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Aspectos epidemiológicos da infecção pelo HIV e da aids entre povos indígenas

RESUMO

OBJETIVO

Descrever os aspectos epidemiológicos da infecção pelo HIV e da aids entre povos indígenas do Mato Grosso do Sul.

MÉTODOS

Estudo epidemiológico descritivo sobre ocorrência e distribuição da infecção pelo HIV e aids na população indígena assistida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Mato Grosso do Sul, entre 2001 e 2014, a partir de três bases de dados secundários. Calcularam-se as taxas anuais de detecção e de prevalência de HIV e aids, com distribuição dos casos segundo aldeia, Polo Base e variáveis sociodemográficas. As taxas acumuladas de detecção, mortalidade e letalidade foram calculadas por etnia e para os Polos Base com o maior número de casos.

RESULTADOS

A taxa de detecção de HIV flutuou entre 0,0 e 18,0/100 mil pessoas no período. Para a aids, não houve notificação antes de 2007, mas em 2012 sua taxa chegou a 16,6/100 mil. A prevalência de HIV indicou crescimento entre 2001 e 2011, e para a aids observou-se aumento contínuo a partir de 2007. As maiores taxas de detecção de HIV ocorreram entre os Guarani (167,1/100 mil) e de aids, entre os Kaiowá (79,3/100 mil); as taxas de mortalidade e letalidade foram superiores entre os Kaiowá. Para o Polo Base de Dourados, observou-se elevação da taxa de detecção de aids e diminuição das taxas de mortalidade e letalidade.

CONCLUSÕES

A infecção pelo HIV e a aids mostraram-se crescentes entre povos indígenas, com distribuição da doença principalmente nos Polos Base da região sul do estado, onde observa-se também maior vulnerabilidade econômica e social. O caráter endêmico do HIV e da aids pode se tornar epidêmico em alguns anos, considerando a existência de casos em outras aldeias do estado. Sua ocorrência entre os Guarani e Kaiowá sinaliza a necessidade de ampliação do diagnóstico, do acesso ao tratamento e de medidas de prevenção.

Saúde de Populações Indígenas; Infecções por HIV, epidemiologia; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, epidemiologia; Soroprevalência de HIV, tendências; Sorodiagnóstico da AIDS, tendências

ABSTRACT

OBJECTIVE

To describe the epidemiological aspects of HIV infection and AIDS among indigenous peoples of the state of Mato Grosso do Sul, Brazil.

METHODS

This is a descriptive epidemiological study on the occurrence and distribution of HIV infection and AIDS in the indigenous population assisted by the Distrito Sanitário Especial Indígena (Indigenous Special Health District) Mato Grosso do Sul between 2001 and 2014, based on three secondary databases. Annual rates of HIV and AIDS detection and prevalence were calculated, considering case distribution according to village, Health Base Pole and sociodemographic variables. Accumulated rates of detection, mortality and case fatality were calculated by ethnic group and for the Health Base Pole with the highest number of cases.

RESULTS

The HIV detection rate fluctuated between 0.0 and 18.0/100 thousand people in the study period. For AIDS, there was no notification before 2007, but in 2012 its rate reached 16.6/100 thousand. HIV prevalence grew between 2001 and 2011, and it continuously grew for AIDS starting from 2007. The highest HIV detection rates occurred among Guarani peoples (167.1/100 thousand) and for AIDS, among the Kaiowá peoples (79.3/100 thousand); mortality and fatality rates were higher among the Kaiowá. Regarding the Dourados Health Base Pole, the AIDS detection rate increased, and the mortality and fatality rates decreased.

CONCLUSIONS

HIV infection and AIDS have been increasing among indigenous peoples, with distribution of the disease mainly in the Health Base Poles of the southern region of the state, where greater economic and social vulnerability are also observed. The endemic character of HIV and AIDS can become epidemic in some years given the existence of cases in other villages in the state. Its occurrence among the Guarani and Kaiowá populations indicates the need for expanded diagnosis, access to treatment and prevention measures.

