Acessibilidade / Reportar erro

Captura de culicídeos em área urbana: avaliação do método das caixas de repouso

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a ocorrência de população adulta de culicídeos em área urbana e medir a sensibilidade do método de coleta em caixa de repouso MÉTODOS: Foram coletados mosquitos entre 1999 e 2000, em duas cidades do Estado de São Paulo: Ocauçu e Uchoa. Em cada uma delas, sortearam-se 15 quadras, e em cada quadra um domicílio, onde foram instaladas duas caixas de repouso, no intra e no peridomicílio. Realizaram-se coletas mensais por domicílio, durante 13 meses, utilizando aspiradores manuais no intra e peridomicílio e no interior das caixas. Os espécimes capturados foram levados ao laboratório para triagem e identificação por espécie e sexo. RESULTADOS: Dos 2.112 espécimes de culicídeos coletados, 99,7% corresponderam a quatro espécies: Culex quinquefasciatus, Aedes aegypti, Cx. declarator e Cx. coronator. A distribuição percentual dessas espécies foi, respectivamente, em Ocauçu: 83,3%, 3,2%, 10,8% e 2,4%, e em Uchoa: 83,8%, 8,4%, 4,4% e 3,0%. Das fêmeas do gênero Culex, 34,3% foram coletadas nas caixas de repouso e 59,9% encontravam-se no intradomicílio. Das fêmeas de Ae. aegypti, 17,6% foram coletadas nas caixas de repouso e 82,4% encontraram-se no intradomicílio. CONCLUSÕES: A grande maioria dos espécimes coletados pertenciam a quatro espécies de culicídeos, sendo Cx. quinquefasciatus a mais freqüente. Proporcionalmente, as fêmeas de Ae. aegypti ocuparam mais o intradomicílio do que as do gênero Culex. A caixa de repouso apresenta potencial de utilização como dispositivo de vigilância, mas precisa ser mais bem avaliada.

Culicidae; Insetos vetores; Comportamento espacial; Técnicas de estimativa; Estudos de avaliação; Sensibilidade e especificidade; Aedes aegypti; Culex


OBJECTIVE: To evaluate the occurrence of adult culicid populations in urban areas and measure the sensitivity of the resting box collection method. METHODS: Mosquito were collected in 1999 and 2000, in two cities in the State of São Paulo, Brazil: Ocauçu and Uchoa. In each city, 15 blocks were drawn by lots and then one home in each block was drawn. Two resting boxes were installed at each home: one inside and the other outside the house. Monthly collections were carried out at each home, over a 13-month period, using manual aspirators inside and outside the home and inside the boxes. The captured specimens were taken to the laboratory for screening and identification according to species and sex. RESULTS: Out of the 2,112 culicid specimens collected, 99.7% were of four species: Culex quinquefasciatus, Aedes aegypti, Cx. declarator and Cx. coronator. The distribution of these species in Ocauçu was 83.3%, 3.2%, 10.8% and 24%, respectively, and in Uchoa it was 83.8%, 8.4%, 4.4% and 3.0%, respectively. Among the females of the genus Culex, 34.3% were captured in the resting boxes and 59.9% were collected from inside the house. Among the females of Ae. aegypti, 17.6% were found in the resting boxes and 82.4% inside the home. CONCLUSIONS: The great majority of the specimens collected belonged to four species of culicids, and Cx. quinquefasciatus was the most common. Proportionally, the females of Ae. aegypti were found more inside the home than were those of the genus Culex. Resting boxes present potential for use as surveillance devices, but their use needs to be more thoroughly evaluated.

