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O problema da avaliação em Saúde Pública

Evaluation of public health program

Resumos

Após discussão do conceito de avaliação, a partir das clássicas idéias de controle administrativo, foram indicados alguns dos critérios mais freqüentemente utilizados na avaliação dos programas de saúde. Chama-se a atenção, todavia, para os riscos inerentes a tais critérios, derivados do fato de que a problemática de saúde - como reflexo das condições gerais de vida - é fortemente afetada por fatores impermeáveis às ações específicas do setor. Daí a necessidade do emprego de critérios mais simples, que permitam estabelecer uma relação de causa e efeito entre as ações desenvolvidas e os resultados alcançados.

Administração sanitária; Avaliação; Saúde pública


After discussing the concept of evaluation, based on classical ideas of administrative control, some more frequently used criteria of evaluation of health programs are presented. Attention is called, however, to the inherent risks, pertaining to the fact that health problems - as a reflex of general conditions of life - are heavily influenced by factors that are impervious to the specific action of the area. Therefore, simpler criteria that permit the establishment of a causal relation between undertaken action and results achieved must be used.

Public health administration program; Evaluation


ATUALIZAÇÕES / CURRENT COMMENTS

O problema da avaliação em Saúde Pública

Evaluation of public health program

Reinaldo Ramos

Do Departamento de Prática de Saúde Pública, Disciplina de Administração Sanitária da Faculdade de Saúde Pública USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

Após discussão do conceito de avaliação, a partir das clássicas idéias de controle administrativo, foram indicados alguns dos critérios mais freqüentemente utilizados na avaliação dos programas de saúde. Chama-se a atenção, todavia, para os riscos inerentes a tais critérios, derivados do fato de que a problemática de saúde – como reflexo das condições gerais de vida – é fortemente afetada por fatores impermeáveis às ações específicas do setor. Daí a necessidade do emprego de critérios mais simples, que permitam estabelecer uma relação de causa e efeito entre as ações desenvolvidas e os resultados alcançados.

Unitermos: Administração sanitária*; Avaliação*; Saúde pública.

SUMMARY

After discussing the concept of evaluation, based on classical ideas of administrative control, some more frequently used criteria of evaluation of health programs are presented. Attention is called, however, to the inherent risks, pertaining to the fact that health problems – as a reflex of general conditions of life – are heavily influenced by factors that are impervious to the specific action of the area. Therefore, simpler criteria that permit the establishment of a causal relation between undertaken action and results achieved must be used.

Uniterms: Public health administration program*; Evaluation*.

1. INTRODUÇÃO

"Em poucos países do mundo é possível encontrar um ministro da saúde ou dirigente de um grande departamento de saúde que disponha de todos os recursos de que necessita para desenvolver seu programa. Melhorar os serviços existentes e ao mesmo tempo obter recursos adicionais para manter novos programas – eis o problema com que se defrontam constantemente os administradores sanitários em países tanto desenvolvidos como em desenvolvimento. A avaliação, por indicar o melhor modo de utilização dos recursos disponíveis em dinheiro, pessoal e material, representa a única solução para o problema" (HILLEBOE apud WHO15).

Com estas palavras, um grupo de técnicos da Organização Mundial da Saúde inicia seu relatório sobre métodos de avaliação dos programas de saúde pública, resultado de um simpósio realizado na Europa, em novembro de 196715.

Com efeito, o problema da avaliação tem representado, de longa data, preocupação constante da parte de todos aqueles responsáveis pela elaboração e execução dos programas de saúde. Compreende-se que assim seja, posto que, além de essencial para o bom planejamento das atividades, a avaliação também o é para a direção dos programas, ajudando a determinar a eficiência com que se desenvolvem e a decidir quanto às mudanças que eventualmente devam ser feitas para melhorá-los. Outras vantagens oferecidas pela avaliação podem ser assim resumidas: ajuda a determinar até que ponto foram acertadas as decisões sobre os programas, tanto na fase de planejamento como de execução; contribui para justificar os programas perante as autoridades, a população e a equipe de saúde; permite ao administrador medir com maior precisão a capacidade e eficiência do pessoal que lhe está subordinado.

A questão remonta ao clássico conceito de controle dos formalistas da administração, liderados por Fayol, para quem o controle consistia em "vigiar para que todas as ações e operações em todo momento se efetuem de acordo com o plano adotado, com as ordens dadas e com os princípios estabelecidos" (FAYOL5).