Health of Indigenous Peoples; HIV Infections, epidemiology; Acquired Immunodeficiency Syndrome, epidemiology; AIDS HIV Seroprevalence, trends; Serodiagnosis, trends

INTRODUÇÃO

A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) já acometeu milhões de pessoas em todo o mundo. Em 2015, cerca de 36,7 milhões viviam com o vírusa a UNAIDS. Prevention Gap Report. Geneva; 2016 [citado 1 jun 2017]. Disponível em http://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/2016-prevention-gap-report_en.pdf . No Brasil, de 1980 até junho de 2017 foram contabilizados 882.810 casos de aidsb b Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais. Boletim epidemiológico HIV/Aids. Brasília, DF; 2017 [citado 7 maio 2018]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-hivaids-2017 . Entre 2006 e 2016, observou-se no país uma tendência de estabilização da taxa de detecção de aids, com uma média de 18,5/100 mil habitantes em 2016. Contudo, no estado de Mato Grosso do Sul, houve crescimento de 8,2% no período, representado por uma taxa de 19,8/100 mil habitantes em 2016, a maior da região Centro-Oesteb b Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais. Boletim epidemiológico HIV/Aids. Brasília, DF; 2017 [citado 7 maio 2018]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-hivaids-2017 .

Entre os povos indígenas, o impacto da aids ainda é pouco conhecido. Estudos, entretanto, têm destacado a maior vulnerabilidade desses grupos populacionais à transmissão do HIV, relacionada às piores condições de vida, menor nível socioeconômico, educacional, exclusão social e dificuldade de acesso aos serviços de saúde11. Bastos FI, Cáceres C, Galvão J, Veras MA, Castilho EA. AIDS in Latin America: assessing the current status of the epidemic and the ongoing response. Int J Epidemiol. 2008;37(4):729-37. https://doi.org/10.1093/ije/dyn127
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, 22. Negin J, Aspin C, Gadsden T, Reading C. HIV among Indigenous peoples: a review of literature on HIV-related behaviour since the beginning of epidemic. AIDS Behav. 2015;19(9):1720-34. https://doi.org/10.1007/s10461-015-1023-0
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. As informações oriundas de países como Estados Unidos da América, Canadá, Nova Zelândia e Austrália indicam um aumento expressivo da taxa de detecção de HIV entre os povos indígenas nas últimas décadas33. Centers for Disease Control and Prevention. HIV among American Indians and Alaska Natives in the United States. Atlanta: CDC; 2015 [cited 16 May 2017]. Available from: https://www.cdc.gov/hiv/group/racialethnic/aian/index.html
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. Em geral, essa taxa é maior entre indígenas do que entre não indígenas, o que indica as iniquidades em saúde, no que diz respeito ao acesso ao diagnóstico e tratamento da doença11. Bastos FI, Cáceres C, Galvão J, Veras MA, Castilho EA. AIDS in Latin America: assessing the current status of the epidemic and the ongoing response. Int J Epidemiol. 2008;37(4):729-37. https://doi.org/10.1093/ije/dyn127
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, 22. Negin J, Aspin C, Gadsden T, Reading C. HIV among Indigenous peoples: a review of literature on HIV-related behaviour since the beginning of epidemic. AIDS Behav. 2015;19(9):1720-34. https://doi.org/10.1007/s10461-015-1023-0
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, 55. Shea B, Aspin C, Ward J, Archibald C, Dickson N, McDonald A, et al. HIV diagnoses in indigenous peoples: comparison of Australia, Canada and New Zealand. Int Health. 2011;3(3):193-8. https://doi.org/10.1016/j.inhe.2011.03.010
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.

No Brasil, o primeiro caso de aids em indígenas foi registrado em 1987, e até 1999 conheciam-se somente 33 casos. Já entre 2000 e junho de 2017, o número aumentou para 1.042b b Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais. Boletim epidemiológico HIV/Aids. Brasília, DF; 2017 [citado 7 maio 2018]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-hivaids-2017 . Contudo, o impacto da aids em povos indígenas não pode ser caracterizado apenas por números absolutos e/ou taxas. As dimensões socioculturais, econômicas, demográficas, geográficas de cada povo indígena, associadas ao processo de interação com a sociedade não indígena, os expõem a fatores de risco singulares que levam à maior vulnerabilidade em relação aos demais grupos populacionais brasileiros11. Bastos FI, Cáceres C, Galvão J, Veras MA, Castilho EA. AIDS in Latin America: assessing the current status of the epidemic and the ongoing response. Int J Epidemiol. 2008;37(4):729-37. https://doi.org/10.1093/ije/dyn127
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, 66. Ponce P, Núñez Noriega G. Pueblos indígenas y VIH-SIDA. Desacatos. 2011 [cited 20 Feb 2016];35:7-10. Available from: http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1607-050X2011000100001
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, c c Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Políticas de Saúde, Coordenação Nacional de DST e Aids. Povos indígenas e a prevenção às DST, HIV e aids: manual de diretrizes técnicas. Brasília, DF; 2000 [citado 16 fev 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/indigena_hiv.pdf .

