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Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo infantil: uma abordagem epidemiológica

Resumos

OBJETIVO: Analisar a associação entre a qualidade do estímulo doméstico e o desempenho cognitivo infantil, identificando o impacto da escolaridade materna sobre a qualidade dessa estimulação. MÉTODOS: Estudo de corte transversal, com 350 crianças entre 17 e 42 meses, examinadas em 1999, em áreas centrais e periféricas de Salvador, Estado da Bahia. Utilizou-se um questionário socioeconômico, o inventário Home Observation for Measurement of the Environment Scale (HOME) para mensurar a estimulação no ambiente familiar, e a escala Bayley de desenvolvimento infantil. Foram realizadas análises univariadas e múltiplas, por meio da regressão linear, considerando nível de significância de 5%. RESULTADOS: Encontrou-se associação positiva (beta=0,66) e estatisticamente significante entre a qualidade da estimulação no ambiente doméstico e o desempenho cognitivo infantil. Parte do efeito da estimulação sobre a cognição foi mediada pela condição materna de trabalho e seu nível de escolaridade. Verificou-se que as crianças ocupando as primeiras ordens de nascimento, convivendo com reduzido número de menores de cinco anos, usufruem de melhor qualidade da estimulação no ambiente doméstico. Esse padrão de estimulação se mantém entre crianças convivendo com seus pais, cujas mães possuem melhor escolaridade, trabalham fora e convivem com companheiros no ambiente familiar. CONCLUSÕES: Confirma-se a importância da qualidade do estímulo doméstico para o desenvolvimento cognitivo infantil, além do relevante papel das condições materiais e dinâmica familiar. Os achados apontam a pertinência de ações de intervenção que favoreçam a qualidade do ambiente e da relação cuidador-criança para o desenvolvimento cognitivo.

Relações familiares; Cognição; Desenvolvimento infantil; Estudos transversais


OBJECTIVE: To assess the association between quality of stimulation in the family environment and child's cognitive development considering the impact of mother's schooling on the quality of stimulation. METHODS: A cross-sectional study comprising 350 children aged 17-42 months was carried out in central and peripheral areas of Salvador, Northeastern Brazil, in 1999. A socio-economic questionnaire was used, along with the Home Observation for Measurement of the Environment Scale (HOME Inventory), and the Bayley Scale for Infant Development. Bivariate and multivariate analyses were carried out through linear regression at 5% level of significance. RESULTS: There was a positive (beta=0.66) and statistically significant association between quality of stimulation in the family environment and child's cognitive development. Part of the effect was mediated by the mother's working circumstances and educational level. It was verified that a better quality of stimulation is provided for those who come early in the birth order in family, and live with only a few others under five years of age. This pattern of stimulation is better among children who live with their parents and whose mothers have better education, have a job and a partner involved in the family environment. CONCLUSIONS: Quality of stimulation in the family environment is crucial for child's cognitive development, besides the significant role of the available resources and family dynamics. The study findings show the pertinence to cognitive development of interventions which improve the quality of the environment and the child-caregiver relationship.

Family relations; Cognition; Child development; Cross-sectional studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo infantil: uma abordagem epidemiológica

Susanne Anjos AndradeI; Darci Neves SantosI; Ana Cecília BastosII; Márcia Regina Marcondes Pedromônico† † In memorian , III; Naomar de Almeida-FilhoI; Mauricio L BarretoI

IInstituto de Saúde Coletiva. Universidade Federal da Bahia (UFBa). Salvador, BA, Brasil

IIDepartamento de Psicologia. UFBa. Salvador, BA, Brasil

IIIDepartamento de Fonoaudiologia. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Darci Neves Santos Instituto de Saúde Coletiva - UFBa Rua Padre Feijó, 29 4º andar 40110-170 Salvador, BA, Brasil E-mail: darci@ufba.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a associação entre a qualidade do estímulo doméstico e o desempenho cognitivo infantil, identificando o impacto da escolaridade materna sobre a qualidade dessa estimulação.

MÉTODOS: Estudo de corte transversal, com 350 crianças entre 17 e 42 meses, examinadas em 1999, em áreas centrais e periféricas de Salvador, Estado da Bahia. Utilizou-se um questionário socioeconômico, o inventário Home Observation for Measurement of the Environment Scale (HOME) para mensurar a estimulação no ambiente familiar, e a escala Bayley de desenvolvimento infantil. Foram realizadas análises univariadas e múltiplas, por meio da regressão linear, considerando nível de significância de 5%.

