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Pesquisa de compra de bebidas alcoólicas por adolescentes em duas cidades do Estado de São Paulo

Resumos

OBJETIVO: O consumo de álcool é um problema de saúde pública. A disponibilidade comercial é um importante fator no estímulo ao consumo de álcool por adolescentes. O objetivo do estudo foi verificar com que freqüência menores de 18 anos conseguem comprar bebidas alcoólicas em estabelecimentos comerciais. MÉTODOS: Adolescentes com idades entre 13 e 17 anos tentaram comprar bebidas alcoólicas em uma amostra aleatória de estabelecimentos comerciais em Paulínia (N=108) e Diadema (N=426), no Estado de São Paulo. O estudo foi realizado em novembro e dezembro de 2003 em Paulínia e de julho de 2004 a agosto de 2005 em Diadema. Eles foram orientados a não mentir sobre sua idade quando questionados e a dizer que a bebida era para consumo próprio. Os testes estatísticos realizados foram bi-caudais e o nível de significância considerado foi de p<0,05. RESULTADOS: Adolescentes abaixo da idade mínima legal conseguiram comprar bebidas alcoólicas em uma primeira tentativa em 85,2% dos locais testados em Paulínia e em 82,4% em Diadema. Os adolescentes compraram bebidas alcoólicas com a mesma facilidade em todos os estabelecimentos pesquisados. CONCLUSÕES: Os dados mostraram uma quase unânime facilidade de obtenção de bebidas alcoólicas, sugerindo a relevância do problema nestas cidades (e provavelmente no Brasil). Ressalta-se a importância da adoção de políticas específicas para esta faixa etária, no sentido de reduzir o consumo de álcool.

Comportamento do adolescente; Consumo de bebidas alcoólicas; Comercialização de produtos; Meio social; Facilitação social; Brasil


OBJECTIVE: Alcohol use is a public health problem. Commercial availability is an important factor that encourages the use of alcohol by young people. The aim of the study was to assess how often young people under 18 could buy alcohol in shops METHODS: Adolescents from 13 to 17 attempted to purchase alcoholic beverages at a random sample of shops in the cities of Paulinia (n=108) and Diadema (n=426), Southeastern Brazil. The study was conducted from November to December 2003 in Paulínia, and July 2004 to August 2005 in Diadema. They were told not to lie about their ages when asked and to say that the beverage was for themselves. Statistical tests performed were two-tailed and the significance level considered was p<0.05. RESULTS: Adolescents, under the minimum legal age, were successful in purchasing alcoholic beverages in the first attempt in 85.2% of the surveyed outlets in Paulinia, and 82.4% in Diadema. The adolescents bought alcoholic beverages just as easy in all shops researched. CONCLUSIONS: The data showed almost unanimous easiness of teenagers to obtain alcoholic beverages, suggesting the relevance of this problem in these cities (and probably in Brazil). The urge to adopt specific alcohol policies to this age group is highlighted, in order to reduce alcohol consumption.

Adolescent behavior; Alcohol drinking; Products commerce; Social environment; Social facilitation; Brazil


ARTIGOS ORIGINAIS

Pesquisa de compra de bebidas alcoólicas por adolescentes em duas cidades do Estado de São Paulo

Marcos Romano; Sérgio Duailibi; Ilana Pinsky; Ronaldo Laranjeira

Unidade de pesquisa em álcool e outras drogas. Departamento de Psiquiatria. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Sérgio Marsiglia Duailibi Unidade de pesquisa em álcool e outras drogas (UNIAD) Universidade Federal de São Paulo R. Botucatu, 390, Vila Clementino 04023-061 São Paulo, SP, Brasil E-mail: duailibi@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: O consumo de álcool é um problema de saúde pública. A disponibilidade comercial é um importante fator no estímulo ao consumo de álcool por adolescentes. O objetivo do estudo foi verificar com que freqüência menores de 18 anos conseguem comprar bebidas alcoólicas em estabelecimentos comerciais.

MÉTODOS: Adolescentes com idades entre 13 e 17 anos tentaram comprar bebidas alcoólicas em uma amostra aleatória de estabelecimentos comerciais em Paulínia (N=108) e Diadema (N=426), no Estado de São Paulo. O estudo foi realizado em novembro e dezembro de 2003 em Paulínia e de julho de 2004 a agosto de 2005 em Diadema. Eles foram orientados a não mentir sobre sua idade quando questionados e a dizer que a bebida era para consumo próprio. Os testes estatísticos realizados foram bi-caudais e o nível de significância considerado foi de p<0,05.

