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Aquisição de produtos da agricultura familiar para alimentação escolar em municípios do Rio Grande do Sul

RESUMO

OBJETIVO

Verificar o perfil de adequação dos municípios do Rio Grande do Sul no que tange à aquisição de produtos da agricultura familiar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar.

MÉTODOS

Trata-se de estudo quantitativo descritivo, com análise de dados secundários (chamadas públicas). A amostra foi composta por aproximadamente 10% (n = 52) dos municípios do estado, tomando-se o cuidado de estabelecer uma representatividade por mesorregião e tamanho da população. Foi avaliado o percentual destinado às compras de gêneros alimentícios da agricultura familiar, bem como o tipo de produto, exigências de periodicidade, pontos de entrega e presença de preços em 114 editais de chamadas públicas, no ano de 2013.

RESULTADOS

Dos municípios analisados, 71,2% (n = 37) atingiram 30% de gêneros alimentícios oriundos de agricultura familiar. A maioria das chamadas públicas demandou tanto produtos de origem vegetal (90,4%; n = 103) como de origem animal (79,8%; n = 91). Quanto ao grau de processamento dos alimentos, os produtos in natura apareceram em 92,1% (n = 105) das chamadas públicas. Em relação à entrega dos produtos, a centralizada (49,1%; n = 56) e as entregas semanais (47,4%; n = 54) foram as mais descritas. Apenas 60% (n = 68) das chamadas públicas continham preço dos produtos.

CONCLUSÕES

A maioria dos municípios analisados cumpriu o determinado pela legislação do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Encontrou-se nas chamadas públicas uma grande diversidade de alimentos, tanto de origem vegetal quanto de origem animal, sendo a maior parte deles in natura. Em relação à entrega dos produtos, prevaleceu a centralizada e a semanal.

Alimentação Escolar; Abastecimento de Alimentos; Agricultura Urbana; Segurança Alimentar e Nutricional

ABSTRACT

OBJECTIVE

This study aims to verify the adequacy profile of the cities of the State of Rio Grande do Sul, Brazil, in relation to the purchase of products of family farming by the Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE - National Program of School Meals).

METHODS

This is a quantitative descriptive study, with secondary data analysis (public calls-to-bid). The sample consisted of approximately 10% (n = 52) of the cities in the State, establishing a representation by mesoregion and size of the population. We have assessed the percentage of food purchased from family farming, as well as the type of product, requirements of frequency, delivery points, and presence of prices in 114 notices of public calls-to-bid, in 2013.

RESULTS

Of the cities analyzed, 71.2% (n = 37) reached 30% of food purchased from family farming. Most public calls-to-bid demanded both products of plant (90.4%; n = 103) and animal origin (79.8%; n = 91). Regarding the degree of processing, fresh products appeared in 92.1% (n = 105) of the public calls-to-bid. In relation to the delivery of products, centralized (49.1%; n = 56) and weekly deliveries (47.4%; n = 54) were the most described. Only 60% (n = 68) of the public calls-to-bid contained the price of products.

CONCLUSIONS

Most of the cities analyzed have fulfilled what is determined by the legislation of the PNAE. We have found in the public calls-to-bid a wide variety of food, both of plant and animal origin, and most of it is fresh. In relation to the delivery of the products, the centralized and weekly options prevailed.

School Feeding; Food Supply; Urban Agriculture; Food and Nutrition Security

INTRODUÇÃO

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma das mais antigas e permanentes intervenções governamentais federais de suplementação alimentar no âmbito das políticas social e assistencial do Brasil1212. Spinelli MAS, Canesqui AM. O programa de alimentação escolar no estado de Mato Grosso: da centralização à descentralização (1979-1995). Rev Nutr. 2002;15(1):105-17. https://doi.org/10.1590/S1415-52732002000100011
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. Além disso, é um dos maiores programas de alimentação escolar do mundo, com cobertura universal e gratuidade na oferta de refeiçõesa a Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Alimentação escolar: Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE. Brasília (DF); 2009 [citado 2015 mar 4]. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar , considerado atualmente uma importante estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)10,12,13,24,b b Brasil. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Subsídios para a construção da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: documento elaborado pela Comissão Permanente 3 – Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília (DF); 2009 [citado 2015 fev 7]. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/consea/eventos/plenarias/documentos/2009/subsidios-para-a-construcao-da-politica-nacional-de-seguranca-alimentar-e-nutricional-10.2009 .