RESULTADOS: Encontrou-se associação positiva (b=0,66) e estatisticamente significante entre a qualidade da estimulação no ambiente doméstico e o desempenho cognitivo infantil. Parte do efeito da estimulação sobre a cognição foi mediada pela condição materna de trabalho e seu nível de escolaridade. Verificou-se que as crianças ocupando as primeiras ordens de nascimento, convivendo com reduzido número de menores de cinco anos, usufruem de melhor qualidade da estimulação no ambiente doméstico. Esse padrão de estimulação se mantém entre crianças convivendo com seus pais, cujas mães possuem melhor escolaridade, trabalham fora e convivem com companheiros no ambiente familiar.

CONCLUSÕES: Confirma-se a importância da qualidade do estímulo doméstico para o desenvolvimento cognitivo infantil, além do relevante papel das condições materiais e dinâmica familiar. Os achados apontam a pertinência de ações de intervenção que favoreçam a qualidade do ambiente e da relação cuidador-criança para o desenvolvimento cognitivo.

Descritores: Relações familiares. Cognição. Desenvolvimento infantil. Estudos transversais.

INTRODUÇÃO

Na primeira infância os principais vínculos, bem como os cuidados e estímulos necessários ao crescimento e desenvolvimento, são fornecidos pela família. A qualidade do cuidado, nos aspectos físico e afetivo-social, decorre de condições estáveis de vida, tanto socioeconômicas quanto psicossociais.16 A acentuada desigualdade social na realidade brasileira, em especial no nordeste, ainda não garante à criança o direito de usufruir dessas condições.

Tais precariedades se manifestam pela média de apenas 4,3 anos de escolarização entre aqueles com idade acima de 10 anos. O censo demográfico de 2000 estimou que 32,8% das mães nordestinas são as únicas responsáveis pela educação dos filhos.8 Segundo Carvalhaes & Benício,7 o acesso a bens e serviços fica prejudicado com a ausência paterna, porque a mãe tende a depender de outros membros da família com alocação de renda, o que não é necessariamente dirigida a suprir a necessidade da criança.

A interação da criança com o adulto ou com outras crianças é um dos principais elementos para uma adequada estimulação no espaço familiar. Os processos proximais são mecanismos constituintes dessa interação, contribuindo para que a criança desenvolva sua percepção, dirija e controle seu comportamento. Além disso, permite adquirir conhecimentos e habilidades, estabelecendo relações e construindo seu próprio ambiente físico e social.6 Estudos sobre associação entre estimulação ambiental e cognição concluem que mães orientadas a estimularem seus bebês, por meio de uma variedade de experiências perceptivas com pessoas, objetos e símbolos, contribuíram para o desenvolvimento cognitivo das crianças, observando-se conseqüências positivas em longo prazo.10

A família desempenha ainda o papel de mediadora entre a criança e a sociedade, possibilitando a sua socialização, elemento essencial para o desenvolvimento cognitivo infantil. Sendo um sistema aberto que se desenvolve na troca de relações com outros sistemas, tem sofrido transformações, as quais refletem mudanças mais gerais da sociedade. Dessa maneira surgem novos arranjos, diferentes da família nuclear anteriormente dominante, constituída pelo casal e filhos. Qualquer que seja a sua estrutura, a família mantém-se como o meio relacional básico para as relações da criança com o mundo.13 A ecologia do desenvolvimento humano, formulada por Bronfenbrenner & Ceci,6 salienta a complexidade das inter-relações no ambiente imediato. Ele depende da existência e natureza das interconexões com outros ambientes complementares, permitindo contextualizar os fenômenos do desenvolvimento nos vários níveis do mundo social.

No ambiente familiar, paradoxalmente, a criança tanto pode receber proteção quanto conviver com riscos para o seu desenvolvimento. Fatores de risco relatados se referem freqüentemente ao baixo nível socioseconômico e à fragilidade nos vínculos familiares,4 podendo resultar em prejuízos para solução de problemas, linguagem, memória e habilidades sociais.