Essa concepção fayolista, que tem tido o apoio de muitos seguidores, centraliza sua atenção na necessidade da supervisão (no sentido de "supervigilância") das atividades, tendo como padrão os planos previamente estabelecidos e a forma como se cumprem as instruções diretivas. Além disso, assinala os erros e omissões cometidos, a fim de que se exerçam as ações corretivas e, quando necessário, se apliquem sanções àqueles que não hajam cumprido cabalmente seus deveres.

Como se vê, tratava-se de uma concepção de controle baseada numa atitude negativa, que desconhecia os fatores da personalidade humana. Como tal, era em essência proibitiva, preventiva e punitiva, características que se refletem nas definições de controle propostas por autores que seguiam a orientação de Fayol, conforme se pode depreender dos exemplos seguintes:

"A função administrativa de controle é a medição das ações dos subordinados, de sorte que se assegure a consecução dos objetivos e planos da empresa" (KOONTZ & O'DONNELL) 11.

"O controle constitui, em grande parte, a corrente de ordens e instruções que flui num sentido e a corrente de informes e comentários que se move em sentido contrário" (SCHELL 13).

O controle "... é a técnica de por em marcha planos, dando ordens e observando, inspecionando e registrando os progressos, de maneira que se mantenha uma comparação entre o planejado e os resultados finais" (ALFORD et al.1).

Um traço comum a essas diferentes definições é o sentido fiscalizador, quase policial, que todas elas procuram imprimir ao controle.

Coube a FOLLETT 7 iniciar um movimento renovador dessas concepções, que ela qualificou de contraproducentes pelo temor psicológico que despertavam no pessoal, inclusive e até mesmo a própria palavra "controle".

De fato, se um dos propósitos básicos do controle é fornecer a informação necessária à tomada de decisões estratégicas ou operativas, esses dados devem ser obtidos num ambiente de cooperação e não de temor, face ao reconhecimento crescente de que a estabilidade emocional concorre para a maior participação do pessoal, sucedendo o oposto em ambientes capazes de gerar inquietação psicológica.

Como bem assinala JIMÉNEZ CASTRO 10, esse novo critério postula que "para que exista um controle efetivo é necessário que haja conhecimento dos objetivos sociais da empresa e uma unidade cooperativa de todos os esforços para obter por seu intermédio um trabalho coordenado, que facilite e permita o intercâmbio de informações e a análise dos fatos".

Efetivamente, as investigações administrativas têm demonstrado que quanto maior a coordenação existente numa empresa, tanto melhores os meios de controle que cada integrante exerce sobre suas próprias atividades e mais adequado é também o controle recíproco entre o trabalho de todo o pessoal.

Nessa ordem de idéias, o controle é conceituado como um processo ou mecanismo informativo e comprobatório dos planos e decisões formulados e tomados pela direção em seus diferentes níveis e também nos próprios cargos executivos, o que pressupõe a existência de um sistema adequado que forneça os dados necessários para julgar as realizações e para introduzir os fatores corretivos que as futuras execuções demandem. Assim, o controle se constitui num processo indispensável em todas as fases dos trabalhos e em todos os níveis hierárquicos e funcionais; o que leva a considerá-lo um dos melhores procedimentos administrativos, que se distingue dos demais princípios da administração por estar presente nas diferentes etapas, representando portanto o ponto de ligação efetivo entre o planejado e o executado.

2. CONTROLE E AVALIAÇÃO

Das considerações que vêm de ser feitas ressalta a importância do controle como um dos mecanismos destinados a manter o impulso coordenador da instituição, compreendendo os seguintes tipos:

O controle direto, de pessoa a pessoa, corresponde ao conceito clássico de controle, que alguns denominam de "supervisão" – do inglês "supervision" – mas que melhor seria chamar de "supervigilância", posto que "supervisão", como se sabe, tem hoje conotação inteiramente diversa. O exercício desse controle direto é relativamente simples, porquanto consiste apenas em verificar se as atividades estão sendo executadas de acordo com o estabelecido nas normas e regulamentos da organização.

O controle indireto, também chamado instrumental, é aquele que se exerce em relação a atividades ou a resultados.