Até 1994, o desenho, gerenciamento e processo de aquisição de gêneros alimentícios do PNAE eram centralizados, por meio de licitação pública, e distribuídos para todo o território nacional1414. Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saude Soc. 2010;19(4):933-45. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000400019
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. A partir desse mesmo ano, aconteceram vários avanços, como a descentralização dos recursos e maior participação da sociedade civil no gerenciamento do programa1212. Spinelli MAS, Canesqui AM. O programa de alimentação escolar no estado de Mato Grosso: da centralização à descentralização (1979-1995). Rev Nutr. 2002;15(1):105-17. https://doi.org/10.1590/S1415-52732002000100011
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. Em 2003, com o Programa Fome Zero e discussões sobre as políticas de SAN, o PNAE foi revisado, aumentando os recursos federais alocados e o público atendido1414. Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saude Soc. 2010;19(4):933-45. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000400019
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. Adicionalmente, a Resolução 32 de 10 de agosto de 2006 promulgou, entre suas diretrizes, o apoio ao desenvolvimento sustentável, à promoção da alimentação saudável e adequada e à educação alimentar e nutricionalc c Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Conselho Deliberativo. Resolução/ CD/FNDE/ Nº 32, de 10 de agosto de 2006. Estabelece as normas para a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. Brasília (DF); 2006 [citado 2015 mar 4]. Disponível em: ftp://ftp.fnde.gov.br/web/resolucoes_2006/res032_10082006.pdf .

Em 16 de junho de 2009, foi aprovada a Lei nº 11.947 que, entre outros objetivos, dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar. Esta contribuiu para a formação de hábitos alimentares saudáveis aos escolares ao tornar obrigatório o uso de, no mínimo, 30% do total dos recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento em Educação aos estados e municípios para a aquisição de gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiard d Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Conselho Deliberativo. Lei Nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Diario Oficial Uniao. 20 set 2009; Seção 1: 2. .

A partir dessa lei, estimula-se o fortalecimento da intersetoralidade1313. Toyoyoshi JY, Oliveira R, Santos MSN, Galisa MS, Galante AP. Avaliação da aquisição de gêneros alimentícios provenientes da agricultura familiar para a alimentação escolar. Mundo Saude. 2013;37(3):329-35., o desenvolvimento econômico e sustentável das comunidades33. Carvalho DG. Licitações sustentáveis, alimentação escolar e desenvolvimento regional: uma discussão sobre o poder de compra governamental a favor da sustentabilidade. Plan Polit Publicas. 2009;(32):115-47,1414. Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saude Soc. 2010;19(4):933-45. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000400019
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,1515. Turpin ME. A alimentação escolar como fator de desenvolvimento local por meio do apoio aos agricultores familiares. Segur Aliment Nutr. 2009;16(2):20-42.,1717. Villar BS, Schwartzman F, Januario BL, Ramos JF. Situação dos municípios do estado de São Paulo com relação à compra direta de produtos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Rev Bras Epidemiol. 2013;16(1):223-6. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2013000100021
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a redução da desigualdade social1515. Turpin ME. A alimentação escolar como fator de desenvolvimento local por meio do apoio aos agricultores familiares. Segur Aliment Nutr. 2009;16(2):20-42., da pobreza e da migração campo-cidade99. Santos LMP, Araújo MPN, Martins MC, Veloso IC, Assunção MP, Santos SMC. Avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e combate à fome no período 1995-2002. Cad Saude Publica. 2007;23(8):1931-45. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000800020
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,1010. Saraiva EB, Silva APF, Souza AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000400004
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, por meio da redistribuição de renda aos agricultores familiares, contribuindo, portanto, para a promoção da SAN e soberania alimentar do Brasil99. Santos LMP, Araújo MPN, Martins MC, Veloso IC, Assunção MP, Santos SMC. Avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e combate à fome no período 1995-2002. Cad Saude Publica. 2007;23(8):1931-45. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000800020
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. Ainda, estudo realizado na região Sul do Brasil mostrou que essa lei promoveu modificação no nível do consumo, no que diz respeito à aceitação de alimentos mais saudáveis e adequados por parte dos alunos1414. Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saude Soc. 2010;19(4):933-45. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000400019
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.

Outra inovação dessa lei diz respeito à legislação de aquisições públicas, pois dispensa o processo licitatório para o fornecedor caracterizado como “agricultor familiar”1414. Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saude Soc. 2010;19(4):933-45. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000400019
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. Atualmente, é prevista a utilização da chamada pública para a compra de alimentos dos agricultores familiares para a alimentação escolare e Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Conselho Deliberativo. Resolução/CD/FNDE nº. 38, de 16 de julho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no Programa Nacional de Alimentação Escolar- PNAE. Brasília (DF); 2009 [citado 2015 mar 4]. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=RES&num_ato=00000038&seq_ato=000&vlr_ano=2009&sgl_orgao=CD/FNDE/MEC .