Vários autores afirmam que a escolaridade materna tem impacto sobre o desenvolvimento cognitivo de crianças por meio de fatores como organização do ambiente, expectativas e práticas parentais, experiências com materiais para estimulação cognitiva e variação da estimulação diária.4

Um estudo brasileiro com populações urbanas de baixa renda, identificou níveis psicossociais de risco ao desenvolvimento das crianças no ambiente familiar. Considerou como ambientes potencialmente danosos aqueles que incluem baixos níveis interativos e de envolvimento socioemocional entre adultos e crianças, presença de controle punitivo e restritivo, e níveis mínimos de organização familiar.16

Diante da importância da família na construção de um ambiente doméstico dotado de práticas psicossociais favoráveis ao desenvolvimento infantil, o presente trabalho teve como objetivo analisar a associação entre a qualidade do estímulo presente no microssistema familiar e o desempenho cognitivo de crianças, identificando o impacto da escolaridade materna sobre a qualidade dessa estimulação.

MÉTODOS

Estudo de corte transversal realizado com crianças entre 17 e 42 meses de idade, residindo com suas famílias em áreas centrais e periféricas da cidade de Salvador, Bahia, no ano de 1999. A população da cidade no período era de aproximadamente 2,3 milhões de habitantes, sendo 155.972 crianças na faixa de zero a três anos, população de referência do estudo. A partir de uma amostra de 1.153 crianças, de um estudo longitudinal sobre crescimento e morbidade por diarréia,15 extraiu-se, dentre aquelas com idade até 42 meses, uma sub-amostra de 373 crianças, assumindo-se média de 102 e desvio-padrão de 18,2 pontos para o escore cognitivo, erro amostral de 2,64 e 80% de poder. O limite de idade foi adotado por uma exigência do instrumento de mensuração psicológica, a escala Bayley de desenvolvimento infantil. Após as perdas e recusas, a amostra foi composta por 350 crianças.

O inquérito socioeconômico consistiu em questionário padronizado e pré-codificado, abordando a composição sociodemográfica, o nível socioeconômico e estrutura familiar. Pelo inventário HOME avaliou-se a qualidade do ambiente doméstico nos cinco primeiros anos de vida. A versão para o grupo etário entre zero e três anos, aqui utilizada, foi composta por 45 itens preenchidos com base no observado e nas respostas obtidas por entrevista na residência com a mãe da criança ou substituto. As subescalas do HOME correspondem a seis componentes: responsividade emocional e verbal do cuidador; ausência de punição e restrição; organização do ambiente físico e temporal; disponibilidade de materiais, brinquedos e jogos apropriados; envolvimento do cuidador com a criança; oportunidade de variação na estimulação diária.

A escala Bayley 2 de desenvolvimento infantil (The Bayley Scale of Mental Development) foi aplicada individualmente, para avaliar o desenvolvimento mental das crianças. Os itens para as idades das crianças foram aplicados e avaliados de acordo com as instruções do manual de aplicação. Os escores brutos, convertidos em tabelas apropriadas para a idade, determinaram o Índice de Desenvolvimento Mental (IDM).

A coleta de dados foi realizada em domicílio, por uma equipe de psicólogos e estudantes de psicologia. Os entrevistadores aplicaram os instrumentos psicológicos e conduziram as entrevistas com o principal cuidador, representado pela mãe em 94% das crianças.

Inicialmente, foi realizada análise descritiva da população em estudo quanto ao sexo, idade e ordem de nascimento da criança; grau de instrução, idade e estado civil do principal cuidador; número de crianças menores de cinco anos no domicílio, convívio paterno e trabalho materno. Nas análises univariadas as diferenças entre as médias do inventário HOME foram verificadas com o teste t de Student. A qualidade da estimulação presente no ambiente familiar, medida pelo escore global do inventário HOME constitui-se em variável independente principal, e o desempenho cognitivo infantil medido pela escala Bayley em variável dependente, ambas utilizadas como variáveis contínuas. A distribuição normal das variáveis foi verificada com a aplicação do teste Shapiro-Wilk adotando-se o nível de significância de 5%.

Utilizou-se modelo de regressão linear múltipla, com erros normais, a partir do método backward, para estimar a associação entre o escore global do inventário HOME e o escore de desempenho cognitivo da criança IDM, ajustado pelas potenciais variáveis de confusão. Foram selecionadas para o modelo de análise múltipla as variáveis com significância estatística menor que 20%. A interação foi verificada a partir do teste F-parcial, comparando-se o modelo na presença do termo produto com o modelo sem este termo. Na análise dos dados utilizou-se o programa Stata, versão 7.0, considerando-se o nível de significância de 5% em todas as análises realizadas.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia.

