Resumos
OBJETIVO: Os indivíduos que retornam ao tratamento da tuberculose, seja por abandono prévio ou recidiva, têm-se acumulado nas unidades de saúde, trazendo sérias dificuldades aos doentes e aos serviços. Assim, foi estabelecida a seqüência desse retorno e os aspectos de episódios prévios em pacientes readmitidos, avaliando as irregularidades quanto aos aspectos relacionados ao paciente, à medicação e à organização dos serviços. MÉTODOS: Estudo descritivo das características pessoais, de tratamentos prévios e de retomada do tratamento de 108 pacientes na categoria de abandonos prévios e 88 na de recidivas, para a cidade de Campinas, SP, Brasil, nos anos de 1993 e 1994. Na análise estatística, foram utilizados intervalo de confiança de 95% para qui-quadrado com correção de Yates, teste exato de Fisher, e qui-quadrado de Mantel-Haenszel para comparações com estratificação. RESULTADOS: A seqüência do retorno ao tratamento mostrou reiteração do índice de abandono (63%), sendo menor, mas ainda muito elevado, na categoria das recidivas (28,4%). Apenas 34,1% dos recidivantes não apresentaram irregularidades em tratamento prévio. CONCLUSÕES: Elevada proporção de tratamentos reiniciados e tratamentos prévios inadequados pode propiciar resistências medicamentosas. Esforços devem ser dirigidos para melhorar a eficiência das unidades de atendimento ao paciente com tuberculose, pois várias irregularidades são decorrentes de "falência" na rotina dos serviços.
Tuberculose; Recidiva; Vigilância epidemiológica; Qualidade dos cuidados de saúde; Aceitação pelo paciente de cuidados de saúde; Cooperação do paciente; Desistência do paciente; Administração dos serviços de saúde
OBJECTIVE: Recurrent patients due to treatment dropout or disease relapse have been congesting health centers and impeding treatment routines and services. The purpose is to study aspects of previous treatment and irregularities concerning the patient, medication and service organization and to evaluate the outcome of retreatment. METHODS: A descriptive study of patient's personal characteristics, previous treatment and retreatment was carried out at Campinas, São Paulo State, in 1993 and 1994. Statistics analyses were performed using 95% confidence interval with Yates correction, exact Fisher test and Mantel Haenszel qui-square for stratification. RESULTS: Retreatment sequence corroborated with the default rates (63%) that were lower, but still high among relapsed cases (28.4%). Only 34.1% of relapsed cases did not present irregularities at previous treatment. CONCLUSIONS: High proportions of retreatment and inadequate previous treatment are favouring drug resistance. Efforts should be taken to improving tuberculosis services efficiency because many irregularities are due to "failures" in health services routine.
Tuberculosis; Recurrence; Epidemiologic surveillance; Quality of health care; Patient acceptance of health care; Patient compliance; Patient dropouts; Health services administration
Abandono de tratamento e recidiva da tuberculose : aspectos de episódios prévios, Campinas, SP, Brasil, 1993-1994*
Retreatment of tuberculosis: aspects of previous episodes, Brazil, 1993-1994
Helenice B de Oliveira e Djalma de C Moreira Filho
Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, SP, Brasil
Tuberculose, quimioterapia#. Recidiva, prevenção e controle#. Vigilância epidemiológica#. Qualidade dos cuidados de saúde#. Aceitação pelo paciente de cuidados de saúde#. Cooperação do paciente. Desistência do paciente. Administração dos serviços de saúde.
OBJETIVO:
Os indivíduos que retornam ao tratamento da tuberculose, seja por abandono prévio ou recidiva, têm-se acumulado nas unidades de saúde, trazendo sérias dificuldades aos doentes e aos serviços. Assim, foi estabelecida a seqüência desse retorno e os aspectos de episódios prévios em pacientes readmitidos, avaliando as irregularidades quanto aos aspectos relacionados ao paciente, à medicação e à organização dos serviços.