Experiências prévias realizadas em municípios brasileiros indicam que, embora na última década as políticas de SAN tenham apoiado a construção de cadeias curtas de abastecimento, existem dificuldades na implementação desta legislação. São destaques: dificuldades de organização e planejamento dos agricultores, problemas e custos de logística, falta de capacitação financeira e gerencial dos atores envolvidos ou de compreensão das possibilidades engendradas pela política pública, falta de documentação e interesse dos agricultores, desconfiança dos mesmos em relação ao poder público, inexistência de agricultura familiar no local, inviabilidade de fornecimento regular e constante, e falta de articulação entre gestores e agricultores fornecedores11. Baccarin JG, Aleixo SS, Silva DBP, Mendonça GG. Alimentação escolar e agricultura familiar: alcance e dificuldades para implantação do Artigo 14 da Lei 11.947/2009 no estado de São Paulo. In: Anais do 49º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2011; Belo Horizonte (MG), Brasil. Belo Horizonte: SOBER; 2012. p.1-20.,88. Rozendo C, Bastos F.B.C; Molina WSL. A implementação das novas diretrizes do PNAE: desafios institucionais. In: 6º Encontro da Rede de Estudos Rurais; 2014; Campinas (SP).,1010. Saraiva EB, Silva APF, Souza AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000400004
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,1111. Souza LBB. Organizações da agricultura familiar no Estado de São Paulo e sua experiência de fornecimento para o PNAE. In: Corá MAJ, Belik W, organizadores. Projeto Nutre SP: análise da inclusão da agricultura familiar na alimentação escolar no estado de São Paulo. Brasília (DF): Ministério do Desenvolvimento Agrário; 2012..

Contudo, até o momento, poucos estudos investigaram diagnósticos situacionais a respeito do processo de implementação das compras locais pelo PNAE, em razão de a lei ser relativamente recente e o processo de operacionalização encontrar-se ainda em fase de implementação em vários municípios do País1717. Villar BS, Schwartzman F, Januario BL, Ramos JF. Situação dos municípios do estado de São Paulo com relação à compra direta de produtos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Rev Bras Epidemiol. 2013;16(1):223-6. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2013000100021
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.

Nesse sentido, é importante a realização de mais pesquisas que avaliem a situação de implementação, considerando a necessidade de fortalecer e incentivar a agricultura familiar e de estimular a utilização de alimentos que respeitem os hábitos alimentares locais e o aumento do consumo de alimentos in natura por parte dos escolares, como definido nas diretrizes do PNAEd d Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Conselho Deliberativo. Lei Nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Diario Oficial Uniao. 20 set 2009; Seção 1: 2. .

Diante dessas considerações, o objetivo deste estudo foi verificar o perfil de adequação dos municípios do Rio Grande do Sul no que tange à aquisição de produtos da agricultura familiar pelo PNAE, bem como analisar as chamadas públicas quanto à caracterização destes alimentos, periodicidade de recebimento e os pontos de entrega por parte dos produtores rurais.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo quantitativo descritivo, com análise de dados secundários (chamadas públicas) de prefeituras dos municípios do Rio Grande do Sul (RS). A pesquisa foi realizada de julho a dezembro de 2014.

O estudo teve como referência a metodologia proposta por Baccarin et al.11. Baccarin JG, Aleixo SS, Silva DBP, Mendonça GG. Alimentação escolar e agricultura familiar: alcance e dificuldades para implantação do Artigo 14 da Lei 11.947/2009 no estado de São Paulo. In: Anais do 49º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2011; Belo Horizonte (MG), Brasil. Belo Horizonte: SOBER; 2012. p.1-20.,22. Baccarin JG, Bueno G, Aleixo SS, Silva DBP. Agricultura familiar e alimentação escolar sob a vigência da Lei 11.947/2009: adequação das chamadas públicas e disponibilidade de produtos no estado de São Paulo em 2011. In: Anais do 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2012; Vitória (ES), Brasil. Vitória: SOBER; 2012. CD ROM., descrita detalhadamente no presente artigo a seguir.

