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Dimensões e potencialidades dos sistemas de informação geográfica na saúde indígena

Resumos

OBJETIVO: Discutir as potencialidades do sistema de informação geográfico na análise do perfil epidemiológico, sociodemográfico e da organização dos serviços de saúde dirigidos aos povos indígenas. MÉTODOS: Foi efetuada a análise georreferenciada das notificações de tuberculose, malária e da mortalidade de 374.123 indígenas distribuídos em 36 Distritos Sanitários Especiais Indígenas em todo o Brasil. Definiu-se um gradiente da intensidade do risco de adoecimento indígena por tuberculose, malária e mortalidade infantil nos anos de 2000 a 2002, comparando-os com os coeficientes encontrados na população não indígena no mesmo período. RESULTADOS: O estudo mostrou que os dados previamente disponíveis são fragmentários, não possibilitando uma visão de conjunto das condições de vida e da situação de saúde dos grupos étnicos. A construção de gradientes de risco evidenciou coeficientes de incidência de tuberculose superiores em mais de 1.000 vezes àqueles encontrados para a população geral brasileira. O Índice Parasitário Anual médio de malária na população indígena superou em até 10 vezes os valores médios encontrados para a população não-indígena e o Coeficiente de Mortalidade Infantil variou entre 74,7/1.000 nascidos vivos em 2000 e 56,5/1.000 em 2001, superando em mais de 100% a média nacional para o período. CONCLUSÕES: O Sistema de Informação Geográfica se revela uma ferramenta útil para a gestão, possibilitando análises de situações sanitárias, avaliação de risco populacional, construção de cenários que viabilizem o planejamento de estratégias de intervenção nos diversos níveis, transitando com rapidez e eficiência entre macro e micro realidades.

Índios sul-americanos; Sistemas de informação geográfica; Tuberculose; Malária; Mortalidade infantil


OBJECTIVE: To discuss the potentials of the Geographic Information System in the analysis of the epidemiological and socio-demographic profiles of indigenous peoples and of the organization of health services directed towards their care. METHODS: Geoprocessing analysis of tuberculosis, malaria and mortality notification of 374,123 indigenous people distributed in 36 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Special Indigenous Sanitary Districts) in Brazil was conducted. A gradient of risk intensity for tuberculosis, malaria, and infant mortality among indigenous populations was defined for the years 2000 to 2002. These coefficients were then compared with those of non-indigenous populations, during the same period. RESULTS: The analysis showed that the previous available data are fragmentary and do not allow for a comprehensive assessment of life conditions and health situations of these ethnic groups. The construction of gradients of risk indicated incidence of tuberculosis coefficients among the indigenous population more than 1,000 times greater than those found among the general population in Brazil. The mean malaria API among the indigenous population was up to 10 times greater than the mean values found among the non-indigenous population and the coefficient of infant mortality among the indigenous population varied from 74.7/1,000 live births in 2000 to 56.5/1,000 live births in 2001, exceeding the national average (31.8/1,000) for the same period in more than 100%. CONCLUSIONS: The Geographic Information System is a useful administrative tool for assessing health conditions, evaluating population risks, constructing scenarios, and planning intervention strategies in several levels, shifting quickly and efficiently between macro- and micro-level realities.

Indians, South American; Geographic information systems; Tuberculosis; Malaria; Infant mortality


ARTIGOS ORIGINAIS

Dimensões e potencialidades dos sistemas de informação geográfica na saúde indígena

Luiza GarneloI; Luiz Carlos BrandãoII; Antônio LevinoI

ICentro de Pesquisas Leônidas & Maria Deane. Fundação Instituto Oswaldo Cruz. Manaus, AM, Brasil

IINúcleo de Estudos de Saúde Pública. Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Luiza Garnelo Rua Teresina, 476 Adrianópolis 69057-070 Manaus, AM, Brasil E-mail: luiza.garnelo@amazonia.fiocruz.br

RESUMO

OBJETIVO: Discutir as potencialidades do sistema de informação geográfico na análise do perfil epidemiológico, sociodemográfico e da organização dos serviços de saúde dirigidos aos povos indígenas.

