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"Índice de Qualidade do Alimento": uma medida da qualidade e da adequação de dietas

"Index of Food Quality": for the assessment of diets

Resumos

É apresentado o "Índice de Qualidade do Alimento" (IQA) e discutidas algumas de suas possíveis aplicações. Utilizando-se o IQA analisou-se o potencial nutricional de dietas típicas de São Paulo. Enfatizou-se, também, a utilidade do IQA na elaboração e na organização de cardápios, no planejamento de merendas, nos programas de enriquecimento e suplementação alimentares e nas atividades de educação nutricional.

Nutrientes; Alimentos; Dietas


The "Index of Food Quality" (IFQ) and the discussion of some of its possible applications are presented. To this end, and using the IFQ, the nutritional potential of some typical S. Paulo diets was analysed. The usefulness of the IFQ in the preparation of menus, in the planning of school snacks, in enrichment and supplementary feeding programmes and in nutritional educational, activities are also emphasised.

Nutrients; Food; Diet


ARTIGO ORIGINAL

"Índice de Qualidade do Alimento": uma medida da qualidade e da adequação de dietas

"Index of Food Quality": for the assessment of diets

Ignez Salas Martins

Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – 01255 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

É apresentado o "Índice de Qualidade do Alimento" (IQA) e discutidas algumas de suas possíveis aplicações. Utilizando-se o IQA analisou-se o potencial nutricional de dietas típicas de São Paulo. Enfatizou-se, também, a utilidade do IQA na elaboração e na organização de cardápios, no planejamento de merendas, nos programas de enriquecimento e suplementação alimentares e nas atividades de educação nutricional.

Unitermos: Nutrientes. Alimentos, índice de qualidade. Dietas.

ABSTRACT

The "Index of Food Quality" (IFQ) and the discussion of some of its possible applications are presented. To this end, and using the IFQ, the nutritional potential of some typical S. Paulo diets was analysed. The usefulness of the IFQ in the preparation of menus, in the planning of school snacks, in enrichment and supplementary feeding programmes and in nutritional educational, activities are also emphasised.

Uniterms: Nutrients. Food, quality index. Diet.

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre situações alimentares, em geral, devem envolver a análise da qualidade da dieta e da adequação de consumo, uma vez que a satisfação das necessidades nutricionais está condicionada ao binômio qualidade-quantidade de alimentos portadores de energia e de nutrientes.

Sabe-se que a qualidade de uma dieta está vinculada à interação entre os nutrientes que a compõe, de tal forma que jamais poder-se-ia qualificá-la de "boa" ou "má", se os mesmos forem analisados isoladamente uns dos outros. Por exemplo, uma dieta que contenha 63,0 g de proteína poderá ser ou não adequada às necessidades de um homem de 30 anos, cuja antropometria corresponda à média de nossa população masculina, pois dependerá dos demais nutrientes para cumprir esta finalidade. Por outro lado, mesmo quando os nutrientes estiverem em teores suficientes, a qualidade da dieta estará condicionada ao seu aporte energético; a proteína será primeiramente destinada ao fornecimento de energia e não à síntese se não houver adequação calórica.

Assim, conclui-se que a interação entre os nutrientes determina a qualidade, que por sua vez condiciona a suficiência ou quantidade da dieta. Por isso, têm-se procurado estabelecer índices simples que possam servir de instrumento para a análise desses dois elementos fundamentais.

Miller e Payne 6, que vêm estudando a relação protéico-energética, deduziram, a partir da adequação aminoacídica (S) e da percentagem de calorias proteicas (P%), o NPU operacional (Net Protein Utilization)1 1 Net Protein Utilization tem sido traduzida como Utilização Protéica Final (UPF). 2 "Mulher-tipo" e "Homem-tipo" é a definição que os Comitês de Peritos FAO/OMS (sobre necessidades de energia), deram a indivíduo médio do sexo feminino e masculino representativo quanto ao aspecto antropométrico e quanto à atividade física de uma população. de dietas. Esta medida significa a proporção de nitrogênio que poderia ser destinada à síntese protéica em condições de adequação energética; na restrição calórica o NPU operacional pode ser calculado a partir das calorias totais da dieta 7.