No primeiro caso são incluídas a assessoria e, com ressalvas, a supervisão. No tocante à assessoria, justifica-se em certos casos o papel de controle do órgão assessor, especialmente quando se trata de ações recomendadas por sua iniciativa e para cujo controle ele deve necessariamente conhecer as técnicas mais indicadas. Quanto à supervisão, sua utilização como instrumento de controle não tem o consenso unânime, justificando-se tais ressalvas em virtude do conteúdo eminentemente educativo da supervisão.

O controle indireto através dos resultados – medidos em termos de produção, eficiência e efeito – constitui a avaliação.

A avaliação, também denominada controle de resultados físicos, representa inegavelmente o meio ideal de controle, posto que permite determinar se as metas propostas estão sendo alcançadas. Mediante a avaliação o administrador tomará de forma integral o pulso de sua organização. É importante para o administrador saber se os procedimentos estão sendo seguidos, porém muito mais importante para ele é saber se os resultados alcançados pela organização são bons, medíocres ou maus.

3. A AVALIAÇÃO NO CAMPO DA SAÚDE

Na conceituação da Organização Mundial da Saúde (OMS), "em termos gerais, a avaliação é o processo de determinar qualitativa ou quantitativamente, mediante métodos apropriados, o valor de uma coisa ou de um acontecimento. Na OMS, contudo, o termo é empregado para indicar os procedimentos administrativos ou técnicos por meio dos quais se mede, em proveito dos responsáveis pelo seu controle, o valor de atividades planificadas. Na prática, e tal como se aplica a um dado projeto da OMS, a avaliação consiste na apresentação de dados e na apreciação do progresso realizado para a consecução dos objetivos estabelecidos no plano de operações. É, pois, essencial que o processo de avaliação se inicie com a elaboração do projeto e dele constitua parte integrante e contínua" (ARBONA2). Por outras palavras, na elaboração do programa devem ser indicados ou previstos os métodos de avaliação, naturalmente quando se tratar de programa avaliável.

Durante as discussões sobre o assunto, realizadas por ocasião da X Reunião do Conselho Diretivo da Organização Panamericana da Saúde, fixou-se como objetivo da avaliação "determinar em que medida se obtiveram, em um dado momento, os resultados preestabelecidos e verificar se foi ou não alcançada a finalidade do conjunto do programa no prazo e com os meios previstos" 12. Entre os propósitos subsidiários da avaliação, apontados na citada reunião, destaca-se o de "reorientar o programa quando se desvia de seus objetivos, ou quando for conveniente aplicar técnicas e conhecimentos novos, ou modificar os existentes por não terem dado os resultados esperados".

Outra entidade preocupada com o problema – a "American Public Health Association" – define a avaliação como "o processo de determinação do valor ou volume de sucesso na consecução de um objetivo preestabelecido. Tal processo inclui, pelo menos, as seguintes etapas: formulação do objetivo, identificação dos critérios a serem usados na medição do sucesso, determinação e descrição do sucesso, recomendações para ulteriores atividades do programa" (JAMES 9).

Outras definições de avaliação, reunidas por FERNÁNDEZ & BIOCCA 6, são abaixo apresentadas:

"Avaliação é a aplicação do método científico para saber que mudanças têm lugar durante e depois de um programa, e que parte dessas mudanças se deve ao programa".

"Avaliar é um processo de medição e este, por sua vez, é um processo de comparação (comparar o que sucede onde se implantou ou se está implantando um programa, com o que sucede onde nada se realizou)"

"Avaliar é a apreciação sistemática dos progressos realizados para a consecução de um objetivo previamente fixado".

Como salienta JAMES 9, embora utilize os mesmos processos gerais da pesquisa – epidemiológicos, estatísticos etc. – a avaliação dela difere porque não procura novos conhecimentos, mas apenas apontar os progressos porventura alcançados na direção de um objetivo prefixado. Enquanto a pesquisa pode terminar com a simples apresentação dos resultados, a avaliação é encarada como parte de um processo circular, no sentido de que seus achados são reincorporados ao programa específico de que provêm.

