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Estudos ecológicos sobre mosquitos Culicidae no Sistema da Serra do Mar, Brasil: 2 - Observações no ambiente domiciliar

Ecological studies on Culicidae mosquitoes in the Serra do Mar Sistem, Brazil: 2 - Observations at the domiciliary environment

Resumos

Apresentam-se os resultados obtidos nas coletas domiciliares de mosquitos Culicidae no Vale do Ribeira, Estado de São Paulo, Brasil. Com o objetivo de esclarecer o mecanismo de transmissão de encefalite por vírus, ali ocorrida em caráter epidêmico, seguiu-se a mesma orientação das observações realizadas no extradomicílio. Para tanto baseou-se a diferenciação das localidades trabalhadas, nas características do terreno, na ocorrência de casos da doença e no caráter rural e urbano das habitações. Os dados obtidos sugeriram possível ocorrência de transmissão domiciliar da virose. As espécies que apresentaram maior significância nesse sentido foram Aedes scapularis e representantes de Culex (Melanoconion) sp. A possível transmissão domiciliar por culicídeos mostrou-se mais evidente na zona rural do que na urbana.

Culicidae; Arboviroses; Encefalite; Encefalite; Aedes scapularis; Culex (Melanoconion) sp; Encefalite epidêmica


Results obtained through domiciliary catches of Culicidade mosquitoes in the "Vale do Ribeira" S. Paulo, Brazil are given on a study of the mechanisms of local encephalitis transmission. The same orientation for extra-domiciliary observation was followed. Significant presence of Aedes scapularis and Culex (Melanoconion) sp. in indoor catches suggested their participation in domiciliary transmission. This pattern was more evident in the rural areas than the urban ones. Association of these findings to the occurrence of clinical cases of the disease in young children is suggested.

Culex; Arboviruses; Encephalitis viruses; Aedes scapularis; Culex (Melanoconion) sp; Encephalitis epidemic


ARTIGO ORIGINAL

Estudos ecológicos sobre mosquitos Culicidae no Sistema da Serra do Mar, Brasil. 2 – Observações no ambiente domiciliar

Ecological studies on Culicidae mosquitoes in the Serra do Mar Sistem, Brazil. 2 – Observations at the domiciliary environment

Oswaldo Paulo Forattini; Almério de Castro Gomes; Eunice Aparecida Bianchi Galati; Ernesto Xavier Rabello; Lygia Busch Iversson

Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Avenida Dr. Arnaldo, 715 – 01255 – São Paulo, SP Brasil

RESUMO

Apresentam-se os resultados obtidos nas coletas domiciliares de mosquitos Culicidae no Vale do Ribeira, Estado de São Paulo, Brasil. Com o objetivo de esclarecer o mecanismo de transmissão de encefalite por vírus, ali ocorrida em caráter epidêmico, seguiu-se a mesma orientação das observações realizadas no extradomicílio. Para tanto baseou-se a diferenciação das localidades trabalhadas, nas características do terreno, na ocorrência de casos da doença e no caráter rural e urbano das habitações. Os dados obtidos sugeriram possível ocorrência de transmissão domiciliar da virose. As espécies que apresentaram maior significância nesse sentido foram Aedes scapularis e representantes de Culex (Melanoconion) sp. A possível transmissão domiciliar por culicídeos mostrou-se mais evidente na zona rural do que na urbana.

Unitermos: Culicidae, ecologia. Arboviroses. Encefalite, virus, transmissão. Aedes scapularis. Culex (Melanoconion) sp. Encefalite epidêmica, S. Paulo, Brasil.

ABSTRACT

Results obtained through domiciliary catches of Culicidade mosquitoes in the "Vale do Ribeira" S. Paulo, Brazil are given on a study of the mechanisms of local encephalitis transmission. The same orientation for extra-domiciliary observation was followed. Significant presence of Aedes scapularis and Culex (Melanoconion) sp. in indoor catches suggested their participation in domiciliary transmission. This pattern was more evident in the rural areas than the urban ones. Association of these findings to the occurrence of clinical cases of the disease in young children is suggested.

Uniterms:Culex, ecology. Arboviruses. Encephalitis viruses, transmission. Aedes scapularis. Culex (Melanoconion) sp. Encephalitis epidemic, S. Paulo, Brazil.