RESULTADOS: Adolescentes abaixo da idade mínima legal conseguiram comprar bebidas alcoólicas em uma primeira tentativa em 85,2% dos locais testados em Paulínia e em 82,4% em Diadema. Os adolescentes compraram bebidas alcoólicas com a mesma facilidade em todos os estabelecimentos pesquisados.

CONCLUSÕES: Os dados mostraram uma quase unânime facilidade de obtenção de bebidas alcoólicas, sugerindo a relevância do problema nestas cidades (e provavelmente no Brasil). Ressalta-se a importância da adoção de políticas específicas para esta faixa etária, no sentido de reduzir o consumo de álcool.

Descritores: Comportamento do adolescente. Consumo de bebidas alcoólicas, legislação e jurisprudência. Comercialização de produtos. Meio social. Facilitação social. Brasil.

INTRODUÇÃO

Os adolescentes constituem um grupo de risco peculiar entre os consumidores de bebidas alcoólicas em dois aspectos principais: a época de início do seu consumo e a forma como bebem.

A precocidade de início do uso de álcool é um dos fatores preditores mais relevantes de problemas futuros. O consumo antes dos 16 anos aumenta significativamente o risco para beber pesado na idade adulta, em ambos os sexos.14 Pesquisas indicam que quanto menor a idade mínima legal para o consumo de bebidas, maiores as possibilidades de ocorrência de acidentes de trânsito relacionados ao álcool, 16,18 de traumatismos acidentais, homicídios, suicídios e acidentes com armas de fogo.2,9

Quanto à forma de beber, estudos apontam que 90% do álcool consumido por adolescentes nos Estados Unidos ocorre na forma abusiva (binge drinking), ou seja, a ingestão de cinco ou mais doses na mesma ocasião, para homens, ou quatro ou mais doses para mulheres.2 Este padrão de consumo expõe o organismo jovem a doses tóxicas de álcool, predispondo-o a uma série de comportamentos de riscos, como gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e acidentes automobilísticos.11,15

Este problema é relevante para a saúde e segurança pública do Brasil: um levantamento realizado em 2004 com 48 mil estudantes do ensino público fundamental e médio mostrou que 44,3% haviam feito uso de álcool nos 30 dias que antecederam a pesquisa e 11,7% dos adolescentes pesquisados relataram seu uso freqüente (seis ou mais vezes no mês).7

A Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe duas políticas de alta evidência de efetividade para diminuir os problemas relacionados ao consumo do álcool em adolescentes: o aumento do preço da bebida e a implementação e fiscalização da idade mínima para se beber. Esta última é a mais estudada, sendo consenso na literatura sua alta efetividade, elevado suporte científico, boa transposição cultural e baixo custo.1,13 Neste item, a disponibilidade comercial também desempenha papel relevante e vêm sendo conduzidas pesquisas em vários países para verificar com que facilidade os adolescentes obtêm bebidas alcoólicas em pontos de venda5,6,13,23 e de que forma a sua compra é realizada: diretamente, por meio de irmãos, amigos ou adquirindo as bebidas em casa.17,20

No Brasil, é proibida a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, pelo artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e pela Lei das Contravenções Penais, artigo 63. O presente estudo teve a finalidade de verificar com que freqüência os menores de 18 anos compram bebidas alcoólicas em pontos de venda de álcool, mensurando assim o cumprimento destas leis e sua efetiva implementação. Também, foram verificadas as atitudes e características dos vendedores de bebidas, a viabilidade de utilização de uma metodologia internacional e seu uso para planejar e monitorar o impacto de estratégias de prevenção.

MÉTODOS

Foi utilizada a metodologia desenvolvida pelo Pacific Institute for Research and Evaluation ("purchase surveys").8 O estudo foi realizado nos meses de novembro e dezembro de 2003 em Paulínia e de julho de 2004 a agosto de 2005 em Diadema. A pesquisa ocorreu nestas cidades devido ao interesse das prefeituras na redução de problemas relacionados ao consumo de bebidas. Além disso, esta escolha possibilitou a comparação do comportamento dos comerciantes de Paulínia – que ainda não implementou nenhuma política para o álcool – com Diadema, que vem adotando políticas de controle social do álcool, como o fechamento dos bares às 23h (Lei Municipal Ordinária 2107/2002) e a fiscalização voltada para evitar o beber e dirigir.

