Acessibilidade / Reportar erro

My Exposure to Violence: tradução e adaptação transcultural para o português brasileiro

RESUMO

OBJETIVO

Traduzir e adaptar para português brasileiro o instrumento de aferição de exposição à violência comunitária, My Exposure to Violence.

MÉTODOS

Estudo psicométrico de tradução e adaptação transcultural em sete etapas: (I) traduções iniciais, (II) síntese das traduções, (III) retrotraduções, (IV) pré-adaptação transcultural, (V) avaliação por comitê de juízes, (VI) pré-teste e (VII) submissão ao autor original. Na etapa V oito juízes avaliaram a equivalência de conteúdo do instrumento, sendo calculado o índice de validade de conteúdo para cada item (IVC-I) e para a média do instrumento (IVC-M), considerando-se um IVC-I ≥ 0,78 como excelente e um IVC-M ≥ 0,80 como aceitável e ≥ 0,90 como excelente. O pré-teste foi realizado com 39 adolescentes matriculados em uma instituição de ensino em Fortaleza, no Ceará, sendo avaliada a compreensibilidade dos itens.

RESULTADOS

Na etapa I, duas traduções foram produzidas, com poucas diferenças entre si. Estas foram dirimidas na etapa II, gerando a versão síntese (T12). Na etapa III, os itens retrotraduzidos refletiram o mesmo conteúdo dos itens da versão original. Na etapa IV, ocorreu a revisão de T12 pelos autores, que realizaram modificações linguísticas específicas, de modo a facilitar o entendimento. Na etapa V, um item (22) apresentou IVC < 0,78. Devido a pertinência das sugestões, 19 dos 23 itens (82,60%) sofreram modificações. O IVC-M do instrumento foi 0,92. Na etapa VI, a média de idade dos participantes foi de 17,48 anos (DP = 1,27). A versão pré-final teve 21 dos 23 itens (91,30%) totalmente compreendidos por mais de 90% dos participantes. Não foram realizadas alterações na versão final.

CONCLUSÕES

O My Exposure to Violence foi adaptado transculturalmente para o português brasileiro, tendo sido bem compreendido pela população alvo. Outras propriedades psicométricas, como confiabilidade e validade, devem ser avaliadas em estudos posteriores para fortalecer as evidências da versão traduzida e adaptada.

Adolescente; Exposição à Violência; Inquéritos e Questionários; Tradução; Psicometria

ABSTRACT

OBJECTIVE

To translate and adapt the My Exposure to Violence instrument for measuring exposure to community violence into Brazilian Portuguese.

METHODS

Psychometric study of translation and cross-cultural adaptation in seven stages: (I) initial translations, (II) synthesis of translations, (III) back-translations, (IV) cross-cultural pre-adaptation, (V) evaluation by committee of judges, (VI) pre-test, and (VII) submission to the original author. In step V eight judges evaluated the instrument’s equivalence of content, and the content validity index was calculated for each item (CVI-I) and for the average of the instrument (CVI-M), considering a CVI-I ≥ 0.78 as excellent and a CVI-M ≥ 0.80 as acceptable and ≥ 0.90 as excellent. The pre-test was conducted with 39 adolescents enrolled in an educational institution in Fortaleza, state of Ceará. The understandability of the items was evaluated.

RESULTS

In step I, two translations were produced with few differences between them. These were resolved in step II, by generating the synthesis version (T12). In step III, the back-translated items reflected the same content as the items in the original version. In step IV, T12 was revised by the authors, who made specific linguistic changes in order to facilitate understanding. In step V, one item (22) presented CVI < 0.78. Due to the relevance of the suggestions, 19 of the 23 items (82.60%) were modified. The CVI-M of the instrument was 0.92. In stage VI, the mean age of the participants was 17.48 years (SD = 1.27). The pre-final version had 21 out of 23 items (91.30%) fully understood by more than 90% of the participants. No changes were made to the final version.

CONCLUSIONS

My Exposure to Violence was cross-culturally adapted into Brazilian Portuguese, and was well understood by the target population. Other psychometric properties, such as reliability and validity, should be evaluated in further studies to strengthen the evidence of the translated and adapted version.

Adolescent; Exposure to Violence; Surveys and Questionnaires; Translating; Psychometrics

INTRODUÇÃO

A violência é reconhecidamente um problema de saúde pública11. Schraiber LB, Barros C, d’Oliveira AFPL, Peres MFT. A Revista de Saúde Pública na produção bibliográfica sobre violência e saúde (1967-2015). Rev Saude Publica 2016;50:63. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050000086
https://doi.org/10.1590/S1518-8787.20160...
. Entre as várias formas de violência, a violência comunitária é considerada especialmente danosa, causando diversos impactos adversos na saúde dos indivíduos que são expostos a ela22. Fowler PJ, Tompsett CJ, Braciszewski JM, Jacques-Tiura AJ, Baltes BB. Community violence: a meta-analysis on the effect of exposure and mental health outcomes of children and adolescents. Dev Psychopathol. 2009;21(1):227-59. https://doi.org/10.1017/S0954579409000145
https://doi.org/10.1017/S095457940900014...
.

Embora haja divergências na literatura quanto ao conceito de violência comunitária, ela é geralmente definida e aferida pelos pesquisadores em termos de danos ou ameaça de danos interpessoais dentro de uma vizinhança ou comunidade, excluindo-se conceitos relacionados, como violência doméstica, maus tratos e bullying33. Kennedy TM, Ceballo R. Who, what, when, and where? Toward a dimensional conceptualization of community violence exposure. Rev Gen Psychol. 2014;18(2):69-81. https://doi.org/10.1037/gpr0000005
https://doi.org/10.1037/gpr0000005...
.