INTRODUÇÃO

Em publicação anterior, foram apresentados e discutidos os dados das coletas de culicídeos, levadas a efeito em ambiente extradomiciliar da região do Vale do Ribeira (Forattini e col.2, 1978). Os resultados evidenciaram diferenças de composições específicas, que se procurou associar à ocorrência local de encefalite por arbovírus. Dessa maneira, as informações obtidas sugeriram a possibilidade de atuação de algumas populações de mosquitos, em seu relacionamento com o homem e conseqüente veiculação daquela virose. Além disso, verificou-se apreciável variabilidade na participação desses dípteros, em relação ao aspecto paisagístico do meio extradomiciliar das áreas estudadas.

Concomitantemente a tais observações realizaram-se outras, estas no âmbito domiciliar. Com isso pretendeu-se comparar os resultados conseguidos nos dois ambientes, com a finalidade de adquirir informações mais detalhadas sobre o comportamento desses mosquitos. O mesmo critério adotado para as pesquisas no extradomicílio, foi utilizado para a escolha das áreas destinadas a estes trabalhos. Em outras palavras, as habitações cujo meio domiciliar serviu de sede para as observações, situam-se nas mesmas localidades descritas na supracitada publicação.

CARACTERÍSTICAS LOCAIS

Nas várias estações de coleta, os aspectos do ambiente domiciliar apresentaram-se com as características a seguir.

Pariquera-Açú – As casas situam-se em locais abertos mas na proximidade da mata residual mais próxima a qual, por sua vez, serviu de sede para as observações extradomiciliares já divulgadas. A distância das habitações para esse ambiente não chega a alcançar os 50 metros em linha reta. As construções são de bom padrão e bem conservadas sem, contudo, disporem de dispositivos, como a telagem das janelas, que impeça a entrada de dípteros hematófagos (Fig. 1).


Sete Barras – Dadas as peculiaridades locais, as casas encontram-se em estreita proximidade da mata primária, construídas com tábuas ou alvenaria. Seu padrão de conservação é variado sendo, de maneira geral, deficiente (Fig. 2).


Iguape – As localidades escolhidas podem ser consideradas como sendo dos tipos rural e urbano. No primeiro caso, incluem-se as do Sítio Embu e da Escola Agrícola. Naquele, as habitações situam-se às margens do rio Ribeira de Iguape, distantes cerca de 500 metros da mata primária e rodeadas de plantações. Nota-se a existência de abundante vegetação secundária na imediata vizinhança do peridomicílio. Essas edificações são de padrão modesto ou baixo, construídas de tábuas ou de de tijolos sem reboco (Fig. 3). Quanto à Escola Agrícola, localiza-se nas proximidades de elevação denominada Morro do Espia que a separa do núcleo urbano de Iguape. Dista cerca de um quilômetro, em linha reta, dessa formação, a qual se apresenta coberta de vegetação florestal do tipo primário. Entre as duas medeia terreno plano e alterado, notando-se a existência de plantações e pastagens, além de áreas degradadas (Fig. 4). Os edifícios da sede são bem construídos embora em estado deficiente de conservação, incluindo o correspondente ao alojamento, onde foram levadas a efeito as observações aqui relatadas (Fig. 5).




O meio urbano foi representado pela cidade de Iguape, situada às margens de enseada marítima conhecida como Mar Pequeno e com população de cerca de 10.000 habitantes. Em linhas gerais, esse núcleo é dividido em duas partes. Tal divisão é feita mediante canal artificial que estabelece a ligação entre o Rio Ribeira de Iguape e o supracitado braço de mar, e denominado de Valo Grande. Entre este e o mencionado Morro do Espia, estende-se a cidade propriamente dita. Na margem oposta desse curso de água, e já em terreno representativo da planície da Baixada Litorânea, encontra-se o conjunto conhecido como bairro do Rocio (Fig. 6). A cidade mostra predomínio de casas antigas no seu núcleo central, e outras de construção mais recentes que se estendem até o sopé da referida elevação. Esta, como foi dito, encontra-se coberta pela sua mata primária (Figs. 7 e 8). Quanto ao Rocio, apre- senta-se com o aspecto de núcleo habitacional de periferia, com casas, na sua maioria, de construção recente. Estas são de padrão deficiente e instaladas em terreno plano, dotado de vegetação arbustiva e rasteira (Fig. 9).