A oferta de serviços de saúde para os indígenas também repercute neste cenário. No Brasil, em seu histórico recente, a atenção à saúde dos povos indígenas ganhou força em 1999 com a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, no âmbito do Sistema Único de Saúde (Sasi-SUS)d d Brasil. Lei 9.836, de 23 de setembro de 1999. Acrescenta dispositivos à Lei n8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”, instituindo o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Brasília, DF; 1999 [citado 10 set 2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9836.htm .

Considerando a necessidade de investigações que supram as lacunas relacionadas à ocorrência de HIV e aids entre indígenas e que possam subsidiar a formulação de políticas de assistência qualificadas direcionadas a essa população, este estudo teve por objetivo descrever os aspectos epidemiológicos desses casos entre os povos indígenas do estado de Mato Grosso do Sul, no período de 2001 a 2014.

MÉTODOS

Estudo descritivo sobre a ocorrência e distribuição dos casos de infecção pelo HIV e aids na população indígena do estado de Mato Grosso do Sul assistida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), no período de 2001 a 2014. Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do Brasil, com 73.295 pessoas autodeclaradase e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Os indígenas no censo demográfico 2010. Brasília, DF: IBGE; 2010. [citado 16 abr 2017]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf . O DSEI-MS possui 14 Polos Base, primeira referência para as equipes multidisciplinares de saúde indígena (EMSI) que atuam nas aldeias e atendem 70.032 pessoas de oito etnias (Kaiowá, Guarani Ñandeva, Terena, Kadiwéu, Kinikinau, Guató, Ofaié e Atikun) distribuídas em 75 aldeias e 26 acampamentos, localizados em 31 dos 79 municípios do estadof f Ministério da Saúde (BR), Secretaria Especial de Saúde Indígena, Distrito Sanitário Especial Indígena Mato Grosso do Sul. Caracterização demográfica, étnico-cultural dos povos indígenas do DSEI Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS: DSEI/MS; 2014. .

Neste estudo, foram incluídos indivíduos com diagnósticos de infecção pelo HIV, oriundos dos registros dos atendimentos diários das EMSI, e de aids, provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), selecionados pela variável raça/cor indígena, que residiam em aldeias e acampamentos indígenas do estado. Excluíram-se os casos duplicados, os indígenas residentes em aldeias/áreas urbanas não assistidas pelo DSEI-MS e as crianças expostas ao HIV na gestação.

Os dados registrados pelas EMSI no decorrer do período do estudo foram obtidos de junho de 2014 a janeiro de 2015 por meio da vinculação manual do nome, data de nascimento e nome da mãe entre três bases de dados: 1. registros provenientes dos atendimentos diários das EMSI; 2. banco de dados do Sinan; 3. Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena (Siasi). Considerou-se local de residência aquele registrado no momento do diagnóstico de HIV pela EMSI ou o lançado no Sinan, para os casos de aids. As variáveis sociodemográficas (etnia, sexo, data de nascimento e escolaridade) foram obtidas no Siasi, assim como as bases populacionais utilizadas para os cálculos das taxas descritas em seguida.

Para calcular as taxas anuais de detecção de HIV e aids, utilizou-se o número de casos novos registrados de cada um. As pessoas diagnosticadas diretamente com aids foram consideradas somente para a taxa de detecção de aids. Para inclusão das pessoas diagnosticadas em áreas não assistidas pelo DSEI-MS, considerou-se o território para o qual a pessoa se mudou e o ano em que isso ocorreu.

Para o cálculo da prevalência de HIV, utilizou-se o número de casos antigos e novos de HIV de cada ano e excluíram-se os óbitos, os que evoluíram para aids e as pessoas que se mudaram das áreas atendidas pelo DSEI-MS. Para o cálculo da prevalência da aids, utilizou-se o número de casos antigos e os novos diagnósticos, mais os que evoluíram para aids naquele ano, excluídos os óbitos e pessoas que se mudaram das áreas em que o DSEI-MS prestava assistência.

A análise da associação entre os anos e a taxa de detecção de HIV e de aids, assim como as prevalências, foi realizada pelo teste do qui-quadrado de Pearson, com correção de Bonferroni, quando necessário, utilizando o programa estatístico IBM SPSS, versão 24.0, com um nível de significância de 5%.