Culicidae; Insect vectors; Spatial behavior; Estimation techniques; Evaluation studies; Sensitivity and specificity; Aedes aegypti; Culex


ARTIGOS ORIGINAIS

Captura de culicídeos em área urbana: avaliação do método das caixas de repouso

Eudina Agar Miranda de Freitas BarataI; Francisco Chiaravalloti NetoII; Margareth Regina DiboII; Maria de Lourdes G MacorisIV; Angelita Anália C BarbosaIII; Delsio NatalV; José Maria Soares BarataV; Maria Teresa Macoris AndriguettiIV

IDivisão de Programas Especiais. Superintendência de Controle de Endemias (Sucen). Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (SES-SP). São Paulo, SP, Brasil

IIServiço Regional de São José do Rio Preto. Sucen. (SES-SP). São José do Rio Preto, SP, Brasil

IIIFaculdade de Medicina de São José do Rio Preto. São José do Rio Preto, SP, Brasil

IVServiço Regional de Marília. Sucen. (SES-SP). Marília, SP, Brasil

VDepartamento de Epidemiologia. Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Francisco Chiaravalloti Neto Laboratório de Vetores Av. Brigadeiro Faria Lima, 5.416 15090-000 São José do Rio Preto, SP, Brasil E-mail: fcneto@famerp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a ocorrência de população adulta de culicídeos em área urbana e medir a sensibilidade do método de coleta em caixa de repouso

MÉTODOS: Foram coletados mosquitos entre 1999 e 2000, em duas cidades do Estado de São Paulo: Ocauçu e Uchoa. Em cada uma delas, sortearam-se 15 quadras, e em cada quadra um domicílio, onde foram instaladas duas caixas de repouso, no intra e no peridomicílio. Realizaram-se coletas mensais por domicílio, durante 13 meses, utilizando aspiradores manuais no intra e peridomicílio e no interior das caixas. Os espécimes capturados foram levados ao laboratório para triagem e identificação por espécie e sexo.

RESULTADOS: Dos 2.112 espécimes de culicídeos coletados, 99,7% corresponderam a quatro espécies: Culex quinquefasciatus, Aedes aegypti, Cx. declarator e Cx. coronator. A distribuição percentual dessas espécies foi, respectivamente, em Ocauçu: 83,3%, 3,2%, 10,8% e 2,4%, e em Uchoa: 83,8%, 8,4%, 4,4% e 3,0%. Das fêmeas do gênero Culex, 34,3% foram coletadas nas caixas de repouso e 59,9% encontravam-se no intradomicílio. Das fêmeas de Ae. aegypti, 17,6% foram coletadas nas caixas de repouso e 82,4% encontraram-se no intradomicílio.

CONCLUSÕES: A grande maioria dos espécimes coletados pertenciam a quatro espécies de culicídeos, sendo Cx. quinquefasciatus a mais freqüente. Proporcionalmente, as fêmeas de Ae. aegypti ocuparam mais o intradomicílio do que as do gênero Culex. A caixa de repouso apresenta potencial de utilização como dispositivo de vigilância, mas precisa ser mais bem avaliada.

Descritores: Culicidae. Insetos vetores. Comportamento espacial. Técnicas de estimativa. Estudos de avaliação. Sensibilidade e especificidade. Aedes aegypti. Culex.

INTRODUÇÃO

Entre os culicídeos de área urbana, o Aedes aegypti é considerado o principal vetor dos vírus da dengue e potencial vetor do vírus da febre amarela,18 tendo sido alvo de vigilância e controle em todo território nacional.

Mosquitos do gênero Culex, em especial a espécie Cx. quinquefasciatus, também são presentes em ambientes antrópicos urbanos. Além de representarem importante fator de incômodo às pessoas, seu papel como vetor de filária Wuchereria bancrofti também o remete à condição de alvo de controle. Recentemente, o envolvimento deste mosquito na transmissão do Vírus do Nilo Ocidental (VNO) no continente americano12 representa um risco potencial para a introdução da doença no País.