MÉTODOS: Foi efetuada a análise georreferenciada das notificações de tuberculose, malária e da mortalidade de 374.123 indígenas distribuídos em 36 Distritos Sanitários Especiais Indígenas em todo o Brasil. Definiu-se um gradiente da intensidade do risco de adoecimento indígena por tuberculose, malária e mortalidade infantil nos anos de 2000 a 2002, comparando-os com os coeficientes encontrados na população não indígena no mesmo período.

RESULTADOS: O estudo mostrou que os dados previamente disponíveis são fragmentários, não possibilitando uma visão de conjunto das condições de vida e da situação de saúde dos grupos étnicos. A construção de gradientes de risco evidenciou coeficientes de incidência de tuberculose superiores em mais de 1.000 vezes àqueles encontrados para a população geral brasileira. O Índice Parasitário Anual médio de malária na população indígena superou em até 10 vezes os valores médios encontrados para a população não-indígena e o Coeficiente de Mortalidade Infantil variou entre 74,7/1.000 nascidos vivos em 2000 e 56,5/1.000 em 2001, superando em mais de 100% a média nacional para o período.

CONCLUSÕES: O Sistema de Informação Geográfica se revela uma ferramenta útil para a gestão, possibilitando análises de situações sanitárias, avaliação de risco populacional, construção de cenários que viabilizem o planejamento de estratégias de intervenção nos diversos níveis, transitando com rapidez e eficiência entre macro e micro realidades.

Descritores: Índios sul-americanos. Sistemas de informação geográfica. Tuberculose. Malária. Mortalidade infantil.

INTRODUÇÃO

A atenção à saúde dos povos indígenas vem sendo feita no Brasil pelo Ministério da Saúde, por meio da implantação de Sistemas Locais de Saúde, denominados Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). Trinta e quatro distritos estão operantes e encarregados de prover cuidados para uma população aldeada, estimada em 374.123 pessoas, distribuídas em 3.225 aldeias, nas diversas unidades federadas do País.6 Tais atividades são configuradas como subsistema do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja gestão é conduzida pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que celebrou convênios com entidades não-governamentais e com prefeituras, para a execução das ações programadas nos planos distritais de saúde. As rotinas distritais cobrem uma gama de serviços voltados para o desenvolvimento de atividades programáticas que visam o controle de agravos mais freqüentes como a malária, tuberculose, desnutrição e doenças imunopreveníveis.6

Apesar dos avanços representados pela implantação do subsistema de saúde indígena, ainda existem diversos problemas que devem ser equacionados; dentre eles a precariedade do sistema de informação, que não supre as equipes de saúde com informações consistentes e congruentes com as necessidades e peculiaridades da população atendida.

A Funasa vem trabalhando na implantação do Sistema de Informação em Saúde Indígena (SIASI) que dispõe de módulos referentes à composição demográfica e agravos de maior prevalência nos diversos distritos. A não-acessibilidade atual do SIASI para consulta pública dificulta a tarefa de avaliar seus limites e potencialidades. Entretanto, sua semelhança estrutural com os outros sistemas de informação de morbi-mortalidade existentes no País, sugere que ele opera com alto grau de complexidade. Isso acarreta problemas na obtenção ágil de informação, incapacitando a tomada de decisão para a gerência cotidiana dos serviços.

Outra dificuldade encontrada é o geoprocessamento dos dados das localidades rurais, uma vez que a digitalização dos registros depende da padronização mínima dos endereços para a definição da unidade de análise que permita agregar ou desagregar as informações de forma precisa. Nos espaços urbanos tem sido recomendado o uso dos Setores Censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como unidade de análise para o georreferenciamento dos dados da saúde. Esse procedimento garante a homogeneidade das informações, tornando possível e confiável a sua agregação para fins de análise espacial nas diversas escalas, de acordo com o nível de detalhamento que se pretenda, para cada evento estudado. Essa técnica tem sido aplicada com freqüência em contextos urbanos,1-3,5,8-10,12 porém não existem iniciativas semelhantes para o desenho de situações de saúde em áreas indígenas. O trabalho de Hokerberg et al7 é exceção, pois explorou a espacialização, ao estudar a rede de serviços e agravos dos índios Kaingang, no Rio Grande do Sul.