RESULTADOS

Das 350 crianças estudadas, 54,9% eram meninos e 66,6% tinham idade acima de dois anos. Para o total das crianças, o escore médio referente à qualidade da estimulação no ambiente familiar foi de 27,0 e desvio-padrão de 5,6.

Na Tabela 1, observaram-se escores médios de estimulação no ambiente familiar significativamente mais altos para crianças ocupando até a segunda ordem de nascimento (27,8 vs 25,1), entre aquelas que não compartilhavam o ambiente familiar com outras crianças de idade inferior a cinco anos (27,6 vs 25,7) e aquelas com convívio paterno (27,6 vs 25,5). O mesmo ocorreu para as crianças cujas mães conviviam com companheiro (27,3 vs 25,7), com escolaridade acima de cinco anos (27,9 vs 24,1) e que trabalhavam fora do domicílio (28,0 vs 26,5).

Verificou-se a importância da escolaridade materna em cada uma das sub-escalas do HOME, conforme apresentado na Tabela 2. Observou-se que apenas o item 'ausência de punição' se comportou independentemente da escolaridade.

Encontrou-se escore médio de 96,3 e desvio-padrão de 11,2 para o desempenho cognitivo. A Tabela 3 mostra diferentes modelos de regressão da associação principal, qualidade da estimulação doméstica e desempenho cognitivo da criança, ajustados para as possíveis variáveis de confusão. Na regressão linear univariada observou-se que o aumento de um ponto na escala do inventário HOME implicou num incremento de 0,659 no desempenho cognitivo (R2=10,6%). No modelo completo observou-se que o incremento do desempenho cognitivo foi de 0,507 (R2=15,4%). As variáveis 'trabalho fora de casa' e 'instrução materna' apresentaram maior impacto enquanto variáveis de confusão, correspondendo a 5,1% e 24,1% respectivamente.

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo indicaram que, quanto melhor a qualidade da estimulação ambiental disponível para a criança, melhor o seu desempenho cognitivo. Além disso, o nível da escolaridade materna, medida em anos, apresenta associação positiva com a qualidade da estimulação ambiental recebida pela criança. A escolaridade materna, acima de cinco anos, se associou positivamente à melhor organização do ambiente físico e temporal, a maior oportunidade de variação na estimulação diária, com disponibilidade de materiais e jogos apropriados para a criança e maior envolvimento emocional e verbal da mãe com a criança.

Vários estudos vêm apontando a escolaridade materna como fator de proteção para o desenvolvimento saudável da criança, tanto global quanto específico, como por exemplo, na extensão de vocabulário e nos escores de inteligência.3,12 As teorias cognitivas reconhecem que a extensão do léxico, "o inventário das palavras de uma língua"9 relaciona-se com os escores em testes de inteligência e estes com a habilidade de acesso ao léxico.14 Quanto maior a extensão do vocabulário, maior a competência para aprender novas palavras e maior a informação sobre o mundo. Do ponto de vista psicológico, há mais condições de equilíbrio emocional, visto que as palavras tornam o mundo previsível e preditivo.10 Dessa maneira, quanto maior o tempo da escolaridade materna, maior o domínio da língua, o que a levará à consciência ampliada de sua função materna como protetora do desenvolvimento de seu filho.

O fato de a mãe trabalhar fora propiciar melhores escores na escala HOME, talvez possa ser explicado também pela escolarização. A média de estudo da população brasileira é de 5,8 anos escolares, subindo para 6,3 anos no caso da população ocupada, o que indica a importância da escolarização para a futura inserção profissional de um indivíduo.8 Por outro lado, a condição de trabalho materno, enquanto elemento gerador de renda, pode facilitar o acesso a brinquedos e outros recursos promotores do desenvolvimento infantil.13,16 É possível, ainda, que a satisfação ocupacional promova a auto-estima, motivando experiências positivas das mães com seus filhos.13 Os cuidados oferecidos pela mãe à criança vêm sendo estudados como um dos atributos para o desenvolvimento da resiliência.11

Pior qualidade da estimulação foi observada entre as crianças cujo principal cuidador não possuía companheiro, e entre aquelas crianças que não dispunham do convívio paterno. A presença do companheiro interferiu positivamente na qualidade da estimulação disponível no ambiente familiar, o que pode estar ligado à influência positiva de sua presença no desempenho da função materna. Ainda, ser o terceiro ou mais na ordem de nascimento e conviver com outras crianças menores que dois anos decorreu em menores escores na escala HOME.