Os adolescentes são uma parcela da população que é particularmente vulnerável à exposição aos mais variados tipos de violência, especialmente à violência comunitária44. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF. Situação de crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência. Cienc Saude Colet. 2009;14(2):349-61. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200002
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200900...
. A prevalência da exposição à violência comunitária (EVC) em adolescentes varia em revisões de literatura internacionais de 3% a 96%, podendo tal amplitude de variação ser explicada pela utilização de diferentes instrumentos de aferição, pela coleta de dados a partir de diferentes fontes, pela abordagem de diferentes tipos de exposição à violência e por reais diferenças de prevalência em virtude de características intrínsecas das comunidades55. Ximenes LF, Assis SG, Pires TO, Avanci JQ. Violência comunitária e transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes. Psicol Reflex Crit. 2013;26(3):443-50. https://doi.org/10.1590/S0102-79722013000300003
https://doi.org/10.1590/S0102-7972201300...
.

A exposição à violência comunitária tem sido relacionada a uma gama de desfechos negativos entre os adolescentes, como problemas de saúde mental66. Paula CS, Vedovato MS, Bordin IAS, Barros MGSM, D’Antino MEF, Mercadante MT. Saúde mental e violência entre estudantes da sexta série de um município paulista. Rev Saude Publica. 2008;42(3):524-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000027
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200800...
, depressão77. Foell A, Pitzer KA, Nebbitt V, Lombe M, Yu M, Villodas ML, et al. Exposure to community violence and depressive symptoms: examining community, family, and peer effects among public housing youth. Health Place. 2021;69:102579. https://doi.org/10.1016/j.healthplace.2021.102579
https://doi.org/10.1016/j.healthplace.20...
, ansiedade88. Burgers DE, Drabick DAG. Community violence exposure and generalized anxiety symptoms: does executive functioning serve a moderating role among low income, urban youth? J Abnorm Child Psychol. 2016;44(8):1543-57. https://doi.org/10.1007/s10802-016-0144-x
https://doi.org/10.1007/s10802-016-0144-...
, transtorno de estresse pós-traumático99. Nebbitt V, Lombe M, Pitzer KA, Foell A, Enelamah N, Chu Y, et al. Exposure to violence and posttraumatic stress among youth in public housing: do community, family, and peers matter? J Racial Ethn Health Disparities. 2021;8(1):264-74. https://doi.org/10.1007/s40615-020-00780-0
https://doi.org/10.1007/s40615-020-00780...
, agressão1010. Coleman JN, Farrell AD. The influence of exposure to violence on adolescents’ physical aggression: the protective influence of peers. J Adolesc. 2021;90:53-65. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2021.06.003
https://doi.org/10.1016/j.adolescence.20...
e delinquência1111. Kennedy TM, Ceballo R. Emotionally numb: desensitization to community violence exposure among urban youth. Dev Psychol. 2016;52(5):778-89. https://doi.org/10.1037/dev0000112
https://doi.org/10.1037/dev0000112...
. Estudos utilizando neuroimagem mostraram associação entre EVC e redução de volume da substância cinzenta e menor QI1212. Butler O, Yang XF, Laube C, Kühn S, Immordino-Yang MH. Community violence exposure correlates with smaller gray matter volume and lower IQ in urban adolescents. Hum Brain Mapp. 2018;39(5):2088-97. https://doi.org/10.1002/hbm.23988
https://doi.org/10.1002/hbm.23988...
e EVC no início da adolescência como fator preditor de menor volume do hipocampo e da amígdala ao final da adolescência, o que pode implicar em prejuízos na aprendizagem, memória e no processamento de emoções1313. Saxbe D, Khoddam H, Del Piero L, Stoycos SA, Gimbel SI, Margolin G, et al. Community violence exposure in early adolescence: longitudinal associations with hippocampal and amygdala volume and resting state connectivity. Dev Sci. 2018;21(6):e12686. https://doi.org/10.1111/desc.12686
https://doi.org/10.1111/desc.12686...
.

O estudo sobre a exposição à violência comunitária entre adolescentes no Brasil é ainda bastante fragmentado e praticamente restrito a capitais do Sul e Sudeste do país44. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF. Situação de crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência. Cienc Saude Colet. 2009;14(2):349-61. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200002
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200900...
. Além disso, não foi localizado em língua portuguesa nenhum instrumento de aferição dessa exposição que tivesse sido submetido a processo de tradução e adaptação transcultural rigoroso, ou seja, que se baseasse em um método bem estabelecido na literatura e descrevesse pormenorizadamente as etapas seguidas. Por exemplo, Zavaschi et al.1414. Zavaschi ML, Benetti S, Polanczyk GV, Solés N, Sanchotene ML. Adolescents exposed to physical violence in the community: a survey in Brazilian public schools. Rev Panam Salud Publica. 2002;12(5):327-32. https://doi.org/10.1590/s1020-49892002001100006
https://doi.org/10.1590/s1020-4989200200...
avaliaram a prevalência de EVC de adolescentes em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, utilizando o Survey of Children’s Exposure to Community Violence (SCECV)1515. Richters J, Saltzman W. Survey of children’s exposure to community violence: self report version . Bethesda, MD: National Institute of Mental Health; 1990. https://doi.org/10.13140/RG.2.2.13714.04808
https://doi.org/10.13140/RG.2.2.13714.04...
. As únicas informações disponibilizadas quanto ao processo de tradução e adaptação transcultural foram de que o instrumento em inglês fora traduzido para o português e submetido a retrotradução por dois tradutores independentes. No Rio de Janeiro, pesquisa55. Ximenes LF, Assis SG, Pires TO, Avanci JQ. Violência comunitária e transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes. Psicol Reflex Crit. 2013;26(3):443-50. https://doi.org/10.1590/S0102-79722013000300003
https://doi.org/10.1590/S0102-7972201300...
avaliou a associação entre EVC e transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes com idades entre nove a 16 anos, utilizando uma tradução do instrumento Things I have seen and heard 1616. Richters JE, Martinez P. The NIMH community violence project: I. Children as victims of and witnesses to violence. Psychiatry. 1993;56(1):7-21. https://doi.org/10.1080/00332747.1993.11024617
https://doi.org/10.1080/00332747.1993.11...
, o qual se trata de uma adaptação do já citado SCECV, voltado para a aplicação em crianças de seis a oito anos de idade e que avalia principalmente exposição indireta à violência, não sendo disponibilizadas informações quanto ao processo de tradução e adaptação transcultural. Ademais, ambos os instrumentos incluem itens de caracterização questionável como violência comunitária, como ver tráfico de drogas, ver um cadáver (sem especificação de causa da morte por violência) ou sofrer acidentes. Outros dois trabalhos1717. Sbicigo JB, Dell’Aglio DD. Contextual variables associated with psychosocial adjustment of adolescents. Span J Psychol. 2013;16:E11. https://doi.org/10.1017/sjp.2013.20
https://doi.org/10.1017/sjp.2013.20...
,1818. Silva DG, Dell’Aglio DD. Exposure to domestic and community violence and subjective well-being in adolescents. Paideia (Ribeirão Preto). 2016;26(65):299-305. https://doi.org/10.1590/1982-43272665201603
https://doi.org/10.1590/1982-43272665201...
utilizaram itens retirados de um instrumento desenvolvido no Brasil, chamado Questionário da Juventude Brasileira1919. Dell’Aglio DD, Koller SH, Cerqueira-Santos E, Colaço V. Revisando o Questionário da Juventude Brasileira: uma nova proposta. In: Dell’Aglio DD, Koller SH, coordenadoras. Adolescência e juventude: vulnerabilidade e contextos de proteção. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2011. p. 259-70., para aferição de exposição à violência comunitária, consistindo-se apenas em cinco itens que avaliam a ocorrência de ameaça ou humilhação, socos ou surra, agressão com objetos, toque íntimo forçado e estupro, o que é uma caracterização muito restrita de violência comunitária.