Os diversos autores e organizações que se têm ocupado com a conceituação de avaliação e seu emprego na prática sanitária, são unânimes ao salientarem que ela deve constituir objeto de cogitação desde a fase inicial de planejamento do programa. Não resta dúvida, entretanto, que os administradores, via de regra, costumam colocá-la em plano secundário dentro do programa de trabalho do órgão de saúde. É ainda JAMES 9 quem afirma: "Conquanto a avaliação tenha sempre representado assunto de interesse para os que trabalham em saúde pública, não há segredo no fato de que, em termos de prioridade, sua posição é bem mais modesta que a ocupada pela administração do programa em si".

Apesar disso, observa-se em todo o mundo um interesse crescente pelo assunto, que ARBONA 2 subordina a duas razoes principais: a primeira se prende ao fato de que, sendo geralmente escassos os recursos destinados aos serviços de saúde – especialmente nos países subdesenvolvidos, onde os setores sociais se acham em desvantagem competitiva em relação aos setores econômicos – surge a necessidade de aplicá-los de maneira a produzirem os maiores benefícios; a avaliação periódica dos programas viria assim indicar se os recursos estão sendo investidos do modo mais efetivo possível. A segunda razão decorre da própria dificuldade – e correspondente necessidade – de valorizar o rendimento de grande parte das atividades de saúde pública; não se pode apontar as vantagens e méritos dos programas de saúde se não se apresentam provas objetivas em seu favor.

4. MÉTODOS DE AVALIAÇÃO

ARBONA 2 classifica em dois grupos os métodos de avaliação do trabalho sanitário. Num primeiro grupo estaria a avaliação direta dos programas, cuja eficácia é medida através do método experimental ou alguma de suas modalidades; neste caso, determina-se até que ponto o programa vai atingindo os objetivos propostos. Num segundo grupo, estariam os métodos de avaliação indireta, que consistem na medição da quantidade e qualidade do esforço empregado; os resultados obtidos são comparados com padrões previamente estabelecidos que – sabe-se pela experiência derivada da avaliação direta ou da aplicação do método direto em projetos piloto – produzem resultados conhecidos.

FREEMAN & HOLMES 8 identificam três tipos de critérios de avaliação em saúde pública:

a) Critérios objetivos, baseados em evidências observáveis e objetivamente mensuráveis de mudança ou "status"; é óbvio que a adoção desses critérios implica na ampla utilização de estatísticas e na observação de fatos passíveis de medição.

b) Critérios subjetivos ou de julgamento de mudança ou "status"; são de aplicação geralmente difícil, por se subordinarem a uma questão de atitude perante os fatos observados; as conclusões baseiam-se em padrões previamente fixados.

c) Critérios inferenciais, baseados na presunção de que uma ação específica, desenvolvida com uma finalidade específica, permite esperar um resultado igualmente específico.

Na prática, a utilização de critérios objetivos consiste na determinação de coeficientes, sobretudo específicos, de mortalidade e de coeficientes de morbidade, que poderiam refletir, pelo menos no caso de algumas doenças evitáveis, a atuação efetiva do serviço de saúde. A redução dos coeficientes de mortalidade por difteria ou varíola, por exemplo, estaria relacionada ao desenvolvimento de programas de proteção imunológica contra essas doenças. Têm larga aplicação, neste tipo de avaliação, os chamados indicadores do nível de saúde.

Um critério subjetivo de avaliação reside na verificação, junto à população trabalhada, da mudança de crenças, hábitos e atitudes em relação à saúde, o que, se comprovado, redundaria em crédito para o trabalho educativo do órgão de saúde, já que este inclui, entre seus objetivos fundamentais, o de promover essa mudança cultural. É claro que a utilização deste método implica na realização de inquérito em amostra representativa da população, a cargo de elementos devidamente treinados, eis que cumpre a todo custo eliminar o fator pessoal em tal tipo de pesquisa.

A utilização de relatórios de produção constitui exemplo de processo inferencial de avaliação. Conquanto referindo apenas o trabalho desenvolvido pelo pessoal do serviço de saúde – pouco ou nada informando sobre o resultado desse trabalho junto à população – é lícito admitir, como já ficou assinalado, que certas atividades autorizam a esperar determinados resultados. Assim, o número de imunizações contra certas doenças ou o volume de visitas domiciliarias a gestantes e recém-nascidos, permitem esperar uma redução do número de casos e óbitos por essas doenças ou um maior grau de esclarecimento das mães em relação aos cuidados que devem prestar a seus filhos.

