os homens detentores de poder, seja o poder do Estado (mais visível), seja o poder da sociedade, por meio de grupos que se tornam majoritários e impõem-se, em boa medida, por suas opiniões. Em outras palavras, se de um lado dever-se-ia controlar o cidadão comum por meio das autoridades, de outro lado as autoridades igualmente deveriam ser controladas, tanto por outros poderes – daí a famosa divisão entre os três poderes – quanto pelo próprio indivíduo. A isso se conceitua modernamente, como se sabe, de caráter "democrático" e "republicano" das instituições20 20 A experiência contemporânea, embora incipiente, dos chamados "governos eletrônicos" é muito interessante quanto a novas possibilidades de controles democráticos – embora também de riscos de concentração da informação – nos estados nacionais. .

Ora, reitere-se que a mídia, ao constituir-se como um quarto poder extra-institucional – embora republicano –, foi paulatinamente reconhecida como uma instituição política e sobretudo como pressuposto à democracia, a ponto de a adjetivação "democrática" só ser conferida a sociedades em que a livre manifestação da opinião, sobretudo por intermédio da mídia, exista. Tendo em vista esses pressupostos, cabe novamente a pergunta: quem controla o "quarto" poder? Enfatize-se que tal indagação é legatária da tradição republicana, que, em rigor e como vimos, preocupava-se com "a fiscalização dos fiscais" e com "o controle dos controladores". Trata-se, portanto, de uma via de mão dupla.

Por seu turno, a constituição de uma sociedade poliárquica implica fundamentalmente a democratização das instituições políticas, entre as quais a mídia tem presença obrigatória, pois, segundo Robert Dahl, em Um prefácio à teoria democrática, uma das pré-condições às sociedades que se queiram democráticas – isto é, o topo da poliarquia – é que "Todos os indivíduos devem possuir informações idênticas sobre as alternativas" (que disputam o poder, nos períodos eleitorais, por exemplo) (DAHL, 1989, p. 73). No Brasil, essa condição certamente é bastante tênue. O problema da democratização das instituições, sobretudo da mídia, permanece portanto crucial às teorias sobre a democracia, embora seja desenvolvido de modo insuficiente21 21 Para uma posição distinta da nossa, sobretudo relativamente às metamorfoses da democracia, cuja mídia ocupa um papel diverso do que aqui consideramos, ver de Bernard Manin, entre outros textos desse autor: Manin (1997) e Przeworski, Stokes e Manin (1999). pelas teorias que se debruçam sobre elas22 22 Essa questão foi discutida por Luís Felipe Miguel, para quem "[...] uma teoria da democracia válida deve ser uma ferramenta para a compreensão da arena política nas sociedades contemporâneas reais, isto é, sociedades de classe, cindidas por profundas clivagens e desigualdades, inseridas em ambiente transnacionalizado"; por outro lado, segundo o autor, "[...] o acesso à mídia impõe-se como um dos principais pontos de estrangulamento das democracias contemporâneas – e, portanto, como um dos principais desafios àqueles que se dispõem não apenas a compreender o funcionamento das sociedades democráticas, mas também a aprimorá-lo" (MIGUEL, 2000, p. 67; grifos no original). É interessante observar, por outro lado, que mesmo teorias conservadoras acerca da democracia, tais como a chamada "teoria econômica da democracia", concedem espaço privilegiado ao tema do acesso à informação (cf. DOWNS, 1999). .

Por fim, um tema central que move a Ciência Política contemporânea, mas perfeitamente extensível ao problema do poder da mídia, refere-se à questão da accountability. Termo de difícil tradução em termos políticos, implica por um lado transparência e responsabilidade dos que detêm o poder e, por outro lado, a possibilidade de o poder ser fiscalizado e sobretudo controlado. Ora, se isso é verdade em relação aos três poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário), por que não o deveria ser em relação ao poder da mídia e mesmo a outros pólos de poder, tais como o os militares, o capital, os cientistas, o Ministério Público, entre inúmeros outros?

V. ALTERNATIVAS PARA CONTROLAR-SE DEMOCRATICAMENTE A MÍDIA

Dado o inconteste poder da mídia, cujas conseqüências os grupos, classes sociais, indivíduos, organizações, empresas e países sentem direta e indiretamente, torna-se imperativo discutir quais medidas – em termos políticos, econômicos e sociais – poderiam exercer um controle democrático sobre as organizações de comunicação, em escala nacional e também internacional.