MÉTODOS:
Estudo descritivo das características pessoais, de tratamentos prévios e de retomada do tratamento de 108 pacientes na categoria de abandonos prévios e 88 na de recidivas, para a cidade de Campinas, SP, Brasil, nos anos de 1993 e 1994. Na análise estatística, foram utilizados intervalo de confiança de 95% para qui-quadrado com correção de Yates, teste exato de Fisher, e qui-quadrado de Mantel-Haenszel para comparações com estratificação.
RESULTADOS:
A seqüência do retorno ao tratamento mostrou reiteração do índice de abandono (63%), sendo menor, mas ainda muito elevado, na categoria das recidivas (28,4%). Apenas 34,1% dos recidivantes não apresentaram irregularidades em tratamento prévio.
CONCLUSÕES:
Elevada proporção de tratamentos reiniciados e tratamentos prévios inadequados pode propiciar resistências medicamentosas. Esforços devem ser dirigidos para melhorar a eficiência das unidades de atendimento ao paciente com tuberculose, pois várias irregularidades são decorrentes de "falência" na rotina dos serviços.
Tuberculosis, drug therapy#. Recurrence, prevention and control#. Epidemiologic surveillance#. Quality of health care#. Patient acceptance of health care#. Patient compliance. Patient dropouts. Health services administration.
OBJECTIVE:
Recurrent patients due to treatment dropout or disease relapse have been congesting health centers and impeding treatment routines and services. The purpose is to study aspects of previous treatment and irregularities concerning the patient, medication and service organization and to evaluate the outcome of retreatment.
METHODS:
A descriptive study of patient's personal characteristics, previous treatment and retreatment was carried out at Campinas, São Paulo State, in 1993 and 1994. Statistics analyses were performed using 95% confidence interval with Yates correction, exact Fisher test and Mantel Haenszel qui-square for stratification.
RESULTS:
Retreatment sequence corroborated with the default rates (63%) that were lower, but still high among relapsed cases (28.4%). Only 34.1% of relapsed cases did not present irregularities at previous treatment.
CONCLUSIONS:
High proportions of retreatment and inadequate previous treatment are favouring drug resistance. Efforts should be taken to improving tuberculosis services efficiency because many irregularities are due to "failures" in health services routine.
INTRODUÇÃO
Nos primeiros anos da terapêutica moderna, os medicamentos para tuberculose eram ministrados isoladamente e por curto período de tempo. Observava-se que, embora fossem eficazes, muitos doentes, particularmente os que apresentavam lesões extensas, permaneciam com baciloscopia de escarro positivo. Logo, foi observado que tais medicamentos deveriam ser administrados por longo tempo, para prevenir as recidivas, e em associações, para evitar o desenvolvimento de resistências, sobretudo em pacientes com cavitações. A quimioterapia longa curava a tuberculose pulmonar, porém, freqüentemente, falhava pelo não cumprimento do tratamento. Os resultados na rotina dos serviços eram desapontadores; muitos pacientes interrompiam o tratamento prematuramente, deixando de tomar os medicamentos, embora continuassem a comparecer aos serviços e outros chegavam mesmo a abandoná-lo (Fox,41972). A necessidade de esquemas mais curtos era evidente, e a utilização da quimioterapia de curta duração veio ao encontro dessa exigência.
No entanto, permanecem fatores responsáveis pela seleção de mutantes durante a utilização das drogas: quimioterapia com esquemas inadequados, duração e dosagens insuficientes e reações adversas, levando ao abandono de tratamento (Fox,41972).
Constatou-se que as deficiências técnico-administrativas foram os principais obstáculos à regularidade do tratamento (Oliveira,111991), contribuindo para altos índices de abandono, reingressos repetidos, falências e recidivas ao esquema de curta duração, fazendo com que indivíduos eliminadores crônicos de bacilos acumulem-se nos Centros de Tratamento.
O objetivo do presente estudo é identificar as características de pacientes reingressados no tratamento de tuberculose e residentes na cidade de Campinas, SP, Brasil, nos anos de 1993 e 1994, estudando aspectos do tratamento prévio e da seqüência do reinício do tratamento.