Para as áreas rurais, a Funasa tem sugerido o uso do Sistema de Informações de Localidades (SISLOC), que também apresenta problemas de congruência em relação a outros bancos de dados como o do IBGE. Isso porque esse Instituto adota um conceito padronizado de classificação de localidade,* * Para o IBGE as localidades se dividem, segundo a hierarquia, em: Capital Federal, Capital, Cidade (sede), Vila, Área Urbana, Área Urbana Isolada e Aglomerado Rural. As aldeias indígenas são enquadradas como subtipo do Aglomerado Rural isolado, mas essa forma de classificação não é congruente com os reais padrões de moradia encontrados em áreas indígenas. baseado em critérios políticos e administrativos distintos daqueles adotados pelo SISLOC.

Se nas escalas municipais e no nível local, a falta de bases cartográficas e a baixa confiabilidade, ou mesmo ausência dos dados dificultam o desenvolvimento de análises baseadas no geoprocessamento,1 nos DSEI existe uma dificuldade adicional. É a necessidade de definir uma unidade de análise mais adequada às características do mundo indígena, o que não se faz possível com o Cadastro de Logradouros do IBGE ou o próprio SISLOC. Tanto num caso como noutro, as formas oficiais de reconhecimento geográfico das aldeias, comunidades ou áreas indígenas são incompatíveis com as características de mobilidade ou padrão de assentamento das populações. Igualmente a ausência de informação sobre o perímetro das aldeias dificulta sua representação como polígono e a correta expressão dos eventos mórbidos em mapas temáticos.

Nesse contexto, buscando aprimorar os estudos da saúde dos povos indígenas, o presente artigo discute as potencialidades do geoprocessamento para viabilizar análise sociodemográficas, da organização dos serviços e do perfil epidemiológico dos grupos étnicos do País, atendidos pelo subsistema de saúde indígena. Para tal fim, o DSEI foi tomado como ponto de partida, seja adotando-o como unidade de análise, enfocando situações singulares que expressem desigualdades intradistritais, seja utilizando-o como referência para a demonstração do estudo de micro-realidades, como no caso do DSEI Rio Negro em que se analisa a distribuição de óbitos de um grupo étnico específico, por aldeia e por clã.

MÉTODOS

O georreferenciamento das informações em saúde indígena exigiu o re-ordenamento dos dados para os anos de 2000 a 2002, disponibilizados pelo Departamento de Saúde do Índio (DESAI), por meio do SIASI.

O trabalho de sistematização se iniciou com o georreferenciamento da figura "raster", contida na "homepage" da Funasa/Ministério da Saúde, com a digitalização dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) por unidade federada transformando-a em mapa digital. As notificações de agravos fornecidas pelo DESAI formaram o banco de dados, organizado em planilhas Excel.

Foram elaborados mapas temáticos mostrando: a) o gradiente de intensidade de risco de adoecimento por tuberculose e malária e o risco de morte na infância; b) comparação dos indicadores de saúde dos DSEI entre si e com aqueles encontrados na população não-indígena das macro-regiões e unidades federadas que sediam os DSEI.

Realizou-se georreferenciamento de aldeias e elaboração de mapas temáticos contendo informações epidemiológicas e de organização social das etnias, exprimindo as desigualdades no plano local. Essas informações foram aplicadas em um mapa-piloto contendo um conjunto de aldeias da área indígena Baniwa, do DSEI Rio Negro.

A ferramenta utilizada para viabilizar o geoprocessamento foi o Programa Map Info Professional (versão 7.0 SCP).