Do ponto de vista da sociedade brasileira, as iniciativas já consolidadas do Observatório da Imprensa e mesmo a Revista Imprensa cumprem um importante papel fiscalizatório que, no entanto, representam ainda apenas uma condição necessária, mas não suficiente – deve-se considerar, além do mais, a pequena abrangência dessas iniciativas –, seja para a denúncia dos oligopólios, seja para trazer à tona visões alternativas às da grande imprensa, seja, especialmente, para o franqueamento ao dissenso. Já em escala global, a tentativa de constituição de centros de informação independentes, tais como os sítios brasileiros Carta Maior e Ciranda, além dos internacionais Media Watch e Le Monde Diplomatique23 23 Os endereços eletrônicos desses órgãos são, respectivamente: http://www.cartamaior.uol.com.br/; http://carosamigos.terra.com.br/; http://www.cirandabrasil.net/; http://www.mediawatch.org/ e http://www.lemonde.fr/. , entre inúmeros outros, não apenas se utilizam da internete como veículo de informação global como, principalmente, avaliam os grandes jornais, revistas, agências noticiosas e emissoras de televisão. Procuram demonstrar, assim, outros lados, outras vozes e outras interpretações dos fenômenos que tendem a ser retratados de maneira homogênea pelos grandes grupos de comunicação. Esses novos organismos estimulam o surgimento de jornais e revistas, não vinculados a grandes grupos – é a situação, na grande imprensa brasileira, das revistas Carta Capital e Caros Amigos. Tudo isso conflui para a idéia de que "um outro mundo é possível", lema do Fórum Social Mundial, cujo tema da informação plural é fundante.

No que tange ao âmbito político-legal dos controles democráticos, pode-se citar, entre outras, as iniciativas referentes à forma como as concessões de emissoras de rádio e televisão são efetuadas, isto é, a necessidade de ampliar-se o escopo de participação da sociedade no sistema decisório, sobretudo por meio do fortalecimento do recém-criado Conselho de Comunicação Social; a concessão e mesmo o estímulo governamental em termos de crédito, que poderia ocorrer, às emissoras de rádio e televisão livres (comunitárias), que, no Brasil, foram abarcadas por grupos evangélicos em larga medida descompromissados com os valores democráticos; o rigoroso impedimento da concentração acionária dos veículos de comunicação e a proibição de que um mesmo proprietário possua diversas modalidades de meios de comunicação, como existem em determinados países europeus, entre inúmeras outras medidas.

Em relação a iniciativas mais enfaticamente políticas, podemos citar como possível – dado que são iniciativas abertas à inventividade – a criação de conselhos pluralistas provindos da sociedade, seja no Congresso Nacional, seja ainda em fóruns temáticos, mesmo que consultivos, e sobretudo nas emissoras de televisão e de rádio, pois poderiam retirar dos proprietários dos meios de comunicação "social" (como são chamados) o exclusivo poder de fazerem-se "ver e ouvir" em uma determinada sociedade. Mais ainda: a existência de periódicos impressos e de todas as modalidades de comunicação públicos, porém não estatais – à guisa das televisões educativas e mesmo da BBC inglesa –, poderiam prestar serviços relevantes ao debate público, dando voz aos que os agentes privados da mídia muitas vezes recusam-se a fazê-lo. Por fim, a experiência do "ombudsman", vigente no jornal Folha de S. Paulo, certamente poderia contribuir com uma mídia mais democrática se esse profissional se transformasse em um ombudsman público, isto é, não vinculado funcionalmente aos órgãos, mas sim à sociedade, que o indicaria, pago, contudo, pelos próprios órgãos, dado o impacto público da atividade privada da imprensa. Afinal, assim como ocorre hoje no jornal Folha de S. Paulo, o jornalista somente tem estabilidade por dois anos, com claras implicações em sua autonomia após o desligamento do cargo. Trata-se de um altíssimo risco, o que faz que, embora um avanço na imprensa, o ombudsman indicado pelo jornal legitime estruturalmente as práticas pouco democráticas, característica, aliás, observável largamente na Folha24 24 Esses exemplos são apenas uma amostra das inúmeras possibilidades – um tanto quanto controvertidas – de controles democráticos dos meios de comunicação. Em razão de espaço não podemos aprofundá-los e consideramos suficiente, para os fins desta discussão, apenas ilustrar com alguns exemplos. .