MÉTODOS
O reingresso do paciente com tuberculose pode ocorrer após ter abandonado previamente, estar reiniciando ou completando esquema terapêutico, ou já ter feito tratamento anterior, recebido alta curado e estar retornando por recidiva da doença. Representou 18% dos tratamentos realizados em 1993 e 1994, apesar da suspeita de subnotificação de indivíduos com antecedente de abandono.
As listagens de pacientes foram obtidas pelo Banco de Dados em Tuberculose, criado a partir de notificações da doença e implantado no Laboratório de Aplicação em Epidemiologia, do Departamento de Medicina Preventiva e Social (LAPE/FCM/Unicamp).
Definições
Abandono prévio: quando o paciente faltoso por mais de trinta dias, a partir da data agendada, retorna para reiniciar o tratamento.
Recidiva: (1) o aparecimento da positividade na baciloscopia ou na cultura de escarro ou lavado broncoalveolar, após a cura e/ou piora radiológica acompanhada de queixas respiratórias, em indivíduos que tiveram uma tuberculose pulmonar confirmada no passado e foram tratados com sucesso; (2) o aparecimento de baciloscopia ou cultura positivas, ou ainda de alterações radiológicas ou histopatológicas, acompanhadas de queixas em localizações extrapulmonares naqueles que tiveram tuberculose pulmonar, anteriormente, e foram tratados com sucesso.
Caracterização dos dados
A coleta de dados de registros em prontuários médicos foi realizada durante visitas às unidades sanitárias, sendo pesquisados drogas já utilizadas no tratamento da tuberculose, forma clínica, doenças ou situações associadas, reações colaterais, resultados de exames de escarro, presença de cavitação pulmonar, motivo do reingresso e seqüência da volta ao tratamento. Considerando o tratamento adequado como o fator mais importante na prevenção de recidivas futuras e de resistências medicamentosas, foi dada atenção particular às irregularidades verificadas em tratamento prévio:
Faltas do paciente: quando o doente deixou de comparecer na data agendada para o atendimento, ficando sem medicação.
Reações colaterais à medicação e que comprometeram a ingestão das drogas, devido a episódios de vômitos, processos alérgicos, artrite, hepatite. É freqüente a anotação em prontuário, quando essas reações são importantes a ponto de comprometer a aderência ao tratamento.
Uso irregular da medicação, em relação às falhas na ingestão diária ou às dosagens equivocadas pelo doente. As falhas de ingestão verificaram-se quando o paciente esquece, viaja, entre outras.
Irregularidades de responsabilidade dos serviços, destacando as falhas na orientação do paciente (não informar o tempo necessário de tratamento, com isso, o paciente melhorando, abandona-o), falta de médico e, em decorrência, falta da consulta médica.
Não-ingestão da medicação, assumida pelo doente, apesar de comparecimento aos retornos agendados.
Dose inferior à preconizada, ou seja, prescrições inadequadas pelos serviços.
Falta de fornecimento da medicação, por falta das drogas, ou por encontrarem as farmácias dos serviços fechadas, no horário do atendimento médico.
Retirada precoce do esquema terapêutico: constatada pela contagem dos dias que vão do início do tratamento até a data da alta, quando essa foi formalizada antes do tempo adequado para a cura; isso é, o doente recebeu alta antes do tempo previsto para o final do esquema terapêutico.
Internação do paciente, devido a outras situações que não a tuberculose, ocasionando interrupção da ingestão dos tuberculostáticos.
Falhas no agendamento pelo serviço, obtidas contando os dias entre dois atendimentos sucessivos e a quantidade de medicação fornecida, anotada no prontuário.
Outras não previstas.
As irregularidades foram consideradas quando superiores a dez, no conjunto ou isoladamente, durante todo o tratamento. Nos itens envolvendo quantidade de medicação, os padrões utilizados para um tratamento completado, foram: isoniazida e rifampicina 180+/-15 doses e pirazinamida 60+/-5 doses de quimioterápico provavelmente ingerido. A certeza da ingestão apenas seria possível pelo tratamento totalmente supervisionado, o que não é rotina nos serviços de saúde. Após validação das fichas epidemiológicas, considerando o prontuário clínico como padrão, foram estudados 108 pacientes na categoria de abandono prévio e 88 recidivas. Os dados foram digitados em Epi Info versão 5 (Dean et al,2 1990), e na análise estatística de variáveis categóricas utilizaram-se intervalo de confiança de 95% para o odds ratio, qui-quadrado com correção de Yates, teste exato de Fisher, qui-quadrado de Mantel-Haesnzel para comparações com estratificação (Schlesselman,16 1982).