Ariri – Esta área foi representada pelo acampamento da SUDELPA (Superintendência do Desenvolvimento do Litoral Paulista, da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo). Destinado a abrigar o pessoal empregado na estrada que pretende atingir a localidade de Ariri, situa-se na extremidade da via em construção. As habitações têm caráter de transitoriedade e são representadas por construções de tábuas. Na época da realização das presentes observações, encontravam-se rodeadas de florestas de tipo primário em níveis baixos (Fig. 10).


MATERIAL E MÉTODOS

A observação das atividades de culicídeos foi levada a efeito mediante coletas realizadas de maneira regular, ao lado de outras sem continuidade apreciável ou executadas em número reduzido de vezes. Para tanto, o ambiente, considerado genericamente como domiciliar, foi aqui dividido em domicílio ou intradomiciliar propriamente dito, e peridomicílio. Aquele representado pelo interior das habitações e este pela área circundante e imediatamente adjacente, incluindo as paredes externas das casas. Em ambos, as técnicas empregadas consistiram na captura manual de indivíduos pousados em superfícies, além do uso de armadilhas, seja tipo Shannon, seja as luminosas automáticas modelo New Jersey e CDC miniatura. Em Ariri foram também realizadas, e de maneira concomitante, coletas no ambiente extradomiciliar cujos resultados acham-se incluídos no presente trabalho. Em todos os casos, o período de trabalho foi o das 18:00 às 22:00 horas.

As observações regulares tiveram lugar em casas escolhidas previamente, em todas as estações descritas. Os métodos empregados sofreram variações de acordo com o local. Em Pariquera-Açú e em Sete Barras utilizou-se, para o domicílio, a captura manual. As atividades foram executadas semanalmente, em dia pré-estabelecido. No peridomicílio adotou-se o mesmo procedimento, em relação às paredes externas, de maneira que as duas coletas foram realizadas simultaneamente. Em Sete Barras, somou-se a isto uma captura mensal peridomiciliar, no mesmo horário, com o emprego da armadilha de Shannon. Em Iguape, procedeu-se à seleção de três casas, duas na cidade (casas H1 e H2) e uma no bairro do Rocio (casa H3). Nesta última e em uma daquelas, tinham sido registrados casos clinicamente diagnosticados como de encefalite. As coletas foram feitas no domicílio utilizando a captura manual com ritmo semanal. Ainda em relação às observações regulares, as realizadas em Ariri o foram com o auxílio de duas armadilhas luminosas automáticas. Uma delas foi instalada no domicílio, aqui representado pelo interior do dormitório do acampamento, enquanto a outra foi colocada na floresta circunvizinha. Ambas operaram obedecendo também a ritmo semanal.

Em relação às coletas feitas de maneira não continuada ou em número reduzido, compreenderam algumas observações na estação de Iguape. Tais foram as realizadas no Sítio Embu, mediante captura manual no domicílio e com armadilha de Shannon no peridomicílio, ambas concomitantes. Lançando-se mão da mesma técnica, somada à utilização de armadilha automática, fizeram-se capturas no domicílio da Escola Agrícola, neste caso representado pelo interior do alojamento. Finalmente, no âmbito do núcleo urbano representado pela cidade de Iguape e o bairro do Rocio, realizaram-se capturas no peridomicílio. Para tanto, lançou-se mão de armadilhas, tanto do tipo Shannon como automáticas, embora não de maneira concomitante às coletas levadas a efeito no domicílio dessas mesmas habitações.

Nos trabalhos executados em ritmo regular, procurou-se avaliar a atividade dos mosquitos, mediante o cálculo das médias de Williams (

w). Tal orientação, e sempre que os dados o permitissem, foi a mesma seguida em trabalho anterior (Haddow3,4 1954, 1960; Forattini e col.2 1978). O mesmo se diga, e no que couber, com referência à identificação dos espécimens coletados.