Assim, a luta pelo controle e democratização da mídia assume contornos de uma verdadeira guerra de posições – como nos ensinou Antonio Gramsci –, o que implica atuar em todos os campos possíveis, sem exceção. Afinal, o auto-elogio que a mídia como um todo faz de si em relação à sua capacidade investigativa sobre o poder do Estado e sobre as autoridades é perfeitamente contemplada pela capacidade do próprio Ministério Público, por exemplo – entidade capaz, legal e tecnicamente, de promover investigações em concomitância às suspeitas e mesmo de maneira preventiva. Em outras palavras, o poder fiscalizatório e investigativo que a mídia auto-proclama-se pode e deve ser exercido por instituições de fato públicas, caso do Ministério Público, das organizações civis sem fins lucrativos e de determinadas organizações não-governamentais, entre inúmeros outros atores. Afinal, a mídia é um agente privado que objetiva fins privados: o lucro.

Essas alternativas justificam-se em razão de a mídia freqüentemente não ser o que diz ser (liberal e democrata) nem fazer o que professa (dar voz aos diversos lados). Daí a sua atuação, em determinadas conjunturas candentes, paralelamente ao seu papel estrutural de procurar influenciar a chamada "opinião pública", voltar-se à divulgação e mesmo à vulgarização de idéias, tornadas simples, generalizantes, contrapostas e unilaterais – caso da introdução da agenda ultraliberal no país (enfatize-se), cujo debate sobre a reversão do modelo de desenvolvimento foi simplesmente vetado. Trata-se, aí, de um exemplo gritante, pois o objetivo da mídia como um todo foi, nas décadas de 1980 e 1990, fundamentalmente, o da obtenção da hegemonia ultraliberal. Esse exemplo, contudo, é apenas um entre inúmeros outros25 25 É importante notar que todas as tentativas de regular minimamente a programação das televisões no Brasil na década de 1990 ocorreram por meio de "acordos de cavalheiros" entre o governo federal, sobretudo o Ministério da Justiça, e as emissoras de tevê, dado inexistirem mecanismos de controle por parte do Estado e da sociedade sobre os meios de comunicação. Os resultados concretos desses referidos acordos foram nulos, pois não alterou praticamente em nada a total liberdade das emissoras de decidir a programação que os brasileiros vêem. Por outro lado, iniciativas provindas da sociedade, como a da organização não-governamental TVer, é alvissareira quanto à tomada de consciência dos grupos sociais da necessidade de a sociedade mobilizar-se com vistas a democratizar a televisão brasileira. .

Por fim, cabe lembrar que, embora os receptores das mensagens não sejam autômatos, como bem nos lembram a vasta gama das teorias da recepção, este trabalho não apenas não está voltado a esse aspecto do problema como considera fundamental – paralelamente à preocupação teórica com os receptores – não se descurar das tramas e complexidades dos que emitem mensagens simultaneamente em perspectivas teórica e histórica26 26 As chamadas "teorias da recepção" vêm-se desenvolvendo como um campo próprio, relativamente autônomo, de reflexão e pesquisas. Casos notórios, dentre inúmeros outros em campos os mais distintos das comunicações, são as obras de Jesus Barbero. Para Barbero, "[...] a comunicação tornou-se para nós questão de mediações mais que de meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de reconhecimento. Um reconhecimento que foi, de início, operação de deslocamento metodológico para rever o processo inteiro da comunicação a partir de seu outro lado, o da recepção, o das resistências que aí têm seu lugar, o da apropriação a partir de seus usos" (BARBERO, 1997, p. 16; grifos no original). Para este autor, que interpela especificamente a cultura latino-americana, a recepção é mediada por lutas e resistências, o que faz que o conhecimento da dominação seja por excelência mais complexo. Já Michel De Certeau critica a razão técnica que arrogantemente imaginaria saber como melhor se organiza as pessoas e suas vidas, pois, para ele, o homem comum silenciosamente escaparia a esse mundo conformado na medida em que "inventaria" o cotidiano. Para tanto, utilizar-se-ia de estratégias sutis, alterando assim os códigos dominantes, o que implicaria uma reapropriação do espaço (em sentido amplo, sobretudo o simbólico). A própria língua e as diversas linguagens expressariam essas astúcias que passariam ao largo da cultura dominante. Como se observa, ambos os autores, embora distintos, apostam fortemente na capacidade não apenas interpretativa como ativa dos receptores, que, assim, transformariam as mensagens, mediando-as de inúmeras formas. .