RESULTADOS
A distribuição dos reingressados por sexo e faixa etária (Tabela 1) mostrou associação entre essas variáveis. Quando comparada a idade do grupo de pacientes em abandono com o grupo das recidivas (considerou-se numa mesma faixa as recidivas de 50 anos e mais), observou-se diferença entre eles (p£0,001), com as recidivas ocorrendo, mais freqüentemente, em indivíduos com idade acima de 40 anos.
Constatou-se baixa escolaridade entre os pacientes, sendo que 56,5% dos abandonos prévios e 44,5% das recidivas eram de indivíduos que não estudaram ou tinham menos de quatro anos de estudo formal. Quanto à ocupação, 52,8% dos doentes, com antecedente de abandono, não estavam inseridos no mercado de trabalho. Essa situação ocorreu em 59,1% dos pacientes com recidivas (aposentados, donas de casa, desempregados, desocupados, presidiários), com mais desempregados e desocupados no grupo de abandonos. Entre aqueles com inserção, os grupos ocupacionais da construção civil e da prestação de serviços foram os mais freqüentes.
Características dos pacientes no reingresso
O reingresso ocorreu, principalmente, pela procura espontânea, devido à sintomatologia (58,3% nos abandonos prévios e 47,7% nas recidivas) ou pelo encaminhamento por outros serviços (32,4% e 43,2%, respectivamente). Entre os reingressados com abandono prévio, 92 (85,2%) eram pacientes apenas com tuberculose pulmonar, 9 (8,3%) extrapulmonar, e 7 (6,5%) apresentaram ambas as formas; 55 (55,6%) apresentaram baciloscopia ou cultura positiva de escarro. Nos 29 pacientes com co-infecção TBC-Aids, na categoria de abandono prévio, o pulmão foi acometido em 25 doentes (86,2%), sendo a tuberculose confirmada em apenas 14 (56%); foram 13 baciloscopias positivas e uma cultura.
Entre as recidivas, 77 (87,5%) apresentaram, unicamente, a tuberculose pulmonar, 3 (3,4%) extrapulmonar e 8 (9,1%) ambas as formas; 52 (61,2%) apresentaram baciloscopia ou cultura positiva de escarro no reinício de tratamento. Foram 7 pacientes notificados com a Aids concomitante e que recidivaram, todos com forma pulmonar; a confirmação pela baciloscopia ou cultura de escarro foi de 57% e em dois estava associada à forma extrapulmonar.
O intervalo de tempo da alta por cura, até o reingresso, evidenciou que para 48,8% dos pacientes a recidiva foi precoce, isso é, até cinco anos, com amplitude de variação de um mês a 41 anos.
O tempo decorrido do último abandono mostrou que, para 72,6% dos casos, foi de um ano até o reingresso, sendo que para 57,5% foi de seis meses. Em 47,1% dos pacientes em abandono prévio, o episódio inicial de tuberculose ocorreu nos 12 meses anteriores ao reingresso.
Patologias associadas à tuberculose puderam ser constatadas, merecendo destaque a Aids com 26,9% nos pacientes com antecedente de abandono e 8% nas recidivas (p£0,0013); o diabetes sem ocorrência nos abandonos e com 8% nas recidivas (p£0,0032). É maior entre as recidivas (29,5%) a proporção de pacientes que não têm doenças associadas (p£0,0263). Nos abandonos, verificou-se a presença de alcoolismo em metade dos pacientes (50,9%), sendo menos freqüente (34,1%) entre as recidivas (p£0,0263). A associação com o alcoolismo foi, ainda, estudada nas duas categorias de reingressados, em relação ao sexo. Nota-se, nos que reingressaram com abandono prévio, a elevada proporção do consumo de álcool entre as mulheres (10,2%), situação diferente do grupo das recidivas (2,2%) (p£0,026).