No Brasil, a vigilância de Ae. aegypti baseia-se na medida de índices larvários,13 determinando-se a presença, freqüência de ocorrência e a abundância de larvas no ambiente.3 No entanto, o indicador entomológico mais associado ao risco de transmissão dos vírus da dengue é a relação de fêmeas com a população humana. São relevantes as informações sobre a bioecologia das fêmeas em área urbana, pois ajudam na seleção de medidas de controle desse vetor. Considera-se ainda que o conhecimento da dinâmica da população adulta permite avaliações epidemiológicas mais acuradas. Embora estas questões sejam tratadas com freqüência na literatura mundial, no Brasil isso raramente ocorre.2

A metodologia de captura de culicídeos adultos com aspiradores manuais16 em ambiente domiciliar é trabalhosa, possui baixo rendimento e tem como desvantagem a influência da destreza do capturador.11,19 A metodologia proposta por Edman et al10 para vigilância entomológica de Ae. aegypti é a captura em caixas de repouso, que contorna as dificuldades operacionais da aspiração, além de otimizar o trabalho de campo. Tal metodologia foi testada com sucesso na Ásia para Ae. aegypti e nos Estados Unidos para Cx. quinquefasciatus.7,10,15

O objetivo do presente trabalho foi avaliar a ocorrência de população adulta de espécies de culicídeos segundo densidade, sexo e local e captura; e medir a sensibilidade da captura em caixas de repouso para detecção de adultos destas espécies. Além disso, para o gênero Aedes, foi relacionado o número de fêmeas com indicador de infestação larvária.

MÉTODOS

Para o estudo foram escolhidos os municípios de Ocauçu e Uchoa. Ocauçu está localizado a 22º25'S e 49º56'W, 551 m a.n.m. e dista 46 km de Marília, município-sede da região de mesmo nome localizada no centro-oeste do Estado de São Paulo. No ano de 2000, possuía 4.164 habitantes e 1.100 domicílios urbanos. Foi detectada a presença de Ae. aegypti no ano de 1993 e, até fevereiro de 2007, o município não notificou casos autóctones de dengue.* * Informações da Superintendência de Controle de Endemias. Dados inéditos.

Uchoa está localizado a 20º57'S e 49º10'W, 485 m a.n.m. e dista 33 km de São José do Rio Preto, município-sede de região de mesmo nome localizada a noroeste do Estado de São Paulo. No ano 2000, possuía 9.035 habitantes e 3.020 domicílios urbanos. Detectou-se a presença do Ae. aegypti no município em 1988. Ocorreram casos de dengue em 1995 (164 casos/100.000 habitantes) e 2001 (77 casos/100.000 habitantes).* * Informações da Superintendência de Controle de Endemias. Dados inéditos.

Em cada município, sortearam-se 15 quadras da área urbana. Em cada quadra foi sorteado um domicílio para instalação de duas caixas de repouso,10 uma no intradomicílio e outra no peridomicílio. As caixas eram constituídas de papelão de cor preto fosco, tanto interna como externamente, com dimensões de 30 cm de largura, 30 cm de profundidade e 90cm de altura. Na parte frontal dispunham de uma abertura retangular de 30 cm de largura por 50 cm de altura. Para aumentar sua atratividade, no interior de cada caixa foi colocado um recipiente de oviposição constituído de um frasco preto fosco de aproximadamente um litro, preenchido com 500 mL de água e contendo no seu interior uma palheta de madeira.

No período de junho de 1999 a junho de 2000, realizou-se uma coleta mensal em cada um dos 15 domicílios, com aspiradores manuais no intra e peridomicílios e no interior das caixas. Os imóveis selecionados permaneceram como pontos fixos para monitoramento das variáveis em estudo e as caixas de repouso eram instaladas uma semana antes das coletas. Duas duplas de operadores realizavam as coletas, trabalhando uma no intra e outra no peridomicílio, entre 8h e meio-dia. Cada coleta teve duração média de 30 min. Mosquitos adultos foram coletados com aspiradores movidos à bateria recarregável conforme modelo proposto por Nasci.16

Após as capturas, os mosquitos foram colocados em caixas entomológicas, mantidas em isopor contendo gelo reciclável até chegar ao laboratório para triagem e identificação dos culicídeos segundo espécie e sexo.