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um mundo realmente democrático necessita controlar (democraticamente, reitere-se, apesar de tautológico e reiterativo) a mídia nos âmbitos nacional e mundial, tendo em vista atenuar o paradoxo da simultaneidade público-privado que ela contém e vem crescentemente expandindo em um mundo que rapidamente se torna cada vez mais homogêneo em termos de valores, em contraste ao aumento exponencial da desigualdade política e social.

Afinal, os modernos clássicos preocuparam-se e teorizaram sobre o tema das "paixões humanas" que, sem freios e contrapesos, levar-nos-iam à tirania; essas "paixões" podem ser traduzidas modernamente como interesses que, por sua vez, estão integralmente presentes no enorme poder que a mídia como um poder de fato possui em escala global. Daí, para muitos, o "quarto poder" representar, de fato, o "primeiro poder", dada a capacidade de influenciar a agenda política simultaneamente à atuação vigorosa enquanto empresas (conglomerados) capitalistas – sendo a notícia uma mercadoria. Essa mercadoria, contudo, difere das outras, haja vista as conseqüências que pode acarretar aos grupos sociais, tema que paradoxalmente é pouco desenvolvido pelas teorias políticas sobre a democracia, que, contudo, têm no tema do acesso à informação um pressuposto crucial.

Por isso, para que de fato a democracia possa materializar-se, com a mídia cumprindo assim um papel público em meio a um mundo privado, mercantil, e em franca compressão, urge tanto ações efetivas que controlem o seu poder como uma reflexão mais atenta por parte das teorias políticas acerca da democracia. Dessa forma, talvez reatualizemos o sonho dos modernos clássicos, isto é, o de que houvesse controles mútuos a todos os que detenham poder. Com isso, pode-se dizer que os controles democráticos sobre a mídia incidem, na verdade, diretamente na própria idéia de democracia, isto é, nos tão requeridos, e tão pouco exercidos, freios e contrapesos.