RESULTADOS

As informações relatadas são a conseqüência de observações efetuadas no período de março de 1976 a dezembro de 1977. De acordo com o exposto em parágrafo anterior, as referentes a algumas levadas a efeito em Iguape não refletem seqüência regular em sua obtenção. Face a isso, os dados ali colhidos são apresentados apenas de maneira global.

De forma geral, os locais trabalhados são classificados em rurais e urbanos. Os primeiros encontram-se nas estações de Pariquera-Açú, Sete Barras, Ariri, além de Iguape. Esta última, no seu núcleo urbano, abrigou os correspondentes à segunda daquelas categorias, localizadas no conjunto formado pela cidade propriamente dita e pelo bairro do Rocio.

Zona rural – Em Pariquera-Açú, as coletas efetuadas, no domicílio e no peridomicílio, totalizaram 55 dias com a obtenção do número global de 1.407 mosquitos. As Tabelas 1 e 2 apresentam a composição específica para cada um desses meios. Na primeira, que inclui as espécies mais freqüentes, foi calculada a média por coleta (w). Verifica-se assim, em ambos, a presença de Aedes scapularis e de representantes de Culex (Melanoconion) sp. Aquele compareceu com média de 0,30 no domicílio e de 0,51 no peridomicílio representando, respectivamente, 4,3 e 7,9% dos mosquitos coletados. Em relação ao segundo, foram obtidos valores correspondentes a 0,71 e 0,59 para as médias perfazendo, na mesma ordem, 10,2 e 9,0% dos insetos capturados. Houve nítida predominância de Mansonia, com M. chrysonotum e M. venezuelensis em conjunto, fornecendo médias intradomiciliares de 2,88 e peridomiciliares de 2,23 constituindo, respectivamente, os totais de 81,7 e 77,3% dos mosquitos coletados nessas situações. Os dados constantes da Tabela 2 referem-se às espécies que, em conjunto, não chegaram a formar 5,0% do total de culicídeos capturados. Observa-se que o Aedes serratus encontra-se ali incluído e contrastando, com o aspecto referente à sua presença extradomiciliar, como já foi relatado.

Em Sete Barras os resultados obtidos encontram-se nas Tabelas 3 e 4, com o total de 4.791 mosquitos coletados em 61 dias de coletas intradomiciliares e 76 peridomiciliares. As distribuições nesses dois ambientes revelaram, para as espécies mais freqüentes, o aspecto comum do predomínio das representantes do gênero Mansonia. Ao lado desses culicídeos, sobressaiu o Anopheles cruzii, com médias (w) de 2,03 para o domicílio e 1,08 para o peridomicílio, e representando 9,3 e 8,6% dos mosquitos capturados nas duas situações respectivamente. É de se notar a diferença obtida para esse anofelino em relação aos dois ambientes, com média de freqüência no domicílio praticamente equivalente ao dobro daquela obtida no peridomicílio. Como característica da proximidade florestal, observa-se a presença de Phoniomyia davisi, praticamente restrita ao segundo desses ambientes. Em relação às demais espécies que, em conjunto, representam pouco mais de 2,0% do total de espécimens capturados, pôde-se acusar a presença de Aedes scapularis e de Culex (Melanoconion) sp. em número sem maior significado (Tabela 4).

Nas zonas rurais de Iguape as coletas foram feitas, como já se mencionou, sem obedecer a ritmo regular. Os resultados globais encontram-se apresentados nas Tabelas 7 e 8. No Sítio Embu, foram efetuadas nos meses de março, outubro e novembro de 1976, totalizando 7 capturas simultâneas nos dois ambientes, e resultando na coleta global de 2.468 mosquitos. Tanto no domicílio como no peridomicílio observa-se a presença significativa de Aedes scapularis e de Culex (Melanoconion) sp. ao lado de representantes do subgénero Culex e de Mansonia. Quanto à Escola Agrícola, os resultados refletem o que se conseguiu em 39 dias de captura intradomiciliar nos meses de março a junho e em setembro de 1977 com o total de 1.662 culicídeos. Observa-se, ao lado do já constante aspecto de predomínio de Mansonia, a ocorrência apreciável dos mesmos supracitados mosquitos aos quais pode-se acrescentar Anopheles evansae e Psorophora confinnis. De qualquer manieira, o número limitado destas observações, aliado à falta de regularidade no ritmo de sua realização, constituem-se em fatores limitantes à obtenção de quadro local mais preciso.