Evidentemente – se bem que nem sempre possível – o ideal seria a associação dos três processos, o que ensejaria, a um só tempo, conhecer o volume de trabalho executado pelo pessoal da unidade; estimar quantitativamente, através de certos indicadores, o resultado desse trabalho sobre a população; e medí-lo também qualitativamente, através da mudança cultural observada nessa mesma população.

Caberia indagar, a título de especulação: serão totalmente válidos esses esquemas tradicionais? Os critérios propostos possibilitam realmente a medição da qualidade dos serviços e dos resultados das ações de saúde? Seriam eles aplicáveis na vigência do processo de planejamento institucionalizado?

A resposta a estas perguntas envolve a necessidade de algumas considerações preliminares:

Em primeiro lugar, é necessário o máximo de cautela com afirmações baseadas simplesmente em estatísticas, sem a preocupação de inserí-las num quadro de referência mais amplo. A esse propósito cabe lembrar, contada por SIMON 14, a anedota do estatístico que encontrou uma alta correlação entre o número de solteironas e o volume da colheita de cravos, em vários condados da Inglaterra. Depois de muito meditar sobre tal relação, descobriu uma pista para o que poderia ser, no seu entender, um encadeamento causal: as solteironas, ao que tudo indicava, criavam gatos, que por sua vez comiam ratos; os ratos do campo eram inimigos dos besouros que, por seu turno, eram os principais agentes de polinização das flores do cravo. Sua conclusão, é fácil deduzir, foi que o Parlamento Britânico jamais deveria legislar sobre incentivos financeiros para incrementar matrimônios, sem antes levar em consideração os possíveis efeitos da diminuição da população de solteironas sobre a produção de cravos.

Essa falácia do raciocínio estatístico tem acontecido a muitos administradores sanitários: ao elaborarem o programa de combate a determinada doença, por exemplo, tomam por base uma série histórica que termina no ano -0-, ou seja, o ano de início do programa. As eventuais quedas da mortalidade ou morbidade, observadas daí em diante, são por eles atribuídas ao programa, esquecidos de que freqüentemente parcela substancial de tais quedas se deve a uma tendência natural da doença, inteiramente alheia às ações desenvolvidas pelo programa. Recorde-se, a propósito, o confinamento compulsório de hansenianos na Noruega e muitos outros países – medida totalmente dispensável posto que, quando de sua adoção, a doença caminhava já para o seu completo desaparecimento, como conseqüência da melhoria das condições gerais de vida.

Por outras palavras, ocorrem seguramente mudanças no estado de saúde da população que não podem ser inteiramente creditadas à atuação da agência de saúde. Exceto no caso de atividades muito específicas – em que se possa com absoluta certeza estabelecer uma relação de causa e efeito entre a ação desenvolvida e o resultado obtido – o programa de saúde é apenas um dos inúmeros fatores que podem contribuir para alterar a situação. A instalação de uma indústria numa comunidade, gerando condições de pleno emprego e acarretando a elevação do nível de vida da população, poderá exercer marcada influência sobre seu nível de saúde, independentemente da atuação boa ou má do órgão local de saúde.

Assim, conquanto se costume fazer abstração desse fato, só teoricamente – como assinala ARBONA 2 – a diferença entre a situação no início e a encontrada no momento da avaliação indica os resultados do programa.

As considerações que vêm de ser feitas sugerem a necessidade da adoção de outros critérios de avaliação, certamente menos ambiciosos, porém mais ajustados à realidade e de maior utilidade para o administrador sanitário, sobretudo operando em nível local.

Como ficou visto na discussão dos aspectos conceituais, a avaliação ou controle de resultados físicos pode ser feita segundo os três critérios básicos seguintes: 1) produção; 2) eficiência; e 3) efeito, conceituados a seguir:

1. Por produção entende-se o volume físico de trabalho realizado. No caso dos serviços de saúde, seriam exemplos: o número de consultas médicas, de visitas domiciliárias, de imunizações, de inspeções de saneamento etc. Interessa aqui apenas o volume físico de produção de serviços de saúde, sem se levar em conta a eventual repercussão dessas ações sobre o nível de saúde da população trabalhada. Esses dados são particularmente úteis para fins de informação externa, quando se pretende oferecer ao público leigo uma visão geral das atividades executadas pelo serviço de saúde.