Os dados relativos à população não-indígena foram obtidos no Sistema Nacional de Agravos Notificáveis (SINAN). Para a análise da situação da malária foi utilizado o Índice Parasitário Anual (IPA) que representa o número de lâminas positivas de malária por 1.000 habitantes/ano, numa determinada área.

RESULTADOS

Tomando o distrito sanitário como unidade de análise foi possível comparar o coeficiente de incidência de tuberculose em 17 DSEI, para o ano de 2000. Tais dados, contidos na Figura 1, denotam uma ausência de notificações, particularmente nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, nas quais apenas dois dos nove DSEI ali situados, forneceram informações para a Funasa. Os sete distritos com maior número de casos de tuberculose notificados são: Araguaia, cujo coeficiente de incidência foi de 1448,6/100 mil habitantes; Vilhena, com 540,2/100 mil; Porto Velho, com 537,9/100 mil; Maranhão, com 534,2/100 mil; Kayapó/Pará, com 490,3/100 mil, Yanomami com 333,0/100 mil e Alto Purus 302,1/100 mil. Todos os distritos citados são sediados na Amazônia Legal.


Comparando o gradiente de risco, expresso pela incidência da tuberculose nos DSEI (Figura 1), com o da população geral das unidades federadas onde tais Distritos estão sediados (Figura 2), pode-se observar que os coeficientes distritais, quando informados, todos são superiores aos encontrados nas Unidades Federadas do País, para população geral.


A comparação por macro-região geográfica mostra que os 25 DSEI localizados na Amazônia Legal (incluindo o Araguaia que abrange Mato Grosso e Goiás) tiveram coeficiente médio de incidência de tuberculose de 229,83/100 mil, ao passo que a média de incidência para a população geral da região Norte não ultrapassou 36,5/100 mil e da região Centro-Oeste, 30,4/100 mil para ano de 2000.

Na análise do IPA da malária para o mesmo ano é possível observar que os distritos com maior número de notificações foram: Rio Tapajós (IPA=820,5), Yanomami (627,5), Guamá/Tocantins (431,1), Amapá/Norte do Pará (272,8), Javari (251,3), Altamira (245,0) e Kaiapó Pará (242,5).

Entre os 23 DSEI que notificaram casos de malária no ano de 2000, em oito deles o IPA variou entre 0,6 a 30/1.000; dois permaneceram na faixa de 30 a 50/1.000; quatro na faixa de 50 a 100/1.000 e nove entre 100 e 821/1.000 (Figura 3).


A população indígena dos DSEI Altamira, Kayapó/PA, Guamá/Tocantins e Rio Tapajós, localizados no Pará, apresentaram IPA médio de 434,7. No Amazonas os DSEI Alto Rio Negro (IPA=26,8), Alto Solimões (IPA=52,4), Javari (IPA=251,3), Médio Purus (IPA=106,1), Manaus (IPA=185,5), Parintins (IPA=1,5) e Médio Solimões (IPA=52,6) apresentaram IPA médio de 96,9.

Em 2001 os DSEI que apresentaram IPA acima de 50/1.000 foram: Altamira (393,9/1.000), Rio Tapajós (264/1.000), Yanomami (208,9/1.000), Médio Purus (210/1.000), Manaus (128,6/1.000), Amapá/Norte do Pará (99,6/1.000), Porto Velho (76,6/1.000), Guamá/Tocantins (73,9/1.000) e Kayapó (65,8/1.000).

A análise do gradiente de risco de morte na infância (Figura 4) mostra que 29 DSEI apresentam coeficientes de mortalidade infantil acima da média nacional, estimada pelo IBGE em 31,8/1.000 nascidos vivos para o ano de 2000.