Estudo da seqüência da retomada do tratamento
Houve maior percentual de cura entre as recidivas e reiteração do abandono em pacientes que reingressaram nessa categoria. A diferença entre os dois grupos, excluindo os pacientes ainda em tratamento (p£0,0001), ocorreu às custas do elevado percentual de abandono de reinício de tratamento. Nota-se, também, maior proporção de óbitos entre os que tinham história de abandonos prévios (Tabela 2).
Para a análise de tendência, da relação entre seqüência de novo tratamento e Aids, foi adotada a definição provisória de "controle" para pacientes curados, que foram comparados com duas categorias de "casos" de gravidade crescente do desfecho do tratamento reiniciado: os abandonos de novos tratamentos e os óbitos, simulando, respectivamente, uma reação dose-resposta (Schlesselman,16 1982). Os odds ratios calculados apresentaram-se crescentes à categoria abandono do tratamento reiniciado até o óbito (Tabelas 3 e 4). Utilizando-se o mesmo modelo de análise estratificada, não se constatou associação nas duas categorias de reingressados, entre a seqüência e a idade, sexo, escolaridade dos pacientes, forma clínica (pulmonar, extrapulmonar, ambas) e com a confirmação da baciloscopia no retorno ao tratamento.
Estudo das irregularidades
A Tabela 5 resume a situação de várias inadequações durante o tratamento prévio. Na maioria dos pacientes, ocorreu mais de um tipo de irregularidade. Observa-se que as categorias de reingressados apresentaram diferença (p£0,05) para uso irregular da medicação pelo doente, falhas de agendamento nos retornos, falta à consulta médica por problemas sociais. A ausência de irregularidades mostrou-se diferente entre abandonos prévios e recidivas.
DISCUSSÃO
Um programa de tuberculose "adequado", isto é, a utilização de regime terapêutico eficaz e aplicação de medidas de vigilância, monitorando sua administração, permite que a maioria dos pacientes seja curada. Em programas de baixa qualidade há diminuição da mortalidade com aumento do número de pacientes crônicos, potencial fonte de infecção, geralmente excretores de bacilos resistentes à medicação utilizada (Grzybowski & Enarson,8 1978).
O processo da resistência na tuberculose é particularmente grave para os pacientes que receberam tratamento prévio sem sucesso. Em muitos deles, as lesões avançam por reativações repetidas e tratamentos insuficientes, favorecendo o aparecimento de bacilos mutantes resistentes a uma ou mais drogas (Rastogi & David,14 1993). Esses doentes estão submetidos a maior risco de ter bactérias resistentes no reingresso, durante a continuação do tratamento pós-abandono, ou mais tarde por recidiva da doença. Com isso, o acompanhamento do grupo dos pacientes crônicos, pelos reingressados, torna-se um indicador valioso da qualidade do programa de controle da tuberculose.
O estudo revelou que as recidivas foram mais freqüentes em pacientes idosos e do sexo masculino, em concordância com outros autores (Grzybowski et al,7 1966; Pamra et al,13 1976). A justificativa para mais recidivas em idosos pode estar relacionada a tratamentos inadequados, deficiências imunológicas conseqüentes à idade, desnutrição e doenças concomitantes (Stead,17 1981). Entre os que haviam abandonado o tratamento previamente, 50,9% estavam na faixa etária dos 30 aos 50 anos, semelhante ao encontrado em 1992, em São Paulo (Nogueira et al,9 1993). Recidivas precoces (até 5 anos) ocorreram em 48,8% dos pacientes, próxima da observada por Edsall et al3 com 52,5%. Embora a reinfecção exógena não possa ser descartada, é mais provável que o mecanismo tenha sido a reativação endógena. Considerando apenas as recidivas precoces (42 pacientes), a proporção dos retornos até o segundo ano foi de 61,9%, semelhante ao estudo de Nogueira et al9, com 65%. Para os que já tinham história de abandono, os tempos decorridos também estão bem próximos para 6 meses (53,2% em São Paulo e 57,5% em Campinas), bem como para 2 anos (90% e 85,8% respectivamente). A análise do tempo decorrido desde o primeiro tratamento revela que em 33,3% dos pacientes esse intervalo foi superior a 2 anos, sugerindo que durante esse período devem ter ocorrido reinícios de tratamento, abandonos repetidos e falências de esquemas, com agravamento da doença.