Assim, este estudo propôs-se a traduzir e adaptar para o português brasileiro o instrumento de aferição de exposição à violência comunitária My Exposure to Violence (My ETV)2020. Selner-O’Hagan MB, Kindlon DJ, Buka SL, Raudenbush SW, Earls FJ. Assessing exposure to violence in urban youth. J Child Psychol Psychiatry. 1998;39(2):215-24. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00315
https://doi.org/10.1111/1469-7610.00315...
,2121. Brennan RT, Molnar BE, Earls F. Refining the measurement of exposure to violence (ETV) in urban youth. J Community Psychol. 2007;35(5):603-18. https://doi.org/10.1002/jcop.20167
https://doi.org/10.1002/jcop.20167...
. O My ETV foi desenvolvido originalmente para utilização em Chicago, EUA2020. Selner-O’Hagan MB, Kindlon DJ, Buka SL, Raudenbush SW, Earls FJ. Assessing exposure to violence in urban youth. J Child Psychol Psychiatry. 1998;39(2):215-24. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00315
https://doi.org/10.1111/1469-7610.00315...
, tendo sido posteriormente adaptado para melhor aferir especificamente a exposição à violência comunitária2121. Brennan RT, Molnar BE, Earls F. Refining the measurement of exposure to violence (ETV) in urban youth. J Community Psychol. 2007;35(5):603-18. https://doi.org/10.1002/jcop.20167
https://doi.org/10.1002/jcop.20167...
, sendo composto por itens dicotômicos (respostas sim/não) e aborda a EVC nos âmbitos (1) vitimização direta, (2) testemunhar e (3) tomar conhecimento de episódio de violência, dividindo-se assim em três subescalas, a primeira com sete itens e as outras com oito itens cada. É considerado um dos instrumentos de aferição de exposição à violência com validação psicométrica mais robusta, um dos poucos a avaliar as três categorias de exposição33. Kennedy TM, Ceballo R. Who, what, when, and where? Toward a dimensional conceptualization of community violence exposure. Rev Gen Psychol. 2014;18(2):69-81. https://doi.org/10.1037/gpr0000005
https://doi.org/10.1037/gpr0000005...
e vem sendo amplamente utilizado nos EUA1111. Kennedy TM, Ceballo R. Emotionally numb: desensitization to community violence exposure among urban youth. Dev Psychol. 2016;52(5):778-89. https://doi.org/10.1037/dev0000112
https://doi.org/10.1037/dev0000112...
,2222. Jain S, Buka SL, Subramanian SV, Molnar BE. Protective factors for youth exposed to violence: role of developmental assets in building emotional resilience. Youth Violence Juv Justice. 2012;10(1):107-29. https://doi.org/10.1177/1541204011424735
https://doi.org/10.1177/1541204011424735...
e em outros países2323. Haj-Yahia MM, Leshem B, Guterman N. Exposure to community violence among Arab youth in Israel: rates and characteristics. J Community Psychol. 2011;39(2):136-51. https://doi.org/10.1002/jcop.20423
https://doi.org/10.1002/jcop.20423...
,2424. Salhi C, Scoglio AAJ, Ellis H, Issa O, Lincoln A. The relationship of pre-and post-resettlement violence exposure to mental health among refugees: a multi-site panel survey of Somalis in the US and Canada. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2021;56(6):1015-23. https://doi.org/10.1007/s00127-020-02010-8
https://doi.org/10.1007/s00127-020-02010...
.

Em estudo de validação, o instrumento foi aplicado em 1.871 crianças e adolescentes de nove a 19 anos de idade, sendo encontrado um alfa de Cronbach de 0,82; uma análise fatorial confirmatória indicou a adequação da hipótese de subdivisão da exposição à violência comunitária em três vias de exposição; por fim, o escore latente de EVC, calculado por aplicação de um modelo da teoria de resposta ao item, apresentou fortes correlações com variáveis demonstradas na literatura como associadas à EVC, como medidas de ansiedade/depressão, delinquência, agressividade e características sociodemográficas2121. Brennan RT, Molnar BE, Earls F. Refining the measurement of exposure to violence (ETV) in urban youth. J Community Psychol. 2007;35(5):603-18. https://doi.org/10.1002/jcop.20167
https://doi.org/10.1002/jcop.20167...
.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo psicométrico que consistiu na tradução e adaptação transcultural da versão autoaplicável do instrumento de aferição de exposição à violência comunitária, My ETV. A utilização do My ETV neste trabalho foi autorizada por um de seus autores principais.