OUTRAS FONTES

Recebido em 1 de novembro de 2003

Aprovado em 8 de maio de 2004

Francisco C. P. Fonseca (frankiko@uol.com.br) é Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e Professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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  • FRIAS FILHO, O. 2001. Entrevista concedida a Francisco C. P. Fonseca São Paulo, mar.
  • 1
    Este artigo é uma derivação, crítica e rediscutida, do projeto de pesquisa que desenvolvi, intitulado
    A agenda da transformação, referente à construção da agenda ultraliberal no Brasil, e que foi financiado pelo Núcleo de Pesquisas e Publicações (NPP) da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
  • 2
    Na verdade, sobretudo a partir da década de 1990 as empresas de comunicação cada vez mais ampliaram o seu espectro de atuação, por meio de fusões e aquisições, e transformaram-se em empresas de comunicação e entretenimento, com conseqüências importantíssimas no que tange à chamada "espetacularização" da política. Mais ainda, de modo crescente essas empresas vêm diversificando sua atuação nos mais distintos mercados, tanto em âmbito local como internacional, o que implica uma intrincada gama de interesses empresariais (comerciais e financeiros) que se entrecruzam, levando ao paroxismo o caráter mercantil da mídia.
  • 3
    Sobretudo a grande imprensa (notadamente a impressa) atua como aparelho privado de hegemonia. Apliquei essa categoria analítica (que convive com o caráter empresarial da mídia) aos principais jornais brasileiros em minha tese de doutoramento intitulada
    Divulgadores e Vulgarizadores: a grande imprensa e a constituição da hegemonia ultraliberal no Brasil (FONSECA, 2001).
  • 4
    Ver a crítica paradigmática a essa postura nas inúmeras publicações do periódico
    Le Monde Diplomatique.
  • 5
    Observei, em minha tese de doutoramento (FONSECA, 2001), como a grande imprensa brasileira veiculou a agenda ultraliberal no país, estigmatizando vigorosamente todos que se opusessem seja à própria agenda seja à forma de implementá-la.
  • 6
    No sentido conceituado por Antonio Gramsci de "Estado ampliado", isto é, "coerção + consenso".
  • 7
    Em um mercado tão pouco competitivo como o brasileiro, sobretudo no setor de periódicos e de emissoras de televisão, o mercado certamente não é o
    locus central com vistas à maior democratização do acesso à informação. Aliás, dificilmente o mercado
    per se possui essa função. Quanto ao poder Judiciário, dado inexistir, na prática, uma lei de imprensa no Brasil, à Justiça cabe julgar os crimes específicos da imprensa por meio das leis gerais dos crimes contra a honra, o que faz que, por exemplo, o direito de resposta, crucial à democracia e à própria honra dos atingidos, seja extremamente frágil no Brasil. Embora haja uma Lei de Imprensa, que data de 9 de fevereiro de 1969, Lei n. 5 520, ela reflete o arcabouço jurídico do Ato Institucional n. 5; por isso, não é utilizada na prática, o que faz que o julgamento dos "crimes de opinião" submetam-se aos códigos Civil e Penal, reconhecidamente insuficientes quanto à punição dos "abusos da opinião", sobretudo por parte dos proprietários dos meios de comunicação. Não bastasse isso, a lei e o aparato judiciário são condições necessárias mas jamais suficientes para a democratização dos meios de comunicação, dada sua necessidade de controles sociais.
  • 8
    "O consenso forjado" é, aliás, o título que dei ao meu livro sobre o papel da grande imprensa perante a formação da agenda ultraliberal no Brasil, a ser publicado em setembro de 2004 pela editora Arquivo do Estado, São Paulo.
  • 9
    Para diversos autores, o mundo passaria por uma verdadeira compressão do espaço e do tempo, que se configuraria como uma das características da contemporaneidade. Em outras palavras, as informações são cada vez mais transmitidas em tempo real – em linha –, encurtando brutalmente o tempo de sua "geração" assim como, especialmente, de sua propagação (transmissão) em escala planetária. Dessa forma, nesse mundo encurtado por satélites, fibras óticas, tevês a cabo, agências noticiosas, jornais e revistas impressos simultaneamente em diversos países (em inglês, língua cada vez mais falada e mesmo traduzida para as línguas nativas); nesse mundo a mídia vem crescentemente extrapolando mais ainda sua influência, pois estendida agora ao planeta. É claro que não falamos de qualquer mídia, isto é, das que se encontram na periferia do sistema. A grande mídia, aquela que influencia suas congêneres nacionais e em conseqüência a população mundial, encontra-se na sede do capitalismo internacional. Assim, se a esfera pública tornou-se cada vez mais global – a ponto de podermos falar de uma agenda planetária, que envolve temas como capital financeiro, cadeia produtiva, miséria, migração, meio ambiente, direitos humanos, armas nucleares, drogas e inúmeros outros – e, se, além disso, a mídia procura, a partir de interesses privados, traduzir e intermediar relações sociais na esfera pública, qual o controle democrático que os cidadãos comuns, agora em dimensão internacional, possuem sobre ela? Se a questão já era complexa em escala nacional, torna-se ainda mais problemática quando pensamos que o "mundo está menor" na medida em que certas fronteiras estão sendo diluídas