Mais recentemente, Hansen 3 e Sorensen e Hansen 8 propuseram o Índice de Qualidade do Alimento (IQA) aperfeiçoado por outros autores 1,9,10,12. Este índice pode expressar a qualidade de uma dieta ou de um alimento em particular em relação a qualquer nutriente e é expresso pela seguinte equação:

Qualquer nutriente que apresente um IQA igual ou maior do que um será adequado para satisfazer as necessidades de um determinado grupo, quando a dieta ou o alimento atenderem os requerimentos energéticos. Desde que o denominador da equação acima é uma recomendação de nutrientes, o IQA informará sobre o potencial nutricional de dietas para grupos de indivíduos classificados segundo a idade, estado fisiológico, atividade física, entre outros.

À medida em que se tem difundido a utilização do IQA começaram a se estabelecer recomendações em densidade de nutrientes, ou seja, gramas de nutrientes por 1.000 kcal 4,11 e a Tabela 1 refere-se à população brasileira 5.

"Índice de Qualidade do Alimento" de São Paulo

A título de exemplo a equação referida anteriormente foi aplicada para analisar-se o IQA das quatro refeições diárias com alimentos típicos de São Paulo (Tabela 2). Neste caso, tomou-se como referência a mulher-tipo brasileira, cuja necessidade energética é estimada em 2.080 kcal/dia2 1 Net Protein Utilization tem sido traduzida como Utilização Protéica Final (UPF). 2 "Mulher-tipo" e "Homem-tipo" é a definição que os Comitês de Peritos FAO/OMS (sobre necessidades de energia), deram a indivíduo médio do sexo feminino e masculino representativo quanto ao aspecto antropométrico e quanto à atividade física de uma população. .

O IQA acompanhado da percentagem de adequação da dieta fornece dois níveis de análise: a da Fig. 1 que pressupõe o conjunto de alimentos que compõe a refeição como únicas fontes de energia do dia, e a da Fig. 2 que mostra a contribuição da refeição para a satisfação das necessidades de energia e nutrientes.



A Fig. 1 mostra que se uma dieta composta de café, leite, pão e manteiga, nas proporções indicadas na Tabela 2, fosse a única fonte de energia do dia para uma mulher adulta, haveria carência de vitamina, A, vitamina C, niacina e ferro; essa figura refere-se ao potencial nutricional dessa dieta. A Fig. 2, por sua vez, informa sobre o quanto das necessidades diárias podem ser atendidas pelo café da manhã; assim a conjunção das Figs. 1 e 2 fornecem o binômio qualidade-quantidade.

A Fig. 3 mostra o IQA do conjunto de alimentos que compõe o almoço. Caso fosse a única fonte de energia, essa dieta estaria atendendo as necessidades de quase todos os nutrientes, com exceção das vitamina A, vitamina B2 e do cálcio; ressalte-se que o elevado IQA do café da manhã nestes dois últimos nutrientes compensaria a deficiência dos mesmos no almoço. A Fig. 4, por sua vez, mostra o quanto um almoço, conforme a Tabela 1, satisfaria as necessidades diárias de energia e nutrientes; por exemplo, atenderia a 37% das necessidades energéticas, 53,5% das necessidades protéicas e 30% das necessidades de vitamina A, e assim por diante.



A Fig. 5 traz os valores IQA do jantar (Tabela 1). Pode-se observar que o alto valor apresentado para a vitamina A vem compensar a falta deste nutriente nas refeições anteriores; a Fig. 6, complementando a anterior, mostra a contribuição do jantar para a satisfação das necessidades de energia e nutrientes da "mulher-tipo" brasileira.