O processo de tradução e adaptação transcultural foi baseado no modelo proposto por Beaton et al.2525. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Toronto (CA): Institute for Work & Health; 2007 [cited 2021 Jul 26]. Available from: https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/...
, consistindo nas seguintes etapas: (I) tradução inicial, (II) síntese das traduções, (III) retrotradução, (IV) pré-adaptação transcultural, (V) revisão por comitê de juízes, (VII) pré-teste e (VIII) submissão aos autores da versão original, tendo sido a etapa IV incluída pelos autores do presente artigo.

Duas traduções do My ETV (T1 e T2) para o português foram realizadas independentemente por dois tradutores com língua nativa português, bilíngues (etapa I), um deles informado quanto aos objetivos e conceitos abordados pelo instrumento e o outro era um tradutor literário profissional inglês-português, sem experiência em pesquisa na área de saúde (tradutor “ingênuo”). Finalizadas T1 e T2, os tradutores realizaram uma videoconferência, mediada por observadora externa com experiência em tradução e adaptação transcultural, para discutir as diferenças entre as traduções e chegar a uma versão síntese (T12) (etapa II). Em seguida, T12 foi enviada para dois tradutores profissionais com língua materna inglesa (um sul-africano e um americano, residentes no Brasil há sete e 26 anos, respectivamente), sem background da área da saúde e que desconheciam o instrumento original, para o processo de retrotradução, produzindo as versões BT1 e BT2 (etapa III).

Antes da etapa de revisão por comitê de juízes, acrescentando uma etapa ao método proposto por Beaton et al2525. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Toronto (CA): Institute for Work & Health; 2007 [cited 2021 Jul 26]. Available from: https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/...
. os autores realizaram uma revisão da versão síntese T12 (etapa IV), efetuando algumas modificações, tais como alterações no ordenamento das palavras, buscando aproximar o sujeito do verbo e modificações de vocabulário e expressões idiomáticas. Esse procedimento objetivou facilitar o entendimento do questionário pelo seu público-alvo e otimizar o processo de revisão pelos juízes. A nova revisão foi intitulada de pré-adaptação transcultural (pré-ATC).

Terminada a fase de traduções, ocorreu a revisão por comitê de juízes (etapa V). Foram enviados convites via e-mail para 45 potenciais juízes, os quais preenchiam pelo menos um dos seguintes critérios: (1) ter formação em Língua Inglesa e/ou Linguística; (2) ser pesquisador com experiência em desenvolvimento e/ou adaptação transcultural de instrumentos de pesquisa (metodologista), com domínio autorrelatado de língua inglesa e (3) ser pesquisador com experiência na área de violência, com domínio autorrelatado de língua inglesa.

Para cada juiz que aceitou participar do estudo foram enviados via e-mail o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), as instruções para avaliação, o questionário em suas versões original, T1, T2, T12, BT1, BT2 e pré-ATC; e o instrumento de avaliação quanto às equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual da versão pré-ATC do My ETV. O instrumento de avaliação pelos juízes, em formato de documento de texto do software Microsoft Office 365®, consistiu na versão pré-ATC ao lado da original, com cada item com um campo de pontuação específico para os quatro tipos de equivalência, pontuados em uma escala tipo Likert com as seguintes opções: 1 = nenhuma equivalência, 2 = pouca equivalência, 3 = média equivalência, 4 = muita equivalência e 5 = total equivalência. Foi propiciado espaço para sugestões, utilizado em itens com pontuação menor que quatro. Os juízes foram instruídos a considerar equivalência semântica como a manutenção do significado das palavras entre o instrumento original e o traduzido, equivalência idiomática como a equivalência de coloquialismos ou expressões idiomáticas, equivalência cultural como a coerência da tradução com a cultura da população alvo e equivalência conceitual como a avaliação se os termos traduzidos representam o mesmo conceito dos termos originais2626. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32. https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)90142-N
https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)901...
.

A concordância entre os juízes em relação à adequação das equivalências de cada item foi avaliada por meio do índice de validade de conteúdo (IVC), um dos métodos mais utilizados2727. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Cienc Saude Colet. 2011;16(7):3061-8. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000800006
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201100...
, com a fórmula: (número de juízes que pontuaram 4 ou 5) / (nº total de juízes), a partir da qual foram calculados o IVC de cada item para cada uma das quatro equivalências e o IVC geral de cada item (IVC-I), como a média aritmética dos IVC das quatro equivalências. Por fim, foi calculado o IVC médio do instrumento (IVC-M), como a média aritmética dos IVC-I de cada um dos itens. Considerou-se um IVC-I ≥ 0,78 como excelente e um IVC-M ≥ 0,80 como aceitável e ≥ 0,90 como excelente2828. Polit DF, Beck CT, Owen SV. Is the CVI an acceptable indicator of content validity? Appraisal and recommendations. Res Nurs Health. 2007;30(4):459-67. https://doi.org/10.1002/nur.20199
https://doi.org/10.1002/nur.20199...
. As sugestões dos juízes foram então compiladas e avaliadas pelos autores, que conseguiram consenso sobre quais alterações realizar, chegando assim à versão pré-final, utilizada na etapa seguinte.

O pré-teste (etapa VI) foi realizado com adolescentes matriculados em uma instituição federal que oferece cursos técnicos integrados e superiores em Fortaleza, no Ceará. A escolha dessa população deu-se devido ao perfil sociocultural heterogêneo de seus estudantes, possibilitando a avaliação do instrumento por diferentes estratos da população alvo. Os participantes foram selecionados aleatoriamente entre todos os estudantes com idade até 19 anos à época do estudo (adolescentes). Os sorteados receberam por e-mail um link para um questionário, contendo TCLE (maiores de 18 anos) ou Termo de Assentimento e TCLE para o responsável (menores de 18 anos), e o instrumento de coleta de dados propriamente dito, composto pela versão pré-final do My ETV em português, avaliação sobre a compreensão de cada item, uma avaliação do instrumento como um todo e perguntas para caracterização sociodemográfica. Para avaliação da compreensão dos itens individualmente, cada um deles foi exposto separadamente e oferecidas aos participantes três opções de resposta: “eu não entendi a pergunta”, “eu entendi mais ou menos a pergunta” e “eu entendi a pergunta”; os participantes foram solicitados a indicar como reescreveriam os itens assinalados com a primeira ou segunda opções ou fazer sugestões, sendo fornecido campo específico para tal. O link foi enviado para 800 estudantes, objetivando-se um quantitativo de 30 a 40 participantes, no período de 8 de fevereiro de 2021 a 8 de abril de 2021.