A escolaridade amplia a consciência sobre si mesmo, e no caso da mulher, amplia sua consciência sobre suas necessidades afetivas-sentimentais (escolha de companheiros) e de controle reprodutivo.

O presente estudo evidenciou o impacto da escolaridade materna na qualidade do estímulo ambiental presente no microssistema familiar e o decorrente impacto no desempenho cognitivo de crianças. No modelo de regressão final, foi possível evidenciar o efeito da escolarização e do trabalho materno sobre o escore de desempenho cognitivo medido pela escala Bayley.

A escassez de pesquisas epidemiológicas no Brasil com o enfoque nessa associação para a faixa etária abordada, impossibilita comparações nacionais com os achados do presente estudo.

Embora as escalas Bayley e o inventário HOME não tenham sido validados para a população brasileira, as generalizações dos achados são pertinentes. Isso porque não foram aplicados pontos de corte, estabelecendo-se, alternativamente, comparações internas ao grupo, considerando seus diferentes estratos. Os escores médios (96,3; DP 11,2) do grupo estudado se encontraram dentro da variação normal prevista para a população de padronização do instrumento de medição usado (85 a 115).

O desenho de estudo, de caráter transversal, analisando causa e efeito simultaneamente, tem como limite a impossibilidade de verificar se o nível de desenvolvimento cognitivo das crianças é decorrente da estimulação no ambiente familiar, permitindo constatar apenas a associação entre essas variáveis. Recomenda-se o emprego de desenhos longitudinais para aprofundar as relações de causalidade pertinentes ao objeto aqui estudado. Destaca-se também a importância de abordagens com modelos hierarquizados, abarcando maior número de variáveis preditoras, distais e proximais, objetivando esclarecer a influência do microssistema familiar sobre o desenvolvimento cognitivo.

Enfatiza-se a relevância do tema desta investigação, apesar de pouco estudado no âmbito da saúde coletiva no Brasil, considerando que a Organização Mundial da Saúde vem dispensando especial atenção às questões aqui abordadas. O papel da experiência precoce da estimulação ambiental para a saúde mental de crianças entre cinco e 14 anos já foi apontado por estudos populacionais anteriores conduzidos nos anos 80 por Bastos & Almeida-Filho.1

Os achados sugerem a necessidade de programas de intervenção para famílias de baixa renda. O Programa de Saúde da Família (PSF) surge como um espaço privilegiado de atenção às crianças vivendo em contextos desfavorecidos, na medida em que corresponde efetivamente a uma nova concepção de saúde, centrada na promoção da qualidade de vida.5 A orientação para o desenvolvimento de atividades lúdicas direcionados à relação mãe-filho ou cuidador-criança pode ser acolhida no âmbito do PSF. Este, por sua vez, dispõe de potencial técnico e de recursos humanos para intervir no ambiente familiar, incorporando o enfoque de práticas psicossociais de cuidados infantis e assim, contribuindo de forma relevante para o desenvolvimento cognitivo da criança brasileira.

AGRADECIMENTOS

À Rosana Tristão, da Universidade de Brasília pela contribuição na escolha do instrumento de avaliação cognitiva e Ana Patrícia Borges, da Universidade Federal da Bahia pela coleta de dados.

Recebido em 9/1/2004. Reapresentado em 18/3/2005. Aprovado em 5/5/2005.

Financiado pela Secretaria de Infraestrutura do Estado da Bahia (Processo n. 001/2002) e pelo Programa de Núcleo de Excelência (PRONEX/CNPq/MCT - Contrato n. 661086/1998-4).

Baseado na dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, em 2003.

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  • Endereço para correspondência
    Darci Neves Santos
    Instituto de Saúde Coletiva - UFBa
    Rua Padre Feijó, 29 4º andar
    40110-170 Salvador, BA, Brasil
    E-mail:
  • †
    In memorian
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      05 Maio 2005
    • Recebido
      09 Jan 2004
    • Revisado
      18 Mar 2005
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