A confirmação bacteriológica do diagnóstico das recidivas foi considerada baixa (61,2%), quando comparada com outros estudos, que referem positividade acima de 70% (Pamraet al,131976; Glaziou et al,6 1991). Os diagnósticos foram feitos praticamente pela baciloscopia de escarro, com pouca utilização de cultura naqueles pacientes que apresentaram apenas alterações radiológicas.
Embora apresentem problemas relacionados à demora do diagnóstico e a importante subnotificação, perto de 10% dos reingressados foram provenientes do Sistema Penitenciário. Entre 17 pacientes, a associação com a Aids acometeu 7 (41,2%). No reingresso, todos com forma pulmonar, 11 (64,7%) tiveram a tuberculose confirmada, sendo que em um deles já era constatada resistência à associação isoniazida-rifampicina. É trágica a avaliação da retomada do tratamento desses indivíduos: 13 (76,4%) abandonaram (ou foram abandonados!), 2 (11,8%) morreram e 2 (11,8%) conseguiram ser curados. Em outro estudo (Oliveira,12 1995), com notificações de pacientes novos e reingressados, do ano de 1993, dos presídios da cidade de Campinas, foi verificada elevada proporção de doentes com baciloscopia positiva (87,5%), associação com Aids em 33,3% e baixíssimo índice de cura (30%), com novo abandono em 80% dos reinscritos nessa categoria, alguns com mais de seis abandonos anteriores. As prisões superlotadas, com indivíduos duplamente infectados pelo M. tuberculosis e HIV, tornam o problema alarmante para os detentos, suas famílias e funcionários dos presídios.
O alcoolismo, inclusive entre as mulheres, merece destaque como patologia associada à tuberculose, tendo acometido metade dos pacientes com antecedente de abandono. São descritos baixos níveis de aderência nesse grupo, com elevada probabilidade de progressão para doença cavitária crônica (Rudoy,15 1997).
A avaliação da seqüência do reinício de tratamento mostrou elevado abandono, atingindo 63% entre os que já haviam anteriormente desistido do tratamento. Verificou-se que o risco de evolução para óbito foi maior entre os pacientes com Aids e que haviam abandonado o tratamento anteriormente, em relação aos reingressados com Aids e recidiva de tuberculose, provavelmente envolvendo cepas de bacilos resistentes. Foram comprovadas 12 falências no atendimento (4 entre os abandonos prévios e 9 entre as recidivas). Essa situação aproxima-se daquela encontrada no Harlem (Brudney & Dobkin,1 1991), com dados extremamente importantes ao mostrar que o aumento da incidência de tuberculose em Nova Iorque e o resultado dos tratamentos não foi decorrente apenas do HIV e dos desabrigados, mas que reflete a falência do sistema de saúde, apesar de advertências sobre o problema e de experiências prévias bem sucedidas (Fujiwaraet al,5 1997).
Na cidade de Campinas, SP, a partir de 1988, deu-se a descentralização do atendimento ao paciente com tuberculose, perante índices de cura de apenas 58% e abandono de tratamento de 26% (Oliveira,11 1991). Embora seja mencionada a duração insuficiente do tratamento como causa de resistência (Nunn & Felten,10 1994), é muito pouco provável que o tratamento tenha sido adequado até o momento em que ocorreu o abandono. É bem conhecido que a resistência isolada à droga caminha paralelamente à extensão do uso e à eficácia dos esquemas terapêuticos que a contêm.