2. A eficiência, tomada em termos de produtividade, é medida através de vários critérios – cobertura, custo, rendimento, concentração e grau de utilização – definidos a seguir:

a) Cobertura – Refere-se à medida em que a população consumiu o serviço de saúde ou foi por ele atingida. É expressa sob a forma de uma relação percentual entre o número de pessoas atendidas por determinada atividade e a população que se pretendeu atender: população total, população accessível, população suscetível, ou uma combinação dessas variáveis. Exemplos: 80% da população suscetível vacinada contra a varíola; 75% da população acessível atendida com consulta médica; 60% da população total beneficiada com serviço de abastecimento de água. Fórmula da cobertura:

b) Custo – É a avaliação em termos de unidades monetárias de todos os recursos que se necessitou utilizar para a produção de uma atividade. A forma mais prática de calcular o custo médio unitário de uma atividade será dividir o valor, em termos monetários, de todos os recursos empregados na produção de um tipo de atividade, pelo número de atividades desse tipo que tenham sido produzidas.

c) Rendimento – Refere-se à produção de serviços por unidade produtiva: é o número de atividades produzidas por uma unidade de instrumento na unidade de tempo referida em sua denominação. (Instrumento aqui entendido como um conjunto de recursos combinados segundo um critério de funcionalidade e eficiência para produzir uma atividade. O instrumento recebe o nome do recurso mais significativo que entra na sua composição, acrescido de uma unidade de tempo convencional). Exemplos: 6 consultas médicas por médico/hora, 15 vacinações por vacinador/hora etc. Fórmula do rendimento:

d) Concentração – É o número de vezes que se executa uma atividade num determinado indivíduo, porém em relação a um mesmo dano. Esse número se supõe deva obedecer a um critério técnico, baseado na capacidade de produção de uma atividade e nas características do dano em causa. Exemplos: 5 consultas médicas por consultante de tuberculose; 3 imunizações por pessoa protegida contra a poliomielite etc. A fórmula da concentração é:

A concentração pode ser também geral, isto é, não necessariamente específica por dano, mas somente como atributo médio da produtividade de saúde em geral.

e) Grau de utilização – É uma relação percentual entre os instrumentos utilizados e os instrumentos disponíveis. Refere-se, portanto, a uma expressão de capacidade operativa. Exemplos:

52% de grau de utilização dos médicos/hora disponíveis; 75% de grau de utilização dos leitos/ dia disponíveis etc. Em administração hospitalar, o grau de utilização do instrumento leito/ dia é conhecido pela denominação de taxa de ocupação. Fórmula do grau de utilização:

3. O efeito é considerado em termos de impacto que a ação – no caso, de saúde – tenha sobre a população. Esse efeito só é mensurável quando relacionado a ações muito específicas

– geralmente imunizações, ou a fluoretação das águas de abastecimento, ou ainda a aspersão de inseticidas

– dirigidas contra determinado dano. O critério da cobertura pode ser também utilizado para medir o efeito, conquanto seja mais aplicado na medição da eficiência.

Os elementos aqui apresentados – e largamente utilizados na técnica de programação local (CENDES/OPS) – são particularmente valiosos para o administrador que, operando ao nível da prestação direta de serviços, pretenda fazer a avaliação das ações de saúde desenvolvidas sob sua responsabilidade. Trata-se, portanto, de critérios mais indicados para o nível local, mas cuja aplicação – especialmente com vistas à adoção de medidas corretivas – depende estreitamente do bom funcionamento dos órgãos técnico-normativos centrais, incumbidos da fixação de metas de normalização.

Todavia, o administrador sanitário colocado em nível regional ou central tem interesse e necessidade de avaliar, em termos evidentemente gerais e mais amplos, os programas levados a efeito em sua área de jurisdição. Para este fim, afiguram-se especialmente úteis os critérios propostos por DENISTON et al.3 visando à avaliação da eficácia, entendendo-se como tal a determinação do grau com que, como conseqüência da atividade do programa, se alcançou o objetivo programado ou desejado. Desse modo, sugere-se uma análise, na qual a proporção em que se alcançou o objetivo do programa atribuível à atividade deste (OA) é comparada com o nível desejado que, durante a fase de planejamento, os técnicos haviam sugerido que se obteria da atividade do programa (OP). A eficácia do programa seria, assim, expressa pela razão OA:OP (objetivo alcançado x objetivo programado).