Foram realizadas medidas mensais de Índices de Breteau (IB – número de recipientes com larvas por cem casas)4 para Ae. aegypti e Ae. albopictus, em amostragem por conglomerados (quadras) nos dois municípios. Todas as casas das quadras sorteadas foram visitadas à procura de recipientes com larvas de mosquitos.1 Cada uma das amostras para medida de IB, em torno de 250 casas, foi sorteada de maneira independente da amostra de 15 domicílios para a coleta de adultos.

Para as fêmeas e machos dos culicídeos capturados registrou-se, para cada espécie e gênero, número de exemplares, local de captura (intra e peridomicílio) e presença nas caixas de repouso. Calcularam-se número de exemplares de fêmeas por domicílio. A sensibilidade da detecção de culicídeos pelas caixas de repouso foi representada pelo percentual de exemplares capturados nas caixas em relação ao total coletado com os aspiradores16 segundo gênero e/ou espécie, sexo, local de captura e município. As espécies do gênero Culex foram agrupadas nesta análise e na avaliação segundo ambientes de captura devido a todas serem potenciais vetores na infecção pelo VNO.

Para a verificação de possíveis diferenças significativas entre as proporções obtidas, foram utilizados o teste exato de Fisher, o teste de proporções ou o teste do qui-quadrado. O nível de significância considerado foi de 5%. As proporções, quando não comparadas por meio de testes estatísticos, foram apresentadas com os intervalos de confiança de 95% (IC 95%). As relações entre os números de fêmeas de Ae. aegypti por casa e os IB foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Spearman.

Para análise estatística dos dados foram utilizados os programas Stata e EpiInfo 2002.

RESULTADOS

No período de junho de 1999 a junho de 2000 foram coletados em Ocauçu 1.386 espécimes de mosquitos adultos: 1.155 (83,3%) exemplares de Cx. quinquefasciatus, 150 (10,8%) de Cx. declarator, 44 (3,2%) de Ae. aegypti, 33 (2,4%) de Cx. coronator, 2 (0,1%) de Ochlerotatus scapularis, 1 (0,1%) de Anopheles brasiliensis e 1 (0,1%) de Coquillettidia sp.. Em Uchoa, no mesmo período, foram coletados 726 exemplares: 608 (83,8%) de Cx. quinquefasciatus, 61 (8,4%) de Ae. aegypti, 32 (4,4%) de Cx. declarator, 22 (3,0%) de Cx. coronator, 2 (0,3%) de Ochlerotatus scapularis e 1 (0,1%) de Anopheles sp..

Em relação às quatro espécies com maior freqüência (99,7% do total), a distribuição em Ocauçu apresentou diferença estatisticamente significativa daquela encontrada em Uchoa (c2=49,75; p=0,0000). As espécies que contribuíram para essa diferença foram o Cx. declarator com valor maior que o esperado em Ocauçu (c2=24,83; p=0,0000) e o Ae. aegypti também com valor maior que o esperado para Uchoa (c2=26,54; p=0,0000). As outras duas espécies não apresentaram distribuições com diferenças significativas.

Das fêmeas de Ae. aegypti, foram capturadas entre os meses de novembro/1999 a abril/2000 respectivamente em Ocauçu e Uchoa: 72,2% (IC 95%: 46,5;90,3) e 93,9% (IC 95%: 79,8;99,3). Em relação aos machos, foram capturados nesse mesmo período 76,9% (IC 95%: 56,4;91,0) e 96,4% (IC 95%: 81,7;99,9), respectivamente em Ocauçu e Uchoa. Para as três espécies de Culex capturadas em Ocauçu, observou-se maior densidade em determinados meses: fêmeas e machos de Cx. quinquefasciatus ocorreram com maiores freqüências entre agosto e dezembro/1999, respectivamente 64,4% (IC 95%: 60,4;68,3) e 75,2% (IC 95%: 71,5;78,7); fêmeas e machos de Cx. declarator com maiores freqüências entre março e maio/2000, respectivamente 72,3% (IC 95%: 63,3;80,1) e 80,8% (IC 95%: 62,5;92,5); fêmeas e machos de Cx. coronator com maiores freqüências entre agosto e outubro/1999, respectivamente 73,3% (IC 95%: 44,9;92,2) e 88,9% (IC 95%: 65,3;98,6). Em Uchoa não se identificaram, para o gênero Culex, agrupamentos de espécimes em determinado período do ano.