Em Ariri, como já foi mencionado, as coletas focalizaram o ambiente intradomiciliar e o extradomiciliar, este representado pela floresta local. Os resultados obtidos encontram-se na Tabela 9, onde está apresentada a distribuição conseguida com 40 e 41 dias de coleta, respectivamente, totalizando 1.061 mosquitos. Em relação às espécies mais freqüentes, repete-se aqui a feição geral do predomínio de representantes de Mansonia. Contudo, deixando de lado esse aspecto, nota-se a presença significante de Anopheles cruzii e de Culex (Melanoconion) sp., ambos com médias apreciáveis no domicílio, correspondentes a 0,70 e 0,42, e representando, respectivamente, 11,7 e 6,1% dos culicídeos capturados nessa situação. Em relação ao primeiro desses mosquitos nota-se a ocorrência de fenômeno semelhante ao observado em Sete Barras, ou seja, a maior freqüência intradomiciliar, equivalente a cerca do dobro da verificada no extradomicílio onde a média não passou de 0,32. Quanto às espécies menos freqüentes, que perfazem pouco mais de 10,0% do total de espécimens coletados, nota-se a presença discreta de Aedes scapularis e Aedes serratus, sem maior significado.

Levando-se em conta a cifra de 6.873 mosquitos que representa 94,7% do material coletado em ritmo regular (Tabelas 1, 3 e 9), torna-se possível o cálculo das médias correspondentes às espécies participantes desse conjunto. Isso foi feito para cada tipo de ambiente nas três estações, ou seja, o domicílio, o peridomicílio e o extradomicílio, este limitado ao caso particular de Ariri. As médias foram transformadas em percentuais sobre o total correspondente às w e, considerando-se os que compareceram com valores iguais ou superiores a 5,0%, pelo menos em uma dessas situações pôde-se obter os resultados representados pelo gráfico da Fig. 11. Verifica-se assim a presença desses mosquitos nesses ambientes, notando-se dois aspectos principais. O primeiro relativo ao uniforme comparecimento de representantes de Mansonia nas três localidades. O segundo correspondente à presença significativa de Aedes scapularis e de membros de Culex (Melanoconion) sp. em Pariquera-Açú, e dos últimos em Ariri, comparado com a ausência de ambos em Sete Barras. Ao lado disso, nota-se a apreciável presença de Anopheles cruzii nas duas últimas mencionadas estações.


Zona urbana – Nas três habitações selecionadas no núcleo urbano de Iguape, designadas como H1, H2 e H3, as coletas intradomiciliares totalizaram 76, 66 e 87 dias, respectivamente, com a obtenção de 1.214 mosquitos. A Tabela 5 apresenta a composição específica, bem como as médias (w) calculadas para as espécies mais freqüentes. Verifica-se assim que entre estas sobressai, como era de se esperar, o Culex pipiens quinquefasciatus que, por si só, representa cerca de 89,0% do total de mosquitos capturados nas três casas, com médias de 0,96, 1,17 e 1,83 para cada uma delas. Dos restantes, apresenta alguma relevância a presença de Aedes scapularis, além de alguns representantes de Mansonia. Quanto a outros culicídeos, é ainda mais discreta a participação de Culex (Melanoconion) sp., embora pouco maior em H3 que corresponde ao bairro do Rocio. Para os outros mosquitos a sua presença não é de molde a permitir alguma análise.

Considerando-se assim o número de 1.129 mosquitos, que se constituem em 93,0% do material coletado, calculou-se as médias correspondentes a cada espécie e transformadas em percentuais do total de

w. Levando-se em conta os mosquitos que participaram com valores iguais ou superiores a 5,0%, pelo menos em uma das casas, foi possível conseguir os dados representados no gráfico da Fig. 12. Observa-se assim, ao lado da predominância de Culex pipiens quinquefasciatus, a presença de Aedes scapularis nas três habitações, embora não comparecendo de maneira comparável à daquele.