Os demais resultados foram apresentados na forma de estatística descritiva. A distribuição espacial dos casos de HIV e aids na área de abrangência do DSEI-MS foi determinada segundo local de residência (aldeia e Polo Base) no momento do diagnóstico. Calcularam-se também as taxas de detecção de HIV e de aids, assim como de mortalidade e letalidade por aids acumuladas referentes a todo o período, considerando a população total de cada etnia no ano de 2014. As taxas acumuladas também foram calculadas para os três Polos Base que concentraram a maioria dos diagnósticos, divididas em dois períodos (2001 a 2007, com população-base de 2007) e (2008 a 2014, com população-base de 2014).

O estudo recebeu aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) sob o Parecer 707.439/2014.

RESULTADOS

As taxas de detecção de infecção pelo HIV apresentaram flutuações anuais no período do estudo, com valores que foram de zero até 18,0/100 mil pessoas. As maiores taxas foram registradas em 2006 (17,8/100 mil) e 2011 (18,0/100 mil). Em relação aos casos de aids, não houve registros da doença entre 2001 e 2006. A partir de 2007, observou-se um aumento até 2012, quando a taxa de detecção chegou a 16,6/100 mil. Em 2012 e 2013, as taxas de detecção de aids foram superiores às de HIV ( Figura ).

Figura
Taxas anuais (por 100 mil habitantes) de detecção (A), de prevalência (B) e respectivos intervalos de confiança (IC95%) de casos de infecção pelo HIV e aids na população indígena atendida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Mato Grosso do Sul. Mato Grosso do Sul, Brasil, 2001–2014.

As taxas anuais de prevalência de HIV apresentaram crescimento no período de 2001 a 2011 e uma diminuição a partir de 2011, caindo de 51,2/100 mil para 39,6/100 mil em 2014. Para a aids, a taxa de prevalência apresentou aumento contínuo a partir de 2007, aproximando-se gradativamente da prevalência de infecção pelo HIV depois de 2012 ( Figura ).

No período do estudo, registraram-se 97 casos de infecção pelo HIV e 50 de aids, envolvendo 103 pessoas, das quais 6 foram diagnosticadas diretamente com aids. Apesar de o HIV estar presente em 80% dos Polos Base e a aids em 64% deles, a distribuição dos casos foi bastante desigual. Os Polos de Dourados, Amambai e Iguatemi concentraram juntos 69% dos casos de infecção por HIV e 68% de aids. O Polo Base de Dourados sozinho registrou 34% dos casos de infecção pelo HIV. As aldeias Jaguapirú, Amambai, Taquapery e Porto Lindo registraram 52% dos casos de aids, 20% dos quais estavam na aldeia Jaguapiru (Polo Base de Dourados) ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Distribuição dos casos de infecção pelo HIV e aids no momento do diagnóstico, por Polo Base e aldeia, e taxa de detecção acumulada (por 100 mil habitantes), por Polo Base, com população-base do ano de 2014. Distrito Sanitário Especial Indígena Mato Grosso do Sul. Mato Grosso do Sul, Brasil, 2001–2014.

Em relação às taxas de detecção de HIV e aids acumuladas por Polo Base, observaram-se algumas diferenças ordinais na distribuição. O Polo Base de Brasilândia obteve a maior taxa de detecção de HIV (1.904,8/100 mil), mas é necessário considerar seu tamanho populacional. Em seguida vieram os Polos de Dourados (217,3/100 mil), Iguatemi (215,4/100 mil) e Amambai (177,6/100 mil). Para os casos de aids, a taxa de detecção foi maior para os Polos de Amambai (115,8/100 mil), Tacuru (99,2/100 mil) e Iguatemi (97,9/100 mil), deixando o Polo de Dourados fora dos três primeiros colocados ( Tabela 1 ).

A faixa etária de maior ocorrência de infecção pelo HIV e aids foi de 20 a 39 anos, com 43 (44,3%) e 22 (44,0%) casos, respectivamente. Houve significância estatística para os casos de HIV, cujo valor de p foi 0,040. Na distribuição por sexo, verificou-se que a maior parte dos casos de HIV e aids ocorreu entre as mulheres, correspondendo a 60 (61,9%) e 30 (60%) casos, nessa ordem. Nota-se que a infecção pelo HIV ocorreu mais precocemente no sexo feminino do que no masculino, visto que, na faixa etária de 10 a 19 anos, a razão entre os sexos foi de aproximadamente nove mulheres para cada homem ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Distribuição dos casos de infecção pelo HIV e aids, segundo variáveis sociodemográficas. Distrito Sanitário Especial Indígena Mato Grosso do Sul. Mato Grosso do Sul, Brasil, 2001–2014.