Observa-se na Figura 1 que os maiores valores do IB e do número médio de fêmeas por casa em Ocauçu foram, respectivamente, 7,5 e 0,4 e ocorreram em fevereiro/2000. Os valores máximos do IB e fêmeas por casa para Uchoa, respectivamente 12,0 e 0,7, ocorreram em março/2000. O coeficiente de correlação de Spearman entre essas duas variáveis pareadas para Ocauçu, segundo mês, não foi significativamente diferente de zero (p=0,208). Para Uchoa obteve-se o valor do coeficiente igual 0,77 (significativamente diferente de zero, p=0,002). Ao contrário dos adultos, com captura somente de Ae. aegypti, as medidas de IB revelaram a presença de Ae. albopictus. Essa espécie foi detectada em Ocauçu em fevereiro/2000, março/2000 e abril/2000 e em Uchoa em janeiro, fevereiro e março de 2000.


Na Figura 2 apresentam-se, para as três espécies de Culex, os números médios de fêmeas por casa, segundo mês. Em Ocauçu os maiores valores foram 7,8 fêmeas por casa em dezembro/1999 para Cx. quinquefasciatus, 2,7 em maio/2000 para Cx. declarator e 0,3 em agosto/1999 para Cx. coronator. Em Uchoa, os picos ocorreram em dezembro/1999 para Cx. quinquefasciatus (4,4), em agosto/1999 para Cx. declarator (0,7) e em dezembro1999 para Cx. coronator (0,4).


Na Tabela 1 apresenta-se a distribuição de machos e fêmeas de Ae. aegypti segundo ambientes de captura. Não foram capturadas fêmeas de Ae. aegypti nas caixas colocadas no peridomicílio. Os valores da sensibilidade das caixas de repouso em abrigar fêmeas no intradomicílio foram, respectivamente, para Ocauçu e Uchoa 20,0% e 22,2% (p=1,000). Em conjunto para os dois municípios, a sensibilidade foi de 21,4% (IC 95%: 10,3;36,8) para o intradomicílio e de 17,6% (IC 95%: 8,4;30,1) para o total coletado. Das fêmeas de Ae. aegypti capturadas em Ocauçu e Uchoa, respectivamente 15 (83,3%) e 27 (81,8%) encontravam-se no intradomicílio (p=1,000).

Nas 13 medidas de IB em Ocauçu foram encontrados 64 recipientes com larvas de Ae. aegypti, sendo 2 (3,1%) no intradomicílio e 62 (96,9%) no peridomicílio. Em Uchoa, dos 114 recipientes encontrados com larvas deste vetor 14 (12,3%) estavam no intradomicílio e 100 (87,7%) no peridomicílio. Todos os recipientes encontrados com larvas de Ae. albopictus, 21 em Ocauçu e seis em Uchoa, estavam no peridomicílio.

Na Tabela 2 apresenta-se a distribuição de machos e fêmeas de Culex segundo ambientes de captura. As sensibilidades da caixa de repouso para coleta de fêmeas de Culex no intradomicílio foram, respectivamente 33,6% para Ocauçu e 17,1% para Uchoa (p=0,040). Em conjunto para os dois municípios, a sensibilidade foi de 27,8% (IC 95%: 24,4;31,4) para o intradomicílio e de 34,3% (IC 95%: 31,5;37,2) para ambos os ambientes.

DISCUSSÃO

A coincidência das espécies de culicídeos predominantes com suas distribuições em áreas urbanas de duas cidades pertencentes a regiões distintas do Estado de São Paulo apontam a possibilidade de estabelecimento de mecanismos semelhantes de vigilância e controle desses vetores.