Para análise dos dados, aproximadamente 10,0% dos 497 municípios do RS foram selecionados por sorteio, tomando-se o cuidado de estabelecer representatividade por mesorregião e tamanho da população. O tamanho da população das cidades foi classificado da seguinte maneira: muito pequena (abaixo de 20.000 habitantes), pequena (de 20.000 a 100.000 habitantes), média (de 100.000 a 500.00 habitantes) e grande (acima de 500.000 habitantes). As mesorregiões foram: Centro Ocidental, Centro Oriental, Metropolitana de Porto Alegre, Nordeste, Noroeste, Sudeste e Sudoeste (Figura 1).

Figura 1
Mapa da localização das mesorregiões do Rio Grande do Sul (RS).

Após os municípios serem selecionados, foram analisados os documentos oficiais do ano de 2013, como chamadas públicas em sites de prefeituras e portais de transparência pública municipal. No entanto, quando as informações não estavam presentes nos sites das prefeituras, foi realizado contato com os municípios através de ligação telefônica.

Dos documentos selecionados, esperou-se obter as seguintes informações:

  1. número de prefeituras que atenderam o determinado pelo Artigo 14 da Lei n° 11.947/2009.

  2. percentual destinado às compras de produtos da agricultura familiar. Cabe destacar que este dado foi colhido por meio de ligações telefônicas com profissional qualificado das prefeituras, como por exemplo, as nutricionistas responsáveis pelo setor.

  3. tipo de produto comprado, com especificações sobre origem vegetal ou animal e grau de processamento.

  4. exigências de periodicidade e de pontos de entrega.

  5. frequência do produto na chamada pública.

Para o nível de atendimento disposto na Lei nº 11.947/2009, as prefeituras foram classificadas nos seguintes níveis: não atendimento, atendimento parcial (gasto menor que 30% com produtos da agricultura familiar), atendimento legal (gasto entre 30% e 40% com produtos da agricultura familiar), atendimento diferenciado (gasto acima de 40% com produtos da agricultura familiar).

Quanto ao tipo de produto comprado, além de se verificar se o mesmo era de origem animal ou vegetal, foram considerados os seguintes níveis de processamento:

  • Produtos in natura, que não passam por nenhum grau de processamento;

  • Médio grau de processamento (MGP) para os alimentos passíveis de transformação e higienização realizados pelo próprio agricultor, considerando as especificações legais em vigor;

  • Alto grau de processamento (AGP) para os produtos que exigem necessariamente a transformação industrial fora do espaço produtivo do agricultor familiar ou suas organizações77. Monteiro CA. Nutrition and health. The issue is not food, nor nutrients, so much as processing. Public Health Nutr. 2009;12(5):729-31. https://doi.org/10.1017/S1368980009005291
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    .

A entrega e periodicidade dos produtos nas chamadas públicas foram classificadas em: entregas de duas a cinco vezes por semana; entregas semanais; entregas de três a cinco vezes por mês; de uma a duas vezes por mês; algumas vezes no ano; não consta a informação. Já em relação aos pontos de entrega, as chamadas foram classificadas em: muito descentralizada, com mais de 50 unidades de recebimento; descentralizada, entre 11 e 50 unidades de recebimento; pouco descentralizada, entre duas e 10 unidades de recebimento; e centralizada, com uma única unidade de recebimento.

É importante mencionar que, em grande parte das chamadas públicas, um fator não exclui a presença de outro. Por exemplo, o mesmo edital pode solicitar produtos in natura e também produtos com AGP. Também podem exigir diferentes prazos no cronograma de entrega: semanal, duas vezes na semana ou mesmo quinzenal. Desse modo, os valores totais encontrados normalmente ultrapassam o número de chamadas analisadas.

RESULTADOS

A pesquisa foi realizada com 52 municípios do estado do Rio Grande do Sul. O número de editais de chamadas públicas avaliados variou de um a 10 por município, totalizando 114 editais de chamadas públicas.

A região do estado com maior percentual de municípios contemplados foi a Noroeste, totalizando 23,1% (n = 12) dos municípios. A região metropolitana de Porto Alegre totalizou 17,3% (n = 9) dos municípios. Os percentuais das demais regiões foram: região Sudeste 15,4% (n = 8); região Centro Ocidental 13,5% (n = 7); região Sudoeste 11,5% (n = 6); região Centro Oriental 9,6% (n = 5) e região Nordeste 9,6% (n = 5). Metade dos municípios avaliados (50%; n = 26) possuía tamanho muito pequenos, 36,5% (n = 19) pequenos, 11,5% (n = 6) médios e apenas um (2%) grande.

Dentre os 52 municípios selecionados para a pesquisa, a maioria (71,2%; n = 37) atingiu 30% ou mais do total dos recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento em Educação para a aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar, atendendo, assim, ao determinado pelo Artigo 14 da Lei nº 11.947/2009.