    . Portanto, a compressão espaço-temporal implica o alargamento da esfera pública, pois cada vez menos exclusivamente nacional, devido à crescente "internacionalização" (em sentido amplo).
  • 10
    É interessante observar que, no século XX, autores ultraliberais, como Von Mises, Milton Friedman e sobretudo Friedrich Von Hayek, entre outros, superaram esse dilema ao associar liberdade a privatismo. Em outras palavras, a esfera privada e, nela, o mercado, seriam sinônimos de liberdade. Daí a conhecida denominação de "liberismo" conferida a esta corrente.
  • 11
    O imaginário popular referenda essa distinção conceitual por meio da expressão: "o meu direito termina quando começa o seu".
  • 12
    O privatismo, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, faz do homem uma espécie de "
    homoshopping" (com o perdão do neologismo), isto é, aquele que se concebe como homem por meio de tudo o que cerca o universo do
    consumo, como a propaganda e a cultura do descartável, culminando naquilo que Rousseau, no século XVIII, antevia: a transformação do homem em um ser que é o que possui. Por fim, cabe lembrar que, no século XIX, o liberalismo afirmou o individualismo possessivo como forma de expressar a confiança sem limites na idéia de apropriação e de posse capitalistas.
  • 13
    É interessante observar que a novela literária contemporânea, também adaptada ao cinema, mostra-nos dois exemplos paradigmáticos do controle totalitário. O primeiro, tornado um clássico, é o famoso
    1984, típico do período posterior à 2ª Guerra Mundial, em que o "
    Big Brother" estatal tudo vê e controla. O segundo, contemporâneo, é o
    Truman Show, em que uma criança, ainda no ventre da mãe, é comprada por um proprietário de uma rede de televisão, tornando sua vida um espetáculo visto 24 horas por telespectadores, vivida em uma cidade-estúdio em que o único personagem real, Truman, é visto por todos por meio de 18 000 câmeras ocultas: o controle do capitalismo sobre a vida das pessoas é caricatural mas real nessa novela.
  • 14
    Basta observar qual a imagem que a mídia brasileira como um todo faz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, por exemplo, que, para além de seus erros e problemas, expressa um problema real e uma demanda legítima. Já em escala internacional, o mesmo pode-se dizer em relação a países como Cuba e Líbia, a líderes como Fidel Castro e Hugo Chávez, entre outros, que, independentemente de suas virtudes e defeitos, são estigmatizados liminarmente.
  • 15
    Deve-se ressalvar, por outro lado, que a tradição marxista nega a existência de uma esfera pública, dado o caráter de classes das sociedades capitalistas. Afinal, haveria uma vinculação inescapável de cada indivíduo aos seus interesses de classe.
  • 16
    Paradoxalmente, essa obra é a mais citada entre os políticos norte-americanos.
  • 17
    Tocqueville também acreditava na proliferação de órgãos de comunicação que, dessa forma, exerceriam socialmente um controle mútuo. Essa idéia, contudo, parece não ter vigorado em nenhum lugar do mundo.
  • 18
    Esses dados constam da entrevista concedida por Otavio Frias Filho (da
    Folha de S. Paulo) a este pesquisador. Para ele, a pequena circulação dos jornais no Brasil não seria propriamente um problema, em razão de atingir a grupos fundamentais, pois: "[...] é uma audiência de qualidade, quer dizer, são
    formadores de opinião, são os chamados profissionais liberais, técnicos, empresários, sindicalistas, professores universitários, são pessoas que têm nas suas perspectivas finalidades de peso em termos de formar opinião. Mas são audiências
    restritas. A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) tem uma estimativa de que
    diariamente circulariam no Brasil algo como quatro ou cinco milhões de exemplares. De acordo com os padrões internacionais,
    normalmente se aceita a faixa de dois a três leitores por exemplar de jornal. Então, em uma expectativa otimista, o Brasil teria quinze milhões de pessoas lendo jornais, algo como dez por cento da população. Eu diria que o universo que os jornais realmente atingem não está muito longe disto. [...]
    A audiência da imprensa é uma audiência qualitativamente muito importante, mas quantitativamente pequena. E é um público basicamente de classe média. [...] A gente não está fazendo uma interlocução com o conjunto da sociedade, mas [...] com um setor mais ou menos bem definido ideologicamente:
    a classe média urbana com um bom nível de escolaridade. O público do jornal é esse, a base social dos jornais é essa e a interlocução que a gente tem é com esse tipo de pessoa" (FRIAS FILHO, 2001; sem grifos no original). Evidencia-se, portanto, o que é "opinião pública" para a grande imprensa.
  • 19