Paulínia está localizada na região metropolitana de Campinas, a 118 km de São Paulo. Possui uma área de 139km2 e população estimada de 59 mil pessoas, predominantemente urbana. Sua economia é principalmente industrial, ocupando a 20ª posição entre os cem maiores municípios em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2004).* * Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais, Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 [Acesso em 25/10/2006] Diadema está localizada na região metropolitana de São Paulo, tem população de 384.000 habitantes, e área de 32 km² (segunda maior densidade demográfica do País) e ocupa a 50ª posição entre os PIB municipais (IBGE, 2004).* * Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais, Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 [Acesso em 25/10/2006]

Em Paulínia foram pesquisados 108 pontos de venda: 18% no centro da cidade e o restante distribuído por 18 bairros, representando 40% dos estabelecimentos mapeados (nível de confiança de 95%, erro relativo de 6,0%). Em Diadema foi selecionada uma amostra randômica e proporcional de 426 estabelecimentos, por meio do aplicativo map-info v. 2.0, o que representou 14,9% dos 2.875 pontos de venda oficialmente registrados na prefeitura (nível de confiança de 95%, erro relativo: 3,4%). Ambas as amostras foram dimensionadas utilizando um valor de p=0,8.

Todos os tipos de pontos de venda de álcool foram pesquisados, exceto aqueles que vendiam bebida apenas para consumo no local. A bebida comprada variava de acordo com o estabelecimento: nos supermercados e lojas de conveniência foram comprados destilados e no restante, cerveja (lata).

Os adolescentes, em duplas, eram levados aos locais de venda por adultos, que guardavam a bebida comprada e verificavam a segurança do local antes do teste. Enquanto um dos adolescentes tentava efetuar a compra, o outro observava o gênero e idade aproximada do vendedor e ambos observavam suas atitudes. A seguir, um questionário era preenchido com informações sobre o ponto de venda, idade estimada do vendedor, resultado do teste, o tipo, preço e quantidade da bebida adquirida.

A pesquisa não foi realizada em locais mal iluminados, com clientes visivelmente embriagados, em regiões com altos índices de violência ou de difícil acesso. Os adolescentes eram orientados a retornarem sem efetuar o teste, caso conhecessem alguém ou se sentissem intimidados por alguma razão. Em Paulínia, participaram dez adolescentes: um com 13 anos de idade do sexo masculino, três com 14 anos de idade do sexo masculino, duas adolescentes com 15 anos de idade e quatro adolescentes com 17 anos de idade do sexo feminino. Em Diadema, participaram oito adolescentes; quatro meninas, com idades de 14, 15, 16 e 17 anos e quatro meninos com a mesma distribuição etária das meninas. A aparência dos participantes correspondia às suas respectivas idades. Eles foram recrutados pelos seus pais, que auxiliaram a equipe neste e em outros estudos, e seus responsáveis concordaram com esta pesquisa mediante assinatura de um termo de consentimento.

Os adolescentes receberam treinamento prévio, com ênfase em informações de caráter preventivo em relação ao consumo precoce de bebidas e orientados a não mentirem sobre sua idade quando questionados e a dizerem que a bebida era para consumo próprio. Os produtos foram adquiridos fechados. Foi realizada uma tentativa de compra por local, e naqueles onde houve recusa a venda de bebidas foi feito um re-teste com adolescentes femininas de 17 anos, segundo a metodologia do estudo. Não foram re-testados os estabelecimentos que estivessem fechados na ocasião da segunda visita.

Inicialmente as variáveis foram analisadas descritivamente, com medidas-resumo (média, mediana, mínimo, máximo, desvio-padrão) para a idade do adolescente, e freqüências simples para variáveis categóricas como faixa de idade do vendedor, sexo do adolescente e do vendedor, local, e outras. Para comparar média das idades foram utilizados testes t de Student e análise de variância (para mais de dois grupos). Para verificar associações entre variáveis categóricas foram realizados testes de qui-quadrado. Para avaliar o processo de venda de bebidas para jovens, foram realizadas análises em duas etapas. Na primeira verificaram-se quais características dos adolescentes e dos vendedores influenciaram o fato deste questionar ou não suas idades e o impacto de cada cidade sobre este evento. Em seguida, analisaram-se quais variáveis influenciam a recusa da venda, dentre os estabelecimentos cujos vendedores questionaram as idades. Utilizou-se regressão logística para ambas as abordagens. Para cada variável de interesse (questionamento da idade ou recusa da venda da bebida alcoólica) foram utilizadas como variáveis explicativas características do adolescente (sexo, idade) e do vendedor do estabelecimento e a cidade. Além disso, visando avaliar se as variáveis de interesse seguiam padrões distintos nestas cidades, foram incluídos no modelo interações da variável local e cada uma das variáveis explicativas. Foram consideradas no modelo as variáveis significantes ao nível de significância de 5%. Para facilitar a interpretação dos modelos de regressão, a idade do adolescente foi centrada em 15 anos (média=15,29; DP=1,19). Para a idade do vendedor foram utilizadas duas faixas: 30 anos ou menos e 31 anos e mais. Foi utilizado como banco de dados e instrumento de análise estatística o aplicativo SPSS 13.0.