Ao estratificar esse dado, observou-se que 42% (n = 22) dos municípios analisados apresentavam nível de atendimento diferenciado e 31% (n = 16), nível de atendimento legal. Em contrapartida, 4% (n = 2) dos municípios não compraram alimentos dos agricultores familiares para a alimentação escolar, e 23% (n = 12) compraram, porém não atingiram o mínimo de 30% exigido pela lei.

De acordo com a Tabela 1, a maioria dos editais de chamadas públicas demandou tanto produtos de origem vegetal quanto de origem animal, sendo a maioria na forma in natura. Quanto aos aspectos logísticos presentes nas chamadas, a solicitação da entrega em uma única unidade de recebimento (por exemplo, no setor de alimentação escolar) foi a prevalente. Em relação à periodicidade das entregas, a semanal e uma a duas vezes no mês foram as mais encontradas. No entanto, 21,9% das chamadas públicas não definiam a periodicidade das entregas. Apenas 60% das chamadas públicas indicavam preço dos produtos.

Tabela 1
Perfil dos editais de chamadas públicas de agricultores familiares para alimentação escolar de municípios do Rio Grande do Sul, 2013. (N = 52)

A Tabela 2 lista os alimentos demandados dos agricultores familiares nas chamadas públicas. No grupo das frutas, a laranja apareceu em maior porcentagem, seguida da banana, da bergamota, maçã e do morango. Os sucos e polpa de frutas apareceram em 14% e 7,9%, respectivamente. Entre as hortaliças analisadas, as mais presentes foram: repolho, alface, cenoura e beterraba (64,9%; n = 74). Das leguminosas, o feijão estava em 44,7% dos editais de chamadas públicas.

Tabela 2
Gêneros alimentícios adquiridos da agricultura familiar pelos municípios do Rio Grande do Sul para a alimentação escolar, 2013.

Os cereais, tubérculos e raízes mais frequentes foram: arroz, batata doce, batata inglesa e mandioca. Quanto aos açúcares e doces, o doce de leite e o mel de abelha foram os mais frequentes. Entre leites e derivados, a bebida láctea apareceu em 33,3% dos editais, seguido do leite ultrapasteurizado integral. Em relação a carnes e ovos, a carne de frango tipo coxa e sobrecoxa apareceu mais vezes nos editais (35,1%), e o ovo de galinha, em 23,7% das chamadas públicas.

DISCUSSÃO

Considerando que a implementação da Lei nº 11.947/2009 é relativamente recente, objetivou-se neste estudo caracterizar os municípios selecionados do estado do RS quanto à aquisição de gêneros alimentícios dos agricultores familiares para a alimentação escolar no ano de 2013.

No Rio Grande do Sul, a pesquisa é inovadora no que se refere à análise sobre a origem e o grau de processamento dos produtos demandados pelos editais de chamadas públicas, bem como em relação às exigências de periodicidade, pontos de entrega e preços dos produtos. Além disso, verificou-se o percentual destinado pelos municípios às compras de produtos da agricultura familiar. Baccarin et al.11. Baccarin JG, Aleixo SS, Silva DBP, Mendonça GG. Alimentação escolar e agricultura familiar: alcance e dificuldades para implantação do Artigo 14 da Lei 11.947/2009 no estado de São Paulo. In: Anais do 49º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2011; Belo Horizonte (MG), Brasil. Belo Horizonte: SOBER; 2012. p.1-20.,22. Baccarin JG, Bueno G, Aleixo SS, Silva DBP. Agricultura familiar e alimentação escolar sob a vigência da Lei 11.947/2009: adequação das chamadas públicas e disponibilidade de produtos no estado de São Paulo em 2011. In: Anais do 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2012; Vitória (ES), Brasil. Vitória: SOBER; 2012. CD ROM. analisaram, de forma semelhante, a adequação das chamadas públicas e disponibilidade de produtos no estado de São Paulo.

O presente estudo encontrou um percentual alto (acima de 70%) dos municípios gaúchos analisados cumprindo o determinado pelo Artigo 14 da Lei nº 11.947/2013. Outros estudos também revelaram situações bem sucedidas de compra dos agricultores familiares para a alimentação escolar em municípios do estado do RS, a exemplo do município de Dois Irmãos, que utilizou aproximadamente 60% do total dos recursos federais para aquisição de gêneros da agricultura familiar em 20091414. Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saude Soc. 2010;19(4):933-45. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000400019
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201000...
, e São Lourenço do Sul, que utilizou 51,5% em 20101313. Toyoyoshi JY, Oliveira R, Santos MSN, Galisa MS, Galante AP. Avaliação da aquisição de gêneros alimentícios provenientes da agricultura familiar para a alimentação escolar. Mundo Saude. 2013;37(3):329-35..