Pôde-se, também, constatar irregularidades atribuídas aos serviços, certamente solucionáveis com supervisão e suporte técnico às unidades de atendimento. Atualmente, com níveis de reingresso ao redor de 20%, com reiteração desastrosa no abandono, pode-se supor que esteja ocorrendo um afluxo de falências de tratamento e uma provável diminuição da proporção de bacilos sensíveis nos casos de recidiva com tratamentos anteriores inadequados, elevando as resistências ao esquema de curta duração. A estratégia de terapia diretamente supervisionada pelo "Direct Observed Treatment Short-course" (DOTS) e implantada no Brasil em 1998, deve priorizar esses pacientes.
Correspondência para/Correspondence to:
Helenice Bosco de Oliveira
Rua Adalberto Maia, 190 ap. 42 13090-070 Campinas, SP, Brasil
E-mail: helenice@obelix.unicamp.br
Referências bibliográficas
- 1. Brudney K, Dobkin J. Resurgent tuberculosis in New York City. Am Rev Respir Dis 1991;144:745-9.
- 2. Dean AG, Dean JA, Burton A, Dicher RC. Epi Info version 5: a word processing database and statistics program for epidemiology on microcomputers. Stone Mountain, Georgia: USD Incorporated; 1990.
- 3. Edsall J, Collins JG, Gray JAC. The reactivation of tuberculosis in New York City in 1967. Am Rev Respir Dis 1970;102:725-36.
- 4. Fox W. General considerations in the choice and management of regimens of chemotherapy for tuberculosis. Bull Int Union Tuberc 1972;47:49-67.
- 5. Fujiwara PI, Larkin C, Frieden TR. Directly observed therapy in New York City. Clin Chest Med 1997;18:135-48.
- 6. Glaziou P, Chansin R, Spiegel A, Cartel JL. Utilité du suivi systématique des tuberculeux pour le dépistage des rechutes en Polynésie française entre 1971 et 1984. Rev Mal Respir 1991;8:387-90.
- 7. Grzybowski S, McKinnon NE, Tuters L, Pinkus G, Philipps R. Reactivations in inactive pulmonary tuberculosis. Am Rev Respir Dis 1966;93:352-61.
- 8. Grzybowski S, Enarson DA. El destino de los casos de tuberculosis pulmonar sometidos a diferentes formas de tratamiento. Bol Union Int Tuberc 1978;53:66-71.
- 9. Nogueira PA, Belluomini M, Almeida MMB, Lima MM, Nassar J, Santos LR et al. Algumas características dos reingressantes ao Sistema Experimental de Vigilância, segundo tipo de alta anterior. In: Anais do 4ş Congresso Paulista de Saúde Pública; 1993. Săo Paulo: Associaçăo Paulista de Saúde Pública; 1995. p. A181.
- 10. Nunn P, Felten M. Surveillance of resistance to antituberculosis drugs in developing countries. Tuberc Lung Dis 1994;75:163-7.
- 11. Oliveira HB. Estudo do tratamento da tuberculose na rede pública do município de Campinas-SP, 1987. [Dissertaçăo] Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, SP, 1991.
- 12. Oliveira HB. Estudo da tuberculose notificada entre presidiários. In: Anais do Congresso Brasileiro de Epidemiologia, Salvador; 1995. p. A667.
- 13. Pamra SP, Prasad G, Mathur GP. Relapse in pulmonary tuberculosis. Am Rev Respir Dis 1976;113:67-73.
- 14. Rastogi N, David HL. Mode of action of antituberculous drugs and mechanisms of drug resistance in Mycobacterium tuberculosis. Res Microbiol 1993;144:133-43.
- 15. Rudoy NM. Tuberculosis and alcoholism. Semin Respir Crit Care Med 1997;18:503-8.
- 16. Schlesselman J. Case-control studies: design, conduct, analysis New York: Oxford University Press; 1982.
- 17. Stead WW. Tuberculosis among elderly persons: an outbreak in a nursing home. Ann Intern Med 1981;94:606-10.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Ago 2001 -
Data do Fascículo
Out 2000
Histórico
-
Aceito
11 Jul 2000 -
Recebido
18 Maio 1999 -
Revisado
02 Jun 2000