Os maiores percentuais de infecção pelo HIV e aids foram encontrados em indígenas com ensino fundamental incompleto, representados por 45 (46,4%) e 27 casos (54,0%), respectivamente, seguidos pelos analfabetos, representados por 20 (20,6%) e 13 casos (26,0%), respectivamente, com significância estatística (p = 0,016) para os casos de HIV. Ainda sobre a escolaridade, identificou-se um elevado percentual de registros sem informação – 20,6% para HIV e 12,0% para aids ( Tabela 2 ).

Das oito etnias atendidas pelo DSEI-MS, cinco tiveram casos registrados: Kaiowá, Terena, Guarani, Kadwéu e Ofaié, além de não indígenas residentes em aldeias. A etnia Kaiowá apresentou maior concentração de infecção pelo HIV, com 50 casos (51,5%), seguida da etnia Terena, com 22 casos (22,7%). Para os casos de aids, também observou-se predomínio das mesmas etnias, com 27 (54,0%) e 15 casos (30,0%), respectivamente ( Tabela 2 ).

Ainda que as taxas de detecção de HIV e aids tenham sido maiores para as etnias Guarani e Terena, merece destaque a etnia Ofaié, cujas taxas foram consideravelmente superiores às anteriores, devido a sua pequena representatividade populacional. As taxas de mortalidade e letalidade foram igualmente superiores para os Kaiowá quando comparadas às de outras etnias. Além dessa, óbitos foram registrados apenas para as etnias Guarani e Terena. Apesar de os Terena terem apresentado a menor taxa de mortalidade, tiveram a segunda maior letalidade ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Taxas acumuladas de detecção de HIV e aids, número de óbitos por aids, taxa de mortalidade e taxa de letalidade, segundo etnia. Distrito Sanitário Especial Indígena Mato Grosso do Sul. Mato Grosso do Sul, Brasil, 2001–2014.

As comparações das taxas de detecção, de mortalidade e letalidade entre os dois períodos analisados (2001 a 2007 e 2008 a 2014) indicaram que a taxa de detecção de aids aumentou mais que a de infecção pelo HIV. Além disso, houve um aumento na taxa de mortalidade por aids e uma diminuição na letalidade. Dos Polos Base com maior taxa de detecção de casos de HIV e aids, Iguatemi foi o único que apresentou diminuição de ambas as taxas de detecção (HIV e aids). Em contrapartida, o Polo de Amambai mostrou aumento das taxas de detecção, tanto de HIV como de aids. Para o Polo de Dourados, observou-se elevação da taxa de detecção de aids (25,4/100 mil para 72,4/100 mil) e, por outro lado, diminuição de suas taxas de mortalidade e letalidade ( Tabela 4 ).

Tabela 4
Taxas acumuladas de detecção de HIV e aids, de mortalidade e de letalidade por aids nos três Polos Base com o maior número de casos. Distrito Sanitário Especial Indígena Mato Grosso do Sul. Mato Grosso do Sul, Brasil, cortes de 2007 e 2014.

DISCUSSÃO

O presente estudo demonstrou evolução das taxas de detecção de infecção pelo HIV e aids na população indígena de Mato Grosso do Sul. As mulheres na faixa etária de 20 a 39 anos, com menor escolaridade e da etnia Kaiowá apresentaram maiores percentuais de infecção pelo HIV e aids. As etnias Kaiowá, Terena e Guarani foram as mais expostas, com registros de altas taxas de infecção pelo HIV e aids. Esses resultados contribuíram, também, para as elevadas taxas de mortalidade e letalidade nesses grupos. Os Polos Base de Amambai, Dourados e Iguatemi, na região sul do estado, concentraram em torno de 70% dos casos de infecção pelo HIV e de aids.

As oscilações nas taxas de detecção no período podem estar mais fortemente associadas à capacidade dos serviços para realizar diagnósticos e menos ao comportamento epidemiológico da transmissão do vírus ou à carga da doença na população. Elas devem ser encaradas como um sinal de alerta para os serviços de atenção à saúde dos povos indígenas do estado.