As sugestões do público-alvo foram então compiladas e avaliadas pelos autores. A versão final foi então submetida, com toda a documentação produzida ao longo de todas as etapas, ao autor do instrumento original (etapa VII).

O estudo seguiu os princípios éticos de pesquisa envolvendo seres humanos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelos comitês de ética em pesquisa da Universidade Federal do Ceará e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará sob os pareceres nº 4.026.654 (CEP/UFC) e 4.328.491 (CEP/IFCE).

RESULTADOS

Para a elaboração da versão síntese (T12), a estruturação dos itens em quase todos os casos se deu por meio da combinação das duas traduções fornecidas. A discussão entre os tradutores iniciou-se com a padronização dos itens, ou seja, garantir que as expressões utilizadas mais de uma vez fossem traduzidas sempre da mesma forma. Nesse sentido, 21 dos 23 itens contêm a expressão “in your whole life” e todos contêm o termo “ever”. O tradutor 1 escolheu seguir literalmente o original, utilizando para o item 1, por exemplo, “Em toda sua vida, você alguma vez…”. Já o tradutor 2 compactou a expressão, utilizando “Você alguma vez na vida”. Para a síntese, considerou-se que a versão compactada mantinha o significado do original, com a vantagem de tornar a leitura menos cansativa.

Apenas uma divergência semântica relevante foi encontrada entre T1 e T2. No item 1, o trecho “could really get hurt” foi traduzido como “poderia se machucar seriamente” pelo tradutor 1 e como “realmente corria risco de se machucar” pelo tradutor 2. Na síntese, os tradutores concluíram que a solução presente em T2 mostrava-se mais adequada a intenção do item original, ou seja, o termo “really” indicando alta probabilidade de sofrer algum dano e não a gravidade do dano.

As retrotraduções apresentaram algumas diferenças em relação ao original, por exemplo, nenhum item retrotraduzido foi iniciado por “In your whole life”, o que já era esperado a partir das decisões tomadas na construção de T12. Ainda assim, os itens retrotraduzidos refletiram o mesmo conteúdo dos itens da versão original, tendo as retrotraduções cumprido o objetivo de checagem de validade e detecção de possíveis erros conceituais e inconsistências grosseiras em T122525. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Toronto (CA): Institute for Work & Health; 2007 [cited 2021 Jul 26]. Available from: https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/...
.

Na etapa de pré-ATC, os autores realizaram alterações em 18 dos 23 itens (78,26%), tais como a substituição da expressão “Você alguma vez na vida viu” por “Alguma vez na vida você viu” e do termo “bastão” por “pedaço de pau”.

Do total de 45 profissionais convidados para a composição do comitê, 15 aceitaram participar, porém apenas 8 devolveram o instrumento de avaliação no prazo estipulado. Os juízes participantes eram profissionais das áreas de Enfermagem, Fisioterapia, Psicologia e Língua Inglesa, todos doutores e docentes, dos quais três preencheram o critério de inclusão “a”, um deles atendia ao critério “b”, dois ao critério “c”, e dois preencheram simultaneamente aos critérios “b” e “c”. Na avaliação pelo comitê de juízes, a versão pré-ATC apresentou excelentes equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural aceitável. Apenas um item (22) apresentou IVC-I < 0,78. O IVC-M do instrumento foi 0,92, considerado excelente (Tabela 1).

Tabela 1
Índices de validade de conteúdo por equivalências, por itens e total. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2021.

As sugestões dos juízes deram-se majoritariamente no sentido de se obter uma maior equivalência cultural. Dos oito juízes, apenas dois não sugeriram nenhuma modificação no instrumento. O item 22, por ter obtido IVC-I < 0,78, seria o único a necessitar obrigatoriamente ser modificado, porém, devido à elevada pertinência das sugestões, 19 dos 23 itens (82,60%) sofreram alguma modificação na versão pré-final, utilizada no pré-teste. O Quadro 1 apresenta as versões originais, pré-ATC e pré-final do My ETV.

Quadro 1
Versões original, pré-ATC e final do My Exposure to Violence . Fortaleza, Ceará, Brasil, 2021.

A média de idade dos 39 participantes do pré-teste foi de 17,48 anos (DP = 1,27), com mínimo de 15 e máximo de 19 anos. A maioria era do sexo feminino (51,28%), parda (71,79%), católica (41,03%), solteira (92,31%) e residia em Fortaleza (74,36%).

Dos 23 itens da versão pré-final, 21 (91,30%) foram totalmente compreendidos por mais de 90% dos participantes. Os itens com maior dificuldade de compreensão foram os itens nove e 10, contudo ambos foram relatados como totalmente compreendidos por 35 estudantes (89,74%), conforme demonstra a Tabela 2.

Tabela 2
Compreensão dos itens do Minha Exposição à Violência. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2021.

Apenas uma pequena parcela dos participantes 6 (15,38%) fez sugestões de modificações nos itens. Dos 23 itens, oito (34,78%) receberam sugestões/críticas. O Quadro 2 apresenta todos os comentários dos participantes.

Quadro 2
Sugestões realizadas pelos participantes do pré-teste. Fortaleza, Ceará, 2021.

Os autores avaliaram que as sugestões ou eram impertinentes (itens 13, 14 e 23) ou implicariam em mudança substancial no conteúdo dos itens (item 2 e item 10b) ou apresentavam uma formulação excessivamente técnica (item 9b). Em relação às demais, apesar de pertinentes, julgou-se que elas diferiam muito pouco dos itens apresentados. Sendo assim, não foram realizadas alterações nos itens da versão pré-final.