A maioria das fêmeas e machos de Ae. aegypti foi capturada entre os meses de novembro e abril, o que está de acordo com o padrão climático das áreas estudadas e com o comportamento sazonal da espécie. Os dois municípios trabalhados pertencem a regiões cujo clima é caracterizado pela existência de duas estações definidas: uma chuvosa e quente entre novembro e abril e outra seca e mais fria entre maio e outubro.** ** Informações da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Dados inéditos. Em relação ao Culex, apenas em Ocauçu ocorreram concentrações em determinados períodos do ano, mas sem aparente relação com as estações climáticas.

Os achados da presente pesquisa, em relação à distribuição das fêmeas de Ae. aegypti no intra e peridomicílio, confirmam os resultados de Barata et al2 em estudo realizado em São José do Rio Preto. Nessa cidade de porte médio da região noroeste paulista, a proporção de fêmeas no intradomicílio foi de 87,3%. No presente estudo, realizado em duas cidades de pequeno porte, em regiões distintas do Estado, não foram encontradas diferenças entre as proporções de fêmeas no intradomicílio. Deduz-se que a permanência no ambiente interno é uma característica do comportamento da fêmea, pois esse local contemplaria sua necessidade de alimentação e abrigo.

A permanência das fêmeas de Ae. aegypti no intradomicílio contrasta com o seu comportamento de seleção dos ambientes para postura, uma vez que a maioria dos recipientes com larvas de Ae. aegypti foi encontrado no peridomicílio. Estudo8 que avaliou o melhor local para instalação de armadilhas de oviposição mostrou que, mesmo havendo igual disponibilidade no intra e peridomicílio, 83,5% do total de ovos foram depositados no peridomicílio. Esses dados têm repercussões importantes nas atividades de controle de Ae. aegypti. Se o principal objetivo é atuar sobre as formas adultas, o intradomicílio deve ser priorizado, mas se for controlar as formas larvárias, deve-se priorizar o peridomicílio. Os resultados do presente trabalho vêm ressaltar a importância desse tipo de investigação que, para Donalísio & Glasser,9 são instrumentos capazes de responder questões específicas dos programas de controle.

O encontro de cerca de 60% das fêmeas do gênero Culex no intradomicílio nos dois municípios evidencia sua adaptação ao ambiente antrópico e que o ser humano é a fonte preferencial de alimentação. Essas características, em conjunto com o maior ou menor grau de ornitofilia das três espécies encontradas,6 abrem a possibilidade para que o quadro de transmissão do VNO se complete, caso ocorra sua introdução.14

Apesar de coletas de adultos com aspiradores manuais fornecerem informações a respeito do número de fêmeas de culicídeos por casa, Focks11 aponta como limitações o desconhecimento da relação entre o total de fêmeas existentes e o número de fêmeas coletadas. Uma outra questão a ser levantada é a respeito da capacidade das capturas no peridomicílio em representar a quantidade de mosquitos existentes no ambiente. No presente trabalho, a captura de fêmeas do gênero Culex em proporções bem superiores à de fêmeas de Ae. aegypti no peridomicílio mostra a utilidade do aspirador em coletar mosquitos nesse ambiente.

Para Focks,11 a quantidade de recursos envolvidos também constitui limitação da técnica. Entretanto, quando utilizada em investigações científicas, fornece informações sobre o comportamento dos vetores que podem direcionar o controle e compensar os custos. No caso do Ae. aegypti, por exemplo, Rodrigues-Figueroa et al20 consideram o número de fêmeas por pessoa ou por área como bons indicadores de risco para a ocorrência de transmissão dos vírus da dengue.