Em 2001 a notificação da mortalidade infantil evidenciou que dos 34 DSEI, apenas sete (Alto Solimões: 28,7/1.000, Minas Gerais/Espírito Santo: 11,3/1.000, Leste de Roraima: 25,93/1.000, Manaus: 25,21/1.000, Guamá/Tocantins: 28,57/1.000, Pernambuco: 21,4/1.000 e Potiguara: 20,6/1.000) registraram coeficientes abaixo da média nacional. Mudando o foco do estudo do Distrito Sanitário para o plano da aldeia e usando como exemplo o grupo étnico Baniwa – população de 3.760 indivíduos, que vive na área de abrangência do DSEI Rio Negro – observa-se na Figura 5 a localização de suas aldeias georreferenciadas, distribuídas segundo uma subdivisão clânica** ** Os Baniwa estão divididos em quatro clãs ou fratrias Coripaco (com 1.084 membros), Hohodene (com 887 membros), Walipere (com 816 membros) e Dzawenai (com 973 membros), distribuídos em quatro micro-regiões (Alto Içana, Médio Içana, Aiari e Baixo Içana). em diversos trechos dos rios Içana e Aiari. Nesse mapa estão dispostas todas as aldeias Baniwa, assinalando-se aquelas em que ocorreram óbitos pelos quatro símbolos (estrela, círculo, triângulo e quadrado) equivalentes a cada um dos clãs. O cálculo do coeficiente geral de mortalidade para cada área clânica gerou os seguintes resultados: 46,1/10.000 para o clã Coripaco, 56,3/10.000 para o clã Hohodene, 24,5/10.000 para Walipere e 61,6/10.000 para o clã Dzawenai. Esses coeficientes mostram que mesmo para uma população pequena e aparentemente homogênea, existem desigualdades passíveis de apreensão pelo sistema de informação geográfica.


DISCUSSÃO

As notificações de tuberculose falam por si sós sobre as profundas desigualdades sanitárias a que estão submetidas as populações indígenas no Brasil. Todos os DSEI notificantes apresentam coeficientes de incidência de tuberculose muito maiores que aqueles registrados para a população geral, chegando a superar em mais de 1.000 vezes os coeficientes máximos encontrados entre os não-indígenas. A precariedade do sistema de informação sugere que a situação da tuberculose pode ser ainda pior que aquela aqui registrada, particularmente porque 17 Distritos Sanitários não efetuaram a notificação desse agravo, no período estudado.4,6

A situação da malária é igualmente preocupante. A Organização Mundial de Saúde considera que populações com IPA acima de 50/1.000 estão sob alto risco de malária e que IPA entre 10-49/1.000 expressa um risco médio. A comparação do gradiente de risco de malária nos DSEI (Figura 3) mostra que aproximadamente 30% dos DSEI notificantes estão em situação de alto risco e todos os outros podem ser enquadrados em situação de médio risco.

A Amazônia Legal é uma região onde tradicionalmente os Estados têm apresentado níveis de malária bem mais elevados que o restante do País, atingindo com freqüência coeficientes 10 vezes mais altos que a média nacional.12 Tomando como exemplo o Amazonas e o Pará, observa-se que em 2000 o IPA médio da população geral desses Estados foi 34,1/1.000 e em 2001 foi de 44,9/1.000. Tais números enquadram a região como um todo no âmbito do médio risco. Porém, o IPA médio da população indígena nesses Estados atingiu 69,06 para 2000 e 51,58 para 2001, mostrando que as desigualdades sanitárias se expressam de forma ainda mais incisiva no último grupo populacional.6