Em relação ao peridomicílio, os resultados globais encontram-se expostos na Tabela 6 correspondendo a 51, 24 e 28 dias de coleta, respectivamente, para as três casas H1, H2 e H3. Daí resultou a obtenção de 475 mosquitos notando-se, além do predomínio de Culex pipiens quinquefasciatus e da presença apreciável de representantes de Mansonia, a ocorrência persistente e não desprezível de Aedes scapularis, representando cerca de 15,0% do total de culicídeos coletados nessa situação.

COMENTÁRIOS

Os resultodos supradescritos permitem várias considerações. De início assinale-se o traço comum, verificado de maneira geral em todas as coletas, e relativo à freqüência e mesmo predominância de representantes de Mansonia. Face a esse aspecto, generalizado para todas as estações trabalhadas, torna-se difícil atribuir a tais culicídeos papel significante na veiculação local de vírus encefalítico. E isso dada a circunstância de que a ocorrência dessa infecção não seguiu o mesmo padrão de uniformidade, para as localidades pesquisadas.

As coletas efetuadas em Pariquera-Açú e em Sete Barras, o foram no mesmo período, de julho de 1976 a setembro de 1977, e de maneira comparável. Em vista disso, e à semelhança do que se fez com as observações locais realizadas no extradomicílio, pode-se cotejar os dados obtidos nas duas localidade (Tabelas 1, 2, 3, 4 e Fig. 11). A análise dos dados faz ressaltar a disparidade substancial em relação à presença de Aedes scapularis e de Culex (Melanoconion) sp., que se revelou significante em Pariquera-Açú e praticamente nula em Sete Barras. Por outro lado, aspecto inverso foi registrado em relação a Anopheles cruzii, com apreciável endofilia revelada pela média intradomiciliar, equivalente a praticamente o dobro da obtida no peridomicílio (Tabela 3). Apreciando tais dados à luz das diferenças existentes entre essas duas localidades, pode-se ponderar sobre alguns aspectos. Considere-se que a primeira delas corresponde a área de terreno alterado com a presença de casos clínicos de encefalite. O mesmo não ocorre com a estação de Sete Barras, que representa local preservado e onde a existência dessa infecção não foi detectada até o presente momento. Tais feições, analisadas juntamente com os resultados obtidos nas coletas de culicídeos, permitem levantar a hipótese de possível responsabilidade vetora por parte de Aedes scapularis e de Culex (Metanoconion) sp. É bastante sugestiva a freqüência desses mosquitos ao domicílio e ao peridomicílio, ao lado de sua apreciável presença em várias situações do extradomicílio (Forattini e col.2, 1978).

Considerando-se os dados referentes à estação de Ariri, onde as observações foram também de caráter rural, verifica-se, pelo menos em parte, a ocorrência de aspectos que reforçam a mesma hipótese (Tabela 9). Eis que, embora o Aedes scapularis se revelasse ausente, o mesmo não ocorreu com os Culex (Melanoconion) sp. que compareceram notadamente, tanto no meio intradomiciliar como no extradomiciliar da floresta circundante. Assinle-se que, da mesma forma que em Sete Barras, houve aqui a presença de Anopheles cruzii mostrando sua endofilia ao fornecer médias, no domicílio, sensivelmente maiores do que no extradomicílio. Mesmo nas capturas não regulares, feitas na zona rural de Iguape, pôde-se notar a significante ocorrência de Aedes scapularis e de Culex (Melanoconion) sp. embora estes dados, particularmente, não permitam conclusões mais seguras (Tabelas 7 e 8).

Assim sendo, e de maneira geral, pode-se supor que esses dois grupos de culicídeos teriam contribuído para possível contigente domiciliar na transmissão da encefalite. A favor da ocorrência desse tipo de veiculação, existem alguns dados disponíveis. Inicialmente deve-se assinalar que, já nas observações levadas a efeito na chamada Baixada Santista, onde se registrou o primeiro surto de encefalite, a distribuição etária da virose assinalou 10 casos na faixa de 1 a 4 anos (Tiriba 7 1975, Tiriba e col.8 1976).