A pesquisa foi aprovada pela comissão de ética da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo.

RESULTADOS

Os adolescentes conseguiram comprar bebida alcoólica em 85,2% (N=92) dos estabelecimentos pesquisados em Paulínia e em 82,4% (N=351) nos de Diadema. Na Tabela 1 são apresentados os perfis comparativos das cidades e respectivos resultados. O resultado do teste não apresentou diferença significante em relação ao tipo de estabelecimento, ou seja, os adolescentes compraram bebidas com a mesma facilidade em todos os locais. Os pontos de venda encontram-se relacionados na Figura.


Em Paulínia, a idade dos adolescentes foi questionada em 30,5% (N=33) dos estabelecimentos e mesmo assim, 51,5% (N=17) venderam bebidas. Em Diadema o mesmo percentual de estabelecimentos (30,5%, N=130) questionou a idade dos adolescentes e apesar disto, 42,3% deles venderam. A recusa na venda de bebidas foi sempre acompanhada do questionamento da idade; a análise dos fatores de recusa revelou que quanto mais velhos os adolescentes, menor a chance de ter sua idade questionada. A cada aumento de um ano na idade do adolescente ocorre uma redução em 53,3% na chance de questionamento da idade. O efeito da idade do vendedor sobre o questionamento da idade é diferente conforme a localidade: em Diadema, vendedores com idade acima de 30 anos apresentaram chance 4,8 vezes maior de questionarem a idade do que em Paulínia (Tabela 2). As variáveis sexo do adolescente e do vendedor não foram significantes quando era questionada a idade do adolescente.

A idade e gênero do vendedor influenciaram a recusa em vender aos adolescentes, como mostra a Tabela 3. Os vendedores com idade estimada acima de 30 anos apresentaram chance de recusa na venda sete vezes maior que os atendentes que aparentavam 30 anos ou menos. A interação entre as variáveis como sexo do vendedor e local indica que o efeito do sexo sobre a recusa na venda é diferente conforme a cidade: vendedoras em Diadema apresentaram 2,6 vezes mais chance de recusar a venda do que nos pontos de Paulínia. A idade e o sexo do adolescente não foram significativos.

Os locais que se recusaram a vender foram submetidos a novo teste, feitas por uma dupla de adolescentes femininas de 17 anos. Em Paulínia, três estabelecimentos não puderam ser re-testados por se encontrarem fechados. Em 84,6% (N=11) desses locais a compra foi efetuada. Os vendedores (homens entre 25 e 30 anos) que questionaram suas idades (N=2) foram os mesmos que se recusaram a vender. Nenhum vendedor solicitou apresentação de documento de identidade. Em Diadema, oito estabelecimentos não puderam ser testados pela segunda vez por se encontrarem fechados; dos 67 pontos de venda testados pela segunda vez, os adolescentes conseguiram comprar bebidas em 62,7% (N=42) deles.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos revelam que os adolescentes obtêm bebidas alcoólicas nos estabelecimentos comerciais de ambas as cidades com grande facilidade. E embora estes dados não permitam extrapolações, infelizmente, há razões para supor que seja uma realidade nacional. Estes achados são superiores aos resultados de estudos internacionais.3,6,21

O presente estudo apresenta as seguintes limitações: os adolescentes que participaram da pesquisa em cada cidade não foram pareados por sexo e idade; também não houve o pareamento por cidade. Variáveis consideradas relevantes pela literatura não foram pesquisadas, como a presença do cartaz informando a proibição da venda a menores e a presença de mais de um vendedor no local, fatores que tendem a inibir a venda a menores.