Apesar de inferiores ao valor de 1,2 fêmeas por casa relatado por Barata et al,2 os valores de fêmeas de Ae. aegypti por casa encontrados no presente estudo são superiores aos considerados como limiar para a ocorrência de dengue em Singapura (0,2 fêmeas por casa),5 e compatíveis com a transmissão dos vírus. Um ponto a ser destacado é a concordância temporal entre as maiores densidades de números de fêmeas de Ae. aegypti por casa e dos valores dos IB. Em Uchoa, as duas medidas (fêmeas por casa e IB) apresentaram correlação significante. Se o pico do indicador de adultos concorda temporalmente com o pico do indicador larvário, a identificação desta ocorrência no tempo pode auxiliar na realização de atividades de vigilância entomológica e na adoção de medidas de controle.

As densidades de fêmeas de Cx. quinquefasciatus nos meses de maior infestação atingiram valores mais expressivos do que os encontrados para Ae. aegypti (respectivamente 7,8 e 4,4 fêmeas por casa para Ocauçu e Uchoa). Além de representar incômodo para a população, tais densidades indicam que esta espécie poderia atuar como um importante vetor na transmissão de doenças e em especial na infecção por VNO.17

Em relação à sensibilidade, em pesquisa realizada na Tailândia, do total de adultos de Ae. aegypti capturados no intradomicílio, 30% a 60% foram aspirados de duas a quatro caixas de repouso. Esses valores foram superiores aos encontrados no presente estudo (21,4% das fêmeas), onde se trabalhou com apenas uma caixa no ambiente.10 Essas diferenças podem estar relacionadas à quantidade de caixas utilizadas, aos níveis de infestação e também aos horários de coletas. Enquanto que na Tailândia obteve-se uma média (realizando-se duas capturas diárias) de 14,2 fêmeas por casa, em Ocauçu e Uchoa os valores foram inferiores (realizando-se apenas captura de manhã).

Para o gênero Culex, as caixas de repouso mostraram ser um método de detecção mais sensível do que para o Ae. aegypti. O comportamento biológico do Culex, com atividade hematófagica noturna e repouso diurno, favorece o seu encontro em locais de repouso durante o dia.7 Por outro lado, a atividade hematofágica de Ae. aegypti é diurna com menor probabilidade de encontro em locais de repouso em capturas realizadas neste período.

Novas avaliações devem ser realizadas para a proposição ou descarte das caixas de repouso como método de vigilância entomológica tanto para Ae. aegypti como o gênero Culex. É preciso levar em conta que a sensibilidade das caixas foi medida em relação ao número de adultos que os operadores tiveram êxito em coletar e não em relação ao total de adultos presentes. Mesmo para o gênero Culex, que apresentou maiores valores de sensibilidade, as caixas de repouso devem ser comparadas com outros métodos de estimativa da densidade de adultos, como as armadilhas tipo CDC.

AGRADECIMENTOS

À Dra. Carmen M. Glasser, da Superintendência de Controle de Endemias, pelas sugestões na elaboração do projeto. Às equipes de campo e aos membros das equipes de apoio técnico e científico dos Serviços Regionais 8 e 11 da Superintendência de Controle de Endemias, pelo auxílio no trabalho de campo e laboratório.

Recebido: 9/3/2006

Revisado: 17/7/2006

Aprovado: 3/11/2006

Financiado pelo Convênio entre Fundação Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e a Superintendência de Controle de Endemias (Processo FNS nº. 25100.004590/98-20).