Ao serem comparados os dados do presente estudo com o de Saraiva et al.1010. Saraiva EB, Silva APF, Souza AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000400004
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, que avaliou o primeiro ano de obrigatoriedade da compra da agricultura familiar de vários municípios brasileiros, cerca de metade dos municípios avaliados (47,4%) já tinham adquirido alimentos da agricultura familiar para o PNAE e o percentual de compra nesses municípios foi, em média, de 22,7%. Os dados do presente estudo corroboram com os de Saraiva et al.1010. Saraiva EB, Silva APF, Souza AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000400004
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, em que a região Sul do Brasil apresentou o maior percentual de compra de alimentos da agricultura familiar (71,3%). Em 2012, a proporção dessas aquisições no Brasil aumentou para 67%, atingindo, na região Sul, 87% tendo em vista o alto nível dos capitais físicos e sociais, incluindo os altos níveis de afiliação cooperativaf f Soares FV, Nehring, Schwengber RB, Rodrigues CG, Lambais G, Balaban DS, et al. Structured demand and smallholder farmers in Brazil: the case of PAA and PNAE. Brasília (DF): IPC/WFP; 2013 [citado 2015 abr 24]. Disponível em: http://www.ipc-undp.org/pub/IPCTechnicalPaper7.pdf .

De acordo com Saraiva et al.1010. Saraiva EB, Silva APF, Souza AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000400004
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201300...
, a região Sul destaca-se na produção da agricultura familiar e no abastecimento interno de alimentos, além de ter uma contribuição expressiva para o Produto Interno Brutog g Guilhoto JJM, Ichihara SM, Silveira FG, Diniz BPC, Azzoni CR, Moreira GRC. A Importância da agricultura familiar no Brasil e em seus estados. São Paulo: Faculdade de Economia e Administração da USP, Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE); 2007 [citado 2015 abr 24]. Disponível em: htpp://www.usp.br/feaecon/media/livros/file_459.pdf , o que pode justificar os dados de compra da agricultura familiar para a alimentação escolar nesta região1010. Saraiva EB, Silva APF, Souza AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000400004
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Devido à exigência da lei para a compra de produtos básicos, diversificados e de alto valor nutricional, torna-se essencial o levantamento dos produtos adquiridos dos agricultores familiares por meio dos editais de chamadas públicas para a alimentação escolard d Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Conselho Deliberativo. Lei Nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Diario Oficial Uniao. 20 set 2009; Seção 1: 2. . Na presente pesquisa, podemos afirmar que houve a procura por alimentos diversificados e sugere-se alto valor nutricional pelos municípios do estado do RS, visto a grande variedade dos gêneros alimentícios encontrados e também o alto percentual de produtos in natura e minimamente processados como frutas e hortaliças.

Vale ressaltar que muitos itens que antes eram produzidos somente para o autoconsumo dos agricultores passam a representar garantia de mercado e renda para as famílias rurais fornecedoras ao PNAE, concomitantemente com a melhoria da qualidade alimentar e nutricional nas escolas. O orçamento do Programa em 2014 foi de R$3,5 bilhões para beneficiar 43 milhões de estudantes da educação básica de jovens e adultos. Com a Lei nº 11.947/2009, 30% desse valor (ou seja, R$1,05 bilhão) deveria ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiara a Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Alimentação escolar: Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE. Brasília (DF); 2009 [citado 2015 mar 4]. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar .

Ao analisar o perfil da origem dos alimentos das chamadas públicas, verificou-se alta demanda tanto de produtos de origem vegetal quanto de origem animal. Em contrapartida, Baccarin et al.22. Baccarin JG, Bueno G, Aleixo SS, Silva DBP. Agricultura familiar e alimentação escolar sob a vigência da Lei 11.947/2009: adequação das chamadas públicas e disponibilidade de produtos no estado de São Paulo em 2011. In: Anais do 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2012; Vitória (ES), Brasil. Vitória: SOBER; 2012. CD ROM., no estado de São Paulo, verificou alto percentual (93,7%) de produtos de origem vegetal e menos da metade (41,6%) de produtos de origem animal. Os dados da presente pesquisa sugerem que os agricultores estão se adequando à legislação sanitária e às questões de transformação industrial prévia dos produtos de origem animal, normalmente realizado em unidades de grande porte. É importante destacar que essas questões eram dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares11. Baccarin JG, Aleixo SS, Silva DBP, Mendonça GG. Alimentação escolar e agricultura familiar: alcance e dificuldades para implantação do Artigo 14 da Lei 11.947/2009 no estado de São Paulo. In: Anais do 49º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2011; Belo Horizonte (MG), Brasil. Belo Horizonte: SOBER; 2012. p.1-20.,1414. Triches RM, Schneider S. Alimentação escolar e agricultura familiar: reconectando o consumo à produção. Saude Soc. 2010;19(4):933-45. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000400019
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.