Os Guarani e Kaiowá apresentam um quadro de saúde bastante complexo, com alta prevalência de doenças infecciosas, elevada mortalidade infantil e desnutrição, juntamente com a prevalência crescente de doenças crônicas não transmissíveis77. Urquiza AHA, Prado JH. O impacto do processo de territorialização dos Kaiowá e Guarani no sul de Mato Grosso do Sul. Tellus. 2015;15(29):49-71. https://doi.org/10.20435/tellus.v0i29.358
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. O contexto histórico de contato desses povos com a sociedade não indígena, a sua localização geográfica em uma faixa de fronteira, a proximidade e facilidade de acesso entre as aldeias e os centros urbanos, muito comuns nas aldeias do Mato Grosso do Sul, associados aos problemas sociais como desemprego, violência, exploração e abuso sexual1414. Guimarães LAM, Grubits S. Alcoolismo e violência em etnias indígenas: uma visão crítica da situação brasileira. Psicol Soc. 2007;19(1):45-51. https://doi.org/10.1590/S0102-71822007000100007
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, indicam uma situação de grande vulnerabilidade que pode ajudar a entender a concentração de dois terços dos casos identificados neste estudo entre essas duas etnias, em especial nas aldeias pertencentes aos Polos Base de Dourados, Amambai e Iguatemi.

Além disso, a mobilidade entre aldeias, inclusive para fora do território nacional, uma vez que o território Guarani e Kaiowá se estende para o Paraguai88. Cavalcante TLV. Colonialismo, território e territorialidade: a luta pela terra dos Guarani e Kaiowa em Mato Grosso do Sul [these]. Assis, SP: Faculdade de Ciências e Letras de Assis, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2013 [cited 28 Dec 2017. Available from: http://hdl.handle.net/11449/106620
http://hdl.handle.net/11449/106620...
, 99. Ferreira MEV, Matsuo T, Souza RKT. Aspectos demográficos e mortalidade de populações indígenas do Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saude Publica. 2011;27(12):2327-39. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011001200005
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100...
, dificulta o acesso regular aos serviços de saúde e o diagnóstico. Situações de intenso contato interétnico e a marginalização no acesso aos serviços de saúde também constituem fatores de risco para a circulação e propagação do HIV. Os determinantes socioeconômicos, ambientais e culturais interferem na intensidade de propagação da doença e tornam complexas as atividades de prevenção e controle, como evidenciado em estudo sobre a introdução da aids no povo Xokleng de Santa Catarina1717. Wiik FB. Contato, epidemias e corpo como agentes de transformação: um estudo sobre a AIDS entre os Índios Xokléng de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2001;17(2):397-406. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2001000200014
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200100...
.

No presente estudo, a população com maior situação de vulnerabilidade à propagação do HIV e aids foi a de jovens, principalmente as mulheres e com baixa escolaridade. Condições socioeconômicas desfavoráveis estão associadas à maior exposição aos fatores de risco. A escolaridade é um marcador de condição social e repercute no acesso à informação e no conhecimento de métodos de prevenção da doença e de seu tratamento1818. Silva JAG, Dourado I, Brito AM, Silva CAL. Fatores associados à não adesão aos antirretrovirais em adultos com AIDS nos seis primeiros meses da terapia em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica. 2015;31(6):1188-98. https://doi.org/10.1590/0102-311X00106914
https://doi.org/10.1590/0102-311X0010691...
, 1919. Ministerio de Salud (BO). Encuentro sobre prevención y otros servicios de ITS y VIH dirigidos a pueblos originarios indígenas y Amazónicos de Bolivia Y Perú. Estado Plurianual da Bolivia. 2014 [cited 10 Feb 2016]. Available from: http://bvs.minsa.gob.pe/local/minsa/3019.pdf
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, inclusive para os povos indígenas. Estudos demonstraram que a escolaridade também está diretamente associada à sobrevida de pacientes com HIV e aids, tendo um efeito protetor contra a maioria das causas de óbito2020. Tancredi MV, Waldman EA. Survival of AIDS patients in Sao Paulo-Brazil in the pre- and post-HAART eras: a cohort study. BMC Infect Dis. 2014;14(1):599. https://doi.org/10.1186/s12879-014-0599-8
https://doi.org/10.1186/s12879-014-0599-...
, 2121. Jarrin I, Lumbreras B, Ferreros I, Pérez-Hoyoz S, Hurtado I, Hernández-Aguado I. Effect of education on overall and cause-specific mortality in injecting drug users, according to HIV and introduction of HAART. Int J Epidemiol. 2007;36(1):187-94. https://doi.org/10.1093/ije/dyl231
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.