Na avaliação geral, a grande maioria dos participantes, 31 (79,49%), considerou que responderia o instrumento com facilidade, apenas 12 (30,77%) consideraram o questionário longo e apenas 11 (28,21%) o consideraram repetitivo. A maioria da amostra, 32 (82,05%) e 37 (94,87%), julgou que a partir das respostas do instrumento é possível saber se um(a) adolescente já sofreu algum tipo de violência e se um(a) adolescente conhece alguém que já sofreu algum tipo de violência, respectivamente.

Considerando a avaliação positiva do instrumento como um todo e a elevada compreensão de seus itens pelos participantes do pré-teste, considerou-se finalizado o processo de tradução e adaptação ao contexto cultural brasileiro do My ETV, com o título Minha Exposição à Violência, sendo mantida a versão pré-final como versão final. Todas as versões produzidas ao longo do processo foram submetidas a um dos autores originais, o qual aprovou a versão final em português e nos parabenizou por manter a intenção conceitual dos itens.

DISCUSSÃO

A tradução e adaptação transcultural para o português brasileiro do instrumento de aferição de exposição à violência comunitária, My ETV, foi realizada obtendo excelentes equivalências semântica, idiomática, conceitual e aceitável equivalência cultural por juízes, além da compreensão elevada dos itens pela população alvo.

O processo metodológico de preparação de um instrumento de pesquisa para a aplicação em uma população com idioma, cultura, conceitos e experiências distintos daquela para a qual foi originariamente desenvolvido requer que seja seguido um roteiro rigoroso e padronizado para se obter um instrumento traduzido confiável2929. Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2011;17(2):268-74. https://doi.org/10.1111/j.1365-2753.2010.01434.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2753.2010...
. Neste trabalho, foram seguidas as etapas propostas por Beaton et al.2525. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Toronto (CA): Institute for Work & Health; 2007 [cited 2021 Jul 26]. Available from: https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/...
, referencial utilizado no Brasil3030. Lino CRM, Brüggemann OM, Souza ML, Barbosa SFF, Santos EKA. Adaptação transcultural de instrumentos de pesquisa conduzida pela enfermagem do Brasil: uma revisão integrativa. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e1730017. https://doi.org/10.1590/0104-07072017001730017
https://doi.org/10.1590/0104-07072017001...
e internacionalmente3131. Arafat S, Chowdhury HR, Qusar M, Hafez MA. Cross cultural adaptation and psychometric validation of research instruments: a methodological review. J Behav Health. 2016;5(3):129-36. https://doi.org/10.5455/jbh.20160615121755
https://doi.org/10.5455/jbh.201606151217...
na maioria dos estudos de adaptação transcultural, acrescido de uma etapa denominada pré-ATC que consistia em uma análise preliminar de aspectos linguísticos culturais.

Na etapa I, as traduções foram realizadas independentemente por dois tradutores com língua materna do idioma alvo (português brasileiro) e sintetizadas na versão T12 (etapa II). A escolha de tradutores qualificados é crucial para a obtenção de traduções de alta qualidade. A composição de tradutor informado e tradutor ingênuo é necessária para garantir que as versões traduzidas abranjam tanto aspectos técnicos quanto reflitam a língua falada e suas nuances culturais2929. Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2011;17(2):268-74. https://doi.org/10.1111/j.1365-2753.2010.01434.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2753.2010...
.

A retrotradução funciona como uma verificação de controle de qualidade adicional, tendo o objetivo de verificar se a versão síntese reflete o conteúdo do instrumento original, não pressupondo que eles se mantenham literalmente idênticos, mas que mantenham a equivalência conceitual3232. Borsa JC, Damásio BF, Bandeira DR. Adaptação e validação de instrumentos psicológicos entre culturas: algumas considerações. Paidéia (Ribeirão Preto). 2012;22(53):423-32. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2012000300014
https://doi.org/10.1590/S0103-863X201200...
. Na etapa III, as retrotraduções não apresentaram grandes discrepâncias entre si e nem em relação ao original.

Ocorreu a adição de uma etapa ao roteiro proposto por Beaton et al.2525. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Toronto (CA): Institute for Work & Health; 2007 [cited 2021 Jul 26]. Available from: https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/...
, intitulada pré-ATC, consistindo na revisão da versão síntese T12 (etapa IV) antes da revisão pelo comitê de juízes. Acréscimos e modificações em processos de adaptação transcultural são comuns e, em geral, bem aceitos, desde que sejam reconhecidos e descritos em detalhes3333. Sperber AD. Translation and validation of study instruments for cross-cultural research. Gastroenterology. 2004;126 Suppl 1:S124-8. https://doi.org/10.1053/j.gastro.2003.10.016
https://doi.org/10.1053/j.gastro.2003.10...
.

Na etapa V, o comitê de juízes atingiu a composição mínima sugerida por Beaton et al.2525. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Toronto (CA): Institute for Work & Health; 2007 [cited 2021 Jul 26]. Available from: https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/...
, incluindo linguistas, metodologistas e especialistas na área do construto, sendo formado por profissionais de elevada expertise, o que possibilitou que fossem geradas sugestões de elevada pertinência, as quais foram acatadas sempre que possível, visando obter a maior relevância e compreensibilidade possível dos itens, garantindo-se assim um instrumento bem adaptado ao contexto brasileiro.

Esse processo refletiu-se positivamente na etapa de pré-teste. Poucas sugestões foram feitas e, considerando-se a alta taxa de compreensão dos itens, não foram realizadas novas alterações no instrumento. A aplicação a uma amostra com diferentes perfis de adolescentes deu garantia aos resultados de avaliação da compreensão do instrumento. Além disso, a maioria dos participantes não considerou o instrumento nem longo nem repetitivo, o que é relevante pois esses são fatores que podem estar associados a uma menor taxa de resposta3434. Rolstad S, Adler J, Rydén A. Response burden and questionnaire length: is shorter better? A review and meta-analysis. Value Health. 2011;14(8):1101-8. https://doi.org/10.1016/j.jval.2011.06.003
https://doi.org/10.1016/j.jval.2011.06.0...
. Assim, o My ETV foi traduzido e adaptado transculturalmente para o português brasileiro, o que é o primeiro passo para uma futura validação do instrumento e aplicação em amostras maiores de adolescentes.