O quadro relativo à casuística ocorrida no Vale do Ribeira registrou no grupo de até 4 anos, 41 casos em 1976 e 12 em 1977, dos quais 10 e 7, respectivamente, correspondem a crianças com menos de um ano de idade. Em segundo lugar, relatou-se o isolamento do virus Rocio de ave correspondente a um exemplar de "tico-tico" (Zonotrichia capensis), que se apresenta com acentuadas características de domiciliação (Lopes5,6 1978). Assim pois, tais evidências sugerem que parte da transmissão da encefalite tenha se efetuada no meio domiciliar. Contudo, não se pode afastar a hipótese de que possam ali ter ocorrido outras formas de veiculação que não impliquem necessariamente o concurso de mosquitos hematófagos.

Quanto às observações na zona urbana de Iguape, tanto os dados das coletas regulares no domicílio, como as realizadas no peridomicílio mas sem seqüência regular, apontam também para certa presença de Aedes scapularis (Tabelas 5 e 6, Fig. 12). Embora com baixa freqüência, em relação à apresentada em outros locais e à dominancia local de Culex pipiens quinquefasciatus, aquele aedino revelou-se com algum significado nesse meio. Os dados disponíveis sobre a distribuição etária dos casos clínicos de encefalite neste núcleo urbano assinalam a ocorrência de 7 casos em 1976 e de 3 em 1977, em crianças de até 4 anos. Destas, duas e uma, respectivamente, referem-se a infantes com menos de um ano de idade. Como foi dito, não se pode afastar a hipótese da existência de outros mecanismos de transmissão que não os essencialmente devidos à ação hematófaga de culicídeos. Por sua vez, no caso desta zona urbana, se estes contribuíssem poderosamente, o Culex pipiens quinquefasciatus deveria ser incriminado. Dado porém o pequeno número de casos acima referidos, e que poderiam, com alguma probabilidade, serem atribuídos à ação desses dípteros, torna-se admissível considerar o papel de Aedes scapularis, embora discreto. Nesse sentido, deve-se ter presente a característica do seu aparecimento momentâneo e explosivo em grande número, e que é geralmente observada no grupo de culicídeos ao qual pertence essa espécie. Ao lado disso, a sua tendência à endofilia já foi assinalada, em nosso meio, há bastante tempo (Forattini1, 1961).

Em resumo, estas observações realizadas no ambiente domiciliar, complementam as efetuadas no extradomicílio (Forattini e col.2 1978). Dos mosquitos que, neste último ambiente, apresentam maior probabilidade de contatos freqüentes com a população humana, o Aedes scapularis e representantes de Culex (Melanoconion) sp. chegam até o domicílio. Sua presença nesse meio é mais significante na zona rural, embora o primeiro deles também possa atuar no situado na zona urbana.

CONCLUSÕES

1 – Admitindo-se a hipótese de que a epidemia de encefalite no Vale do Ribeira tenha sido devida a uma arbovirose, os resultados obtidos pelas observações realizadas no ambiente domiciliar sugerem a ocorrência de contigente de transmissão nesse meio.

2 – A transmissão domiciliar poderá, pelo menos em parte, ser atribuída à atuação de mosquitos Culicidae, e de maneira mais sugestiva para a zona rural do que para a urbana.

3 – Em áreas de ambiente alterado e/ou com a ocorrência de casos clínicos da doença, os representantes mais significantes foram Aedes scapularis e Culex (Melanoconion) sp.

4 – A significância desses culicídeos torna-se maior ao se considerar sua participação no ambiente extradomiciliar onde a dividiram com Aedes serratus.

5 – A presença desses culicídeos nas habitações permite associá-la à ocorrência da infecção em grupos etários de baixa idade.

6 – Em que pesem essas evidências, não se exclui a presença de outras formas de transmissão domiciliar, além das atribuíveis essencialmente à ação hematófaga de culicídeos.

Recebido para publicação em 26/07/1978

Aprovado para publicação em 09/08/1978

Trabalho do Centro Brasileiro de Estudos Entomológicos em Epidemiologia (CENTEP) e realizado com auxílio financeiro do Grupo de Avaliação de Projetos de Pesquisa (GAPP) do Ministério da Saúde

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 1978

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 1978
  • Aceito
    09 Ago 1978
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