O conjunto das quatro refeições pode ser analisado nas Figs. 7 e 8. A dieta de um dia (Tabela 1) não estaria atendendo as necessidades de vitamina C, niacina e ferro; os valores de IQA, menores do que 1,0, indicam tal fato. Entretanto, se procurarmos dentro dos nossos hábitos, alimentos com altos valores de IQA, nestes três nutrientes, poderiamos, eventualmente, complementar o cardápio. Uma laranja, por exemplo, complementaria satisfatoriamente as necessidades de vitamina C (Fig. 9), e o fígado de vaca (Fig. 10), na medida em que é uma excelente fonte de quase todos os nutrientes, poderia ser um substitutivo eventual do bife.





"Índice de Qualidade do Alimento" (IQA) como atributo dos alimentos

O IQA independe da quantidade do alimento, em virtude da relação que a equação um estabelece. Como foi referido, todo alimento que apresentar um IQA maior ou igual a 1,0 satisfaria as necessidades do nutriente, em questão, à medida em que estiver atendendo as necessidades energéticas. Por isso, o IQA pode ser considerado como um atributo de um alimento e se se pudesse contar com tabelas de composição de alimentos em termos de IQA ter-se-ia um bom instrumento para a elaboração de cardápios, para a programação de merendas e para a complementação e/ou enriquecimento de dietas. A Tabela 3 mostra a percentagem de alimentos da Tabela de Composição de Alimentos do ENDEF 2, com IQA maior ou igual a; 1,0. Tem-se, por exemplo, as carnes como boas fontes de vitamina B2, niacina e de ferro e ovos como fontes de vitamina A, cálcio e vitamina B2. As verduras, por seus baixos teores energéticos, ao satisfazer as necessidades calóricas satisfariam também as dos demais nutrientes; entretanto, há de se ressaltar que as 2.080 kcal necessárias estariam contidas em 14 kg de alface, por exemplo.

As Tabelas de Composição de Alimentos com dados em densidade de nutrientes (nutriente por 1.000 kcal) simplifica a aplicação do IQA, na medida em que torna mais facilmente apreensível a informação sobre os atributos nutricionais de cada alimento.

Outros usos do "Índice de Qualidade do do Alimento"

O IQA tem sido sugerido para programas de educação nutricional, principalmente nos EUA, onde há grande oferta no mercado de alimentos rotulados. A informação sobre o perfil de nutrientes no rótulo dos alimentos 8 facilitará ao consumidor a elaboração de sua própria dieta, reunindo as suas necessidades nutricionais e mantendo um teor adequado de energia.

Recebido para publicação em 24/05/1982

Aprovado para publicação em 20/09/1982

  • 1. BROWN, G. et al. A nutrient density: nutrition education program for elementary schools. J. Nutr. Educ., 11(1):31-6, 1979.
  • 2
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  • 3. HANSEN, R.G. An index of food quality. Nutr. Rev.., 31:1-7, 1973.
  • 4. HANSEN, R.G. & WISE, W.B. Expression of nutrient allowances per 1,000 kilocalories. J. Amer. diet. Ass., 76:223-7, 1980.
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  • 7. MILLER, D.S. & PAYNE, P.R. Problems in the prediction of values of diets: caloric restrition. J. Nutr., 75:225-35, 1961.
  • 8. SORENSEN, A.W. & HANSEN, G. Index of food quality. J. Nutr. Educ., 7(2): 53-7, 1975.
  • 9. SORENSEN, A.W. et al. An index of nutritional quality for balanced diet. J. Amer. diet. Ass., 68:236-42, 1976.
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  • 1
    Net Protein Utilization tem sido traduzida como Utilização Protéica Final (UPF).
    2
    "Mulher-tipo" e "Homem-tipo" é a definição que os Comitês de Peritos FAO/OMS (sobre necessidades de energia), deram a indivíduo médio do sexo feminino e masculino representativo quanto ao aspecto antropométrico e quanto à atividade física de uma população.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 1982

    Histórico

    • Aceito
      20 Set 1982
    • Recebido
      24 Maio 1982
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