Os achados do presente estudo diferem do observado entre os povos indígenas do Peru e Bolívia, cuja razão de infecção pelo HIV/aids entre homens e mulheres foi de 3:1 e 5:3, respectivamente1919. Ministerio de Salud (BO). Encuentro sobre prevención y otros servicios de ITS y VIH dirigidos a pueblos originarios indígenas y Amazónicos de Bolivia Y Perú. Estado Plurianual da Bolivia. 2014 [cited 10 Feb 2016]. Available from: http://bvs.minsa.gob.pe/local/minsa/3019.pdf
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. Já outro estudo sobre infecções sexualmente transmissíveis também realizado com a população indígena de Mato Grosso do Sul entre 2001 e 2005 identificou primeiramente o predomínio de aids entre os homens até 2002, e nos anos seguintes equiparação de casos entre os sexos2222. Ferri EK, Gomes AM. Doenças sexualmente transmissíveis e aids entre indígenas do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul de 2001 a 2005. Saude Coletiva. 2014 [cited 20 Feb 2016];8(47):7-12. Available from: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84217101003
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. Entretanto, tais resultados não permitem afirmar que ocorreu uma “feminilização” dos casos de HIV e aids entre indígenas no Mato Grosso do Sul, como vem sendo observado no Brasil2323. Brito AM, Castilho EA, Szwarcwald CL. AIDS e infecção pelo HIV no Brasil: uma epidemia multifacetada. Rev Soc Bras Med Trop. 2001;34(2):207-17. https://doi.org/10.1590/S0037-86822001000200010
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, pois podem estar relacionados à maior cobertura da assistência às mulheres proporcionada pelo Programa Estadual de Proteção à Gestante, que realiza exames de detecção de HIV na gestação.

Por outro lado, as limitações do diagnóstico da infecção pelo HIV na população indígena masculina podem estar associadas à baixa cobertura de exames diagnósticos, ausência dos homens nas aldeias por motivos laborais e reduzida procura masculina pelos serviços de saúde. A baixa cobertura diagnóstica favorece a disseminação da infecção, pois o desconhecimento da doença leva à continuidade de práticas sexuais sem prevenção. A inclusão gradual dos testes rápidos para HIV nas aldeias a partir de 2012 pode ter contribuído para a retomada no crescimento da taxa de detecção de HIV nos últimos dois anos do período de estudo, uma vez que proporcionou o aumento da cobertura diagnóstica, como observado em outros DSEI do Brasil2424. Benzaken AS, Sabidó M, Brito I, Bermúdez XPD, Benzaken NS, Galbán E, et al. HIV and syphilis in the context of community vulnerability among indigenous people in the Brazilian Amazon. Int J Equity Health. 2017;16(1):92. https://doi.org/10.1186/s12939-017-0589-8
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. A predominância de casos de aids diagnosticados na faixa etária de 20 a 39 anos e de 40 a 60 anos também foi verificada no cenário nacionalb b Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais. Boletim epidemiológico HIV/Aids. Brasília, DF; 2017 [citado 7 maio 2018]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-hivaids-2017 e em estudo conduzido entre os povos indígenas da Bolívia e do Peru, que observou um em cada dois casos entre 20 e 39 anos1919. Ministerio de Salud (BO). Encuentro sobre prevención y otros servicios de ITS y VIH dirigidos a pueblos originarios indígenas y Amazónicos de Bolivia Y Perú. Estado Plurianual da Bolivia. 2014 [cited 10 Feb 2016]. Available from: http://bvs.minsa.gob.pe/local/minsa/3019.pdf
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A observação das taxas de mortalidade e letalidade registradas entre os Kaiowá é relevante para a organização dos serviços de saúde, pois indica que essa etnia tem menor acesso ao tratamento antirretroviral. A diminuição das taxas de mortalidade e letalidade no Polo de Dourados, no segundo período, sugere maior estruturação dos serviços de saúde nas aldeias e articulação com os serviços de atenção especializada (SAE) para o tratamento dos indígenas com aids. O comportamento diferenciado das taxas de HIV e aids em cada um dos Polos mostra a necessidade de avaliação dos serviços de saúde separadamente, uma vez que eles se estruturam de forma diferenciada para enfrentar o problema.