As contribuições deste estudo são relevantes tendo em vista a escassez de instrumentos devidamente adaptados para o português na área de violência comunitária. Alguns trabalhos avaliaram EVC por meio de outros instrumentos, porém geralmente não há descrições dos processos de tradução e adaptação transcultural e/ou os instrumentos utilizados não abrangem o conceito de violência comunitária em suas três vias de exposição (vitimização direta, testemunhar e tomar conhecimento de episódio de violência).

Não foi localizada nenhuma pesquisa que aplicou qualquer instrumento de aferição de exposição à violência comunitária em adolescentes no nordeste do Brasil. Salienta-se ainda que o My ETV é um dos poucos instrumentos a avaliar as três categorias de EVC, e que, até a data de finalização deste trabalho não foi localizado estudo de adaptação transcultural do My ETV realizado no Brasil ou nenhuma versão portuguesa do instrumento, ressaltando sua contribuição em disponibilizar a versão brasileira do My ETV para uso e validação nos mais variados contextos de pesquisas.

Como limitações deste estudo, pode-se citar a coleta dos dados de forma virtual. Tanto na etapa de avaliação por juízes como no pré-teste encontros presenciais poderiam ter gerado uma maior riqueza de informações, possibilidade inviabilizada pelo contexto da pandemia de SARS-CoV-2, porém acreditamos que os benefícios da coleta virtual, como baixo custo, otimização de tempo e oportunidade para responder o questionário em momento escolhido, com maior tempo para reflexão, superaram as possíveis limitações.

CONCLUSÕES

A violência comunitária é um problema de saúde pública que impacta principalmente os adolescentes, porém não havia um instrumento adequado em língua portuguesa para aferição da exposição à violência comunitária. O presente estudo realizou a tradução e adaptação transcultural para o português brasileiro do instrumento de aferição My ETV, seguindo o protocolo mais recomendado e utilizado na literatura mundial. Outras propriedades de medidas, como confiabilidade e validades de critério e de construto, devem ser avaliadas em estudos posteriores para fortalecer as evidências da tradução e adaptação para o português brasileiro.