  • 1. Alves MCGP, Gurgel SM, Almeida MCRR. Plano amostral para cálculo de densidade larvária de Aedes aegypti e Aedes albopictus no estado de São Paulo, Brasil. Rev Saude Publica. 1991;25(4):251-6.
  • 2. Barata EAMF, Costa AIP, Chiaravalloti Neto F, Glasser CM, Barata JMS, Natal D. População de Aedes aegypti (l.) em área endêmica de Dengue, Sudeste do Brasil. Rev Saude Publica. 2001; 35(3):237-42.
  • 3. Braga IA, Gomes AC, Nelson M, Mello RCG, Bergamaschi DP, Souza JMP. Comparação entre pesquisa larvária e armadilha de oviposição para detecção de Aedes aegypti Rev Soc Bras Med Trop. 2000; 33(4):347-53.
  • 4. Breteau H. La fièvre jaune en Afrique-Occidentale Française. Un aspect de la medicine préventive massive. Bull World Health Organ. 1954;11(3):453-81.
  • 5. Chan KL. Singapore's dengue hemorrhagic fever control programme: a case study on the successful control of Aedes aegypti and Aedes albopictus using mainly environmental measures as part integrated vector control. Singapore: Ministry of Health of Singapore; 1985.
  • 6. Consoli RAGB, Oliveira RL. Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1998.
  • 7. Crans, WJ. Resting boxes as mosquito surveillance tools. In: Proceedings of the Eighty-Second Annual Meeting of the New Jersey Mosquito Control Association;1989; New Jersey, USA: New Jersey: the New Jersey Mosquito Control Association; 1989. p. 53-7.
  • 8. Dibo MR, Chiaravalloti Neto F, Battigaglia M, Mondini A, Favaro EA, Barbosa AAC, Glasser CM. Identification of the best ovitrap installation sites for gravid Aedes (Stegomyia) aegypti in residences in Mirassol, state of São Paulo. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2005;100(4):339-43.
  • 9. Donalísio MR, Glasser CM. Vigilância entomológica e controle de vetores do dengue. Rev Bras Epidemiol. 2002;5(3):259-72.
  • 10. Edman J, Kittayapong P, Linthicum K, Scott T. Attractant resting boxes for rapid collecttion and surveillance of Aedes aegypti (L.) inside houses. J Am Mosq Control Assoc. 1997;13(1):24-7.
  • 11. Focks DA. A review of entomological sampling methods and indicators for dengue vectors. Gainsville: World Health Organization; 2003.
  • 12. Goddard LB, Roth AE, Reisen WK, Scoot TW. Vector competence of California mosquitoes for West Nile Virus. Emer Infect Dis. 2002;8(12):1385-91.
  • 13. Gomes AC. Medidas de níveis de infestação urbana para Aedes (S) aegypti e Aedes (S) albopictus em programa de vigilância entomológica. Informe Epidemiol SUS. 1998;7(3):49-57.
  • 14. Luna EJA, Pereira LE, Souza RP. Encefalite do Nilo Ocidental, nossa próxima epidemia? Epidemiol Serv Saude. 2003;12(1):7-19.
  • 15. McNelly JR, Crans WJ. The larval habitat of Culex erraticus in Southern New Jersey. In: Proceedings of the 76th Annual Meeting of the New Jersey Mosquito Control Association; 1989; New Jersey, USA: New Jersey: the New Jersey Mosquito Control Association; 1989. p. 63-4.
  • 16. Nasci RS. A light weight battery powered aspirator for collecting resting mosquitoes in the field. Mosq News. 1981;41:808-11.
  • 17. Natal D, Ueno HM. Vírus do Nilo Ocidental: características da transmissão e implicações vetoras. Entomol Vect. 2004;11(3):417-33.
  • 18. Organização Mundial de Saúde - OMS. Dengue hemorrágica: diagnóstico, tratamento, prevenção e controle. 2Ş ed. São Paulo; 2001.
  • 19. Reiter P, Nathan MB. Guidelines for assessing the efficacy of insecticidal space sprays for control of the Dengue vector Aedes aegypti Geneva: WHO/CDS/CPE/PVC; 2001.
  • 20. Rodriguez-Figueroa L, Rigau-Perez JG, Suarez EL, Reiter P. Risk factors for dengue infection during an outbreak in Yanes, Puerto Rico in 1991. Am J Trop Med Hyg. 1995;52(6):496-502.
  • Correspondência:
    Francisco Chiaravalloti Neto
    Laboratório de Vetores
    Av. Brigadeiro Faria Lima, 5.416
    15090-000 São José do Rio Preto, SP, Brasil
    E-mail:
  • *
    Informações da Superintendência de Controle de Endemias. Dados inéditos.
  • **
    Informações da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Dados inéditos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      03 Nov 2006
    • Revisado
      17 Jul 2006
    • Recebido
      09 Mar 2006
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br