    "[...] Elucidar claramente e justificar o uso consagrado da noção de 'opinião' ou de 'opinião dominante', preferível a 'opinião pública', pois menos restritiva, menos coercitiva e menos sujeita a confusões. [...] A pluralidade de expressões de opinião não é incompatível com a existência de um movimento dominante, de duração e amplitude variáveis. [...]
    A opinião está perpetuamente em estado de mudança,
    com ritmos convulsionados, regressões, balanços, sem a progressão linear de uma direção lógica. [...]
    [...] As representações mentais, articulação essencial entre o fato, as reações provocadas e suas conseqüências, devem portanto tornar-se um objeto da história. Elas demonstram ser de uma importância primordial no estudo da opinião" (Tradução livre do revisor).
  • 20
    A experiência contemporânea, embora incipiente, dos chamados "governos eletrônicos" é muito interessante quanto a novas possibilidades de controles democráticos – embora também de riscos de concentração da informação – nos estados nacionais.
  • 21
    Para uma posição distinta da nossa, sobretudo relativamente às metamorfoses da democracia, cuja mídia ocupa um papel diverso do que aqui consideramos, ver de Bernard Manin, entre outros textos desse autor: Manin (1997) e Przeworski, Stokes e Manin (1999).
  • 22
    Essa questão foi discutida por Luís Felipe Miguel, para quem "[...] uma teoria da democracia válida deve ser uma ferramenta para a compreensão da arena política nas sociedades contemporâneas
    reais, isto é, sociedades de classe, cindidas por profundas clivagens e desigualdades, inseridas em ambiente transnacionalizado"; por outro lado, segundo o autor, "[...] o
    acesso à mídia impõe-se como um dos principais pontos de estrangulamento das democracias contemporâneas – e, portanto, como um dos principais desafios àqueles que se dispõem não apenas a compreender o funcionamento das sociedades democráticas, mas também a aprimorá-lo" (MIGUEL, 2000, p. 67; grifos no original). É interessante observar, por outro lado, que mesmo teorias conservadoras acerca da democracia, tais como a chamada "teoria econômica da democracia", concedem espaço privilegiado ao tema do acesso à informação (cf. DOWNS, 1999).
  • 23
    Os endereços eletrônicos desses órgãos são, respectivamente:
  • 24
    Esses exemplos são apenas uma amostra das inúmeras possibilidades – um tanto quanto controvertidas – de controles democráticos dos meios de comunicação. Em razão de espaço não podemos aprofundá-los e consideramos suficiente, para os fins desta discussão, apenas ilustrar com alguns exemplos.
  • 25
    É importante notar que todas as tentativas de regular minimamente a programação das televisões no Brasil na década de 1990 ocorreram por meio de "acordos de cavalheiros" entre o governo federal, sobretudo o Ministério da Justiça, e as emissoras de tevê, dado inexistirem mecanismos de controle por parte do Estado e da sociedade sobre os meios de comunicação. Os resultados concretos desses referidos acordos foram nulos, pois não alterou praticamente em nada a total liberdade das emissoras de decidir a programação que os brasileiros vêem. Por outro lado, iniciativas provindas da sociedade, como a da organização não-governamental TVer, é alvissareira quanto à tomada de consciência dos grupos sociais da necessidade de a sociedade mobilizar-se com vistas a democratizar a televisão brasileira.
  • 26
    As chamadas "teorias da recepção" vêm-se desenvolvendo como um campo próprio, relativamente autônomo, de reflexão e pesquisas. Casos notórios, dentre inúmeros outros em campos os mais distintos das comunicações, são as obras de Jesus Barbero. Para Barbero, "[...] a comunicação tornou-se para nós questão de
    mediações mais que de meios, questão de
    cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de reconhecimento. Um reconhecimento que foi, de início, operação de deslocamento metodológico para rever o processo inteiro da comunicação a partir de seu
    outro lado, o da recepção, o das resistências que aí têm seu lugar, o da apropriação a partir de seus usos" (BARBERO, 1997, p. 16; grifos no original). Para este autor, que interpela especificamente a cultura latino-americana, a recepção é mediada por lutas e resistências, o que faz que o conhecimento da dominação seja por excelência mais complexo. Já Michel De Certeau critica a razão técnica que arrogantemente imaginaria saber como melhor se organiza as pessoas e suas vidas, pois, para ele, o homem comum silenciosamente escaparia a esse mundo conformado na medida em que "inventaria" o cotidiano. Para tanto, utilizar-se-ia de estratégias sutis, alterando assim os códigos dominantes, o que implicaria uma reapropriação do espaço (em sentido amplo, sobretudo o simbólico). A própria língua e as diversas linguagens expressariam essas astúcias que passariam ao largo da cultura dominante. Como se observa, ambos os autores, embora distintos, apostam fortemente na capacidade não apenas interpretativa como ativa dos receptores, que, assim, transformariam as mensagens, mediando-as de inúmeras formas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      08 Maio 2004
    • Recebido
      01 Nov 2003
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