As principais limitações deste estudo estão relacionadas ao uso de fontes de dados secundários, que impõe entraves à qualidade da informação. A deficiência na completude da variável raça/cor indígena no Sinan e a subnotificação de casos de HIV e aids em indígenas são fatores que influenciam no número de casos identificados, e consequentemente, na cobertura da informação.

Para ampliar a cobertura de casos de infecção pelo HIV, este estudo utilizou os registros de atendimentos diários das EMSI como fonte de dados, tendo em vista que a notificação compulsória foi incluída no Sinan somente em 2005 para gestantesg g Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria nº 33, de 14 de julho de 2005. Inclui doenças à relação de notificação compulsória, define agravos de notificação imediata e a relação dos resultados laboratoriais que devem ser notificados pelos Laboratórios de Referência Nacional ou Regional. Brasília, DF; 2005 [citado 24 ago 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/2005/prt0033_14_07_2005.html e em 2014 para a população em geralh h Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.271, de 6 de junho de 2014. Define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional, nos termos do anexo, e dá outras providências. Brasília, DF; 2014 [citado 24 ago 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt1271_06_06_2014.html . A subnotificação e incompletude dos dados da variável raça/cor dificultam a caracterização de situações de iniquidade em saúde e o estabelecimento de estratégias para o seu enfrentamento2525. Tiago ZS, Picoli RP, Graeff SVB, Cunha RV, Arantes R. Subnotificação de sífilis em gestantes, congênita e adquirida entre povos indígenas em Mato Grosso do Sul, 2011-2014. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):503-12. https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000300008
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, 2626. Santos VL. Avaliação do grau de implementação do Programa de DST AIDS no Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul - Distrito de Dourados. [dissertation]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz; 2009 [cited 12 Apr 2017]. Available from: http://teses.icict.fiocruz.br/pdf/Santosvlm1.pdf
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.

A despeito destas limitações, o presente estudo trouxe benefícios por abordar uma doença particularmente pouco conhecida na epidemiologia dos povos indígenas no Brasil, que traz impactos no perfil de morbimortalidade, e por se relacionar à emergência de infecções sexualmente transmissíveis e sua associação com as mudanças socioculturais resultantes do processo de interação com a sociedade não indígena.

O desafio de trabalhar as IST em um contexto interétnico implica a necessidade de apreensão de conhecimentos sobre sexualidade inerentes a cada grupo indígena2727. Organización Panamericana de la Salud; Asociación Mundial de Sexología. Promoción de la salud sexual y prevención del VIH-sida y de las ITS en los pueblos indígenas de las Américas. Guamonte; 2003 [cited 1 Mar 2016]. Available from: http://www.cdi.gob.mx/participacion/dlupe/prevencion_ITS-VIH-SIDA.pdf
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e de articulação dos sistemas de saúde indígena e não indígena2828. Avila T. Cultura, sexualidade e saúde indígena: etnografia da prevenção das DST/aids nos povos Timbira do Maranhão e do Tocantins. In: Teixeira CC, Garnelo L, organizadores. Saúde indígena em perspectiva: explorando suas matrizes históricas e ideológicas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2014. p.241-61. . O conhecimento das dificuldades logísticas, distribuição da população e áreas mais vulneráveis ajuda a definir estratégias para aumentar a cobertura diagnóstica e facilitar o acesso ao tratamento2929. Ruffinen CZ, Sabidó M, Díaz-Bermúdez XP, Lacerda M, Mabey D, Peeling RW, et al. Point-of-care screening for syphilis and HIV in the borderlands: challenges in implementation in the Brazilian Amazon. BMC Health Serv Res. 2015;15:495. https://doi.org/10.1186/s12913-015-1155-y
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. Nesse sentido, a capacitação dos recursos humanos para trabalhar em um contexto intercultural é fundamental para aumentar a capacidade de resposta do Sasi-SUS nas ações de prevenção e tratamento das doenças.

O estudo evidenciou que o caráter endêmico do HIV e da aids, com predomínio dos casos de infecção pelo HIV na região sul do estado, pode se tornar epidêmico em alguns anos, pois já há casos em outras áreas indígenas do Mato Grosso do Sul. Entre as medidas de intervenção importantes para enfrentar o problema, destacam-se o aumento da cobertura diagnóstica, a garantia do acesso ao tratamento e as medidas de prevenção da transmissão do HIV.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2017
  • Aceito
    6 Out 2018
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