Diferente das situações da tuberculose e malária que apresentavam alto percentual de DSEI não-notificantes, as notificações da mortalidade infantil apresentam homogeneidade nacional, revelando certo equilíbrio no comportamento das taxas entre os DSEI das várias regiões do País, porém, o risco de morte na infância indígena é muito elevado. Em termos médios a mortalidade infantil indígena em 2000 (74,7/1.000 nascidos vivos) superou em mais de 100% o coeficiente de mortalidade infantil da população brasileira em 2000; em 2001 esse valor (56,5/1.000 nascidos vivos) foi aproximadamente 78% maior que a média nacional. Esses coeficientes gerais escondem a gravidade das disparidades distritais, apresentadas na Figura 4, na qual 91% dos DSEI exibem coeficientes mais elevados que a média nacional, sendo que, nas situações mais graves esses coeficientes chegam a exceder 10 a 15 vezes a média nacional.11 Nos sete DSEI que apresentaram coeficientes abaixo da média nacional (Alto Rio Solimões, Minas Gerais/Espírito Santo, Leste de Roraima, Guamá/Tocantins, Pernambuco, Potiguara e Manaus) a precariedade dos dados sanitários é mais sugestiva de subnotificação do que de bons níveis de saúde.6 A plasticidade do sistema de informação geográfica tanto propiciou a produção de análises macro-regionais e distritais quanto viabilizou o estudo no micro-plano das aldeias (Figura 5).

Nesse âmbito, ao contrapor a espacialização dos óbitos, à composição demográfica e distribuição dos agrupamentos residenciais – dados de interesse da gerência distrital para programar e avaliar a cobertura das ações de saúde – foram evidenciadas desigualdades internas vigentes no grupo. Elas expressam relações de poder político no interior da etnia, que têm importantes implicações no acesso aos serviços e, conseqüentemente, no perfil mórbido da população. Outras informações, como taxas de agravos notificados por aldeia ou disponibilidade de recursos ambientais e nutricionais, poderiam ser facilmente inseridas no banco de dados, propiciando a elaboração de mapas temáticos capazes de representar a informação por micro-região, por clãs ou por grupo étnico.

O sistema de informação geográfico não substitui outros métodos convencionais que vêm sendo utilizados no SUS e no subsistema de saúde indígena. Porém, o manejo de dados georreferenciados permite a construção rápida e eficiente de cenários que expressam as desigualdades no perfil mórbido da população atendida.

O uso do geoprocessamento propicia o cruzamento dos indicadores epidemiológicos entre si, facilita a inserção de dados intersetoriais e apóia recortes analíticos que expressem as relações entre as condições de vida e os níveis de saúde e doença.13 Também se mostrou útil para o estudo das pequenas populações indígenas, favorecendo a tomada de decisão, promovendo a eqüidade entre os diversos grupos étnicos ao contribuir para a expressão da diversidade etnoepidemiologia que se oculta nas abordagens totalizantes dos sistemas convencionais de informação em saúde. Porém, o uso potencial dessa ferramenta está condicionado a uma padronização adequada do cadastro de localidades e do endereçamento no sistema de informação, que, possibilitará a comparabilidade dos dados e sua agregação em unidades de análise compatíveis com as áreas culturalmente reconhecidas e geograficamente representáveis.

Recebido em 23/3/2004. Reapresentado em 22/2/2005. Aprovado em 17/3/2005.

Realizado no Centro de Pesquisas Leônidas & Maria Deane (Fiocruz) e Núcleo de Estudos de Saúde Pública, Universidade Federal do Amazonas.

Trabalho apresentado no VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, Brasília, DF, julho de 2003.

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  • Endereço para correspondência

    Luiza Garnelo
    Rua Teresina, 476 Adrianópolis
    69057-070 Manaus, AM, Brasil
    E-mail:
  • *
    Para o IBGE as localidades se dividem, segundo a hierarquia, em: Capital Federal, Capital, Cidade (sede), Vila, Área Urbana, Área Urbana Isolada e Aglomerado Rural. As aldeias indígenas são enquadradas como subtipo do Aglomerado Rural isolado, mas essa forma de classificação não é congruente com os reais padrões de moradia encontrados em áreas indígenas.
  • **
    Os Baniwa estão divididos em quatro clãs ou fratrias Coripaco (com 1.084 membros), Hohodene (com 887 membros), Walipere (com 816 membros) e Dzawenai (com 973 membros), distribuídos em quatro micro-regiões (Alto Içana, Médio Içana, Aiari e Baixo Içana).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2005
    • Recebido
      23 Mar 2004
    • Revisado
      22 Fev 2005
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