DENISTON et al.3 propõem ainda medidas secundárias de eficácia. A primeira delas é o grau com que se levou a cabo a atividade programada, como resultado da utilização dos recursos, ou seja, a razão entre as atividades efetivamente executadas (AE) e as atividades programadas (AP). A segunda medida é o grau em que os recursos foram utilizados da forma programada, isto é, a razão entre a utilização real (RU) e a utilização programada (RP).

Essas duas medidas secundárias são consideradas importantes, por ser lógico supor que: a) os objetivos do programa somente sejam alcançados se as atividades forem executadas na quantidade e qualidade programadas; e b) que as atividades sejam executadas se os recursos forem efetivamente utilizados da forma programada. Por outro lado, é possível que a comparação entre as três razões RU:RP, AE:AP e OA:OP revele que os recursos e atividades programados haviam sido super ou subestimados.

Finalmente, em outro trabalho sobre o assunto, DENISTON et al. 4 chamam a atenção para outras possíveis variáveis a considerar, responsáveis pelo êxito – ou fracasso – do programa, aí incluídas as condições de nutrição e a melhoria da habitação, por sua reconhecida influência na redução de certas doenças, embora dificilmente avaliável em termos quantitativos.

5. CONCLUSÕES

1. A necessidade de melhor aplicar os recursos destinados aos serviços de saúde e de valorizar os sucessos alcançados, vem contribuindo para que se empreste importância crescente ao problema da avaliação.

2. A avaliação reconhece suas origens no clássico conceito de controle, dos formalistas da administração, inicialmente exercido de maneira direta – pessoa a pessoa – com a denominação de supervigilância.

3. A evolução das idéias sobre o controle permitiu retirar a essa ação administrativa sua conotação inicial de fiscalização e seu aspecto punitivo, conduzindo-a gradativamente à concepção atual de avaliação ou controle de resultados físicos.

4. Conceituada como o processo de medição qualitativa e quantitativa dos resultados dos programas de saúde, a avaliação deve ser considerada parte integrante desses programas desde a fase inicial de planejamento.

5. O caráter altamente complexo da problemática de saúde, não raro condicionada em grau apreciável por fatores impermeáveis às ações específicas do setor, impõe a necessidade de extrema cautela na utilização e interpretação dos vários critérios de avaliação dos programas de saúde.

6. Essa mesma característica da problemática de saúde sugere a adoção de critérios de avaliação mais simples e menos ambiciosos, através dos quais se possa, com razoável margem de segurança, estabelecer uma relação de causa e efeito entre as ações desenvolvidas e os resultados alcançados.

Recebido para publicação em 23-4-1974

Aprovado para publicação em 9-8-1974

  • 1. ALFORD, L. P. et al. Manual de la producción. México, Editorial Uteha, 1935.
  • 2. ARBONA, G. Bases y métodos para evaluar los programas de salud. Bol. Ofic. sanit. panamer., 43:540-8, 1957.
  • 3. DENISTON, O. L. et al. Evaluación de programas de salud. Bol. Ofic. sanit. panamer., 67:389-99, 1969.
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  • 5. FAYOL, H. Administración industrial y general. Buenos Aires, Ed. Ateneo, 1956.
  • 6. FERNÁNDEZ, V. A. & BIOCCA, S. M. Evaluación en salud pública. Rev. Salud públ., Buenos Aires, 9/ 10:31-41, 1966/67.
  • 7. FOLLETT, M. P. Dynamic administration. London, Isaac Pitman, 1952.
  • 8. FREEMAN, R. & HOLMES, E. M. Administration of public health services. Philadelphia, W. B. Saunders, 1960.
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  • 11. KOONTZ, H. & O'DONNEL, C. Princípios de administração. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1962. 2 v.
  • 12. RAMIREZ, D. A. Discusiones técnicas sobre las bases y métodos de evaluación de los programas de salud. Bol. Ofic. sanit. panamer., 43:549-52, 1957.
  • 13. SCHELL, E. H. Técnica del control ejecutivo. México, Fondo de Cultura Económica, 1958.
  • 14. SIMON, H. Comportamento administrativo. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1965.
  • 15
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Set 1974

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 1974
  • Aceito
    09 Ago 1974
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