REFERENCES

  • 1
    Schraiber LB, Barros C, d’Oliveira AFPL, Peres MFT. A Revista de Saúde Pública na produção bibliográfica sobre violência e saúde (1967-2015). Rev Saude Publica 2016;50:63. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050000086
    » https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050000086
  • 2
    Fowler PJ, Tompsett CJ, Braciszewski JM, Jacques-Tiura AJ, Baltes BB. Community violence: a meta-analysis on the effect of exposure and mental health outcomes of children and adolescents. Dev Psychopathol. 2009;21(1):227-59. https://doi.org/10.1017/S0954579409000145
    » https://doi.org/10.1017/S0954579409000145
  • 3
    Kennedy TM, Ceballo R. Who, what, when, and where? Toward a dimensional conceptualization of community violence exposure. Rev Gen Psychol. 2014;18(2):69-81. https://doi.org/10.1037/gpr0000005
    » https://doi.org/10.1037/gpr0000005
  • 4
    Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF. Situação de crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência. Cienc Saude Colet. 2009;14(2):349-61. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200002
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200002
  • 5
    Ximenes LF, Assis SG, Pires TO, Avanci JQ. Violência comunitária e transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes. Psicol Reflex Crit. 2013;26(3):443-50. https://doi.org/10.1590/S0102-79722013000300003
    » https://doi.org/10.1590/S0102-79722013000300003
  • 6
    Paula CS, Vedovato MS, Bordin IAS, Barros MGSM, D’Antino MEF, Mercadante MT. Saúde mental e violência entre estudantes da sexta série de um município paulista. Rev Saude Publica. 2008;42(3):524-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000027
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000027
  • 7
    Foell A, Pitzer KA, Nebbitt V, Lombe M, Yu M, Villodas ML, et al. Exposure to community violence and depressive symptoms: examining community, family, and peer effects among public housing youth. Health Place. 2021;69:102579. https://doi.org/10.1016/j.healthplace.2021.102579
    » https://doi.org/10.1016/j.healthplace.2021.102579
  • 8
    Burgers DE, Drabick DAG. Community violence exposure and generalized anxiety symptoms: does executive functioning serve a moderating role among low income, urban youth? J Abnorm Child Psychol. 2016;44(8):1543-57. https://doi.org/10.1007/s10802-016-0144-x
    » https://doi.org/10.1007/s10802-016-0144-x
  • 9
    Nebbitt V, Lombe M, Pitzer KA, Foell A, Enelamah N, Chu Y, et al. Exposure to violence and posttraumatic stress among youth in public housing: do community, family, and peers matter? J Racial Ethn Health Disparities. 2021;8(1):264-74. https://doi.org/10.1007/s40615-020-00780-0
    » https://doi.org/10.1007/s40615-020-00780-0
  • 10
    Coleman JN, Farrell AD. The influence of exposure to violence on adolescents’ physical aggression: the protective influence of peers. J Adolesc. 2021;90:53-65. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2021.06.003
    » https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2021.06.003
  • 11
    Kennedy TM, Ceballo R. Emotionally numb: desensitization to community violence exposure among urban youth. Dev Psychol. 2016;52(5):778-89. https://doi.org/10.1037/dev0000112
    » https://doi.org/10.1037/dev0000112
  • 12
    Butler O, Yang XF, Laube C, Kühn S, Immordino-Yang MH. Community violence exposure correlates with smaller gray matter volume and lower IQ in urban adolescents. Hum Brain Mapp. 2018;39(5):2088-97. https://doi.org/10.1002/hbm.23988
    » https://doi.org/10.1002/hbm.23988
  • 13
    Saxbe D, Khoddam H, Del Piero L, Stoycos SA, Gimbel SI, Margolin G, et al. Community violence exposure in early adolescence: longitudinal associations with hippocampal and amygdala volume and resting state connectivity. Dev Sci. 2018;21(6):e12686. https://doi.org/10.1111/desc.12686
    » https://doi.org/10.1111/desc.12686
  • 14
    Zavaschi ML, Benetti S, Polanczyk GV, Solés N, Sanchotene ML. Adolescents exposed to physical violence in the community: a survey in Brazilian public schools. Rev Panam Salud Publica. 2002;12(5):327-32. https://doi.org/10.1590/s1020-49892002001100006
    » https://doi.org/10.1590/s1020-49892002001100006
  • 15
    Richters J, Saltzman W. Survey of children’s exposure to community violence: self report version . Bethesda, MD: National Institute of Mental Health; 1990. https://doi.org/10.13140/RG.2.2.13714.04808
    » https://doi.org/10.13140/RG.2.2.13714.04808
  • 16
    Richters JE, Martinez P. The NIMH community violence project: I. Children as victims of and witnesses to violence. Psychiatry. 1993;56(1):7-21. https://doi.org/10.1080/00332747.1993.11024617
    » https://doi.org/10.1080/00332747.1993.11024617
  • 17
    Sbicigo JB, Dell’Aglio DD. Contextual variables associated with psychosocial adjustment of adolescents. Span J Psychol. 2013;16:E11. https://doi.org/10.1017/sjp.2013.20
    » https://doi.org/10.1017/sjp.2013.20
  • 18
    Silva DG, Dell’Aglio DD. Exposure to domestic and community violence and subjective well-being in adolescents. Paideia (Ribeirão Preto). 2016;26(65):299-305. https://doi.org/10.1590/1982-43272665201603
    » https://doi.org/10.1590/1982-43272665201603
  • 19
    Dell’Aglio DD, Koller SH, Cerqueira-Santos E, Colaço V. Revisando o Questionário da Juventude Brasileira: uma nova proposta. In: Dell’Aglio DD, Koller SH, coordenadoras. Adolescência e juventude: vulnerabilidade e contextos de proteção. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2011. p. 259-70.
  • 20
    Selner-O’Hagan MB, Kindlon DJ, Buka SL, Raudenbush SW, Earls FJ. Assessing exposure to violence in urban youth. J Child Psychol Psychiatry. 1998;39(2):215-24. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00315
    » https://doi.org/10.1111/1469-7610.00315
  • 21
    Brennan RT, Molnar BE, Earls F. Refining the measurement of exposure to violence (ETV) in urban youth. J Community Psychol. 2007;35(5):603-18. https://doi.org/10.1002/jcop.20167
    » https://doi.org/10.1002/jcop.20167
  • 22
    Jain S, Buka SL, Subramanian SV, Molnar BE. Protective factors for youth exposed to violence: role of developmental assets in building emotional resilience. Youth Violence Juv Justice. 2012;10(1):107-29. https://doi.org/10.1177/1541204011424735
    » https://doi.org/10.1177/1541204011424735
  • 23
    Haj-Yahia MM, Leshem B, Guterman N. Exposure to community violence among Arab youth in Israel: rates and characteristics. J Community Psychol. 2011;39(2):136-51. https://doi.org/10.1002/jcop.20423
    » https://doi.org/10.1002/jcop.20423
  • 24
    Salhi C, Scoglio AAJ, Ellis H, Issa O, Lincoln A. The relationship of pre-and post-resettlement violence exposure to mental health among refugees: a multi-site panel survey of Somalis in the US and Canada. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2021;56(6):1015-23. https://doi.org/10.1007/s00127-020-02010-8
    » https://doi.org/10.1007/s00127-020-02010-8
  • 25
    Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Toronto (CA): Institute for Work & Health; 2007 [cited 2021 Jul 26]. Available from: https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
    » https://dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
  • 26
    Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32. https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)90142-N
    » https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)90142-N
  • 27
    Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Cienc Saude Colet. 2011;16(7):3061-8. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000800006
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000800006
  • 28
    Polit DF, Beck CT, Owen SV. Is the CVI an acceptable indicator of content validity? Appraisal and recommendations. Res Nurs Health. 2007;30(4):459-67. https://doi.org/10.1002/nur.20199
    » https://doi.org/10.1002/nur.20199
  • 29
    Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2011;17(2):268-74. https://doi.org/10.1111/j.1365-2753.2010.01434.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1365-2753.2010.01434.x
  • 30
    Lino CRM, Brüggemann OM, Souza ML, Barbosa SFF, Santos EKA. Adaptação transcultural de instrumentos de pesquisa conduzida pela enfermagem do Brasil: uma revisão integrativa. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e1730017. https://doi.org/10.1590/0104-07072017001730017
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072017001730017
  • 31
    Arafat S, Chowdhury HR, Qusar M, Hafez MA. Cross cultural adaptation and psychometric validation of research instruments: a methodological review. J Behav Health. 2016;5(3):129-36. https://doi.org/10.5455/jbh.20160615121755
    » https://doi.org/10.5455/jbh.20160615121755
  • 32
    Borsa JC, Damásio BF, Bandeira DR. Adaptação e validação de instrumentos psicológicos entre culturas: algumas considerações. Paidéia (Ribeirão Preto). 2012;22(53):423-32. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2012000300014
    » https://doi.org/10.1590/S0103-863X2012000300014
  • 33
    Sperber AD. Translation and validation of study instruments for cross-cultural research. Gastroenterology. 2004;126 Suppl 1:S124-8. https://doi.org/10.1053/j.gastro.2003.10.016
    » https://doi.org/10.1053/j.gastro.2003.10.016
  • 34
    Rolstad S, Adler J, Rydén A. Response burden and questionnaire length: is shorter better? A review and meta-analysis. Value Health. 2011;14(8):1101-8. https://doi.org/10.1016/j.jval.2011.06.003
    » https://doi.org/10.1016/j.jval.2011.06.003

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2021
  • Aceito
    27 Out 2021
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@usp.br