Os resultados de recusa de venda não permitem aferir a prontidão em cumprir a lei dos atendentes que se recusaram a vender, pois muitos dos adolescentes que participaram da pesquisa tinham aparência bastante jovem. Muitos vendedores recusavam a venda sem nem mesmo lhes perguntar a idade, apenas faziam uma menção a esta precocidade no momento da recusa. Isso suscitou o interesse em saber como tais estabelecimentos se comportariam caso os adolescentes não parecessem tão novos. De fato, muitos locais que haviam recusado a venda para os adolescentes no primeiro teste, não deixaram de vender quando eles tinham aparência menos jovem, evidenciando relaxamento no cumprimento da lei com compradores de 17 anos.

Por outro lado, os relatos dos adolescentes permitem perceber que muitos venderam mesmo após confirmar a sua idade ou fazer menção a ela. Alguns vendedores faziam ressalvas na hora de entregar a bebida ao menor: "se a polícia pegar você com isso na mão me dá rolo, viu?"; "põe na sacola e fala que é para o seu pai!"; "sabia que a lei não deixa?"; "sua mãe sabe que você bebe?"ou "você mesmo que vai beber?". Alguns vendedores mostravam atitude de censura ou hesitação, mas vendiam mesmo assim. Um deles declarou no momento em que decidiu vender: "para menor não vendo (sic); mas, se você não comprar aqui, vai comprar em outro lugar mesmo!", expressando que, na sua percepção, é fácil adolescentes obterem bebidas nos pontos de venda. Estes relatos mostram que a existência da lei e o seu conhecimento não foram suficientes para inibir a venda.

A mesma facilidade para os adolescentes comprarem bebidas alcoólicas foi observada também em Diadema, apesar deste município possuir a lei de fechamento de bares às 23h. Estes achados sugerem que para lidar com a venda de álcool para menores é necessária à implementação de uma política específica para este fim.

Segundo alguns autores, este tipo de pesquisa avalia a disponibilidade e prontidão dos estabelecimentos pesquisados em vender álcool e não a disponibilidade de álcool a adolescentes.5 A razão para essa afirmação é que um único estabelecimento pode ser suficiente para suprir a demanda de um grande número de menores em uma comunidade, mesmo se todos os outros se recusarem a vender.

Mas não é apenas a prontidão em vender que o presente estudo revela. Essa postura quase unânime dos vendedores de bebidas só se sustenta quando em consonância com as normas culturais vigentes em uma comunidade. Ou seja, os valores sociais que imperam são: a aceitação do consumo de álcool por adolescentes e a tolerância em relação à transgressão de uma lei que proíbe a venda a menores de 18 anos. De fato, a magnitude do resultado obtido também seria improvável na presença de um eficiente aparelho de fiscalização e punição por parte do poder público.4,19 Nesse contexto, as raras negativas em vender a um adolescente com menos de 18 anos devem ser entendidas como fruto de um posicionamento pessoal do vendedor, e não de qualquer política que as sustentem. Nesse ambiente, a norma é o descumprimento da lei por parte de quem deveria observá-la, a omissão do poder público que deveria fiscalizar seu cumprimento e o silêncio da sociedade que deveria exigi-lo.

O baixo preço torna o álcool facilmente acessível aos adolescentes, que são também as maiores vítimas das poucas restrições à propaganda de bebidas nos meios de comunicação. A ampla disponibilidade do álcool nos ambientes banaliza o seu consumo. Bares operando em sistema de consumação mínima, promoções do tipo "open bar", venda de bebidas para consumo no ato em postos de gasolina, agravam o risco de problemas relacionados ao consumo de álcool nesta faixa etária.

A instituição da idade mínima para a compra já existe na forma de lei, embora não existam medidas práticas que poderiam estimular o seu cumprimento. Pretende-se, com o presente artigo, fomentar e subsidiar as discussões sobre o fácil acesso dos menores a bebidas de todos os tipos. Adiar o consumo de bebidas alcoólicas do início da adolescência para seu final deve constituir parte importante dos esforços de prevenção dos problemas relacionados ao consumo do álcool nesta faixa etária.14,21,22

Recebido: 15/2/2006

Revisado: 9/10/2006

Aprovado: 12/4/2007

Financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp – Programa de Políticas Públicas: Intervenção Comunitária para a Redução de Problemas Relacionados ao Consumo de Álcool em Paulínia e Diadema, Processo n.º 01/13136-0)

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  • Correspondência:
    Sérgio Marsiglia Duailibi
    Unidade de pesquisa em álcool e outras drogas (UNIAD)
    Universidade Federal de São Paulo
    R. Botucatu, 390, Vila Clementino
    04023-061 São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • *
    Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais, Disponível em:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      12 Abr 2007
    • Revisado
      09 Out 2006
    • Recebido
      15 Fev 2006
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