Neste estudo, alimentos na forma in natura predominaram nas chamadas públicas. Resultado semelhante foi encontrado nos estudos de Baccarin et al.22. Baccarin JG, Bueno G, Aleixo SS, Silva DBP. Agricultura familiar e alimentação escolar sob a vigência da Lei 11.947/2009: adequação das chamadas públicas e disponibilidade de produtos no estado de São Paulo em 2011. In: Anais do 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2012; Vitória (ES), Brasil. Vitória: SOBER; 2012. CD ROM., em que os alimentos in natura apareceram em 81,2% das chamadas públicas. Tal resultado é positivo porque incentiva o emprego da alimentação saudável e adequada, que compreende o uso de alimentos variados e seguros, assim como a elaboração de cardápios da alimentação escolar com utilização de gêneros alimentícios básicos, respeitando-se as referências nutricionais e os hábitos alimentares locais, além de pautar-se na sustentabilidade e diversificação agrícola da região e na alimentação saudável e adequada1313. Toyoyoshi JY, Oliveira R, Santos MSN, Galisa MS, Galante AP. Avaliação da aquisição de gêneros alimentícios provenientes da agricultura familiar para a alimentação escolar. Mundo Saude. 2013;37(3):329-35..

Quanto à entrega dos produtos, semelhante ao encontrado na pesquisa de Baccarin et al.22. Baccarin JG, Bueno G, Aleixo SS, Silva DBP. Agricultura familiar e alimentação escolar sob a vigência da Lei 11.947/2009: adequação das chamadas públicas e disponibilidade de produtos no estado de São Paulo em 2011. In: Anais do 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2012; Vitória (ES), Brasil. Vitória: SOBER; 2012. CD ROM., as chamadas públicas de quase metade da amostra colocavam no edital uma única unidade de recebimento, ou seja, centralizado. Isso facilita o trabalho do agricultor, pois o mesmo consegue cumprir suas responsabilidades de entrega, planejar melhor as questões logísticas e de transporte e, ainda, atender a distribuição dos alimentos para as escolas do município e região.

A maior parte das entregas nas chamadas públicas previa a entrega semanal (47,4%). Os modos quinzenais ou mensais também tiveram sua relevância (37,7%), resultado que difere do encontrado no estudo de Baccarin et al.22. Baccarin JG, Bueno G, Aleixo SS, Silva DBP. Agricultura familiar e alimentação escolar sob a vigência da Lei 11.947/2009: adequação das chamadas públicas e disponibilidade de produtos no estado de São Paulo em 2011. In: Anais do 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2012; Vitória (ES), Brasil. Vitória: SOBER; 2012. CD ROM., em que 66,7% das chamadas previam entregas semanais e 33,3% entregas quinzenais ou mensais. Pode-se dizer que, quanto mais detalhado estiver o cronograma de entrega, melhor será o planejamento do agricultor no que diz respeito a suas obrigações e redução dos custos de transporte22. Baccarin JG, Bueno G, Aleixo SS, Silva DBP. Agricultura familiar e alimentação escolar sob a vigência da Lei 11.947/2009: adequação das chamadas públicas e disponibilidade de produtos no estado de São Paulo em 2011. In: Anais do 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural; 2012; Vitória (ES), Brasil. Vitória: SOBER; 2012. CD ROM..

Em relação aos preços dos produtos, constatou-se que nem todas as chamadas públicas continham essa informação. Esse dado é extremamente importante, visto que as compras desses produtos, por meio de chamadas públicas, deveriam estabelecer uma tabela de preços. A presença dessa informação nas chamadas públicas garante que os preços não sejam maiores que os praticados no atacado e no varejo alimentício, não onerando as compras públicas. Além disso, garantem melhor remuneração aos agricultores familiares do que a obtida em canais de comercialização convencionaisd d Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Conselho Deliberativo. Lei Nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Diario Oficial Uniao. 20 set 2009; Seção 1: 2. .

É importante ressaltar que a compra de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar propicia maior oferta de alimentos in natura ou minimamente processados, de procedência conhecida e, portanto, mais confiável, possibilitando uma alimentação mais saudável. Segue, dessa forma, os guias alimentares brasileiros55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília (DF); 2010.,66. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília (DF); 2014. e auxilia na formação de hábitos alimentares mais adequados, levando em considerando a vocação agrícola local e a cultura alimentar e contribuindo para o crescimento, desenvolvimento e melhoria do rendimento escolar dos alunos.

Assim, o estímulo e o apoio à agricultura familiar têm se mostrado relevantes para a formulação e a implementação de ações municipais de SAN e de desenvolvimento local que visem a promover o direito humano à alimentação adequada44. Maluf RS. Ações públicas locais de abastecimento alimentar. Polis Papers. 1999 [cited 2015 Apr 24];(5):1-43. Available from: http://www.polis.org.br/uploads/845/845.pdf
http://www.polis.org.br/uploads/845/845....
,1616. Valente FLS, Beghin N. Realização do direito humano à alimentação adequada e a experiência brasileira: subsídios para a replicabilidade. Brasília (DF) ABRANDH; FAO; 2006 [cited 2015 Feb 10]. Available from: http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/r_dhescas_br/relatores_valente_dh_alimentacao.pdf
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios...
. Desse modo, a produção de alimentos, especialmente pela agricultura familiar, tem se fortalecido com iniciativas de articulação de políticas públicas, a exemplo do PNAE1010. Saraiva EB, Silva APF, Souza AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000400004
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Essas políticas vêm, portanto, somar na questão da segurança alimentar e nutricional, repercutindo na saúde e no meio ambiente. Os modos de produção vêm ganhando melhorias, como o incentivo a produção e oferta de produtos orgânicos e a ampliação de mercados institucionais.

Cabe salientar que o presente estudo apresenta possíveis limitações, visto que nem todos os produtos demandados nas chamadas públicas podem ter sido realmente comprados devido à sazonalidade, prejuízos decorrentes das secas, chuvas e frio intenso, assim como por desistência de entrega por alguns agricultores.

Ratifica-se a necessidade de flexibilidade com relação aos cardápios elaborados para a alimentação escolar e de que o diálogo seja a base da tomada de decisão entre a necessidade do produto e a disponibilidade da entrega. Sugere-se que uma rede de contato e diálogo entre o produtor (que oferta o alimento) e o gestor (que elabora o cardápio) seja criada, para que se estabeleça uma relação comprometida não apenas com o gesto automático de receber e entregar, mas com a construção sólida destes mercados institucionais.

Também, como limitações do presente estudo, destacam-se as dificuldades de conseguir documentos oficiais nos sites das prefeituras – a maior parte foi obtida por contato direto com as prefeituras (via telefone) –, bem como a falta de acesso às prestações de conta dos municípios no período da pesquisa.

Ainda, em relação ao número de municípios pesquisados, embora a amostra tenha representatividade regional, a mesma foi composta por aproximadamente 10% dos munícipios do Rio Grande do Sul, e desta forma implica-se cuidado na extrapolação dos dados para todo o estado.

Portanto, sugere-se a ampliação deste estudo para mais municípios do Rio Grande do Sul e para outros estados brasileiros, tendo em vista a importância dos alimentos provenientes da agricultura familiar para a alimentação escolar, e também para avaliar a aplicação e a efetividade da lei do PNAE. O conhecimento de dados sobre a compra de produtos da agricultura familiar para alimentação escolar em outros estados poderá contribuir tanto para o desenvolvimento econômico local como para o fornecimento aos escolares de refeições que atendam aos princípios de uma alimentação saudável e adequada.

Em conclusão, os resultados deste estudo mostraram que a maioria dos municípios selecionados do estado do RS atingiu 30% ou mais do total dos recursos financeiros repassados pelo governo federal para a aquisição de gêneros alimentícios provenientes da agricultura familiar, conforme determina a legislação do PNAE. Além disso, encontrou-se, nas chamadas públicas, uma grande diversidade de alimentos, tanto de origem vegetal quanto de origem animal, sendo a maior parte produtos in natura. Em relação à entrega dos produtos, prevaleceu a centralizada e semanal.

Embora os dados apresentados ainda sejam iniciais, já é possível visualizar que o PNAE é capaz de impregnar novos usos sobre o território, apontando reflexos socioculturais, econômicos e ambientais sobre a qualidade de vida dos agricultores familiares e dos alunos beneficiados com o programa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2015
  • Aceito
    14 Jan 2016
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